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architexts ISSN 1809-6298


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DEL RIO, Vicente; GALLO, Haroldo. O legado do urbanismo moderno no Brasil. Paradigma realizado ou projeto inacabado? Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 006.05, Vitruvius, nov. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.006/958>.

Seguramente no Brasil, mais do que em muitos outros países, o movimento moderno na arquitetura e no urbanismo foi emblemático, deixando um legado bastante significativo. Se, já na década de vinte, suas expressões construtivas e plásticas marcavam presença no cenário nacional, período em que a base ideológica do movimento emerge, se estrutura e fundamenta a partir das experiências européias do entre-guerras, foi com o Estado Novo que ele ganharia corpo e consistência, tornando-se o paradigma da cultura nacional, ganhando volume e densidade até o seu clímax com a construção de Brasília. Paradigma que, se nunca chegou a ser plenamente realizado, encontrou respaldo no ideário de consolidação da nação brasileira, serviu a gerações de jovens arquitetos, e ainda deixa marcas nítidas em todas as cidades brasileiras.

O ideário modernista internacional foi sumária e explicitamente expresso também no Brasil, pela vontade de construção de uma sociedade mais igualitária, de substituição da exaurida estética classicizante e historicista por uma "estética nova" da máquina, de industrialização nas cidades e promoção de uma nova classe operária – lastro político do Estado Novo- e de transformação de um país de caráter majoritariamente rural para majoritariamente urbano. Em síntese, este ideário de transformação e progresso, nosso espírito nacional e Zeitgeist da época – coincidente com nossa base positivista de ordem e progresso expressa na bandeira nacional – iria inevitavelmente apoiar-se nas expressões urbanísticas, concretizadas tardiamente se comparadas às expressões arquitetônicas.

Nos anos trinta e quarenta, em nível dos modelos urbanísticos adotados no Brasil, ao contrário da arquitetura modernista já plenamente consolidada, ainda persistia o embate entre o modelo que, a exemplo de Choay, poderíamos chamar de culturalista, e o progressista, que logo tornou-se hegemônico e iria encontrar em Lúcio Costa o seu maior representante (1). Falamos, por exemplo, dos planos urbanos de Agache para várias cidades brasileiras, das cidades de colonização alemã e italiana no Paraná e São Paulo e dos loteamentos com traçados inspirados nas cidades jardim, como os da companhia City, em São Paulo, ou o Jardim Laranjeiras (Rua General Glicério) e o Jardim Oceânico, no Rio de Janeiro. A maioria destes projetos culturalistas, particularmente os loteamentos voltados para as classes mas altas, possuíam baixa densidade, a ocupação dos lotes residenciais dava-se em meio a espaços densamente arborizados, as ruas eram tortuosas, bucólicas e adaptadas à topografia. Hoje, estes chamados bairros jardins residenciais são muito procurados e valorizados e muitos encontram-se protegidos como patrimônio histórico em seu traçado e volumetria.

Sem dúvidas, no caso brasileiro, ao ser alçado a ideologia de Estado, o modelo modernista progressista e racional tornou-se hegemônico, o que inevitavelmente acabaria por rebater-se no campo do urbanismo. De importantes projetos urbanos, embora ainda localizados, como o conjunto da Pampulha e o Parque Ibirapuera, o urbanismo moderno no Brasil iria atingir a sua expressão máxima com o concurso para Brasília no fim dos anos 50, bem depois, portanto, da sua cristalização como modelo arquitetônico. A construção da nova cidade projetada, transferindo a capital litorânea do Rio de Janeiro para o então inóspito interior de nosso território, era uma experiência única dentre as raras referências internacionais. O projeto tornou-se fato, "acabado" em poucos anos, um urbanismo ao mesmo tempo nacional e internacional, tornado referência mundial, marco da maturidade cultural da arquitetura e urbanismo brasileiros.

Se por um lado, a facilidade de implantação deste modelo urbano no Brasil explica-se dentro do projeto maior de construção de um novo Estado e uma nova nação, com identidade própria mas ao mesmo tempo internacionalizada. Pelo outro lado, representava um passo ansiosamente esperado pela elite cultural brasileira pois dava corpo ao pensamento positivista e racionalista, cujas suas origens remotas do renascimento e de Descartes, para quem o enfrentamento de problemas dava-se pela sua subdivisão e a conseqüente abordagem do simples para o complexo, atuando assim por partes. É esta também a origem do princípio de "tábula rasa", tão caro ao pensamento corbusiano com o qual se alinharam estreitamente a arquitetura e o urbanismo modernista brasileiros. Nega-se a autoridade do passado, substituído pela experiência própria, à luz da razão, desprezando o legado histórico, sobre o qual o modernismo se afirma por negação, numa cidade zonificada e físicamente sadia para o seu perfeito funcionamento: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito.

Não por acaso, portanto, o projeto moderno encontrou campo fértil para expandir-se no Brasil dos anos 50 e 60. Sua compatibilidade com as políticas nacionais de desenvolvimento e de habitação propiciou com que continuasse a servir de modelo fortemente inserido em todos os níveis e expressões culturais. A partir daí, para além da experiência de Brasília, mas certamente por sua dimensão emblemática e pela propositura gestual que marcou a nossa geração modernista pelo uso e abuso do traço como o método preponderante de intervenção e solução dos problemas espaciais, há também um lado mais obscuro e bem menos discutido do legado do nosso urbanismo modernista.

Assim, a ideologia modernista inseriu-se no cotidiano das cidades brasileiras, não apenas através da atuação de arquitetos modernistas no setor privado e em todos os níveis de governo, mas também através das ideologias explícitas dos agentes institucionais, tais como o Banco Nacional da Habitação, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e as Companhias de Habitação, e dos instrumentos reguladores do desenvolvimento urbano, tais como planos diretores, projetos-cura, leis de uso e ocupação do solo, códigos de obras, etc. O sucesso do modelo está particularmente ancorado no fato de prestar-se facilmente aos interesses da maximização dos lucros, seja pela sua "simplicidade" maior ou pelas excessivas densidades e verticalizações suscitadas pelas "torres em meio ao verde", particularmente quando o modelo é bastardizado pela especulação imobiliária e banalizado por regulamentações urbanísticas simplistas.

E a imensa maioria desses resultados nem de longe podem ser comparados em qualidade com o legado da nossa arquitetura modernista, particularmente aquela da chamada fase heróica e que hoje começa a ser rediscutida e revalorizada em todo o mundo; constituem-se, na verdade, em exemplos de como a adoção irrestrita e impensada dos preceitos urbanísticos modernistas pode ser prejudicial, mesmo se através da mãos de nossos próprios heróis (Figs. 1 & 2).

Um dos mais sentidos legados desse urbanismo e que permeia o cotidiano de nossas cidades são os dispositivos restritivos e classificatórios da lei de zoneamento. Se por um lado tenta-se proteger funções urbandas do impacto de outras, o zoning é derivado da quebra da visão da cidade como continuum (físico-espacial, social e histórico) e tende a promover uma abordagem fracionada, que não reconhece a riqueza da complexidade urbana e trata a cidade por partes estanques, mais facilmente manipuláveis. No Brasil, assim como em todas as grandes cidades mundiais, através do zoneamento, esta visão modernista equivocada promoveu o monofuncionalismo e o esvaziamento de áreas urbanas, impacto particularmente sentido nos centros históricos das cidades maiores, que acaba por gerar áreas esvaziadas, propensas à marginalidade e inseguras, com processos de degradação de difícil reversão, nesses espaços repletos de infra-estrutura e, na maioria das vezes, carregados de significado para suas comunidades (Figs. 3 & 4).

Companheiros do zoneamento, os índices urbanísticos e outras normas de regulamentação da ocupação do solo, no caso da grande maioria das cidades brasileiras, institucionalizam a excelência de determinados tipos ou modelos arquitetônicos em detrimento de outros destoantes do repertório dos arquitetos legisladores ou da lógica dos empreendedores imobiliários. Assim, as imensas áreas "livres" e verdes projetadas transformam-se em desconfortáveis e perigosos vazios, prédios de escritórios absolutamente impessoais em curtain wall rompem drasticamente com o tecido antigo, novos recuos geram descontinuidades e terras-de-ninguém tão inúteis quanto perigosas, os mesmos projetos de modernas torres residenciais sobre embasamento de garagem são "carimbados" irrestritamente por todos os bairros, e fomenta-se a dicotomia do espaço público versus privado, que se implanta por exclusão do semi-público impedindo as escalas de transição (Figs. 5 & 6).

Em nossas cidades, o zoneamento e as regulamentações urbanísticas – legado fundamentalmente modernista - garantem, em seu cunho mais perverso, que os empreendedores não corram o risco de terem os seus empreendimentos subitamente desvalorizados pela instalação de um vizinho indesejado. Além disto, conjuntamente às decisões maiores de políticas de investimentos em infraestrutura e transportes, estes instrumentos garantem as novas centralidades, expulsando para áreas menos dotadas e a periferia da cidade (ou para os morros) a população de menor poder aquisitivo e que não pode instalar-se nas tipologias arquitetônicas e urbanísticas oficiais.

Mais tardiamente, esse modelo exaurido de modernismo prolonga-se nas cidades brasileiras através da expansão e constituição de novas franjas urbanas. Por um lado, pós-modernizado e tornado filho bastardo, como no caso da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, onde o Plano Piloto de Lúcio Costa foi, na verdade, um facilitador para que a área se tornasse locus por excelência de todos os tipos possíveis de malls e shopping centers, condomínios moldados em Williams Island, parques temáticos e outras experimentações do capitalismo globalizado (2). Por outro lado, assumindo um caráter exógeno, excêntrico e descontínuo com o meio urbano no qual se insere, como no caso do Memorial da América Latina em São Paulo (Figs. 7 & 8).

Mas se aqui apontamos genericamente pontos negativos no legado do urbanismo moderno no Brasil, a corrente revisão do modernismo, em andamento também no Brasil, minimiza o potencial de sua recorrência e já aponta modelos e soluções mais comprometidos com o cotidiano dos usuários e os contextos construtivos e ambientais das novas inserções. Acima de tudo, é preciso destacar um seu forte caráter positivo: o ideário modernista serviu para estabelecer entre nós um grande sentido do social e uma unidade de propósitos, por meio da qual foi possível estabelecer, paradoxalmente com o princípio de negação do repertório histórico e da criação de formas novas, uma expressão de identidade.

Essa talvez seja a nossa dívida mais fecunda com o legado do nosso urbanista moderno maior, o arquiteto Lúcio Costa. Em primeiro lugar, o trânsito fácil de Lúcio Costa entre a escala do edifício e da cidade, certamente fator de ruptura com a herança portuguesa, é um evidente indutor de nossa posição clara de unicidade de formação do arquiteto, diferentemente de muitos países. Em segundo lugar, a sua vinculação com a preservação histórica através de sua obra escrita e sua atuação no IPHAN. Essas características de Lúcio se estenderam a gerações de arquitetos que, se não incorporaram repertórios formais e tecnológicos do passado, souberam neles buscar lições de agenciamento espacial adequadas ao nosso peculiar meio e forma de vida, e incorporar essas lições a seu repertório tipológico, formal e técnico.

Assim, tanto na arquitetura quanto no urbanismo, foi possível estabelecer uma identidade que, embora referenciando-se no ideário internacional, soube ser idiossincrática no caso brasileiro, expressando seus valores seguros e coletivamente assumidos, ao contrário da atual cultura pós-moderna que, com sua dispersão e diversidade de pontos de vista, gera uma constante crise de valores e de identidade. Muito provavelmente, o estabelecimento e fortalecimento dos elementos locais de identidade seja uma das maneiras mais efetivas de atenuar os efeitos perversos dessa nossa contemporânea cultura globalizada, e para tanto será oportuno não negligenciarmos o legado modernista, perseguindo o que há de mais fecundo em seu projeto inacabado.

notas

1
Vide, por exemplo, um excelente apanhado sobre a evolução do urbanismo brasileiro em LEME, Maria Cristina Dias (org). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, Studio Nobel / FUPAM, 1999.

2
Vide DEL RIO, V. & SANTOS, A. C. A Outra Urbanidade: A Construção da Cidade Pós-Moderna e o Caso da Barra da Tijuca. In DEL RIO, V. (org). Arquitetura: Pesquisa & Projeto, São Paulo, Pro-Editores & PROARQ-FAU/UFRJ, 1998.

sobre o autor

Vicente del Rio é arquiteto, doutor em Arquitetura e Urbanismo e professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Haroldo Gallo é arquiteto, doutor em Arquitetura e Urbanismo e professor titular de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.

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