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architexts ISSN 1809-6298


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Como podemos ler o espaço urbano contemporâneo através da diversidade de códigos que dançam num complexo sistema de redes de fluxos contínuos?


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EICHEMBERG, André Teruya; BARBIERI, Maria Júlia . Espaço e cotidiano: fluxos, redes, freqüências. 1 grão = 1 ticket. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 050.06, Vitruvius, jul. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.050/567>.

“É evidente que uma sociedade é um sistema não-linear onde o que um indivíduo faz repercute e é amplificado por efeito do socius. Essa não-linearidade característica aumentou de maneira espetacular em conseqüência da intensificação de intercâmbios de todos os tipos" PRIGOGINE, Ilya. Only an Illusion, 1982-83

Sintonias do espaço

Como podemos ler o espaço urbano contemporâneo através da diversidade de códigos que dançam num complexo sistema de redes de fluxos contínuos? Como criar condições para a emergência de novos sinais no cotidiano da população de uma metrópole? Como compreender as dinâmicas de uma cidade, que se processam através dos seus múltiplos níveis de agenciamento social, cultural, afetivo? De que modo tais micro e macrorredes instauradas ao nosso redor podem contribuir para o uso desses espaços permeados pelas latências arquiteturais da diversidade sígnica?

Promover a emergência de questionamentos, dúvidas, incertezas através de processos de legibilidade da cidade pode nos desvelar novas interações graças ao estudo de outras sondagens das freqüências que vibram ou que oscilam entre os fixos e os fluxos da cidade, cujas atividades, compartilhadas pela multidão, possibilitam novas dinâmicas de leitura do espaço urbano. De acordo com Ferrara, “essa nova modalidade de cotidiano é alimentada por um cortejo de relações [...] Descobre-se o local, relendo-o no global e ambos participam de uma percepção colaborativa mais complexa, porém, talvez, mais real e atual” (1).

Reconhecemos com facilidade que as tecnologias de telecomunicações possibilitaram uma extraordinária intensificação das comunicações e da recepção de informações, ou o nosso ingresso nos ilimitados territórios do ciberespaço (2), mas não nos é tão fácil reconhecer o quanto essas tecnologias modificam constantemente os modos e meios de organizar nossas vidas, e também os nossos agenciamentos com o espaço circundante.

Tem-se, desse modo, toda uma rede intercomunicante implantada no tecido urbano pelas tecnologias de informação, que instauram e dinamizam fluxos abrangendo uma ampla gama de velocidades de transmissão de informações e materiais em nosso cotidiano, um sistema tecnológico que não serve apenas como ferramenta para auxílio de ações, mas que também permite o diálogo com o espaço físico numa transfusão cíbrida (3) de mediações.

Em seu livro ME++. The cyborg self and networked city (2003), William Mitchell, arquiteto e pesquisador do MIT, analisa como as novas tecnologias digitais, a crescente miniaturização das máquinas (micro e nanotecnologias) e os sistemas de comunicação sem fio (wireless) afetam os modos de organização da sociedade contemporânea, o que o autor coloca como uma condição de uma “arquitetura do andar” (4). Tais possibilidades de “conectividade estão se tornando a principal característica da condição urbana do novo século” (5). Mitchell não só discute e visualiza possibilidades futuras que tais tecnologias instalarão em nosso ambiente e os possíveis efeitos que elas causarão nos modos que utilizamos para organizar e apreender o urbano, mas também, numa análise tão instigante quanto a que acompanha suas antevisões, apresenta a cidade contemporânea enquanto rede de conexões (físicas, digitais, cognitivas) que já instauram novas estruturas de mediação do corpo e das tecnologias com o cotidiano.

Na linha desses questionamentos e indagações, visamos sondar as dinâmicas do espaço urbano nele reconhecendo um sistema potencial onde podemos sintonizar essas outras freqüências mediadoras da cidade. Recorremos, com freqüência, à noção de uma outra dinâmica escondida na repetição de ações que ocorrem nas atividades cotidianas da cidade. No âmbito dessa dinâmica, estamos interessados, em especial, nos meios de investigar as intermodulações (6) presentes no espaço e que permitam e possibilitem interações em diversos níveis, interações que influenciam micro e macrossistemas. Essa investigação inclui, em particular, a sintonia de possíveis brechas no espaço, zonas confusas, mas em cujo ruído aparente seja possível desvelar outros diagramas relacionais, outras flutuações. Assim, segundo Ferrara, “entre estabilidade de fixos e dinâmica de fluxos, faz-se a cidade” (7).

Ferrara também aponta um aspecto-chave que se destaca nesse ruído branco resultante de múltiplas confluências: “Impõe-se considerar o espaço como território interdisciplinar de investigação, não porque seja objeto de estudo de várias áreas de conhecimento, mas porque sua complexidade demanda interpretações que decorrem da experiência humana tecida e tramada nas filigranas da vivência cotidiana [...]” (8).

Para Buchanan, “em grupos de redes, muitas das ligações entre pessoas são ligações poderosas, cimentadas com a interação freqüente” (9). Nessa complexidade de fluxos e redes, multiplicada pela interface digital, caberá aos pesquisadores do espaço urbano a tarefa de reconhecer atratores, sintonizar padrões, identificá-los, e aprender a trabalhar com eles.

Por trás do uso cotidiano de um determinado território arquitetural, há fendas não descobertas, nodos onde se cruzam multiplicidades de ações que, nem de longe, são adequadamente apreendidas.

Hakim Bey, em seu livro TAZ (Zonas Autônomas Temporárias) (10), enfatiza a importância de se pensar em espaços temporários auto-organizáveis, que trabalhem com outras possibilidades funcionais. Uma vez que o espaço é incessantemente contaminado por fluxos de informações, a constituição de zonas autônomas se resumiria a uma questão de seleção de sintonias, unificando um grupo em torno de um download/upload corpóreo (11) através de redes conectadas ou não ao uso cotidiano de tais espaços, mas física e/ou virtualmente presentes.

As dinâmicas presentes nas redes configuram a sociedade contemporânea e a proliferação da informação distribuída geograficamente. Segundo Prado, “as redes, enquanto infra-estruturas elementares, são matrizes técnicas que estruturam os espaços e, como conseqüência, os intercâmbios de informações” (12). A importância da rede não apenas nos aproxima da novidade digital como também nos reaproxima do mais remoto passado biológico. De acordo com Barabási (13), tais redes estão presentes por toda parte, desde a lógica das bactérias, os processos de difusão dos vírus e o comportamento das abelhas e das formigas (14) até as células terroristas e a Internet. As redes disseminam, compartilham, possibilitam transfusões de ações em micro e macrossituações. Barabási desenvolve a idéia de relação de rede como uma “teia sem aranha”, isto é, estruturas que não têm um comando central, hierárquico, são horizontais por natureza e se distribuem ao longo de infinitos nós de ação, sendo cada ponto nodal não apenas um receptor de informação, mas também um produtor de sua própria rede de mediações.

Tais redes informacionais, de acordo com Duarte, “são criadas onde os fluxos podem trafegar, não pedindo novos espaços, mas se infiltrando nos já existentes, cabendo às políticas urbanas usá-las estrategicamente, valorizando seus fixos” (15). Ou, segundo Prado, “os modos e a liberdade com que as lógicas das redes permitem intercambiar informações transformam-se num novo dispositivo que permite novas experimentações [...]” (16).

Em particular, tais redes podem funcionar como vias de acesso a brechas (17) até então ocultas na cidade, cujas mediações ressaltem o caráter de diversificação de ações que as freqüências do cotidiano possibilitam acionar.

As ações desencadeadas através das redes podem envolver informação imaterial, mas sempre trabalham em direção a efeitos e transformações reais (18).

Para Ascott, “a nova tarefa do arquiteto é fundir estruturas materiais e organismos do ciberespaço num novo continuum [...] A cidade como um amálgama de interfaces de sistemas e de nós de comunicações [...]” (19).

Uma experiência de pensamento: um grão constrói um enxame

Walter Benjamin (20), ao estudar o flâneur citadino, identifica uma rica e versátil diversidade nos modos de organização da vida parisiense do Século 19. É uma fascinante experiência fluida do olhar, que vai atravessando as diversas camadas do cotidiano presentes nas ruas, alamedas, praças e letreiros, que transpassa o caminho que vai da contemplação à embriaguez, que propõe uma leitura da dinâmica das fluências, e que, reconhecendo o indivíduo como nodo, nele reconhece igualmente sua faculdade de projetar fixidez e fluidez em concordância com o espaço circundante.

Como apontou Mumford (1961) em The City in History, os congestionamentos, engarrafamentos no tráfego, acúmulo de capital e de pessoas indicam a natureza das metrópoles: abrigar, sustentar e lidar com multidões (21).

O que se cria nas experiências literárias do flâneur de Benjamin ou de O Homem da Multidão de Poe (22) é também uma procura de sintonia do olhar. Voltado para o âmago vivencial dos espaços da cidade, para as particularidades que emergem no seu uso freqüente, seria esse um tipo de olhar capaz de sintonizar um vislumbre das potencialidades e das inesgotáveis relações possíveis que se descortinam (ou que deveriam se descortinar) aos olhos de qualquer disciplina cujo objeto de estudo esteja relacionado com o espaço urbano e seus usos, públicos e privados, fugazes ou duradouros, com ou sem diagramas relacionais.

Segundo Ferrara, “[...] a leitura é atividade empírica distante de qualquer plano normativo ou, metodologicamente, prescritivo, e suas categorias referem-se a uma estratégia de legibilidade da experiência cotidiana [...]” (23).Na leitura do espaço urbano sob a perspectiva da rede, fica evidente a necessidade que teremos, e que já estamos tendo, de aprimorar essa estratégia de legibilidade, o que exigirá esforços transdisciplinares.

Em grandes metrópoles, como a cidade de São Paulo, Brasil (24), há uma grande diversidade de redes (meios de transporte, telecomunicações, iluminação e abastecimento, entre outras) distribuídas num amplo horizonte territorial. A fluidez com que os modos de produção e de comunicação se estabelecem em tais espaços realça a condição nômade do habitante contemporâneo – a condição de um leitor interator. Um corpo que se atualiza constantemente por intermédio das novas tecnologias de telecomunicação, as quais, ao se deslocar, graças à portabilidade da interface digital, põem em movimento toda uma complexa estrutura rizomática que permeia a cidade.

Nos interessa sondar o uso de redes como campos de força, que possibilitem, por meio da experimentação, realçar as qualidades da rede enquanto instauradora de novos processos de leitura do espaço urbano contemporâneo.

1 grão = 1 ticket é uma experiência de pensamento que interligaria diversas redes presentes na experiência cotidiana do público numa metrópole. Ela uniria, ligaria, contaminaria tais sistemas entre si, tornando possível a emergência de uma macrorrede na cidade. A idéia principal é nos levar a pensar a cidade como um fluir constante, um fluir de natureza inclusiva, que permite a transfusão dos recursos dessas redes sobre os padrões de fluxo já estabelecidos.

Imaginemos: de cada ticket de metrô, de ônibus ou de trem, ou de cada pulso telefônico, seria descontada uma quantia irrisória para quem utiliza esses serviços, o preço de um grão de feijão. Desse modo, de uma passagem de metrô, que tem o valor de x reais, seria descontada uma fração minúscula, Q real, o preço médio de um grão. Se considerarmos que, diariamente, algo em torno de 2,6 milhões de pessoas utilizam somente essa forma de transporte (25), teríamos um valor mensal de y reais de arrecadação nessa rede, montante mais que suficiente para construir e manter a rede. Se outras formas de transporte fossem interligadas na mesma rede (metrô + trem EMTU + ônibus), teríamos, em média, um fluxo de 290 milhões de passageiros por mês, o que resultaria numa arrecadação mais de 100 vezes maior.

Não seria difícil estimar a quantidade média total de grãos gerados pela fusão de tantas redes urbanas numa metrópole, o que possibilitaria a emergência de uma outra rede, uma rede ressignificada, recodificada para um outro objetivo, superposto aos de funcionarem como transporte ou comunicação. Na verdade, tais grãos seriam, antes de mais nada, “grãos de valor”, uma espécie de “poeira monetária” que, se fosse disponibilizada e coletada, poderia pôr em funcionamento grandes redes.

É claro que os grãos escolhidos não são apenas metafóricos, pois a acolhida dessa rede seria perfeitamente plausível, e a experiência de pensamento poderia ter conseqüências palpáveis como forma de arrecadação e distribuição de produtos alimentícios para segmentos da população que vivem no limiar da sobrevivência, num país como o Brasil, permeado por graves desigualdades socioeconômicas.

Apresentamos, assim, a necessidade de se reconhecer nos segmentos do espaço urbano um campo aberto para pesquisa e análise, um campo onde se instauram, se consolidam e se desfazem relações, um campo potencialmente aberto à hibridização interdisciplinar, à cibridização arquitetural e à articulação em rede, tanto no que se refere aos seus modos de organização como aos modos de vida que nele se instalam ou que por ele trafegam. Em particular, como quaisquer fixos no espaço urbano podem compor uma unidade cíbrida com a interface digital, cada segmento de espaço urbano é, potencialmente, nodo de uma rede.

De acordo com Johnson, “a interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível para a outra” (26), e segundo Costa, a interface se manifesta na relação “dos indivíduos com os inúmeros ambientes de informação que o cercam” (27). Vê-se, assim, que as propriedades da interface digital se casam perfeitamente com as propriedades da rede onde cada nodo é uma interface digital.

Em 1 grão = 1 ticket, essa interface tem acesso a todas as informações geradas em cada ponto nodal de sua rede. O percurso de cada grão começa na catraca de um metrô e termina em uma boca para quem o consumo desse grão é uma necessidade vital. A interface digital monitorará o fluxo total dos grãos por todas as vazantes dessa rede, ou seja, os seus pontos finais, cuidando para que todos esses pontos finais sejam indiscriminadamente alimentados pela rede.

A interface impõe desafios diferentes para cada tipo de conteúdo, de fluxo e de informação que ela veicula. Vencer cada um desses desafios é criar o elo necessário para a comunicação acontecer. De acordo com Beiguelman, “especialmente por serem instáveis e dependentes de uma série de variáveis distintas, o conteúdo e a interface mesclam-se de tal forma nos ambientes de rede que não podem ser mais pensados como entidades separadas [...]” (28).

O fluxo que correria pela rede 1 grão = 1 ticket teria propriedades de enxame, e seria animado pela principal finalidade do enxame: coletar grãos de alimento para o formigueiro” (29). Cada bilhete que penetrasse na fenda da catraca geraria uma informação digital. Essa informação seria enviada aleatoriamente pela interface até um centro produtor de feijão, comprando um grão nesse centro. Um dispositivo simples soltaria esse grão dentro de um pacote vazio sobre uma balança. Quando o pacote pesasse um quilo, um funcionário faria o pequeno trabalho voluntário de fechá-lo e colocá-lo num local onde ficaria à disposição da distribuição. A própria empresa poderia facilitar essa operação inicial entregando esse pacote de um quilo num pólo de distribuição mais acessível ao enxame.

Em seguida, a interface escolheria alguém que morasse na vizinhança desse pólo, ou nodo. Nesse pólo, a identidade dessa pessoa seria reconhecida por uma senha que a interface atribuiria a ela, e teria início o trabalho de enxame (o uso de senhas eliminaria a possibilidade de vazões no fluxo). Por exemplo, a interface poderia escolher você para um pequeno trabalho. Se você não quisesse esse trabalho, você poderia se desincumbir dele reencaminhando-o para outro usuário na rede. Na verdade, a própria interface faria aleatoriamente esse reencaminhamento para computadores que estivessem fisicamente próximos de sua casa. Esse pequeno trabalho consistiria em se dirigir até um bar ou loja da sua vizinhança, pegar lá o pacote de feijão e entregá-lo em outro bar ou loja a um ou dois quarteirões de distância do primeiro. De lá outro usuário da rede daria continuidade ao fluxo da distribuição do grão até que ele fosse diretamente entregue num albergue ou em mãos de famílias de baixa renda.

Como a escolha dos bares, lojas, escolas ou outros pontos nodais também estaria a cargo da interface, e seria aleatório, a maleabilidade do fluxo (isto é, a maleabilidade do enxamear) estaria assegurada e seria, em si mesma, uma condição da eficiência da distribuição. A construção de um fluxo como esse, totalmente independente dos fluxos urbanos convencionais, mas não conflitante com eles, teria um significado social concreto, positivo e funcional.

E também teria um significado arquitetônico. O espaço urbano é intensamente trafegado por fluxos, e as novas tecnologias estão multiplicando rapidamente a quantidade, a qualidade e a complexidade desse tráfego. Necessariamente, a nossa percepção responderá a essa “fluidificação do espaço” assimilando novos mapas cognitivos para sintonizar essa dinâmica de enxame e lidar com ela, reconhecendo a natureza de sua interação com o espaço físico e com nós mesmos e enxergando a líquida arquitetura da sua presença, que está estruturando o espaço físico urbano desde os níveis mais concretos até os mais sutis e virtuais.

Assim, as diversas redes (físicas e digitais) não estariam em platôs dissociados, mas se interligariam umas com as outras em unidades híbridas e/ou cíbridas, nas quais a fixidez de pontos cibridamente distribuídos na malha urbana se fundiria com uma outra dinâmica fluida, a dos movimentos característicos de uma cidade. Para Duarte, “nessa trama de conexões entre pólos informacionais é que se originam as novas possibilidades da arquitetura” (30). Graças a essa “sintonização” em outras freqüências do cotidiano, teríamos a possibilidade de desvelar, mesmo que provisoriamente, outras camadas potenciais do espaço urbano, reconhecido como complexo de redes de aproximações, de aglutinações e de relações sociais.

Códigos abertos

Seria, pois, uma arquitetura que nasceria de uma outra freqüência, que se edificaria através das repetições de ações em jogo no próprio cotidiano, definindo não mais um espaço que se prevaleceria apenas da forma e/ou função que o organizam, mas que também integraria os diversos substratos da própria condição de vida dos habitantes.

A máxima atribuída a McLuhan, o meio é a mensagem (31), exprime a natureza dessa nova abordagem arquitetônica do espaço. Hoje, porém, é a interface digital o meio por excelência, o meio dos meios. De fato, a organização arquitetônica digital do espaço urbano é a mensagem que essa organização sintoniza, manifesta e/ou estabiliza. Como “as conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas [...]” (32), é de se esperar que novas reconfigurações, criações e amplificações de aspectos do indivíduo urbano venham a emergir. Toda uma gama de possibilidades de informações já está presente nos modos – meios de organização – de uma cidade. A maneira como utilizaremos tais agenciamentos, instaurados ou ocultos, periféricos ou centrais, presentes ou futuros, é um dos grandes desafios que, desde agora, se impõem a todas as disciplinas que lidavam com o espaço como objeto de estudos, e que passarão a pensar o espaço como fonte de estudos.

Mas essa profundidade “interior” do espaço urbano já se faz sensível entre muitos autores que o estudam. Assim, segundo Abendroth, “a cidade se tornou um comutador, tomando a forma de uma concentração de redes e de necessidades programáticas. [...] eles se tornam fragmentos interdependentes de uma hipertextura, satélites de múltiplas escalas, absorvendo tudo o que é urbano” (33).

A arquitetura proposta em 1 grão = 1 ticket é líquida (34) por natureza, e se encontra na natureza invisível do espaço, porém não na sua natureza latente. É na região de interferência da rede com o espaço público via interface digital que a arquitetura “acontecerá”. Segundo Novak, o arquiteto “não desenhará as formas diretamente no computador, mas designará as condições e as possibilidades para que a arquitetura possa emergir” (35).

O arquiteto investigará o espaço da cidade como hiperfluxo mutável e mutante de interações, formando multiplicidades de redes e receptivo a multiplicidades de redes, e possibilitando múltiplas finalidades, desde programas de ONGs até implantações de designs poéticos e de soluções estéticas em território urbano, não tentando prescrever bulas, respostas prontas embaladas em modelos organizados de propostas, mas, antes de tudo, procurando compreender, como os modos de vida contemporâneos podem revelar outras potências de relacionamento, de interatividade e de uso dos espaços.

O comportamento do enxame constrói o espaço físico em conformidade com a inteligência coletiva natural do enxame, delineando, em seu fluir, arquiteturas temporárias, organizações do espaço que promovem esse fluir de acordo com a intenção dessa inteligência instintiva.

É claro que se trata, antes de mais nada, de um grão simbólico, como já apontamos. Poderiam ser criados fluxos alternativos para a coleta e distribuição de agasalhos, brinquedos, cestas básicas, para a constituição de linhas de fuga e zonas autônomas, para a transmissão e constituição de experiências estéticas coletivas, para desenvolver espaços públicos, para envolver enxames de jogadores em videogames jogados on-line, e assim por diante. Ao instaurar uma lógica de intercâmbio entre as diversas vibrações conectadas nessas redes, as diversas entidades envolvidas, públicas e privadas, juntamente com a população poderiam fazer emergir uma outra espacialização numa metrópole global como São Paulo.

Resumindo, numa visão aguçada e estimulante, as perspectivas que se abrem às novas abordagens da arquitetura, Solá-Morales nos aponta: “Uma arquitetura que empenha fluxos humanos em conexões de tráfego, aeroportos, terminais, estações de trens não pode se preocupar com aparência ou imagem. Tornar-se fluxo significa manipular a contingência dos eventos, estabelecendo estratégias para a distribuição de indivíduos, bens ou informações. [...] Dar forma à experiência sinestésica do fluxo no movimento da metrópole, da deriva que se distancia do planejamento programático puramente visual e das regulações preestabelecidas, de modo a experimentar outros acontecimentos, outras performances, é um dos desafios fundamentais da arquitetura que visa o futuro” (36).

notas

1
FERRARA, Lucrecia D’Aléssio. Design em espaços. São Paulo: Edições Rosari, 2002.

2
Termo introduzido por William Gibson em seu romance ciberpunk Neuromancer (1994).

3
Termo utilizado pelo arquiteto Peter Anders para designar um objeto híbrido, participando igualmente do ciberespaço e do espaço físico. Ver ANDERS, Peter. Envisioning cyberspace. New York: McGraw Hill, 1999.

4
MITCHELL, William. ME++. The cyborg self and networked city. Massachusets: MIT Press, 2003.

5
Idem.

6
Termo utilizado pelo músico alemão Karlheinz Stockhausen para se referir ao resultado sonoro da interferência de duas ou mais fontes sonoras que se contaminam. Ver GRIFFITHS, Paul. A guide to electronic music. London: Thames and Hudson, 1979.

7
FERRARA, Lucrecia D’Aléssio. Design em espaços. São Paulo: Edições Rosari, 2002.

8
Idem.

9
BUCHANAN, Mark. Beyond Coincidence. In: Nexus. Small Worlds and Groundbreaking Science of Networks. New York: W. W. Norton & Company, 2002.

10
BEY, Hakim. TAZ – Zonas Autônomas Temporárias. São Paulo: Conrad, 1999.

11
Proposto no projeto Cidade: Livro Vivo (2003), que estuda o sistema metroviário da cidade de São Paulo como potencial biblioteca pública. A proposta visa ampliar o uso cotidiano desse meio de transporte, nele instaurando uma outra usabilidade graças às tecnologias digitais de informação. Ver EICHEMBERG, A; SAITO, R; MIQUELINI, J; et al. City: Living Book (2003). Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/arte/livingbook>.

12
PRADO, Gilberto. Experimentações artísticas em redes telemáticas e web. In: LEÃO, Lúcia (org.). Interlab – Labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.

13
BARABÁSI, Albert-László. Linked. New York: Plume Book, 2003.

14
Swarm Logic (Lógica de Enxame). Ver 1) GORDON, Deborah. Formigas em ação. Como se organiza uma sociedade de insetos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001; 2) JOHNSON, Stephen. Emergência: a dinâmica de redes em formigas, cérebros, softwares e cidades. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

15
DUARTE, Fábio. Crise nas matrizes espaciais. São Paulo: FAPESP, 2001.

16
PRADO, Gilberto. Experimentações Artísticas em Redes Telemáticas e Web. In: LEÃO, Lúcia (org.). Interlab – Labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.

17
Uma das possíveis traduções da palavra inglesa hack. Pode-se fazer uma analogia com a atividade do hacker, que seria então reconhecido como aquele que se insere num determinado sistema através de brechas, fendas ou falhas do mesmo.

18
GALLOWAY, Alexander R. Protocol. How control exists after decentralization. London: MIT Press, 2003.

19
ASCOTT, Roy. Arquitetura da cibercepção. In: LEÃO, Lúcia (org.). Interlab – Labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 336-344.

20
BENJAMIN, Walter. O Flâneur. In: Obras Escolhidas III – Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1994.

21
MUMFORD, Lewis. A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas. (3a ed.) São Paulo: Martins Fontes, 1991.

22
POE, Edgar Allan. O homem das multidões. In. Poesia e prosa: obras completas. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1944, p. 134-142, vol. II.

23
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Significados urbanos. São Paulo: Editora Edusp/Fapesp, 2003.

24
De acordo com o senso do IBGE (2000), a população na Grande São Paulo é estimada em 11 milhões de habitantes. Ver IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico, 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: mai. 2004.

25
EMTU-SP. Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo. Disponível em : <www.emtusp.com.br/saopaulo.htm>. Acesso em: abr. 2004.

26
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

27
COSTA, Rogério da. A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002.

28
BEIGUELMAN, Giselle. Admirável mundo cíbrido. In: Webjornalismos. Geane Alzamora e André Brasil (orgs.) Belo Horizonte, PUC-MG, 2003.

29
Dois dos principais tópicos da lógica de enxame em formigueiros descritos por Gordon (2001) seriam: 1) Realizar ações simples. Uma ação simples pode gerar sistemas altamente complexos; 2) Promover encontros aleatórios (na busca de fontes de alimentos).

30
DUARTE, Fabio. Arquitetura e tecnologias da informação – da revolução industrial à revolução digital. São Paulo: Fapesp, Editora da Unicamp; Annablume, 1999.

31
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969.

32
Idem.

33
ABENDROTH, Manuel. ‘Pop into the Transit zone’, some urban equations to the phenomena of the contemporary city. Lab-Au, 1998. Disponível em: <www.lab-au.com/files/doc/statem42.htm>. Acesso em: dez. 2002.

34
O arquiteto Marcos Novak propõe a idéia de arquitetura líquida ao se referir às novas possibilidades espaciais que emergem das redes de telecomunicações e da Internet. Ver NOVAK, Marcos. Liquid Architectures in Cyberspace. In: BENEDIKT, M. (ed.) Cyberspace - First Steps. 1a ed. London: MIT Press, 1994, cap. 8, p. 225-254.

35
NOVAK, Marcos. Liquid~, Trans~, Invisible~: The Ascent and Speciation of the Digital in Architecture. A Story. 1999. Disponível em: <www.centrifuge.org>.

36
SOLÁ-MORALES, Ignasi de. Liquid Architecture. In: Anyhow. Cambridge, MIT Press, 1977.

sobre os autores

André Teruya Eichemberg é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Estadual Paulista – UNESP em 1999 e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica – Tecnologias da Informação/tecnocultura – da Pontifícia Universidade Católica/PUC-SP em 2003.

Maria Júlia Barbieri é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Estadual Paulista – UNESP em 2002 e mestranda da Pós-Graduação em Comunicação Midiática – Unesp Campus Bauru.

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