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architectourism ISSN 1982-9930

Paraty. Foto Abilio Guerra

abstracts

português
O projeto do Grande Hotel de Ouro Preto, de Oscar Niemeyer, suscitou discussões dentro e fora do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN que tiveram desdobramentos marcantes para a arquitetura moderna brasileira.

english
The architectural design of the Grande Hotel de Ouro Preto, by Oscar Niemeyer, triggered discussions inside and outside of the National Service for the Conservation of Artistic and Historical Heritage – Sphan, who had striking consequences for the Brazili

español
El diseño del Grande Hotel de Ouro Preto, por Oscar Niemeyer, ha planteado debates dentro y fuera del Servicio de Patrimonio Histórico y Artístico – Sphan que van a producir consecuencias notables para la arquitectura moderna brasileña.


how to quote

JATOBÁ, Sérgio Ulisses. Grande Hotel Ouro Preto. Um divisor de águas. Arquiteturismo, São Paulo, ano 09, n. 100.02, Vitruvius, jul. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/09.100/5633>.


Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

O charme discreto do Grande Hotel se impõe na paisagem histórica de Ouro Preto. Projeto de 1940 de Oscar Niemeyer, pouco lembrado nas retrospectivas da sua produção, deveria figurar entre as suas obras mais significativas. E se não for pelo projeto em si, cuja singeleza foge à exuberância marcante do seu traço, que seja pela experiência pioneira da inserção bem resolvida de um edifício moderno em um contexto urbano histórico e pelos importantes desdobramentos que teve para a arquitetura brasileira.

O Grande Hotel foi um projeto ousado para a época. Não é nossa pretensão reanalisá-lo, pois boas análises da obra já foram feitas em pelo menos dois destacados textos, um deles de Comas (2002) e outro de Cavalcanti (2006), os quais usarei como referência. Interessa-nos, contudo, recobrar aspectos da história do projeto que foram reveladores de novas posturas de preservação do patrimônio, que vão culminar nos até então inéditos tombamentos de Pampulha, do Palácio Capanema e do Plano Piloto de Brasília.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

A elevação da produção moderna ao status de patrimônio artístico cultural provocou uma revolução na ótica preservacionista. Foi consequência, a nosso ver, das discussões que o projeto do Grande Hotel suscitou a partir do discurso teórico que já vinha sendo construído por Lucio Costa e que, a partir do episódio de Ouro Preto, desencadearam uma série de acontecimentos cruciais para a afirmação da arquitetura brasileira nos cenários nacional e internacional.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Para desenvolver esse argumento, inicialmente é preciso relatar brevemente como se chegou à solução final do projeto. O artigo de Carlos Eduardo Dias Comas, publicado em Vitruvius (1), conta-nos que foram desenvolvidas quatro alternativas até a definitiva. A primeira, de Carlos Leão, procurava a integração ao sítio histórico por meio de um projeto que seguia o padrão da arquitetura local. Embora sabidamente modernista, Leão, nesse projeto procurou responder aos anseios do diretor do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade, e à visão predominante à época no patrimônio histórico de construir um edifício que não se conflitasse com as edificações existentes. Cabe mesmo supor que Leão inspirou-se no seu mestre e ex-sócio Lúcio Costa, que, no início da carreira, procurou desenvolver uma arquitetura neocolonial brasileira sem os excessos do ecletismo. O resultado obtido, porém, não foi satisfatório, como registra Lauro Cavalcanti apontando os dois problemas básicos do projeto:

“havia ficado de um tamanho muito maior do que as construções em seu redor, fazendo com que os elementos não se articulassem bem entre si, e, principalmente que o hotel “pesasse” demais na ambiência da cidade. O segundo aspecto, de natureza muito mais grave do ponto de vista dos modernos, era a possibilidade – apesar da filiação moderna de Leão e de este haver procurado “depurar” à essência os estilemas locais – de o projeto ser considerado uma “redenção” à corrente neocolonial, seus principais competidores na pretensão à contemporaneidade” (2).

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

A mais contundente objeção ao projeto vem de Lúcio Costa, que na ocasião da elaboração do projeto de Carlos Leão encontrava-se fora do país elaborando, em conjunto com Niemeyer, o projeto do Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova York. Quando conhece o projeto do antigo sócio vê nele o risco da interpretação neocolonial, que agora rejeita totalmente, e sugere a construção de um hotel moderno.

Niemeyer é encarregado de elaborar nova proposta e não abre mão de uma versão essencialmente modernista. A sua primeira opção de partido é um bloco sobre pilotis, posicionado longitudinalmente às curvas de nível do terreno, cobertura plana com teto verde, estrutura independente em concreto e nenhuma concessão à elementos da arquitetura colonial local. Niemeyer pretendia que seu projeto “em seu aspecto simples e despretensioso se destacasse o menos possível na paisagem ouro-pretense” (3). A versão resultante, contudo, apontava para o oposto dessa pretensão.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Costa, de novo, intervém, propõe solução conciliadora entre o moderno e o colonial, sugerindo substituir o terraço jardim por uma cobertura em telhas de barro e alude à semelhança da técnica estrutural do pau-a-pique com a do concreto armado. Niemeyer refaz o projeto adotando telhado em duas águas, suprime o balanço frontal e deixa descobertos o terraço do restaurante e a rampa de acesso. Há um claro empobrecimento da solução inicial, revelando talvez a inabilidade inicial de Niemeyer com o desafio em adaptar o partido modernista ao contexto histórico. Cogita-se relocar o edifício para área suburbana ou o aproveitamento de prédio existente. O quase retrocesso não ocorre, pois Niemeyer apresenta novo projeto, combinando elementos da primeira e segunda soluções, encontrando enfim o desejado equilíbrio entre estilos visualizado por Costa.

Grande Hotel de Ouro Preto, desenho de Oscar Niemeyer em exposição permanente
Foto Sergio Jatobá

A solução final apresenta telhado de uma água só sem tesouras, reintroduz o balanço e substitui as venezianas do primeiro estudo por treliças pintadas em azul. O primeiro renque de pilares, em seção quadrada pintados de marrom a imitar a madeira, realçam o ritmo estrutural e a verticalidade que se equilibram a com a horizontalidade do conjunto. A segunda linha de pilares em seção circular e os panos vidros recuados preservam o traço modernista sem evidenciar-se na fachada, que assim assume ares que evocam a singeleza marcante das casas coloniais de engenho, cuja inspiração também vai se perceber depois nos palácios de Brasília.

Surpreende o fato do projeto, observado do seu exterior, praticamente se mimetizar na paisagem urbana de Ouro Preto, mas quando em seu interior revelar-se totalmente modernista. A fachada envidraçada do salão de recepção permite o descortinar livre do olhar sobre a cidade e a paisagem natural ao fundo. Do terraço do restaurante se pode admirar a beleza do conjunto urbano emoldurada pelas montanhas de Minas.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Se é de Niemeyer a solução final bem resolvida, não se pode deixar de creditar à Lucio Costa a visão pioneira e vanguardista de defesa de um projeto moderno em um contexto histórico. Esse posicionamento visionário foi determinante para a mudança de postura do SPHAN àquela época e na definição de diretrizes para futuras construções em sítios históricos.

Os frutos da corajosa postura de Lucio Costa, bem traduzida por Niemeyer na adequada versão final do Grande Hotel, são reconhecidos na atuação profissional futura dos dois e de seus companheiros modernistas. Niemeyer faz Pampulha em 1942, por indicação de Rodrigo Melo Franco ao então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek. No início da década de 1950, ousando mais do que em Ouro Preto, insere obras puramente modernistas na cidade histórica de Diamantiana (Escola Julia Kubitschek/1951, Hotel Tijuco/1951, Diamantina Tênis Clube/1950). Lucio Costa firma-se como grande autoridade em patrimônio, sendo Diretor de Estudos e Tombamentos do SPHAN até a sua aposentadoria em 1972 e depois consultor. Em 1960 projeta o Plano Piloto de Brasília, primeira cidade modernista no mundo a ter seus princípios urbanísticos tombados e na qual Niemeyer pousa suas obras primas palacianas.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Os tombamentos do conjunto arquitetônico da Pampulha, em 1947 e Ministério da Educação e Saúde Pública – MES, atual Palácio Capanema, em 1948, ambos apenas cinco anos após suas edificações, e do Plano Piloto de Brasília, como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1987, selam o reconhecimento da arquitetura e urbanismo modernos como bens patrimoniais de valor artístico.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Na cena de fundo desse reconhecimento, porém, estava um embate entre os defensores da tradição clássica e os modernistas, travado não só dentro do Sphan, mas também fora dele. É parte da história da arquitetura moderna no Brasil, como se sabe, o episódio da demissão de Lúcio Costa da direção da Escola de Belas Artes em 1931 por ousar abrir sua mente para o nascente modernismo, traindo, segundo seus detratores, a tradição neoclássica. Esse episódio marca o posicionamento decisivo de Lucio Costa pela arquitetura moderna. Portanto, quando defende o projeto modernista de Niemeyer em Ouro Preto, Costa, apesar de seu comprometimento com os estilos neoclássico e neocolonial no passado, já era um profissional totalmente sintonizado com os novos rumos da arquitetura brasileira, havendo participado, inclusive das duas obras que definiram o seu caráter: o MES (1936) e o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York (1938). O que o distinguia, contudo, de seus colegas modernistas era o profundo conhecimento da tradição clássica e da herança arquitetônica nacional. Assim, se compreende sua notável habilidade na condução de Niemeyer à solução do Grande Hotel, que concilia a beleza singela do colonial brasileiro com a racionalidade do moderno.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Esse encontro natural entre dois estilos tão fortemente opostos, segundo seus respectivos defensores, revela, por outro lado, os pontos de contato entre a arquitetura moderna e o estilo colonial, que o próprio Lucio Costa enfatizava. Essa harmonia entre os dois estilos foi percebida por Bruand quando identifica elementos na arquitetura do Grande Hotel (volumetria, telhado, simplicidade e despretensão decorativa) que dialogam com os edifícios históricos exemplares que lhe são vizinhos: a Casa de Contos e o Palácio dos Governadores (4).

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

De fato, a “rendição” de Niemeyer à incorporação de elementos da arquitetura colonial na sua terceira versão do projeto do Grande Hotel parece advir da conjunção da sua genial capacidade projetual, de considerável carga intuitiva, com a aceitação das sugestões dadas por Costa, este sim um conhecedor escolado das tradições do colonial e do neoclássico.

Lucio Costa descobre na arquitetura de Le Corbusier a síntese buscada, que aliava a mais moderna técnica com a prática projetual clássica. Contudo, ainda faltava traduzi-la para uma linguagem brasileira e a arquitetura colonial fornecia elementos para tal, afinando-se com a arquitetura moderna pela honestidade formal e ao mesmo tempo oferecendo a leveza e as curvas que a afastaram do funcionalismo estrito.

Grande Hotel de Ouro Preto
Foto Sergio Jatobá

Niemeyer, com a percepção intuitiva foi o arquiteto brasileiro que melhor concebeu essa arquitetura que Costa sabiamente já antevia quando redigiu a carta a Rodrigo Melo Franco em defesa do projeto do projeto do Grande Hotel. Documento que Cavalcanti (5) afirma ter “adquirido alcance muito maior do que o mero caso do hotel de Ouro Preto, passando a ser no âmbito do patrimônio, espécie de carta de princípios para novas construções em sítios históricos”, cujo trecho transcrevemos a seguir:

“Sei, por experiência própria que a reprodução do estilo das casas de Ouro Preto só é possível, hoje em dia, à custa de muito artifício. Admitindo-se que o caso especial dessa cidade justificasse, excepcionalmente, a adoção de tais processos, teríamos, depois de concluída a obra, ou uma imitação perfeita e o turista desprevenido correria o risco de, à primeira vista, tomar por um dos principais monumentos da cidade uma contrafação, ou então, fracassada a tentativa, teríamos um arremedo ‘neo-colonial’ sem nada de comum com o verdadeiro espírito das velhas construções” (6).

Grande Hotel de Ouro Preto, desenho de Oscar Niemeyer em exposição permanente
Foto Sergio Jatobá

O que Costa quis advertir a Melo Franco (7) nessa carta histórica era uma lição modernista, que já havia sido expressa em 1933 na Carta de Atenas quando afirma que “o emprego de estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas erigidas nas zonas históricas, têm consequências nefastas.” A pretensão de imitar a arquitetura histórica como forma de não gerar contrastes de estilos geralmente resulta em pastiche desastroso. Além de não haver justificativa para o uso de forma e técnica construtiva pertencentes ao passado, engana-se o senso comum fazendo passar por original, algo que é mera imitação anacrônica.

Grande Hotel de Ouro Preto, desenho de Oscar Niemeyer em exposição permanente
Foto Sergio Jatobá

Percebe-se, assim, quão emblemático foi o episódio do Grande Hotel, transcendendo a própria obra. Respaldado em Ribeiro (2005) e Cavalcanti (2006) pode se dizer que ele é o marco de um amplo reconhecimento que a arquitetura moderna brasileira vai adquirir progressivamente dali para frente, mas também é um ponto de afirmação do arcabouço teórico que Lucio Costa vinha construindo desde seus primeiro textos. A formulação da sua tese de conciliação entre modernidade e tradição, já bem delineadas em “Razões da nova arquitetura”, texto de 1936, respalda os documentos redigidos em favor do projeto de Niemeyer e juntamente com os pareceres, memoriais, relatórios e estudos produzidos como funcionário do Sphan vai definir uma nova postura de preservação do patrimônio histórico brasileiro.

Grande Hotel de Ouro Preto, desenho de Oscar Niemeyer em exposição permanente
Foto Sergio Jatobá

notas

1
COMAS, Carlos Eduardo Dias. O passado mora ao lado. Lúcio Costa e o projeto do Grand Hotel de Ouro Preto, 1938/40. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 122.00, Vitruvius, jul. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.122/3486>.

2
CAVALCANTI, Lauro. Capítulo 6 – O Grande Hotel de Ouro Preto. In Moderno e brasileiro. A história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-1960). Rio de Janeiro, Zahar, 2006.

3
Trecho do texto explicativo de Niemeyer sobre o projeto, trancrito por CAVALCANTI, Lauro. Op. cit.

4
BRUAND, Yves. O Grande Hotel de Ouro Preto. In Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2010.

5
CAVALCANTI, Lauro. Op. cit.

6
COSTA, Lucio. Apud Cavalcanti, CAVALCANTI, Lauro. Op. cit., p. 114. Ver também: RIBEIRO, Otávio Leonídio. Carradas de razão: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924-1951). Rio de Janeiro, Editora PUC-Rio, 2007.

7
Não se pode deixar de citar a importância de Rodrigo Melo Franco de Andrade no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, bem como de Gustavo Capanema no respaldo aos posicionamentos de Lucio Costa e no apoio à arquitetura moderna brasileira.  A esse respeito, ver: GUIMARAENS, Cêça. Rodrigo Melo Franco de Andrade e a paisagem hiperreal do patrimônio. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 149.06, Vitruvius, out. 2012 < www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.149/4543 >; ALVIM, Clara de Andrade. Rodrigo Melo Franco de Andrade, meu pai. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 149.00, Vitruvius, out. 2012 < www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.149/4526 >.

sobre o autor

Sérgio Jatobá, arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006). Pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA.

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