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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Autor comenta as propostas da Associação Viva o Centro e da Prefeitura de São Paulo para a abertura ao trânsito do transporte individual em alguns trechos pedestrianizados do centro da cidade e do Vale do Anhangabaú

english
The author describes the proposals made by Viva o Centro Association and São Paulo City hall for allowing the crossing of small vehicules through areas that were made exclusive for pedestrians in the past

español
El autor comenta las propuestas de la Asociación Viva o Centro y del Ayuntamiento de Sâo Paulo para la apertura al tráfico de transporte individual em algunos trozos para peatones en el centro de la ciudad y el Vale do Anhangabaú


how to quote

ANELLI, Renato. Calçadões paulistanos – em debate o futuro das áreas de pedestres do centro de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 060.00, Vitruvius, maio 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.060/457>.

Em que medida o acesso de todos os modais (inclusive veículos particulares de transporte individual) a todas as ruas do Centro pode ser um instrumento para a reverter o processo de esvaziamento dos edifícios na área? Considerando o nível de congestionamento das vias da cidade, o estímulo ao uso do automóvel individual para acesso ao centro seria um instrumento urbanístico válido? O próprio conceito de revitalização do centro não esconderia um processo de segregação social contra aqueles que hoje vivem no centro?

Estas questões que combinam temas urbanísticos com temas de mobilidade urbana e de inclusão social animaram a noite do dia 22 de março, quando o auditório do IAB-SP lotou com mais de 100 pessoas que foram conhecer e debater as propostas da Associação “Viva o Centro” e da Prefeitura de São Paulo para a abertura ao trânsito do transporte individual de alguns trechos das ruas de pedestres do centro da cidade e do Vale do Anhangabaú.

Os estudos apresentados pelo presidente da “Associação Viva o Centro”, Marco Antonio Ramos de Almeida – já divulgados pela revista Urbs – envolvem preocupações de vários níveis e está dividido em dois setores. Para os calçadões dos Centros Novo e Velho a proposta aponta para a “revisão e aperfeiçoamento” da sua concepção, enquanto que para o Anhangabaú seria necessária a sua “refuncionalização”, ou seja, a sua revisão conceitual.

O estudo para as áreas dos calçadões parte da constatação de que a gestão das áreas de pedestres é caótica, os serviços de manutenção do pavimento insuficientes e uma gama enorme de veículos circula, autorizados ou não, de forma não regulamentada pela vias que seriam exclusivas de pedestres. A necessidade de se regulamentar de forma mais realista essa circulação deveria passar pela criação de faixas aonde esse trânsito seria admitido de forma limitada.

A essa análise a Associação soma as dificuldades de acessibilidade aos edifícios da área de calçadões, apontando a existência de poucas “portas” de entrada para veículos, assim como de grandes setores com distância superior a 100m das ruas por onde circulam veículos. A revisão dos calçadões passaria pela redução dessas distâncias, através da abertura de algumas alças de trânsito local em pontos estratégicos. No entender do presidente da “Associação Viva o Centro”, essa revisão permitiria reverter o processo de transferência de importantes empresas que se situam nessa região para outras áreas da cidade.

Já o estudo para o Anhangabaú envolve uma crítica mais contundente à situação atual. Para a “Associação Viva o Centro” aquilo que era antigamente uma porta de entrada do centro da cidade tornou-se uma zona de passagem subterrânea desconectada com a superfície. Nas palavras de Marco Antônio de Almeida essa situação leva a que hoje se entre no centro “pelas portas dos fundos”, ao invés do monumental Anhangabaú concebido no sistema “Y” de Prestes Maia.

A existência de áreas degradadas no fundo do Vale (foi citada explicitamente a rua Formosa) somente seria revertida com a criação de um novo sistema viário que facilitasse o acesso aos centros velho e novo a partir das avenidas estruturais que o atravessam. Outro aspecto contemplado no estudo é a conexão do Centro Velho no sentido oeste através da Av. São João, onde seriam criadas duas vias até a Rua Formosa e uma larga calçada central contínua até a R. Líbero Badaró, denominada na proposta como uma versão paulistana da rambla de Barcelona.

A manifestação do representante da Sub-Prefeitura da Sé, o Engenheiro Antonio Zagatto foi no sentido de que os estudos apresentados pela “Associação Viva o Centro” estão sendo analisados e que alguns projetos estão em elaboração, todos eles partindo da premissa de evitar o tráfego de passagem pela região mas abrir algumas alças de circulação local nas áreas de pedestres. Entretanto, apesar das constantes manifestações afirmativas do Sub-Prefeito na imprensa paulistana, seu representante não apresentou nenhum projeto, informando apenas que o assunto ainda se encontra em estudo. Assim, um dos objetivos do evento que era conhecer a proposta do poder executivo municipal foi frustrada restando o debate da proposta apresentada pela “Associação Viva o Centro”.

Após a apresentação dos dois convidados, iniciou-se um longo debate estruturado em duas fases. Na primeira apresentaram suas questões alguns convidados da diretoria do IAB divididos em três grupos. Em primeiro lugar alguns arquitetos que participaram da implantação dos calçadões, tais como Pedro Paulo de Melo Saraiva, Paulo Bruna e Haron Cohen. No segundo grupo, representantes da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e da Associação Brasileira de Pedestres – São Paulo (Pedestres SP). Em terceiro lugar se manifestaram a Arquiteta Nádia Somekh, responsável pelo projeto “Ação Centro” na gestão passada e a Professora Mônica Bueno Leme da Faculdade Belas Artes, que coordenou estudos e publicação sobre o tema. Por último, apresentaram suas questões o público presente, avançando um debate que se encerrou após as 23h. As questões levantadas podem ser agrupadas em alguns grandes blocos:

Histórico

Os depoimentos de arquitetos que participaram da concepção e implantação das ruas de pedestres indicam que essa intervenção esteve vinculada a uma política da área de transportes que visava desestimular o deslocamento por automóvel na cidade, dificultando sua circulação no centro. A criação dos calçadões procurou conjugar o conforto e segurança do pedestre com a indução à utilização do transporte coletivo como principal forma de acesso ao centro. A acomodação de grandes fluxos de passagem de usuários do transporte coletivo era um dos objetivos do projeto desde a sua concepção.

Como ressaltou o Arquiteto Haron Cohen, anteriormente à existência das linhas de Metrô, as linhas de ônibus não realizavam trajetos diametrais, finalizando na Praça da República ou na Praça da Sé. Entre essas praças, os usuários do transporte coletivo transitavam a pé, e as ruas exclusivas de pedestres organizaram e deram segurança a esse trajeto. Com a criação das linhas de Metrô essa situação se alterou, mas o Centro ainda cumpre um papel de conexão intermodal (ônibus, metrô e trens de subúrbio), resultando em intensos fluxos de passantes que alimentam o comércio informal, assim como diversas alterações de perfil de uso da região. Todos os depoimentos ressaltaram a importância que os arquitetos viam na implantação de garagens subterrâneas para garantir o atendimento ao acesso por automóveis. Entretanto, por diversos motivos esses equipamento jamais foram implantados.

Ressaltou-se que vários aspectos dos calçadões denotam hoje um processo de degradação da sua qualidade urbana, em especial a remoção de componentes como mobiliário, equipamentos e sinalização assim como a deterioração do pavimento. Nesse item foi importante o depoimento do Arquiteto José Lefévre, que informou que o pavimento fora dimensionado para carga de 20 toneladas e a sua deterioração se deve aos péssimos trabalhos de recomposição realizados pelas concessionárias de serviços públicos (redes de água, esgoto, telefonia, gás, etc.). Foi unânime nestas manifestações que na forma como se encontram hoje, os calçadões se tornaram espaços desagradáveis de estar e desconfortáveis de se percorrer. Essa situação do piso, assim como a ausência de definição das faixas de circulação de veículos de serviço (decorrentes da remoção das marcações originais) leva a uma situação tensa, onde é alto o risco de acidente com um pedestre, mesmo sem a participação de um veículo. A necessidade de uma gestão integrada do espaço das ruas de pedestres, uma espécie de “zeladoria” da área, com poder inclusive sobre os serviços das concessionárias, foi um dos grandes consensos do debate.

Mobilidade urbana e reversão do esvaziamento das edificações

Se a meta de desestímulo ao transporte individual por automóveis significa um relativo sucesso do ponto de vista da mobilidade urbana em escala metropolitana, o seu resultado urbanístico não pode ser ocultado. Enquanto o comércio popular ocupa vigorosamente as lojas nos andares abertos para as ruas e galerias, cada vez mais os andares superiores dos edifícios de escritórios e habitacionais são desocupados. Desse modo, a animação do centro se torna progressivamente mais dependente dos passageiros do transporte coletivo em trânsito no deslocamento entre estações e terminais.

Várias intervenções ressaltaram a importância de inserir o debate dentro de uma visão mais ampla do problema, abrangendo também a questão da inclusão social dos diversos segmentos de moradores de rua, desempregados, e outros habitantes e freqüentadores da região. Dentro dessa perspectiva, poderíamos pensar que não existe uma necessidade de “revitalização” da área, pois ela já é bastante viva, mas sim de re-ocupação dos edifícios vazios e abandonados da região. Não encontrou consenso no debate a avaliação das razões desse esvaziamento, muito menos atribuir como sua causa à dificuldade de acesso de automóveis.

Como argumento consistente para essa objeção foi lembrado que as ruas onde o trânsito é liberado também sofrem o mesmo fenômeno. No entanto, as posições expressas pelos representantes da ANTP e da Pedestres SP alertam para que não seja perdida nesse processo a visão articulada com uma política mais ampla de estímulo ao transporte coletivo e à segurança dos pedestres, diretrizes hoje reconhecidas internacionalmente como imprescindíveis para evitar o colapso da mobilidade nas grandes cidades. Nas palavras do representante da ANTP, “qualquer proposta de abertura das vias de pedestres pode significar um recuo naquilo que foi uma das grandes conquistas dos paulistanos”.

Falta de continuidade nas políticas de gestão urbana

A ausência de um marco conceitual global da proposta apresentada alerta para a descontinuidade com o “Ação Centro”, projeto realizado na administração municipal anterior e que conta com vultuosos recursos do financiamento do BID. Conforme alertou a Arquiteta Nádia Somekh, essa definição é importante, pois o financiamento do BID exige a continuidade do “marco lógico” do projeto, que combinava o entendimento do centro como depositário da memória e da história da cidade com uma política de inclusão social. Nesse sentido, o contraste com os expositores foi claro, pois apesar da argumentação do representante da Sub-Prefeitura da Sé informando que o projeto terá continuidade após revisto, ambos os palestrantes apontaram que o problema da inclusão social no Centro deveria ser tratado em outra ocasião, levantando o temor entre os presentes de que se perca a perspectiva de uma ação integrada. Representantes de movimentos populares por moradia no centro questionaram incisivamente o representante da Sub-Prefeitura sobre a continuidade dos fóruns de participação social existentes no “Ação Centro”, ao que foram informados que eles serão retomados em breve.

Assim, a discussão de uma proposta aparentemente pontual – a transformação das áreas de circulação exclusiva de pedestres no centro – exige o entendimento das políticas de mobilidade urbana implementadas em São Paulo nos últimos 30 anos, destacando as suas responsabilidades sobre o atual estado da área central. Faltam estudos aprofundados sobre esse tema. Mas, se na área de transportes há um certo consenso sobre as políticas de incentivo ao transporte coletivo através da penalização do transporte por automóveis privados e do apoio ao transporte não motorizado, na área de urbanismo não existe uma convergência das avaliações das causas do esvaziamento dos imóveis da área central. Pelo contrário, as posições nesse tema são bastante conflitantes. Da migração da elite paulistana para a zona sudoeste da cidade à dificuldade de acesso dessa elite ao centro com seu transporte privado, vários são os motivos apontados, não havendo nem mesmo consenso sobre a identificação de uma degradação na área, pois muitos consideram que aquilo que é apontado como decadência da região não passa de uma mudança de perfil social dos seus usuários.

Sem dúvida é necessário avançar nesse debate, assim como nas pesquisas sobre o assunto. Ainda mais se considerarmos que novos mecanismos experimentados internacionalmente na área de mobilidade urbana para desestimular o uso do transporte individual privado nas grandes cidades podem vir a ser propostos para São Paulo. É necessário que desenvolvamos uma reflexão integrada entre essa área e a área de urbanismo para tais propostas sejam sempre norteadas por uma idéia da cidade que queremos.

Apesar dos seus limites e restrito à discussão pública da proposta da “Associação Viva o Centro”, o evento indica a potencialidade do IAB SP em se afirmar como importante fórum de discussão das questões urbanísticas de São Paulo, em uma ação capaz de ultrapassar os contornos corporativos da profissão do arquiteto e envolver vários setores que tem a cidade como campo de ação.

Post scriptum

Nas semanas seguintes a este evento a proposta da abertura dos calçadões desapareceu da mídia paulistana. As iniciativas concretas do executivo municipal na região central parecem se concentrar no tema da segurança pública, sendo o cercamento da Praça da República a iniciativa de maior significado urbano até agora implementada. No entanto, o Fórum Paulistano de Passeio Público (realizado em 11 de maio) apresentou e discutiu publicamente uma série de propostas para padronização da construção e ocupação por mobiliários, concessionárias de serviços e paisagismo, refletindo a consolidação de esforços que vêm se acumulando nos últimos anos em São Paulo nessa área.

sobre o autor

Renato Luiz Sobral Anelli, arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, USP-São Carlos

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