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architexts ISSN 1809-6298


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André Teruya Eichemberg e Maria júlia Barbieri falam sobre arquitetura contemporânea a partir da análise de dois projetos: o "Basket Bar" do escritório holandês NL Architects e o "Tyre Shop I Art Exchange" do escritório suíço Camezind e Grafsteiner


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EICHEMBERG, André Teruya; BARBIERI, Maria Júlia . Bola, dobra, pneu, desdobra, arte, redobra, bar...Agenciamentos arquiteturais no contemporâneo. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 100.04, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.100/111>.

"Sempre existe uma dobra na dobra, como também uma caverna na caverna. A unidade da matéria, o menor elemento é a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, e sim uma simples extremidade da linha."
Gilles Deleuze. A Dobra.

Encontramos atualmente um vasto repertório de novos projetos arquitetônicos que buscam formas e imagens arrojadas e autônomas para a construção da arquitetura contemporânea. Graças a eles, e às perspectivas que abrem, a arquitetura não fica somente atrelada às necessidades de impacto visual do objeto arquitetônico no contexto urbano nem à dependência imperativa das exigências do mercado imobiliário.

A arquitetura contemporânea vem apresentando instigantes e provocativas propostas que criam notáveis agenciamentos entre diferentes usos e funções. Vamos examinar dois exemplos, o projeto Basket Bar (1), do escritório holandês NL Architects, e o projeto Tyre Shop I Art Exchange (Loja de Pneus/ Galeria de Arte) (2), do escritório suíço Camezind e Grafsteiner.

Dois projetos, duas dobras, duas existências.

O que torna singulares esses projetos não é somente a busca por uma superação formal e funcional, mas a multiplicidade afetiva que lhes é conferida, pois, entre os elementos com funções diferentes, há uma insinuação entre uma função e outra: o espaço-Basquete insinua-se no espaço-Bar, e vice-versa, assim como o espaço-Arte se dobra sobre o espaço-Pneu.

As duas propostas operam por meio de uma vigorosa simplicidade formal. São paralelepípedos que conservam uma funcionalidade no piso superior e outra no térreo. No Basket Bar, quadra de basquete no andar de cima, e bar, pista de skate e anfiteatro no térreo; e, no projeto suíço, galeria de arte no piso superior e loja de pneus no térreo. Mas o que há por trás dessa colisão funcional, e que agenciamentos são expostos?

Colisão programada

Uma leitura mais reflexiva desses dois projetos nos permite afirmar que as próprias idéias de uso e função são subvertidas em favor de um conceito mais amplo. À luz do que nos diz Bernard Tschummi, podemos afirmar que os dois projetos operam na disjunção arquitetônica:

“O conceito de disjunção é incompatível com uma visão estática, autônoma e estrutural da arquitetura. Mas não é contrário à autonomia ou à estrutura: apenas implica operações mecânicas constantes que produzem sistematicamente a dissociação no espaço e no tempo, em que um elemento arquitetônico somente funciona por meio da colisão com um elemento programático, com o movimento de corpos ou coisas do tipo”.(3)

Para além do sentido multifuncional ou do de multiuso, tão recorrentes na arquitetura contemporânea, o que anima os dois projetos é a dissociação potencializada do programa, resultando no inusitado, no bizarro. Quando um uso se dobra sobre outro, as relações espaço-temporais associadas com ambos também o fazem. O pneu-arte e o bar-basquete são colisões programadas entre existências, não opostas, mas diferenciadas.

Imaginemos então a coexistência destes dois usos: pneu e arte. Quem sai de casa para ir a uma loja de pneus dificilmente interromperia seu percurso parando numa galeria de arte. Seu interesse mais óbvio é ir até a loja, conhecer as opções, olhar para elas e comprar o produto, tarefa objetiva e encerrada num tempo relativamente curto, encaixado facilmente numa “tomada” do desdobramento cotidiano, como, por exemplo, o ato de ir ao supermercado. Por outro lado, quem sai de casa para visitar uma galeria de arte faz isso preparado para se integrar em um outro tipo de duração, aquela que envolve a contemplação, a fruição da obra, duração que geralmente está desconectada do tempo cotidiano.

No entanto, o projeto de Camezind e Grafsteiner promove a coexistência desses dois espaços. Ao fazer isso, propõe uma multiplicidade de agenciamentos latentes, e busca essa multiplicidade, por exemplo, por meio dos usos inusitados e suas respectivas qualidades temporais. Abre, por exemplo, a possibilidade de um indivíduo que vai comprar um pneu ser abduzido por uma galeria de arte, ou de outro que vai comprar um quadro e percebe que a obra que está concebendo ficaria perfeita se integrasse fotos de estrias de pneus, e será abduzido pela loja de pneus.

Pensar em pneu e arte isoladamente implica uma distância que os transforma em unidades numéricas, mas pensar em pneu-arte, como o faz o projeto dos suíços, implica em entendê-los como uma multiplicidade possível. Segundo Deleuze (4), a idéia de multiplicidade não se atém à soma das unidades numéricas: para além do mundo governado pelo cálculo, ela desvenda as qualidades resultantes do agenciamento dessas duas naturezas: pneu e arte.

Dois projetos, infinitas dobras, infinitas existências.

A questão aqui não é mais o programa, o uso ou a função do espaço, mas os agenciamentos possíveis entre programas, usos, funções e espaços. Agenciar a multiplicidade por intermédio da colisão, da dissociação, como quer Tschummi, abre caminho para existências singulares: pneu-arte e bar-basquete são apenas exemplos instigantes de agenciamentos em uma arquitetura temporal. Tanto um como outro são corpos temporais de arquitetura.

Entre uma existência e outra, o pneu-arte e o bar-basquete vão se diferenciando de suas funções fixas, numéricas, e experimentando alterações na sua natureza na medida em que se agenciam em infinitas combinações possíveis: pneu-bar, pneu-­quitanda, pneu-dentista, basquete-capela, basquete-mercearia, basquete-pneu... Infinitos agenciamentos:

“Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões”. (5)

Agenciar a multiplicidade passa a ser, mais que um método, uma metodologia da arquitetura, que lhe permite corresponder com coerência ao contexto contemporâneo, no qual o paradigma espaço-temporal perde a dominância que até então impunha sobre a estrutura arquitetônica, e que fazia com que ela refletisse uma relação absoluta, e se abre ao inesperado e à multiplicação de suas dimensões em relações onde a forma não pára de liberar velocidades, pulsações e conexões.

Multiplicação da diferença

O projeto Basket-Bar emerge dessa tensão ambígua entre funções muito diferentes proposta no edifício, bar e anfiteatro e pista de skate na parte térrea e quadra de basquete no piso superior. Segundo Medrano:

“Um programa simples. Parte da observação das necessidades locais e, de seu entendimento, avigora a proposição de justapor funções. [...] O Basket-Bar reforça certas lições: apesar de ser uma pequena intervenção – nada "formal" ­– supera seu programa (visto como ação; deleuziana) e faz-se por um desejo urbano, cotidiano, utilitário, citadino. Uma busca por relações. Uma proposta de cidade”. (6)

O que separa fisicamente uma função de outra é a laje-linha, mas essa linha se estende até o limiar de sua inflexão, de seu ponto de ruptura, momento da dobra entre uma e outra, entre o público, o edifício e o cotidiano. A dobra passa nesse ponto de inflexão, signo "ambíguo" (7), multiplicidade entre um uso e outro, de um uso para outro, não apenas uma função transformando-se em outra, "mas o que é dobrado de muitas maneiras". (8)

Nesse sentido, o que essa laje-linha contém são virtualidades programáticas: ela é um espelho que reflete as virtualidades entre um programa e outro. Mas também não é um mero processo de reflexão, pois, nesse caso, recairíamos em mera representação especular, mas, isto sim, reflexão como apresentação daquilo que estava no limbo, à espreita. Tudo se passa como se, a qualquer momento, esteja para emergir uma nova configuração programática, reterritorializando os afetos e os corpos, linha-matéria ­virtual.

De acordo com Medrano, o projeto Basket-Bar:

“busca a redefinição dos seus espaços coletivos, de encontro, lazer e viver. Estes, agora, não mais vitruvianos, corbusianos, rossianos, ou derridarianos; são frutos de uma outra lógica – sobreposição, inovação, multifuncionalismo, risco –valores que partem do homem real (e não ideal). [...] Não têm a pretensão de serem paradigmáticos, emblemáticos, ou verdades – são incompletos, imperfeitos; propositalmente. Marcam uma ação no tempo, seu movimento, situações”. (9)

De fato, é essa incompletude que nos coloca, por assim dizer, na corda bamba da laje-linha, na oscilação entre potencialidades competindo por se concretizar, no próprio agenciamento arquitetura-existência, pois é a própria vida que se insinua entre as atividades, instaurando-se como o impulso que gera o movimento do cotidiano e do edifício, do inesperado. Há uma força que não quer ordenar por completo o espaço, que não quer "adestrar" o corpo. É assim que o próprio corpo se insinua nas dobras do espaço, ou nas características disjuntivas de que nos fala Tschummi. Para ele, a disjunção torna-se um método cujos denominadores operam por intermédio da dissociação que rejeita uma síntese, sobreposição e justaposição, a fim de que se possa fazer eclodir forças e dinamismos.(10)

A noção de uma zona limítrofe entre uso e forma toma-se esfumaçada, e a laje-linha toma-se uma dobra que delira, aquilo que vaza através das ranhuras da matéria. Em outras palavras, não há uma síntese funcional aparente entre basquete e bar, entre galeria de arte e loja de pneus, mas há uma síntese virtual efetiva entre uma e outra. Síntese criativa, poética.

Se o Basket-Bar é articulado no contexto do plano diretor do campus da Universidade de Utrech proposto por Rem Koolhaas, que, para sua concepção, visualizou toda uma dinâmica das relações entre alunos, comunidade e professores, o projeto de Camezind e Grafsteiner (11) parte de um programa funcional singular, que se desdobra na articulação entre o entorno e a cidade.

Entre uma linha férrea e uma avenida de tráfego intenso no centro de Zurique, Suíça, o projeto em forma de prisma talvez seja uma das mais instigantes e, porque não reconhecer, corajosas concepções da arquitetura contemporânea. Isso porque, mesmo utilizando uma forma extremamente convencional, prisma com funções separadas no piso superior e no térreo, há aqui um jogo extremamente inusitado entre duas funções extremamente diferenciadas.

Que agenciamentos potenciais nós podemos reconhecer entre arte e pneus?

A laje-linha, conduzida pela linha-férrea e pela linha-tráfego, nasce desse encontro de linhas, de existências, dobra rizomática que se infiltra, se espalha, se enraíza horizontalmente, insinuando-se ao longo da cidade, através da cidade, abraçando no entorno o posto de gasolina, as lojas 24 horas e os clubes noturnos. Desdobramento ao infinito.

Há igualmente uma alegria, um novo prazer do encontro com essa diferença, como se esse estranho objeto na cidade pudesse desdobrar-se, justapondo-se, contaminando e se contaminando, criando com o outro, com existências diversas, estratégia e permissão para, desse modo, se diferenciar.

A laje-linha que diferencia as funcionalidades é apenas representação para a compreensão dos espaços, pois os agenciamentos que nascem são, em si mesmos, a preciosa diferença. Agora a arquitetura não está mais na laje-linha, mas no movimento da dobra, na produção da diferença.

Projetos, diferenças, existências...

Ambos os projetos, longe de serem paradigmas estáticos para o pensar arquitetural, meras referências acadêmicas, nos remetem a uma espécie de infância da arquitetura, e nos desvelam uma pureza de olhar que precede o momento em que nossa razão prosaica, retomando o controle, pergunta: “Mas qual é a lógica dessa justaposição de elementos disjuntos?” No entanto, talvez a força dessas obras esteja justamente no fato de elas sintonizarem o nosso olhar nessa pré-lógica que aceita sem crítica a multiplicidade do mundo, das combinações, dos agenciamentos. Mas essas obras também nos ensinam que a disjunção, intensificando a especificidade dos elementos disjuntos, lhes abre espaço para que coexistam como se isso fosse a coisa mais natural do mundo, e pedem ao nosso olhar e ao nosso pensar para que assim os aceitemos.

De fato, a arquitetura que pode ser vislumbrada através da clareira desses projetos nos remete a alguma coisa que ainda não está estratificada, que ainda não caiu sob o controle da repetição. Alguma coisa que talvez seja a mensagem essencial dessas obras.

Mas essa mensagem não se fecha entre os limites da idéia que esses projetos podem concretizar no plano arquitetônico, pois ela é justamente o reflexo que o espelho da laje-linha nos devolve, o reflexo de como o mundo se desdobra à nossa frente na experiência cotidiana. Sim, há fendas rachando o muro dos automatismos, e, embora esse muro se refaça tão logo essas rachaduras sejam detectadas pela vigilância exercida pelo senso comum, há sempre em nós uma certa pureza no pensar e no olhar capaz de transpor a espessura antes que a rachadura se feche, nos permitindo, por frações de segundo, espreitar a atividade da dobra, e com ela, a das coisas que se articulam na perpétua construção dos agenciamentos entre a vida e a cidade.

Junções e disjunções que se constroem e se desfazem através de ações formais e visuais despretensiosas que avançam ao sabor das nossas micropercepções cotidianas, emergindo incessantemente dos próprios movimentos da cidade e da vida.

Notas

1
PHAIDON PRESS. 10 X 102. 100 architects 10 critics. New York: Phaidon Press, 2005.

2
ROCHA, Silverio. Borracharia e galeria de artes. Revista PROJETODESIGN, edição 265, Março, 2002.

3
TSHUMMI, Bemard. Introdução: notas para uma teoria da disjunção arquitetônica. In: Kate Nesbitt (org). Nova Agenda para a Arquitetura. São Paulo: CosacNaify, 2006.

4
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 1999.

5
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia, vol. 5. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 7.

6
MEDRANO, Leandro. “Notas sobre um bar, uma quadra de basquete e um cadáver”. Óculum Ensaios, n. 03. Campinas, PUC-Campinas, 2006.

7
DELEUZE, Gilles. A dobra. São Paulo, Papirus, 1991.

8
Idem.

9
MEDRANO, Leandro. Op. cit.

10
TSHUMMI, Bemard. Op. cit.

11
ROCHA, Silvério. Borracharia e galeria de artes. Revista PROJETODESIGN, edição 265, Março, 2002.

sobre os autores

André Teruya Eichemberg. Arquiteto e Urbanista formado pela Unesp, Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga.

Maria Júlia Barbieri. Arquiteta e Urbanista formado pela Unesp, Mestrado em Comunicação Midiática pela UNESP-Bauru, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga.

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