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architectourism ISSN 1982-9930

Villa Savoye, Poissy, França, arquiteto Le Corbusier. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Os graffiti de São Paulo explicitam o litígio entre o aparelho de Estado, preocupado em regular as inscrições nos suportes urbanos, e a disposição de diversos atores sociais – artistas urbanos e minorias em geral – se expressarem nos muros urbanos.


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ALMEIDA, Lutero Proscholdt; BISSOLI, Daniela Coutinho. São Paulo, graffiti e manifesto máquina de guerra. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 142.03, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.142/7225>.


Com o definhamento do “corredor verde” na Avenida 23 de Maio, renasce a discussão do projeto, que se concebeu através de um conflito entre estado e os praticantes do graffiti. E após uma ação desastrada muitas pinturas murais foram apagadas na região dando lugar a um jardim vertical. O painel apagado era considerado um dos maiores painéis de arte urbana da América Latina, e contavam com expressões de artistas hoje reconhecidos internacionalmente, e, portanto, um ponto de atração e de representação da cidade. Ao apagar tal painel, parece que não foi apagada somente as marcas da gestão anterior, mas também a presença física e simbólica da juventude (principalmente periférica) paulistana.

As intervenções de graffiti na cidade de São Paulo começam na década de 1970, tomando força na década seguinte. Muitos artistas contribuíram para o desenvolvimento dessa prática urbana, como Alex Vallauri, etíope naturalizado brasileiro, que começou a espalhar pela cidade o estêncil de uma bota preta, ainda na década de 1970. E muitos artistas como Carlos Matuck, Waldemar Zaidler, Mauricio Villaça, Jonh Howard, Ozéias Duarte, o grupo TupiNãoDá começaram a usar os muros da cidade para se expressarem (1).

Nos anos de 1980, o graffiti norte americano passa a influenciar os artistas nacionais, bem como outros movimentos da cultura de rua como o Hip Hop, break dance, skate e os MC’s. Desde então o fenômeno se expandiu e desenvolveu uma configuração ímpar no cenário mundial, chamando atenção pela quantidade, diversidade e qualidade nas intervenções de graffiti nas superfícies de São Paulo.

Os grandes painéis se distanciam da gênese transgressiva dos graffiti, no entanto, junto com esses últimos, também existentes na cidade em grande quantidade, configuram umas das características que mais impressionam na capital paulista. E essa identidade está sendo apagada aos poucos.

O entendimento de graffiti, especialmente no Brasil, possui uma infinidade de relações e práticas com a cidade. Não existe um só graffiti, como as vezes o estado e gestores da cidade querem esquadrinhar para obter para si um controle da estética da cidade. O ato de se expressar nos muros da cidade possui uma infinidade de práticas que não ficam restritas a uma performance estética, mas uma infinidade de formas de socialização que substanciam as imagens na parede. Dos movimentos do Hip Hop às caminhadas dos pichadores, o praticante da cidade oscila do artista ao vândalo, entre o status de artista internacional com suas obras expostas em museus de arte contemporânea flexibilizando a arte para patamares não acadêmicos; às pichações que criptografam nas paredes uma forma de comunicação que está alheia à formalização e captura dos mecanismos capitalísticos e do estado. Construindo uma performance naturalmente inconsistente, difusa e heterogênea.

Em meio à cidade de São Paulo, multiplicam-se máquinas de guerras que desfazem ou desviam as condutas do aparelho de estado. Pichações, passeatas, pequenas comunas, organizações efêmeras nas redes sociais, pirataria, hackers, as contraespionagens expondo as dissimulações governamentais, a ascensão de minorias nas redes que expõe a crueza das ações policiais e políticas, e por fim, todas as reações individuais e de grupos dos cidadãos que sentem na pele as transformações da cidade, e se subutilizam de táticas para resistirem e exporem o contraste entre o que se fala e o que se faz.

Quanto uma possível retomada de poder da cidade pelos ordinários, de tomar parte através da multiplicidade de minorias; é possível pensar em determinados instrumentos relacionados a um combate mais palpável (2). Nesse momento em que se pensa em uma instrumentalização menor por parte dos ordinários da cidade, que entra em cena o graffiti.

E nesse momento pode-se pensar o graffiti como uma máquina que transcende o “aparelho de estado”. Porque, ele é alheio às formas de captura. Dogmas e leis não surtem efeito. Para criminalizar o pixo, por exemplo, começou-se a designar termos diferentes para as práticas, foi quando dividiu o termo pixo do Graffiti. Logo, a nova gestão da prefeitura de São Paulo, em uma intenção de capturar as práticas se prontificou em criar locais específicos para a prática do graffiti, o que se tornava totalmente incoerente com sua ideia de apropriação dos espaços da cidade. Nesse contexto da prefeitura de São Paulo o pixo continua sendo vandalismo, contudo não é tão fácil capturar esses movimentos. Pois parece ser da própria natureza desses movimentos se desfazerem, se pulverizarem e se reerguerem como um movimento de resistência.

O Estado nesse jogo procura homogeneizar as estruturas da cidade e o controle dos gestos urbanos, inclusive o controle estético. Porém, “o Estado não se define pela existência de chefes, e sim pela perpetuação ou conservação de órgãos de poder. A preocupação do Estado é conservar” (3). Através de leis que tentam controlar a imagem da cidade, para o Estado só lhe resta restringir através de leis e condutas aos quais os habitantes deveriam se ater. Pois o Estado representa na sociedade, apenas uma forma de conservar o poder somente.

Já os movimentos na cidade são movimentos de resistência e de resiliência. O pintar a cidade, como uma prática, se tornou um movimento de pertencimento da própria cidade. Ela não é um movimento que quer se impor na cidade, mas um movimento que quer sobreviver, ou maior ainda, que quer questionar a própria relação de interesse dos espaços da cidade que se tornam cada vez mais capturados e controlados (4). O Estado com seus tentáculos de conservação e ordenação lançam suas armas de estratificação: como construir áreas adequadas para o graffiti, leis anti-pixo, câmeras de vigilância para pegar os “infratores”, a tinta cinza para apagar os muros, criação de um departamento que cuida da estética da cidade e até mesmo a criação de um plano para ordenamento das pinturas, que agora estão sujeitas a uma curadoria própria, que irá autorizar ou não a sua execução.

Por outro lado, o graffiti em seu significando mais pleno, como manifesto subjetivo e estético que deixa suas impressões nas paredes da cidade. É o avesso das ações do Estado. E pode ser comparado ao modelo subjetivo ao qual Deleuze e Guattari nomearam de Máquina de Guerra (5), principalmente pela sua condição de exterioridade.

notas

1
BISSOLI, Daniela C. Graffiti: paisagem urbana marginal. A inserção do graffiti na paisagem urbana de Vitória ES. Dissertação de mestrado. Vitória, UFES, 2011, p. 44.

2
ALMEIDA, Lutero P. A partilha da cidade: a arquitetura e urbanismo entre desejos e simulacros. Tese de doutorado. Salvador, UFBA, 2016, p. 171.

3
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia. Volume 5. São Paulo, Editora 34, 1997, p. 19.

4
Sobre a Sociedade de Controle: A sociedade de controle é aquela que os mecanismos de comando se tornam cada vez mais “democráticos” e pulverizados, cada vez mais imanentes ao campo social, e distribuídos por corpos e cérebros dos cidadãos in HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Tradução Berilo Vargas. Rio de Janeiro, Record, 2010, p. 42. A ideia corresponde a uma intensificação das disciplinas, alcançando novos espaços de determinação e se organizando em redes flexíveis e flutuantes. Enquanto a sociedade disciplinar se mantinha no controle pelo confinamento e punição, na sociedade do controle, o indivíduo se mantém livre no espaço, mas ele carrega consigo dívidas, – o que não deixa de ser uma punição permanente – na sociedade do controle o indivíduo nasce endividado. Enquanto na sociedade disciplinar o modo de produção era predominante fordista, dividido em funções, os empregados formavam um corpo coletivo onde a produção era dividida em segmentos formando um corpo único, não era raro alguém jogar um sapato nas engrenagens e sabotar todo o sistema – sabot em francês é sapato, que deu a origem a palavra “sabotagem”. Cf. DELEUZE, Gilles. Conversações 1972-1990. São Paulo, Editora 34, 1992, p. 221. Já na sociedade de controle não há sabotagem, pois a fábrica dá lugar a empresa, um sistema instável, cujos funcionários não possuem cargos fixos e vivem em constante competição para sobreviver e serem premiados.

5
A “máquina de guerra” deleuzo-guattariana tem pouco ou nada a ver com o sentido comum dado ao termo. Não se trata de falar do aparato militar que um Estado, reino ou império é capaz de construir para fazer guerra contra seus inimigos internos ou externos, mas de mostrar que uma máquina de guerra é sempre (por definição) exterior às diversas formas de Estado surgidas ao longo da história. Estas seriam, a rigor, manifestações de um outro paradigma, correlato ao primeiro e com o qual a máquina de guerra manteria uma relação de oposição, permanente tensão, concorrência, com atração mútua, mas sem complementaridade: o paradigma do aparelho de Estado. Mas, então, a quê esta ação guerreira estaria real e diretamente associada? Surge aí o detalhe crucial que explica o título do capítulo. Para compreender a máquina de guerra é preciso falar de nomadismo, pois, como o axioma II já mencionado afirma: “a máquina de guerra é invenção dos nômades”. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs (op. cit), p. 471. Apud ONETO, Paulo Domenech. A nomadologia de Deleuze-Guattari. Lugar Comum – Estudos de mídia, cultura e democracia, n. 23-24, Rio de Janeiro, UFRJ, jun. 2010, p. 147-161 <https://bit.ly/2CQCPCT>.

sobre os autores

Lutero Pröscholdt Almeida é arquiteto urbanista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Doutorado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia/ Ecole Nationale Supérieure d'Architecture, La Villette e pesquisa o espaço urbano como um campo partilhado.

Daniela Coutinho Bissoli é arquiteta e urbanista. Possui especialização em Master In Programmazione In Ambienti Urbani Sosteníbile na Università deli studi di Ferrara (UNIFE-Itália). Atualmente é doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro no Programa de Pós-graduação e Urbanismo da FAU UFRJ.

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