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architectourism ISSN 1982-9930

Engenho Beija-flor na Serra do Itapeti. Foto Victor Hugo Mori

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Neste artigo , Gustavo Rodrigues Secco fala sobre a Igreja Anglicana de Paranapiacaba, edifício volumetricamente semelhante às residências operárias, possivelmente uma das primeiras igrejas anglicanas de São Paulo


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SECCO, Gustavo. Igreja Anglicana de Paranapiacaba. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 044.04, Vitruvius, out. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.044/3618>.


As imagens que ilustram este texto são provavelmente da Igreja Anglicana de Paranapiacaba, que encontrei acidentalmente em uma tarde de junho de 2010, quando, aproveitando o clima ameno de outono, fui mais uma vez “arquiteturistar” em Paranapiacaba, vila ferroviária localizada no município de Santo André/SP. Situada no alto da Serra do Mar, Paranapiacaba (lugar de onde se avista o mar) teve sua implantação iniciada em meados do século XIX em função da construção da primeira ferrovia paulista, a São Paulo Railway Company – SPR. O interesse pelo Patrimônio Ferroviário da SPR nasceu de pesquisas sob a orientação da Prof. Cecília Rodrigues dos Santos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie.

Chegando ao vilarejo, procurei um local para almoçar. Na ocasião, evitei freqüentar estabelecimentos conhecidos e busquei locais cujos pratos ainda não havia provado. Ao terminar a travessia da passarela, cruzei o Largo dos Padeiros e fui em direção ao antigo mercado, quando então reparei em uma singela casa pintada de branco. Aquela pequena residência sempre me chamou a atenção exatamente por sua cor, diferente de todas as demais casas de madeira encontradas na vila, que apresentam coloração avermelhada ou amarelada. O telhado em pavilhão (quatro tacaniças) era também singular, pois denotava uma planta quadrada. Notei que a placa fixada ao beiral do telhado indicava que ali funcionava um restaurante de nome Apiaca. Decidi então subir a escada e almoçar ali mesmo.

Na entrada, nada de diferente: apenas uma sala. Consultei o menu e escolhi o prato. Feito o pedido, o proprietário da casa me apontou o salão onde poderia escolher a mesa e aguardar meu pedido. Foi então que me surpreendi com o que encontrei: atravessando a porta que comunica os ambientes, cheguei a um amplo salão com boa quantidade de janelas tendo ao fundo dois degraus e uma balaustrada, elementos que me lembravam rústicas igrejas inglesas vistas em filmes e livros. Estava quase certo que havia encontrado a antiga igreja implantada pelos ingleses que construíram e operaram a ferrovia.

Diversos autores fizeram referência à existência de uma igreja anglicana em Paranapiacaba, mas nunca havia encontrado informações sobre sua localização nem sobre suas características arquitetônicas. Entre 2007 e 2008 percorri as ruas de Paranapiacaba atrás dessa igreja. De modo inocente, procurava algum edifício com aspectos de igreja, mas não encontrava nada. Os moradores, em sua maioria já sem ligação alguma com a ferrovia, não sabiam me informar. Nas últimas investidas, passei a procurar por ruínas da igreja, novamente em vão, e passei a aceitar a hipótese da igreja ter sido demolida ou consumida por algum incêndio.

Após terminar meu almoço, me dirigi novamente ao dono do estabelecimento e perguntei se por acaso aquele local já havia abrigado uma igreja. Pra minha felicidade, ele respondeu positivamente. Após muita procura, será que eu estava dentro da antiga igreja anglicana de Paranapiacaba? Aqueles degraus eram do supedâneo, e a balaustrada uma mesa de comunhão? Afinal o ritual da missa anglicana é similar ao da católica, com a ênfase na eucaristia e comunhão.

A antiga igreja se situa na Vila Velha na Rua da Estação – primeiro assentamento implantado no local, por volta de 1860, com a finalidade de servir de base de apoio às complicadas obras do trecho de serra – próximo ao Largo dos Padeiros e ao lado da fonte para abastecimento de água, na principal via de ligação da Vila Velha com a Vila Martin Smith. Não consegui ainda informações sobre a época em que a igreja foi construída.

Observando melhor aquela edificação, vi que se diferencia das demais não apenas por sua cor branca atual. É um edifício volumetricamente semelhante às residências operárias – imóvel de pequenas dimensões, com sanitário externo – mas de construção mais sofisticada, apresentando paredes duplas executadas integralmente com pinho de riga (1) – recurso que aparece apenas nas edificações mais importantes como as residências de engenheiros, destacadamente o Castelinho. A porta principal apresenta folhas duplas com vidro e sistema de fechamento de escuros para não mostrar do alpendre a sala de culto do interior, enquanto as janelas seguem às das casas da vila, com guilhotina e venezianas. A estrutura da cobertura apresenta um interessante sistema em forma de guarda-chuva com apoio central que estrutura o telhado em pavilhão. Além disso, na fachada dos fundos reaparece o tradicional amarelo ocre.

O imóvel a que está geminado poderia ter servido de residência para o reverendo, pois temos ali a curiosa situação de uma escada servindo a dois imóveis, sendo que em geral as residências geminadas apresentam uma escada para cada imóvel, apesar de contarem com um alpendre comum.

Em uma rápida pesquisa na Internet, Victor Hugo Mori, arquiteto do Iphan e meu supervisor de estágio, constatou que minha descoberta poderia ser importante e ir muito além do patrimônio ferroviário:

"O primeiro templo cristão construído por protestantes no Brasil foi da Igreja Anglicana, sendo também o primeiro na América do Sul, construído no Rio de Janeiro. Isto foi possível em 1810, devido um acordo de comércio entre Portugal e a Inglaterra, no qual estava previsto a liberdade de os anglicanos construírem suas capelas em território brasileiro.

A princípio os anglicanos residentes no Brasil reuniam-se em residências e navios ingleses para realizarem seus cultos, antes da liberdade de construir capelas. Porém, as capelas não poderiam ter aspecto de templo e deveriam parecer uma casa comum, sendo proibido construir torres e ter sinos. Essas primeiras capelas ficaram subordinadas à Igreja da Inglaterra e eram somente para atender ingleses. Foram construídas capelas em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Belém e Recife" (2).

O Iphan tombou recentemente uma igreja anglicana na cidade de Registro, mas, como foi construída por japoneses, esta tem a feição de uma igreja da tradição nipônica. Então, é possível que esta construção de Paranapiacaba seja a única (ou uma das únicas) que restou com essa tipologia residencial, que ainda conserva o partido imposto pelo Tratado de 1810.

Além disso, desde 2002 Paranapiacaba é patrimônio nacional e o Iphan desconhecia a existência desta que poderia ser uma das primeiras igrejas anglicanas de São Paulo.

O restaurante que ocupa hoje a construção conservou o que pareceu um supedâneo com a balaustrada de comunhão. As mais antigas igrejas anglicanas no Brasil não possuem retábulo e na parede de fundo aberturas envidraçadas, algumas com vitrais. Mas naquelas primitivas do século 19 era proibido o vitral para não demonstrar ser uma edificação para culto e essas janelas se assemelhavam a janelas residenciais.

A maioria das casas de madeira de Paranapiacaba tem projeto inglês, mas são construídas em parte com madeira nacional, e essa especialmente é toda de pinho de riga, o que mostra ser uma "residência-capela" especial, mesmo que por fora pareça igual às outras. Já o amplo porão, ao qual não tive acesso, apresenta paredes de alvenaria de tijolos aparentes e piso de pedras, segundo me informou o proprietário e conforme é possível verificar pelo exterior do edifício. Como em todas as edificações do local, a alvenaria de tijolos aparentes afasta o edifício de madeira da umidade do solo e nivela o pavimento, criando porões sob as casas – no caso da igreja, criou um generoso espaço onde hoje funciona um bar noturno.

Segundo a Sociedade de Preservação e Resgate de Paranapiacaba – SPR-Paranap, a Igreja Anglicana de Paranapiacaba encerrou suas atividades no local e cedeu o espaço à Igreja Unida, que por sua vez foi sucedida pela Igreja Presbiteriana do Brasil, que funcionou no local até 1998 (3). Os habitantes tradicionais da vila ainda guardam na memória esta última ocupação.

Fica aqui o registro, caso as pequisas históricas em andamento confirmem, de mais um importante edifício na histórica Paranapiacaba e a recomendação do restaurante.

notas

1
A denominação “pinho de riga” passou a ser a denominação de toda a madeira de pinho importada mesmo que a sua procedência nada tinha a ver com o Porto da Letônia. Segundo o Prof. Carlos A. C. Lemos grande parte dessas madeiras eram pinho canadense.

2
Verbete “Igreja Anglicana” na Wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Anglicana>.

3
Informação extraída do projeto Casa da Memória <http://www.paranapiacaba-spr.org.br/casa.htm>.

sobre o autor

Gustavo Rodrigues Secco é estudante de Arquitetura e Urbanismo na FAU Mackenzie e estagiário do IPHAN, Regional São Paulo. Desde 2007 desenvolve estudos sobre a arquitetura dos edifícios implantados pela São Paulo Railway Company.

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