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architectourism ISSN 1982-9930

Piazza del Plebiscito, Nápoles. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Bologna conta, no seu tecido urbano, com inúmeras torres, e que datam do período medieval, e não se trata de uma, ou de duas, mas de cerca de vinte torres, número certamente admirável quando se pensa que estas são as torres medievais remanescentes.

english
Bologna has in its urban fabric numerous towers, dating from the medieval period, and it is not only one or two, but it is about twenty towers, certainly a remarkable number when you think that these are the remaining medieval towers.


how to quote

LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. Itália medieval. As torres de Bologna. Arquiteturismo, São Paulo, ano 08, n. 094.02, Vitruvius, dez. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/08.094/5409>.


Para alguém que ainda não estivesse familiarizado com a paisagem diversa e múltipla – e frequentemente admirável – das cidades italianas, certamente cumpriria o ritual do viajante que chega a uma cidade estrangeira: ficaria talvez surpreso e, certamente, admirado com os singulares elementos da sua paisagem urbana. Mas há uma cidade na Itália que pode causar surpresa até nos menos neófitos dos viajantes: trata-se de Bologna, cidade situada na região de Emilia Romagna. Mas o que, exatamente, surpreenderia esse viajante? Ora, essa cidade conta, no seu tecido urbano, com inúmeras torres, e que datam do período medieval. Ora, o candidato a turista poderia perfeitamente argumentar, e não sem razão, que não poucas cidades desse país contam com torres, e que há, ao menos, uma torre medieval na cidade de Paris, Meca de viajantes de todo o mundo. Então, e é legítimo que se pergunte, o que teria de singular as torres bolonhesas em relação a todas as outras torres de todas as outras cidades europeias? A resposta é simples, não se trata de uma, ou de duas, mas de cerca de vinte torres, número certamente admirável quando se pensa que estas são as torres medievais remanescentes, e que muitas (no total, eram cerca de 180) foram demolidas durante os séculos posteriores, seja pela incúria do homem face à natureza (desmoronamentos por falta de manutenção, incêndios etc.), seja pela cupidez humana (alargamento ou construção de novas vias). Confinada nas suas muralhas, a Bologna medieval era uma espécie de “selva de torres” (1).

Bologna, Palazzo d'Accursio, janeiro de 2014
Foto Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima


Assim, o primeiro fator de espanto é o número. Mas este não é o único fator de espanto, posto que há, ainda, a sua altura: a maior de todas, a Torre Asinelli, tem exatos 97,20 metros. Nada mau se pensarmos que foi construída por volta do século 11, antes, portanto, das grandes catedrais góticas das quais muitos franceses se orgulham tanto (mas não foram os franceses, certamente, os inventores da “verticalidade em arquitetura”). Além disso, há a sua conformação; ora, as grandes catedrais românicas e góticas eram construções que, além de verticais, ocupavam um espaço nada desprezível das cidades, sobretudo se lembrarmos que não eram construções isoladas, tal como se encontram hoje, mas eram apenas um elemento de um conjunto que podia seu muito vasto, com claustros, batistérios, edifícios anexos, hospedarias etc. Uma torre bolonhesa, ao contrário, é um elemento isolado no tecido urbano medieval, de ruas estreitas e tortuosas. E cada uma dessas torres guarda as suas especificidades face às outras; a torre Garisenda, por exemplo, com os seus 47, 50 metros, pende a leste exatos 3,15 metros (2), inclinação que deixaria a torre de Pisa a lamentar a perda da exclusividade da inclinação.

Bologna, Bologna, torres Asinelli e Garisendi, janeiro de 2014
Foto Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

Conhecemos muito bem a função das torres das igrejas românicas e góticas, mas qual seria a função das torres bolonhesas? Como o leitor já deve ter pressentido, os nomes pelas quais as torres são conhecidas, Asinelli e Garisendi, por exemplo, são nomes de família, o que indica, certamente, que a sua função não era religiosa. E se a função não era religiosa, e se pensarmos que a Itália de então era dilacerada por conflitos internos e por conflitos não menos intensos entre os partidários do Papa e os do Imperador germânico (3), facilmente chega-se à conclusão de que aquelas torres cumpriam uma função militar: “As torres privadas, construídas pelas famílias mais ricas e poderosas, foram um meio de acrescentar riqueza e poder e, igualmente, de sobreviver naqueles anos de lutas implacáveis” (4). Aquelas torres não eram, portanto, residências senhoriais, mas instrumentos de ataque e de defesa em tempos duríssimos, em que a paz era a exceção e não a regra. E isto marca a arquitetura dessas torres: não há portas no térreo (as que se podem ver agora foram acrescentadas a posteriori), e a entrada se dava pelo segundo piso (que estava distante do solo de sete a dez metros), o qual, por sua vez, era fortemente protegido por uma construção secundária. O resto da torre era composto unicamente por uma escada de madeira, que dava acesso ao último piso da torre; este, por sua vez, era vigorosamente defendido por soldados armados com bestas e até mesmo com catapultas. Dali espreitavam a cidade e defendiam as famílias as quais estavam ligados.

Bologna, torre, janeiro de 2014
Foto Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

Comentamos em passant que as torres eram uma espécie de consórcio – ou empreendimento – estritamente privado, e que eram propriedades de uma única família, e que esta família deveria ser rica o suficiente para custeá-lo. Mas, o quão rica deveria ser essa família? Recorramos, para elucidar esta questão, à narrativa de um bolonhês: “Para a construção de uma torre [...] teria sido necessário 140 liras imperiais, ou seja, 60 quilos de prata” (5). Isto significa, em toda evidência, que as torres eram um privilégio das famílias mais ricas e mais importante, embora o nosso autor faça a seguinte ressalva: “No câmbio atual seriam vinte mil euros, e com uma quantia similar se poderia, talvez, construir uma garagem para um automóvel, mas não uma torre de sessenta metros” (6). Esta observação diz muito a respeito da economia medieval do início do segundo milênio... Mas o nosso autor acrescenta que o valor da prata deveria ser, naquela época, extremamente alto, e o valor da mão de obra, por outro lado, extremamente baixo, muitos trabalhando apenas pela alimentação (7). E, por outro lado, deixando de lado as questões econômicas, como estas gigantescas obras de arquitetura e engenharia eram construídas? Procedia-se da maneira como se segue: fazia-se a fundação, com 7 metros de profundidade, depois colocavam-se as estacas, troncos de árvores que deveriam ter mais de dois metros de altura e um “palmo” de diâmetro. Sobre as fundações construía-se o primeiro piso em uma pedra chamada de selenite, que era escavada do Monte Donato ou retirada das construções romanas; terminada esta etapa, fazia-se a torre propriamente dita, cujas paredes duplas de tijolos (com espessura de três metros) eram preenchidas com cascalhos. Apenas na Torre Asinelli fez-se necessário cerca de um milhão de tijolos (8).

Bologna, torre, janeiro de 2014
Foto Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

Postas estas considerações que apontam para a singularidade dessas construções medievais, restaria elucidar – ou, ao menos, tentá-lo – o caráter do espanto do viajante, questão escrita no caput deste texto. Muitas vezes, para compreender uma alteridade que lhe escapa (justamente porque se trata do outro) o viajante serve-se das parcas armas do seu arsenal, que são a analogia e a comparação. E, assim, compara-se o que não se conhece com o que já se conhece, e, nesse processo, cidades ímpares tornam-se pares, construções singulares se dobram, e o “mundo outro” se torna conhecido. Contudo, não se pode culpar o viajante por fazê-lo; ora, movido pelo deslocamento e pela impotência, o que poderia fazer um viajante, senão, justamente, comparar? (9) Mas poder-se-ia afirmar, em um exercício de pensamento, que as torres de Bologna não se prestam facilmente a comparações, e que compará-las a quaisquer outras torres de quaisquer outras cidades seria tão difícil quanto compreendê-las na sua singularidade.

Bologna, torre, janeiro de 2014
Foto Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

notas

1
COSTA, Tiziano. Il grande libro dele torri Bolognesi. Bologna, Costa Editore, 2011, p. 33. Citações do livro foram traduzidas por nós do italiano para o português.

2
Idem, ibidem, p. 39.

3
“Além disso, foi verdadeiramente a partir do segundo conflito entre império e papado que o léxico político italiano integra a oposição entre guelfos e gibelinos (a primeira ocorrência da palavra guelfo em Florença ocorre em 1240), os primeiros sendo definidos claramente como a pars Ecclesiae (o partido da Igreja), os segundo como pars Imperii (o partido do Império), sinal que as comunas estavam integradas em um jogo diplomático que lhes dizia respeito, mas cujos horizontes teóricos e ideológicos eram mais vastos do que a simples defesa dos seus interesses”. GILLI, Patrick. Cidades e sociedades urbanas na Itália medieval. Tradução Marcelo Cândido da Silva e Victor Sobreira. Belo Horizonte/Campinas, Editora UFMG/Editora da Unicamp, 2011, p. 36.

4
COSTA, Tiziano. Op, cit., p. 10.

5
Idem, ibidem, p. 11.

6
Idem, ibidem, p. 11.

7
Idem, ibidem, p. 11.

8
Idem, ibidem, p. 17.

9
Esta nossa frase é uma paródia da frase escrita por Marguerite Duras no roteiro para o filme Hiroshima mon amour: “Pode-se sempre zombar dos turistas, mas o que pode fazer um turista, senão, justamente, chorar?” DURAS, Marguerite. Hiroshima mon amour. Paris, Gallimard, 1960. p. 25. Tradução nossa do francês para o português.

sobre o autor

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, autor do livro Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Arquitetura e Urbanismo.

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