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architectourism ISSN 1982-9930

Montepulciano, Itália. Foto Victor Hugo Mori

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Ao adentrar uma padaria em Nova York para degustar um singelo pãozinho, Michel Gorski conclui uma etapa da viagem imaginária ao ambiente irrecuperável da Europa Oriental, terra de seus antepassados


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GORSKI, Michel. Nova York – ao encontro com meu primeiro Bialy. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 049.02, Vitruvius, mar. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.049/3690>.


Recentemente fiz uma viagem a Nova York, cujo primeiro objetivo era apreciar e saborear um pãozinho da padaria Kossar’s na Grand Street, Lower East Side (1). Como era de se esperar a moça que nos atendeu era latino-americana e o local muito simples, onde dentre muitos tipos de pães, escolhi o meu primeiro Bialy, bem fresquinho e que foi imediatamente degustado. Valeu a pena.

A história que me levou a esta visita peculiar remonta a meus antepassados do lado paterno, que habitavam até a década de 1940 a pequena localidade de Narew, bem próxima à cidade de Bialystok, no interior da Polônia. Eu descendo de pessoas que escaparam (no meu caso por terem saído antes da Europa) da destruição idealizada e praticada pelos nazistas e por seus prestimosos auxiliares locais contra vários grupos culturais, étnicos, religiosos e ideológicos na Europa a eles submetida. A nossa turma, quase destruída, era da maior comunidade judaica do mundo, até então.

Da numerosa família, dentre os poucos sobreviventes dos campos de extermínio e de trabalho durante a Segunda Guerra estava o primo Lipa Lozanski, que depois se chamou Avinadav. Ainda esquálido chegou clandestinamente a Israel em 1945, antes da criação oficial do Estado. Nosso contato com Lipa e seus descendentes eram esparsos, mas se intensificavam quando algum de nós os visitava e era excepcionalmente bem acolhido na casa dos Avinadav, na pequena cidade de Guedera, a poucos quilômetros de Tel Aviv.

Há pouco tempo atrás esse patriarca faleceu e como eu só tinha o seu endereço, recorri à Internet para procurar os contatos dos seus filhos, para me manifestar sobre sua morte. Não consegui os endereços procurados, mas descobri uma surpreendente citação sobre Lipa em um livro chamado The Bialys Eaters: The Story of a Bread and a Lost World (2), da escritora americana Mimi Sheraton. Especialista em culinária, ela me conduziu a uma singela, porém surpreendente descoberta, sobre o pão de todo dia da vida de meus antepassados na Polônia, o Bialy Kichen.

A senhora Sheraton percorreu o mundo por onde passaram os Bialystokers (titulação autorreferente usada pelos sobreviventes da região) depois da dispersão ocasionada pelos nazistas, à procura das reminiscências da trajetória e da produção, ou melhor dizendo da reprodução, de um pãozinho único, que hoje é classificado como um tipo de Bagel.

Na sua pesquisa além dos Estados Unidos a autora peregrinou pela França, Argentina, Polônia e Israel, onde o entrevistado para seu livro foi o primo Lipa. O que motivou a visita de Mimi a Guedera foi a tentativa de Lipa reproduzir, sob sua orientação, o pão de sua terra natal, na padaria de um imigrante iemenita. Os seus amigos oriundos de Bialystok comiam os Bialys-iemenitas, mas sempre os criticavam, mesmo não tendo nada melhor. O peso das lembranças era enorme, não lhes permitindo espaço para a condescendência. O próprio Lipa disse a Mimi que lembrava sempre de seu pão favorito em Bialystok, feito pelo padeiro Moishe Mendl, na rua Gieldova.

Esta descoberta me levou à busca dos Bialys, primeiro me transportando mentalmente para a região e depois para o encontro real com o pão dos meus antepassados, sobre o qual eu nunca ouvira falar. Dentre as inúmeras histórias exaustivamente repetidas sobre o Shteitl (3) do velho mundo, curiosamente a do pãozinho cotidiano ficou para trás e só agora apareceu desta maneira neoglobalizada.

A viagem física ao mundo dos Bialys começou com minha ousadia de fazê-los, baseado na receita citada por Mimi em seu livro, experiência não tão bem sucedida, por sinal. O produto é para profissionais e entendi as críticas dos amigos do Lipa, à reprodução daquele alimento sagrado para suas memórias. Meus pãezinhos, que não ouso chamar de Bialys, ficaram branquelas e duros, mas a sensação de tentar fazer este pão ancestral já foi prazerosa, prenunciando uma pesquisa mais aprofundada, uma jornada no tempo a uma Bialystok e à vida judaica na Europa Oriental até meados do século XX, que não existem mais.

A receita, até bem simples de se entender, era composta de detalhes de execução minuciosos, como a receita do fermento, a farinha específica, o toque final da cobertura de cebola pré-assada, além das sementes de papoula que revestiam o centro do pãozinho, cavado com os dedos.

Quando contei a uma amiga esta história e meu nível de envolvimento com o tema, inclusive escrevendo uma ficção com base nos Bialys, ela me perguntou se eu já havia ido a Bialystok, ao que de imediato contestei: "tenho viajado para lá, quase todo dia".

Outra parte da busca se realizou em Nova York, quando adentrei o local, onde segundo o livro se faz o melhor dos Bialys possíveis no mundo atual, a Kossar’s, e como eu dizia, meu primeiro Bialy foi imediatamente degustado, assim como o segundo; quanto aos demais eu pedi: “embrulha prá viagem”.

notas

1
Kossar's Bialy Bakery, 367 Grand Street, Nova York, NY <www.kossarsbialys.com>.
2
SHERATON, Mimi. The Bialys Eaters: The Story of a Bread and a Lost World. Nova York, Broadway Books, 2000.
3
Shteitl – denominação em iídiche para agrupamentos de moradias de predominância judaica, podendo ser um pequeno povoado ou um bairro numa cidade maior do leste europeu, até a segunda guerra mundial.

sobre o autor

Michel Gorski é arquiteto e co-editor do Arquiteturismo.

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