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architexts ISSN 1809-6298


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MAHFUZ, Edson. Traços de uma arquitetura consistente. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 016.01, Vitruvius, set. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.016/847>.

Estudar a arquitetura de Lina Bo Bardi é, ao mesmo tempo, problemático e gratificante. Problemático porque a quantidade e variedade da informação disponível sobre seu trabalho ainda é limitada (1). Isso deixa manifesto nosso atraso cultural, pois em qualquer dos nossos vizinhos sul-americanos – para não falar na Europa ou Estados Unidos-- um arquiteto desse porte já teria merecido várias monografias sobre sua obra (2). Além disso, a obra de Lina, embora tenha raízes identificáveis, não se encaixa em nenhuma corrente arquitetônica, nem pode ser reduzida a qualquer fórmula fácil.

Por outro lado, é gratificante investigar uma arquitetura de tal qualidade. Obviamente, pela escassez de informação e por haver visitado apenas duas de suas obras, não posso pretender realizar uma análise aprofundada sobre o trabalho de Lina Bo Bardi: é mais honesto tratar o que segue como uma série de impressões sugeridas pela obra.

A dificuldade de acesso à obra de Lina Bo Bardi não significa que devemos ignorá-la. Pelo contrário, me parece que essa é uma obra referencial e que pode servir de ponto de partida para uma discussão sobre o problema da qualidade da arquitetura produzida no Brasil.

Em visita à FAUFRGS no ano de 1990, o arquiteto inglês Piers Gough discorreu brevemente sobre o difícil tema da determinação do que é qualidade em arquitetura, enumerando algumas das características presentes naquelas obras que alcançam uma valoração superior, sendo consideradas quase universalmente exemplos de arquitetura da melhor qualidade. Essas características são:

  1. São objetos que, além da sua qualidade como conjunto espacial e construção formal, se destacam por uma relação apropriada com o contexto circundante;
  2. Neles se constata a presença de um conceito central que organiza o todo e sua relação com o entorno, a "idéia forte" de Louis Kahn. Esse conceito é algo que necessariamente vai além de uma resposta mecânica aos aspectos técnicos e funcionais do problema. A qualidade de uma obra arquitetônica depende não só da existência de um conceito forte, mas da consistência com que é desenvolvido e levado às suas últimas conseqüências;
  3. O entendimento da arquitetura como ofício, disciplina com uma tradição técnica e compositiva que deve ser do domínio do arquiteto. Toda arquitetura de qualidade mostra uma relação direta entre forma e construção, apoiada na pertinência das escolhas de materiais, técnicas e formas;
  4. Economia de meios; número reduzido de elementos para obtenção do máximo efeito. "O segredo da verdadeira obra de arte é obter muito com pouco" (3).

Pois essas quatro características da obra de qualidade se aplicam perfeitamente a uma abordagem, ainda que genérica e limitada, da obra de Lina Bo Bardi. Uma dos aspectos mais importantes da sua obra é a aguda sensibilidade demonstrada em relação aos lugares em que trabalhava, sabendo valorizar e preservar os elementos relevantes, valorizando-os pela inclusão de componentes modernos. A mesma observação vale para situações de intervenção no meio urbano, rural ou no interior de construções existentes. O MASP é o grande exemplo de diálogo entre lugar urbano e intervenção, em que as sugestões do primeiro se incorporam à forma sem determiná-la. Já os projetos de restauração, reforma ou reciclagem de edifícios existentes executadas por ela apresentam uma combinação do contemporâneo com o tradicional, sem que nenhuma enverede pelo caminho da arqueologia mumificatória nem ignore os valores da pré-existência.

Basta que se leia algumas das sucintas notas explicativas que acompanham os projetos de Lina Bo Bardi para entender que há sempre uma "idéia forte" influenciando a concepção de cada um, traduzida em imagens poéticas que orientam sua organização formal e funcional como, por exemplo, no Centro Cultural de Belém, criado segundo idéias como "cultura como lazer..., torre-farol..., um só bloco de 300 metros..".

No entanto, é importante abrir aqui um parênteses para afirmar que a presença dessas “idéias fortes” na obra de Lina Bo Bardi não tem nada a ver com o conceitualismo que grassa na arquitetura contemporânea, o qual se caracteriza pelo recurso a imagens pseudo-literárias como dinamizador do processo de projeto (4). A presença de idéias não arquitetônicas como guia do processo de projeto, além de indicar a orfandade estética provocada pelo abandono da noção moderna de forma, aliena o projeto arquitetônico em favor de um ato de vontade pessoal e o reduz a uma comprovação da validade de um apriorismo invariavelmente arbitrário.

Na obra de Lina Bo Bardi não acontece isso, pois a “idéia forte” aparece como um catalisador das interpretações e decisões parciais tomadas a respeito dos aspectos fundamentais de qualquer projeto: o programa, a construção e o lugar. Além disso, esses conceitos sempre aparecem como idéias de ordem ou estruturas formais, ao contrário de muitos casos atuais em que algo alheio à arquitetura é introduzido no processo de projeto com autoridade suficiente para controla-lo. Eu arriscaria dizer que é exatamente a falta dessa capacidade de entender a forma como síntese de programa, construção e lugar um dos fatores determinantes da baixa qualidade da nossa arquitetura recente.

Portanto, as "idéias fortes" de Lina sempre se relacionam aos aspectos essenciais do problema em questão. Sua preocupação com o programa é bem conhecido, a ponto de intervir na sua própria definição e execução posterior à obra, como no caso do SESC/ Pompéia. Em nenhum outro projeto a atenção ao lugar é mais evidente que no MASP, onde o conhecido e celebrado espaço sob a caixa de vidro, resultado da separação do edifício em duas partes, é resposta inspirada pelo imperativo programático de preservar o espaço público que ali existia. Do mesmo modo, é quase uma obviedade aludir às múltiplas relações entre forma e conhecimento construtivo e estrutural ("arquitetura é estrutura") (5) na obra de Lina. A estrutura é freqüentemente exposta, como no MASP, e explorada plasticamente, o que também acontece com detalhes construtivos como os contrafortes de concreto na Ladeira da Misericórdia e as juntas da torre mais esbelta do SESC Pompéia. O prazer derivado da resolução da estrutura fica claro com a variedade de escadas e rampas não convencionais presente em vários projetos. Outro desdobramento dessa preocupação com a técnica é o estabelecimento de contrastes entre elementos rústicos, geralmente estruturais, mostrados sem disfarces, e outros de execução refinada, como portas, janelas, bancos e mesas (SESC) e escadas (Casa do Benin). A presença marcante da estrutura na construção formal de sua arquitetura, assim como o papel desempenhado pelos materiais e pelos detalhes arquitetônicos, indica que a forma nunca era pensada de modo independente da sua materialização (6).

Creio que um dos aspectos da obra de Lina Bo Bardi que mais interessam nos tempos atuais é sua ousadia e maestria no emprego de uma economia de meios que resulta em efeitos formais/plásticos/espaciais de tremenda força e vigor.  Sua arquitetura sempre pode ser descrita por meio de uma ou duas imagens que sintetizam sua composição, o que evidencia a intensidade formal de cada uma das suas obras. O recurso a uma arquitetura baseada na economia de meios me parece absolutamente pertinente em um mundo caracterizado pelo caos visual de nossas cidades. Formas simples adquirem uma intensidade formal que lhes permite sobressair nesse caos, e conferem ao edifício uma possibilidade de permanência que edifícios projetados ao sabor de modas e tendências não possuem.

A economia de meios conceituais e físicos na obra de Lina Bo Bardi se expressa muito claramente através da grande dimensão, do uso de formas elementares sem ornamento e do emprego de ema palheta reduzida de materiais. O projeto para o Centro Cultural de Belém demonstra isso com clareza: um objeto diagramaticamente claro que consiste em uma barra de 300 metros de comprimento, combinada a uma torre cilíndrica e dois prismas retangulares que a elevam do solo e propiciam grandes áreas livres sob ela, sem qualquer apoio adicional. Essa mesma facilidade de empregar a grande dimensão -o que lembra de certa forma a busca do sublime por parte de Boullée, no século 18- está presente no edifício para a Prefeitura de São Paulo, no qual aparece a mesma idéia da barra longa elevada sobre o solo e apoiada em poucos pontos. Neste caso, o longo edifício, sutilmente curvado, define tridimensionalmente o espaço público sem enclausura-lo. A clareza do partido é entendida ao tratamento das fachadas: uma é cega e se transforma em plano vegetal; a outra abre-se para a vista rompendo o plano e criando recantos triangulares recuados em relação à linha mais externa da fachada.

A ousadia implícita na proposição de formas e organizações inusitadas ao longo de toda sua carreira volta a aparecer com toda força no projeto para o malfadado concurso para o Pavilhão do Brasil em Sevilha. Ali aparece um paralelepípedo, apoiada sobre dois menores, revestido integralmente em mármore e totalmente cego, à exceção da porta de entrada (7).

Essa economia de meios tão marcante não implica uma seriedade excessiva nem impede a presença da de um certo espírito lúdico na obra de Lina. É suficiente lembrar as passarelas que unem as torres e as janelas irregulares da torre mais volumosa do SESC/Pompéia, e a presença de dutos coloridos concentrados no alto da fachada principal do Pavilhão de Sevilha.

A obra de Lina Bo Bardi é paradigmática e precisa ser melhor entendida, especialmente nesse momento, em que a arquitetura brasileira parece ter perdido o seu rumo. Sua arquitetura é essencialmente consistente pois, ao mesmo tempo que atende a todos os requisitos que determinaram sua existência, se vertebra através de um sistema de relações internas que transcende aqueles requisitos e garante a sua identidade formal (8).

Uma arquitetura desse nível é um verdadeiro antídoto para a tendência atual em que a figuração mimética ou a complicação formal são freqüentemente marcas de um pensamento esquemático e redutor.

notas

1
O texto original foi escrito em 1991, momento em que não havia nenhum livro que cobrisse toda a obra de Lina de modo sistemático. Desde então, várias publicações sobre a arquiteta surgiram, incluindo o volume monográfico publicado em 1993 pelo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, assim como publicações menores, sobre edifícios específicos, editados pela editora portuguesa Blau.

2
Tampouco há um estudo crítico importante e alentado sobre a obra de Oscar Niemeyer, nosso arquiteto mais importante O que há são estudos fotográficos com poucos desenhos e nenhuma análise, e textos que cobrem aspectos parciais da sua obra.

3
SUBIRATS, Eduardo. "Arquitetura e poesia: dois exemplos latino-americanos", em Projeto nº 143, julho, 1991.

4
Ver entrevista inédita realizada por Ana Rosa de Oliveira com Helio Piñon, Porto Alegre, dezembro, 2000.

5
Lina Bo Bardi, citada em "Menos que isso... quase nada", em Projeto nº 141, maio, 1991, p. 80.

6
Refiro-me ao procedimento de resolver um projeto primeiro como um desenho, para só introduzir a materialidade depois de a organização espacial e volumétrica estar definida.

7
Essa audácia maior, de não abrir o prédio para a avenida principal, deve ter deixado os jurados de cabelos em pé e, é claro, determinou a não premiação do projeto, o que é mais do que razoável, considerando-se como nossos concursos são realizados; surpresa seria se os jurados fossem sensíveis a uma idéia sofisticada como a apresentada por Lina Bo Bardi e seus companheiros. É interessante notar que o projeto para o Pavilhão é, volumetricamente, um pedaço do Centro Cultural de Belém e/ou da Prefeitura de SP, adaptado à situação específica do concurso.

8
A respeito da noção de consistência na arquitetura moderna, ver entrevista realizada por Ana Rosa de Oliveira com Helio Piñon, op. cit.

sobre o autor

Edson da Cunha Mahfuz, arquiteto, professor de projetos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

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