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research

magazines

architectourism ISSN 1982-9930

Villa Savoye, Poissy, França, arquiteto Le Corbusier. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Relato de viagem à África do Sul traz discussões correntes no campo do patrimônio em Pretoria e na Cidade do Cabo, com foco em temas e problemas similarmente compartilhados por arquitetos e pesquisadores brasileiros diante de nosso próprio contexto.

english
Report on a trip to South Africa brings some of the discussions in the field of heritage being held in Pretoria and Cape Town, with particular interest in issues and concerns similarly shared by Brazilian architects when dealing with our own context.

español
Relato del viaje a Sudáfrica destaca discusiones actuales sobre patrimonio en Pretoria y Ciudad del Cabo, con particular interés en temas y problemas análogos compartidos por arquitectos e investigadores brasileños ante nuestro propio contexto.


how to quote

DERNTL, Maria Fernanda. África do Sul, patrimônio moderno e regeneração urbana. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 142.02, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.142/7220>.


Na década de 1940, arquitetos sul-africanos folheavam com avidez revistas de arquitetura, publicações internacionais e o catálogo Brazil Builds (1943), atraídos pela inventividade da produção então corrente no Brasil. Em 1945, o arquiteto Norman Eaton, de Pretoria, e um grupo de colegas cruzaram o Atlântico de navio para uma viagem pela América do Sul. Ao desembarcar no Brasil, detiveram-se com particular atenção na arquitetura carioca e trocaram ideias com Henrique Mindlin, Marcelo Roberto e Oscar Niemeyer.

Rua residencial de Pretoria
Foto Maria Fernanda Derntl

Os arquitetos sul-africanos assimilaram ao seu próprio contexto elementos formais e soluções técnicas observados aqui. Mostraram, além disso, uma similar disposição para reinterpretar tradições construtivas e motivos locais. A crítica cunhou a denominação Little Brazil para se referir aos edifícios afinados com o modernismo carioca que se espalharam por Pretoria, Joanesburgo e Cidade do Cabo. Ao voltar sua atenção para as experiências brasileiras nos anos pós Segunda Guerra Mundial, os arquitetos sul-africanos criaram oportunidade para difusão do movimento moderno por um percurso inusitado, que não emanava diretamente dos centros europeus ou de protagonistas lá situados.

Desenho do projeto do Banco Standard, Pretoria, de Stucke & Harrison. Sem data [anterior a 1931] [Catálogo Modern Movent and the City: an exhibition from the architecture archives of the U]

Tempos depois daqueles encontros inaugurais, os diálogos com a África do Sul levam a encontrar novas afinidades e a refletir sobre outros temas e problemas de interesse mútuo. Para isso, navegar não é mais preciso, mas ainda é preciso vivenciar cidades e paisagens daquele país. Este relato de viagem destaca algumas das discussões e experiências que pude acompanhar em Pretoria e Cape Town em outubro de 2018.

Sala de espetáculos do Teatro Capitol, atual estacionamento de carros, Pretoria, 1931, arquiteto Percy Rogers Cooke
Foto Maria Fernanda Derntl

O objetivo principal da viagem foi participar do desenvolvimento do projeto de regeneração do centro de Pretoria conduzido pelo escritório de Mariane de Klerk com apoio da Embaixada da Holanda e em cooperação com a Universidade de Pretoria, o Urban Design Institute of South Africa (UDISA), o Departamento Nacional de Obras Públicas e a municipalidade de Tshwane (Pretoria). Houve também oportunidade para dar palestras na Universidade de Pretoria e no Cape Institute of Achitects sobre algumas experiências brasileiras de intervenção urbana e suas distintas posturas face à memória.

Edifício TPA, Pretoria, 1955-1963, projeto de Meiring & Naudé em associação com Moerdyk & Watson
Foto Maria Fernanda Derntl

Um patrimônio conflituoso e as estratégias para sua requalificação

No Brasil e na África do Sul, paisagens urbanas marcadas pela fragmentação, pelas disparidades sociais e pela segregação emergiram ao longo de séculos de colonialismo e de autoritarismo político. A arquitetura e o traçado das cidades testemunham a contribuição diversificada de estilos europeus e tradições vernaculares. Em ambos países, o patrimônio construído tem sua conservação frequentemente negligenciada e é portador de memórias controvertidas.

Church Square, Pretoria, com estátua de Paul Kruger ao centro
Foto Maria Fernanda Derntl

O centro da cidade de Pretoria traz evidências do lento adensamento do traçado de origem rural do século 19 e carrega as intervenções e cicatrizes dos projetos de infraestrutura e transferências forçadas de populações realizadas durante o período do apartheid (1948-1994). O projeto de pesquisa em prol do centro de Pretoria liderada por Marianne de Klerk tem o propósito de definir estratégias para regeneração daquela área e mobilizar representantes do governo, profissionais da área de patrimônio e o público em geral em torno do rico legado cultural ali existente. O foco da proposta é um quarteirão situado na face sudoeste da principal praça da cidade, Church Square. Ali há edifícios representativos da diversidade arquitetônica da cidade desde sua fundação em 1855. Entre eles, é marcante a presença da torre do edifício TPA – Transvaal Provincial Administration Headquarters, construído entre 1955 e 1963 com inspiração no modernismo carioca do edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-45).

Estudo da obra de Lina Bo Bardi como referência de projeto para os alunos do Departamento de Arquitetura da Universidade de Pretoria sob orientação de Marguerite Pienaar
Foto Maria Fernanda Derntl

Um passeio pelas redondezas mostra que assim como o TPA, outros edifícios ao seu redor encontram-se muito deteriorados e isolados de seu contexto por grades e fechamentos. Isso também se vê no estado em que se encontra o Teatro Capitol, dos anos 1930, que teve importante papel na vida cultural da região. Sua sala de espetáculos ainda tem vestígios da ambientação cênica que simulava, no teto, um céu estrelado, mas está deteriorada e ocupada por um estacionamento de carros.

Levantamentos e croquis para projeto de requalificação de quarteirão central da cidade, feito por alunos do terceiro ano da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pretoria, sob orientação da professora Marguerite Pienaar
Foto Maria Fernanda Derntl

A proposta de regeneração em discussão pelo grupo interinstitucional liderado por Marianne de Klerk reconhece a forte presença da arquitetura modernista, mas busca ver seus novos significados na cidade pós-apartheid e inseri-la na trama urbana a partir da valorização dos espaços públicos. O desenvolvimento dessa proposta compreende um conjunto amplo de iniciativas de pesquisa, análise e organização de dados e envolve também discussões em eventos abertos a um público mais amplo.

Sinagoga (1898), situada no centro de Pretoria, onde ocorreu o Julgamento de Traição de Nelson Mandela entre 1958 e 1961
Imagem divulgação

Memória e documentação

Na África do Sul, discussões variadas acerca da arquitetura, dos espaços urbanos e do patrimônio de Tshwane têm sido feitas em eventos periódicos, que contam com base nas universidades e reúnem profissionais de escritórios de arquitetura e urbanismo, especialistas diversos ligados a essa área provenientes do continente africano, da América Latina e da Europa, membros da administração local e representantes de empresas ligadas à construção e de entidades profissionais. Em maio de 2018, a Conferência Internacional We the City: memória e resiliência, promovida pelo South African Institute of Architects – SAIA, com apoio da Universidade de Pretoria – UP e da Tshwane University of Technology – TUT compreendeu palestras, workshops, exposições, visitas guiadas, premiações, atividades para estudantes e exposição de trabalhos, como se pode ler no relato mais completo disponível online no website do evento (1).

Projeto de intervenção na área central de Joanesburgo, feito pelo aluno Ryan Mandy, sob supervisão do professor Arthur Barker do Departamento de Arquitetura da Universidade de Pretoria
Imagem divulgação

Durante a conferência, as relações entre o patrimônio arquitetônico e urbanístico do modernismo, o legado do planejamento feito pelo apartheid, a revitalização do centro e os espaços públicos foram analisadas em atividades conduzidas pelos escritórios Marianne de Klerk e New Urban. A discussão sobre o centro de Pretoria em palestras e num workshop foi facilitada pela exposição de uma maquete 3D interativa de vinte e quatro quarteirões da cidade. Além disso, a exposição apresentou uma cronologia de projetos visionários que tiveram impacto na estrutura do centro urbano e uma seleção de desenhos de arquitetura que contextualizam narrativas da cidade modernista.

Estudo do sítio para projeto de conversão de reservatório de água desativado em destilaria de óleos essenciais, no subúrbio Mamelodi West, feito pela aluna Marni van der Hoven, sob supervisão do professor Arthur Barker
Imagem divulgação

Imagem de projeto de intervenção na estação de tratamento de água de Daspoort, feito pelo aluno Matthew David Pace, sob supervisão do Prof Arthur Barker
Imagem divulgação

Essa exposição de desenhos é parte de um projeto conduzido por Johan Swart para organização e catalogação do acervo do Departamento de Arquitetura da Universidade de Pretoria. O arquivo da escola, iniciado em 1966, reúne projetos originais, na maior parte pertencentes a séries completas, representando uma produção contínua no campo da arquitetura e do pensamento urbano no país desde a virada do século 20. A iniciativa de reorganização do arquivo junta-se a outros esforços com o propósito de documentar e tornar acessível o conhecimento sobre o ambiente construído sul-africano. Nesse sentido, uma ampla e contínua catalogação online de dados sobre edifícios, arquitetos e publicações no campo da Arquitetura e do Urbanismo encontra-se no website Artefacts (2).

Imagem do trabalho de pesquisa preliminar para projeto de requalificação da anterior cidade de mineração de Waterval Boven, pelo aluno Siphiwe Absalom Sibusiso Semelane, sob orientação do prof. Arthur Barker
Foto divulgação

Estudos e projetos no campo do patrimônio

Nos ateliês de projeto das faculdades de arquitetura, patrimônio e regeneração urbana de cidades sul-africanas são o tema de desafiadores trabalhos de curso. Na Universidade de Pretoria, os alunos do terceiro e último ano do chamado Bachelor’s degree em Arquitetura foram organizados em grupos para desenvolver uma intervenção urbana numa quadra na região central da cidade. Ali há a sinagoga onde se encontrava a Corte quando ocorreu o Julgamento de Traição de Nelson Mandela entre 1958 e 1961, a Biblioteca Nacional e vários espaços abertos subaproveitados ou de caráter residual. A intervenção nessa quadra exige considerar que a despeito de sua forte carga simbólica para a memória coletiva, o local encontra-se deteriorado, mas não sem vida, pois é muito utilizado para o mercado informal, o comércio ambulante e a circulação diária de pessoas que moram em townships (comunidades precárias e segregadas) e deslocam-se ao centro diariamente. O trabalho do curso propõe uma reflexão sobre a condição de migrante na cidade e sobre sua relação com a reconstrução não só dos lugares, mas também das identidades daqueles que os vivenciam.

Cidade do Cabo vista do topo da Table Mountain
Foto Maria Fernanda Derntl

Já no quinto e último ano (depois do Bachelors degree e de mais um ano de Honours degree), os alunos desenvolvem um projeto, acompanhado de “mini-dissertação”, para o Professional Master's Program in Architecture. Alguns dos trabalhos apresentados neste nível, ao fim de novembro deste ano, envolvem específico interesse pelas questões ligadas a arquitetura, cidade e memória. Trata-se, por exemplo, da intervenção em uma anterior cidade de mineração com intuito de reorganizar sua estrutura urbana, de converter um reservatório de água desativado em destilaria de óleos essenciais ou ainda de uma intervenção no centro de Joanesburgo para rearticular o patrimônio construído com o seu contexto urbano. Em todos esses trabalhos, há uma forte carga de pesquisa fundamentando propostas que se desenvolvem em profundidade nas várias escalas de projeto.

Maquete de assentamento informal na Cidade do Cabo para estudo de intervenção sob orientação da professora Kathryn Ewing do Departamento de Arquitetura da Universidade de Cape Town
Foto Maria Fernanda Derntl

Também no Departamento de Arquitetura da Universidade de Cape Town – UCT os trabalhos didáticos estão sintonizados com as discussões correntes sobre patrimônio e sustentabilidade e abordam temas muito oportunos, tais como a crise de abastecimento de água e a urbanização das townships. O ateliê de projeto Adapt! reúne alunos dos programas BAS Honours and M.Arch (Prof) para compartilhar ideias ao mesmo tempo em que desenvolvem seus próprios projetos. Alguns dos temas ora abordados pelos alunos são a conversão de uma fábrica de cimento em centro de gerenciamento de riscos de desastres e usina de dessalinização de água ou ainda a transformação de estrutura metálica para abastecimento de um anterior silo de grãos (atual museu de arte Zeitz) em usina de processamento de algas e centro ambiental.

Victoria & Albert waterfront, região portuária da Cidade do Cabo
Foto Maria Fernanda Derntl

A Cidade do Cabo, assim com outras cidades sul-africanas, mostra profundos contrastes entre os padrões de vida e o traçado urbano do centro e das periferias. No Departamento de Arquitetura da UCT, há um curso dedicado ao paisagismo e desenho urbano de assentamentos informais, no qual os alunos mapeiam e fazem maquetes de townships, com intuito de identificar a lógica de implantação das casas – muitas delas apenas barracos de folha de zinco – a distribuição de equipamentos e a rede de relações comunitárias ali existentes. As intervenções projetadas concentram-se nas áreas livres e interstícios entre construções, com objetivo de criar espaços públicos seguros e de qualidade, dando continuidade à experiencia do programa Violence, Prevention, Through Urban, Upgrading (3).

Zeitz, Museu de Arte Africana Contemporânea, Vitoria & Albert Waterfront, Cidade do Cabo. Projeto de conversão do anterior silo em museu pelo Heatherwick Studio, 2017
Foto Maria Fernanda Derntl

As experiências de ensino e os temas de pesquisa em desenvolvimento em universidades na África do Sul sugerem férteis possibilidades de intercâmbio de conhecimentos e colaboração com as faculdades brasileiras. Um registro recente de pesquisas e estudos derivados de diálogos com a África do Sul encontra-se na edição número 18 da revista Paranoá da FAU UnB (4).

Projeto de adaptação de estrutura portuária desativada para usina de processamento de algas e centro ambiental, feito pelo aluno Callan Austin para o curso Adapt! supervisionado pelos professores Stella Papanicolaou e Michael Louw, do Departamento de Arqu
Imagem divulgação

Visitar a África do Sul leva a encontrar temas e problemas com que similarmente nos deparamos no Brasil, mas também estimula a refletir sobre eles a partir de perspectivas novas. É estimulante e oportuno, para nós, ver esforços de lidar com memórias controversas e de tempos de autoritarismo, sem implicar uma mera negação do passado ou um espírito de nostalgia.

Palestra sobre intervenções urbanas em cidades brasileiras no Cape Institute of Architects
Foto de Michael Louw

notas

1
Memory and resilience, South African Institute of Architects National Conference, Pretoria, 3-5 mai. 2018 <http://architectureza.org>.

2
DERNTL, Maria Fernanda. África do Sul. Com um guia na mão e um website na tela. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 161.04, Vitruvius, maio 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.161/5535>.

3
Violence, prevention, through urban, upgrading <www.vpuu.org.za/contact>

4
DERNTL, Maria Fernanda (org.). Dossiê Brasil-África do Sul. Paranoá, n. 18, Brasília, FAU-UnB, ago. 2017 <http://periodicos.unb.br/index.php/paranoa/issue/view/401/1677-7395>.

sobre a autora

Maria Fernanda Derntl é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Orienta pesquisas de pós-graduação no PPG FAU/UnB e no PPG-HIS/UnB. Autora de Método e Arte: urbanização e formação territorial na capitania de São Paulo (Alameda/ Fapesp, 2013) e organizadora de Brasília 50+50: cidade, história e projeto, com Luciana Saboia (EdUnB, 2014).

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142.02 viagem a trabalho
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