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research

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architectourism ISSN 1982-9930

Monumento às Bandeiras, Parque do Ibirapuera, escultor Victor Brecheret. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Em uma crônica ficcional, ou conto ao modo de crônica, Mauro Ferreira conta a história do Hotel Francano, que se mistura com a história do Hotel Municipal de Araraquara, evocando personagens díspares como Mick Jagger, Sartre, Pelé e Mário de Andrade.


how to quote

FERREIRA, Mauro. Uma noite no Hotel Francano, uma madrugada no Grande Hotel de Araraquara. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 143.01, Vitruvius, fev. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.143/7263>.


Os amigos próximos sabem que fui um dos organizadores do movimento pela preservação do Hotel Francano em meados dos anos 1970, infelizmente demolido. Conheci o hotel por dentro e por fora, pois morava ao lado dele e brincava nos seus jardins, recebi o diploma de datilografia no célebre “Salão Rosa”. O atávico desprezo pelo patrimônio cultural da cidade nos privou do edifício erguido pela elite cafeeira e pela Prefeitura na década de 1920.

Dias atrás, fui a Araraquara carregando as malas da Atalie Rodrigues Alves, convidada a expor na Bienal de Gravura daquela cidade e nos hospedamos no Hotel Municipal, inaugurado em 1919 com projeto do engenheiro-arquiteto Alexandre Ribeiro Marcondes Machado. Como bem descreve em artigo meu amigo e arquiteto Luiz Falcoski, “Machado notabilizou-se sobretudo pela sua criação literária e jornalística produzida sob o pseudônimo de Juó Bananére. Além de literato o engenheiro-arquiteto Alexandre Machado, formado na Escola Politécnica de São Paulo em 1917, deixou criações significativas como projetista e urbanista. O engenheiro deixou marcas importantes na paisagem urbana de Araraquara, onde viveu a infância e adolescência dos 8 aos 21 anos. Machado assinou vários projetos, entre eles, Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara, Hotel Municipal, Clube Araraquarense, Estádio Municipal e Esplanada das Rosas” (1).

01. Hotel Municipal, Araraquara, 1919, engenheiro-arquiteto Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, conhecido na área de literatura como Juó Bananére, autor do livro cômico “La divina increnca”
Foto Mauro Ferreira

O hotel fica bem no centro da cidade, numa esquina privilegiada. Não é tão grandioso quanto foi o Hotel Francano, mas também possui qualidades arquitetônicas que o levaram a ser tombado e preservado, mantendo o uso de hotel até hoje.

Ao entrar no prédio, o susto foi enorme. A conservação impecável do local, com suas escadarias em mármore, a decoração, os pisos, tudo me lembrou o Hotel Francano. Ao me dirigir à recepção, notei numa poltrona um senhor de impecável terno branco, calvo e de grossos óculos fundo de garrafa. Parecia Mário de Andrade, o modernista, que escreveu o romance Macunaíma em Araraquara (2) e se hospedou lá. Poderia ser também o Abílio Guerra, editor do site de arquitetura Vitruvius, mas os óculos dele são mais chiques, de grife erudita. Enquanto preenchia a ficha de hóspede, uma mulher nua passou correndo pelo saguão como uma ninfa entre os pilares com volutas e capitéis coríntios ou dóricos. O tipo da moçoila me lembrou a Luciana Gimenez, mas foi tão rápido que não deu para ter certeza. Assim que ela passou, um magrelo feio também atravessou o saguão em sua direção, parecia o Mick Jagger, estrela dos Rolling Stones (3).

Mick Jagger e Marianne Faithfull em sua viagem ao Brasil em 1969
Foto divulgação [Documentário “Aliens 69: Quando os Rolling Stones invadiram Matão”]

Sorveteria Kawakami em Araraquara, onde Mick Jagger, Keith Richards e acompanhantes tomaram sorvete, foto sem data
Foto divulgação [Documentário “Aliens 69: Quando os Rolling Stones invadiram Matão”]

Enfim, achei aquilo tudo muito estranho, mas logo estava alojado num dos apartamentos. Coincidência, o funcionário me disse que era o mesmo quarto onde havia dormido o grande escritor brasileiro Mário de Andrade em 1926. O espírito de Macunaíma baixou e adormeci, para ser acordado na manhã seguinte pelo longo apito do trem, como eu acordava em Franca à época de estudante do IETC. O Hotel Municipal fica próximo à estação ferroviária, pois atendia os viajantes da época como o Hotel Francano, construído para atender os ricos compradores de café. Fomos ao “Salão Rosa”, onde seria servido o impecável café da manhã. Não pude deixar de observar a semelhança entre os dois hotéis: piso em ladrilho hidráulico, forro com elementos decorativos ao redor das luminárias, pilares com capitéis de ordens gregas, elementos do neoclassicismo. Um luxo. Não vi Mário de Andrade, Mick nem Luciana. Mas, escondidinhos ao fundo, dois casais me pareceram suspeitos, falavam baixo e olhavam desconfiados ao redor. Lembravam o boca-mole do FHC e dona Ruth mais Sartre e Simone de Beauvoir (4), mas não tive certeza.

Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em Araraquara, 4 de novembro de 1960
Foto divulgação [ACI/Reitoria Unesp]

Em uma das apresentações de Sartre em Araraquara, na primeira fila da plateia, Fernando Henrique Cardoso e Ruth Cardoso ACI/Reitoria Unesp
Foto divulgação

Ao sair em direção da Casa da Cultura “Luiz Antônio Martinez Correa” (em homenagem ao meu colega na faculdade de arquitetura) para a cerimônia de abertura da Bienal de Gravura, notei subindo a rua vindo da estação ferroviária o escritor Loyola Brandão (5), cercado de meninos que o assediavam com livros para autografar. Parece que haveria um jogo de futebol entre Ferroviária e Santos no dia seguinte, pois do lado oposto vinham nada menos que Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, o sensacional ataque do Santos (6), também cercado de meninos com bolas de futebol. Os dois grupos se encontraram na esquina do hotel e se misturaram. Sinal dos tempos, Loyola continuou sozinho com seus livros em direção ao bairro do Carmo enquanto os meninos se juntaram todos em volta de Pelé, que fazia “embaixadas” com a bola.

Time do Santos no início dos anos 1960. Em pé: Lima, Zito, Dalmo, Calvet, Gilmar e Mauro; agachados: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe
Foto divulgação [Blog do Juca]

Atravessamos a rua e deu para ver que o Hotel, cada vez mais parecido com o Francano, possuía um pátio interno, mas a maioria dos dormitórios dá para as ruas, de onde vem o ruído da cidade. Após a abertura da Bienal de Gravura, um reencontro com Vanildo (que lecionou comigo em Passos) e Falcoski, comandante do cavaquinho nas noitadas de música araraquarense. Na conversa, alguém me confidenciou que o FHC teria traçado a dona Ruth pela primeira vez no Municipal, mas deve ser fake news. Resolvemos voltar ao Hotel, Francano ou Municipal? Não deu tempo de identificar, o despertador me acordou, era tudo um sonho.

Enquanto esperava Atalie se arrumar, liguei a TV. Podem achar que é armação, mas apareceu uma entrevista com o Loyola Brandão sobre seu novo romance. É, desta terra não restará nem o vento que sopra sobre ela. Feliz 2019.

Ignácio de Loyola Brandão em seu escritório segurando garrafa da aguardente Providência, caprichosamente engarrafada no passado pelos Irmãos Guerra de Araraquara
Foto Michel Gorski

notas

NE – o presente texto, publicado originalmente no Facebook, faz parte da série “Anacrhônicas da Franca do Imperador”, nº 50, de dezembro de 2018. A versão republicada no portal Vitruvius recebeu novas imagens e notas de rodapé.

1
FALCOSKI, Luiz Antonio N. Modernidade e modernismo entre os anos de 1900 e 1930: Alexandre Machado e Alexandre Albuquerque. Jornal O Imparcial, Araraquara, 21 ago. 2005, p. 30-31.

2
Segundo Mário de Andrade, ele escreveu a primeira versão de Macunaíma – o herói sem nenhum caráter na chácara Sapucaia, propriedade de Pio Lourenço situada em Araraquara, de 16 a 23 de dezembro de 1926. SILVEIRA, Rogério. Unesp: Berço de Macunaíma é preservado como Centro Cultural em Araraquara. São Paulo, Agência Imprensa Oficial/Portal do Governo do Estado de São Paulo,  21 jan. 2004 <http://www.saopaulo.sp.gov.br/eventos/unesp-berco-de-macunaima-e-preservado-como-centro-cultural-em-araraquara>.

3
Os músicos da banda The Rolling Stones Mick Jagger e Keith Richards, acompanhados de suas namorada e esposa – respectivamente Marianne Faithfull e Anita Pallemburgo –, se hospedaram por duas semanas na Fazenda Boa Vista, propriedade do banqueiro Walther Moreira Salles na cidade de Matão, interior do estado de São Paulo. Ver documentário sobre a visita: Aliens 69: Quando os Rolling Stones invadiram Matão. Direção de Diego Gibertoni, Fernanda Vilela, Gianfrancesco Bariani, Matheus Carvalho e Rafael Zocco. Orientador Fabrício J. Mazocco. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, Centro Universitário de Araraquara – Uniara, 2013 <https://www.youtube.com/watch?time_continue=742&v=NJtBQ1U-CVQ>.

4
Com sua companheira Simone de Beauvoir e com o escritor Jorge Amado, o filósofo francês Jean-Paul Sartre esteve em Araraquara no dia 4 de novembro de 1960, onde fez duas apresentações: no Teatro Municipal e na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FFCL, hoje integrada à Unesp. Na plateia, a seleta presença de Antonio Candido, Gilda Mello e Souza, Michel Debrun, José Celso Martinez Corrêa, Ruth Cardoso, Fernando Henrique Cardoso, Bento Prado Jr., Dante Moreira Leite, dentre outros. Ver: LIMA, Alexsandro Cardoso; ANDREGHETTO, Priscila B. A. O dia que Araraquara foi existencialista. Araraquara, Assessoria de Comunicação e Imprensa/Universidade Estadual Paulista – Unesp <www.unesp.br/aci/jornal/159/memoria.htm>.

5
Ignácio de Loyola Brandão, nascido em Araraquara em 31 de julho de 1936, é um dos mais renomados literatos brasileiros, ganhando diversas distinções e prêmios, dentre ele o Jabuti em 2008. Seu romance Dentes ao Sol, de 1976, se passa em sua cidade natal.

6
No dia 01 de setembro de 1963, no Estádio Fonte Luminosa em Araraquara, disputando o Campeonato Paulista, a Ferroviária venceu o Santos por 4x1, com tentos de Lio, Tales e Peixinho (dois gols), com Pelé fazendo o gol de consolação do time visitante. As formações foram as seguintes: Ferroviária com Dorival; Fogueira, Galhardo e Zé Maria; Rubens Sales e Rodrigues; Antoninho, Alencar, Tales, Capitão e Pio. Santos com Gilmar; Ismael, Modesto e Geraldino; Zito e Lima; Peixinho, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. No ataque dos sonhos faltou Dorval, substituído por Peixinho, que iniciou a carreira na própria Ferroviária. Sobre os duelos inesquecíveis entre Santos e Ferroviária, ver: KFOURI, Juca. Santos, Ferroviária e a saudade. Blog do Juca, São Paulo, 19 jan. 2019 <https://blogdojuca.uol.com.br/2019/01/santos-ferroviaria-e-a-saudade>.

sobre o autor

Mauro Ferreira é arquiteto.

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