Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

newspaper

news

Quando comecei a pesquisar para os primeiros esboços do tratamento do roteiro do longa-metragem Estive em Lisboa e lembrei de você, baseado no romance de Luiz Ruffato, natural de Cataguases, logo me deparei na internet com inúmeros artigos e fotografias sobre a arquitetura modernista de Cataguases. Foi uma supressa, pois durante a leitura do livro não tinha me dado conta desta vertente da cidade, ainda desconhecida para mim.
Rapidamente, percebi que muitos dos cenários descritos no livro, a Praça Santa Rita e a igreja da cidade, em nada se pareciam com aquilo que eu inicialmente tinha imaginado ao ler o livro. A imagem de uma cidade do interior mineiro era para mim mais colonial, ou então vítima de uma descaracterização através da construção, muitas vezes desordenada, que envolve muitas pequenas cidades do interior.
Mas foi exatamente o contrário que encontrei, mais tarde, na minha primeira visita à cidade. O seu passado histórico durante o Séc. 20 é muito rico, quer a nível financeiro como cultural. Como foi dito na introdução deste texto, os industriais da cidade investiram em suas casas e habitações, e nos espaços públicos. Cataguases adquiria assim uma característica bastante heterogênea e muito particular. Isto porque, em meio a edificações mais clássicas ou tradicionais, se impunham estas obras modernistas.
Rapidamente, percebi o potencial cinematográfico de tudo o que representava a cidade em termos de arquitetura e como isso poderia ajudar o filme dramaturgicamente. É assim que o painel de azulejos de Cândido Portinari e a escultura de Bruno Giorgi - monumento em homenagem a um dos principais mecenas da idade, Francisco de Sousa Peixoto - instalado em frente à fábrica têxtil Companhia Industrial Cataguases, onde trabalha o protagonista do filme, ajuda nos primeiros minutos de longa-metragem a caracterizar a sua profissão e as atividades industriais da cidade. O painel retrata os tecelões, e rapidamente, através da imagem, podemos também caracterizar e instalar no filme uma atmosfera em que esses elementos vão ser uma constante.
Outros dois exemplos da presença da arquitetura modernista no longa, que me parecem bastante fortes e enriqueceram a narrativa são: A cena noturna, da qual não revelo detalhes para não estragar a surpresa do filme, gravada na Praça Santa Rita, dominada pela Matriz de Santa Rita de Cássia, ao fundo. A igreja, de arquitetura ousada para a época, com formas curvas e uso de concreto armado, tem autoria de Edgar Guimarães do Vale, e exibe no seu exterior, o belo painel de azulejos de Djanira, “A vida de Santa Rita”. Neste cenário, filmei uma cena que apresenta a loucura e o desvario final da esposa do protagonista. A locação participa de forma extremamente forte na sequência, através das suas curvas e iluminação incomum e com todo o seu contexto cênico e dramatúrgico.
Outro caso é numa cena chave do filme, em que o personagem Dr. Fernando, que no roteiro eu tinha concebido como um médico contraditório, liberal, com alma de artista e um pouco louco nas suas afirmações, vai aconselhar o protagonista sobre o seu desejo de partir para Lisboa. É no interior da casa concebida por Francisco Bolonha, com móveis de Joaquim Tenreiro e um magnífico painel de azulejos no exterior de Anísio de Medeiros, que o Dr. Fernando vai expor suas teorias contraditórias e fora do comum. A cena se desenrola na sala da casa com o pátio interno ao fundo, rodeada de um jardim e cheia de quadros na parede. O lugar serve na perfeição ao personagem, ajudando ainda mais a definir a sua psicologia inconstante, vaga e filosófica da vida.
Muitas outras magnificas locações estão também presentes no filme, e muitas outras ficaram de fora deste, mas não quero deixar de destacar aqui ainda o a residência de Francisco Inácio Peixoto, projecto de Oscar Niemeyer com jardim de Burle Marx, o famoso Hotel Catagusases, a residência de Mauro Carvalho Ramos com projeto de Luzimar Goês Telles, o Colégio Cataguases, mais uma vez obra de Oscar Neimeyer e com um magnífico painel de Cândido Portinari, e finalmente o Cine Teatro de Cataguases, Cine Edgard, na Praça Rui Barbosa, também ele uma obra de arquitetura modernista. Esta lista, incompleta e com muitas lacunas serve apenas para dar a ideia da riqueza e do ambiente visual que certamente tiveram muita influência consciente e inconsciente, na realização estética e formal deste filme.
Acrescento também que todo o vigor intelectual da cidade de Catguases se mantém nas novas gerações através de uma atividade cinematográfica e teatral que faz jus a todo este passado, inclusive absorvendo a herança de Humberto Mauro, pioneiro do cinema brasileiro, que ali viveu e onde deu os primeiros passos na profissão.
Posso dizer que se o filme tivesse sido rodado em estúdio, tal cidade não seria verossímil e que, provavelmente, diriam que o diretor e os cenógrafos tinham fantasiado em demasia. Ou que, pelo contrário, os cenários construídos e concebidos pela produção do filme serviam na perfeição à narrativa deste filme. Ora, nada disso foi necessário, pois a cidade ali estava, a nossa espera, e apenas tivemos de fazer dela e das suas características arquitetônicas bom uso para melhor servir as intenções dramatúrgicas e estéticas do filme.
José Barahona, diretor do filme Estive em Lisboa e lembrei de você.
Rio de Janeiro, 27 de Março de 2016

Arquitetura de Cataguases

source
Veridiana Cardoso

share


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided