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BARBOSA, Antônio Agenor. Barracão de zinco para os pobres, ar condicionado para os ricos. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 008.01, Vitruvius, ago. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.008/3236>.


Às vezes involuntariamente, o mercado editorial brasileiro costuma cometer pequenas injustiças com determinados autores, sobretudo com relação àqueles que não possuem obras de interesse comercial imediato. Uma destas inexplicáveis lacunas agora pode ser preenchida com a recente publicação de Modernidade e moradia. Habitação coletiva no Rio de Janeiro nos séculos XIX e XX, livro resultante das recentes pesquisas realizadas pela Arquiteta e Urbanista Lilian Fessler Vaz, professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU-UFRJ.

No livro em questão, a autora estuda a evolução do conceito de habitação coletiva apoiada em uma investigação preciosa a respeito das suas origens, características e transformações dos seus significados. À luz de uma perspectiva histórica em que sobressaem aspectos sociológicos, espaciais e urbano-arquitetônicos deste tipo de moradia, o trabalho insere-se no campo das recentes pesquisas que abraçam uma espécie de história social da arquitetura e do urbanismo no Rio de Janeiro.

Com mestrado em Planejamento Urbano (IPPUR-UFRJ), doutorado em Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) e pesquisadora do CNPq, Lilian Fessler Vaz no momento reside na França onde desenvolve e amplia seus estudos para um pós-doutoramento em Urbanismo. Certamente, os que se dedicam aos estudos sobre a evolução urbana do Rio de Janeiro têm no trabalho de Vaz uma importante referência, sobretudo em temas relacionados à habitação coletiva e à história dos bairros desta “Muy Leal e Heróica Cidade de São Sebastião”. Para tanto, basta mencionar que a clássica – e, infelizmente, esgotada – edição de livros sobre a história urbana de bairros cariocas como Botafogo, Tijuca, Copacabana e Zona Portuária (Saúde, Gamboa e Santo Cristo), tem Lilian Vaz como uma das autoras.

Oriundo de sua tese de doutoramento, este Modernidade e moradia surge a partir de uma inquietação central da autora que é a busca de uma compreensão mais detalhada acerca de conceitos como habitação unifamiliar e habitação coletiva, e de como estas formas distintas de habitar sofreram transformações diametrais a partir do século XIX. Já no início do livro, em tom de indagação acadêmica e conceitual e, ao mesmo tempo, parecendo antecipar uma resposta – ao gosto de uma sociologia urbana –, a autora observa que no Rio de Janeiro oitocentista, habitação coletiva era a denominação que se dava às estalagens ou aos cortiços, sendo que este tipo de habitação era predominantemente ocupada pelas classes proletárias menos favorecidas.

Assim, na análise que a autora tece sobre o processo de desenvolvimento deste tipo de moradia coletiva e proletária – o cortiço –, surge a verificação de que, com a modernização da cidade ao longo do século XIX e, principalmente, no século XX, tais formas de habitação coletiva também foram modernizadas, como convém à lógica do capital, gerando o que hoje denominamos de edifício de apartamentos. Cabe reforçar que à medida em que os cortiços desapareciam, formas mais modernas de habitar surgiam gerando a seguinte constatação da autora: “...hoje, o principal tipo de moradia do carioca é o apartamento, e o principal tipo de habitação popular, a favela”.

De certa maneira, os argumentos coerentes da autora nos levam a perceber como estas transformações que vão do antigo cortiço – símbolos da miséria, da promiscuidade, da doença e da insalubridade – até os modernos edifícios de apartamentos – das classes média e alta que simbolizam o conforto, a funcionalidade, a ascensão social e até, em poucos casos, a boa arquitetura – , foram operadas tanto no terreno da sua materialidade arquitetônica e construtiva, quanto no campo de suas significações, inclusive com a apropriação de sua força simbólica pela música popular brasileira, conforme a indicação, incorporada pela autora, do Professor Nestor Goulart Reis, sobre o clássico samba “Aurora” de autoria do saudoso Mário Lago e Roberto Roberti de 1941:

“Se você fosse sincera, ô, ô, ô, ô, Aurora
Veja só que bom que era, ô, ô, ô, ô, Aurora
Um lindo apartamento
Com porteiro e elevador
E ar refrigerado
Para os dias de calor
Madame antes do nome
Você teria agora, ô, ô, ô, ô, Aurora”

Também é oportuno mencionar que a simples menção – ainda nos dias de hoje – ao termo “cortiço” vem carregada de uma carga pejorativa que, mesmo ao senso comum, parece haver uma superioridade semântica qualquer entre a favela dos nossos dias – sabe-se que seus pioneiros barracões de zinco também foram muito homenageados pela MPB, como no clássico samba Exaltação à Mangueira de Enéas Brites e Aloizio da Costa – e os cortiços de outrora.

“Mangueira teu cenário é uma beleza
Que a natureza criou, ô...ô...
O Morro com teus barracões de zinco
Quando amanhece que esplendor!
Todo mundo te conhece ao longe
Pelo som de teus tamborins...”

Da parte dos edifícios de apartamentos, a autora também observa que ocorreram mudanças simbólicas fundamentais, especialmente em Copacabana – “a princesinha do mar” – onde o pioneiro “prestígio evocado pelo ‘arranha-céu’ foi transformado no desprezo carregado pelo ‘espigão’.”

Ainda que o eixo do livro enfoque a história e as transformações da habitação coletiva na cidade do Rio de Janeiro (capítulos 1, 2, 3 e 4), é apenas no quinto e último capítulo que a autora se propõe a discutir, de maneira mais explícita, o conceito e/ou a idéia de uma modernidade associada àquelas transformações da habitação coletiva anteriormente mencionadas. É nesta tarefa deveras complexa – e reduzida a 25 páginas das 180 totais do livro – que Vaz parece ter perdido não apenas o eixo do seu estudo como também interrompe uma seqüência coerente de quatro bons capítulos sobre a habitação coletiva na cidade.

Embora concordemos com a autora sobre a relevância da discussão e do cruzamento de conceitos que associem a idéia de modernidade à de uma habitação ou forma de morar intrinsecamente correlata, assim como ocorre com outros objetos de estudo como a cidade, a fotografia e a literatura, parece-nos que, no livro em questão, talvez até pela necessidade de adequá-lo a um padrão típico de publicação, esta problemática ficou apenas tangenciada no capítulo 5, intitulado “Modernidade na cidade e na moradia”. Todavia, é preciso enfatizar que este detalhe não compromete a relevância e também a originalidade dos temas expostos pela autora.

sobre o autor

Antônio Agenor de Melo Barbosa é arquiteto e professor de Urbanismo da FAU-UFRJ.

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