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architectourism ISSN 1982-9930

Praia do Arpoador, Rio de Janeiro. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Roteiro de viagem por museus de memória na América Latina, que retratam momentos de violência ocorridos durante o século 20 e ao mesmo tempo a busca da superação de tais fatos a partir da construção de equipamentos de memória.

english
Travel itinerary through memory museums in Latin America, which portray moments of violence during the 20th century and at the same time the search for overcoming these facts from the construction of memory equipment.

español
Ruta de viaje por museos de memoria en América Latina, que retratan momentos de violencia ocurridos durante el siglo 20 y al mismo tiempo la búsqueda de la superación de tales hechos a partir de la construcción de equipos de memoria.


how to quote

CARVALHO, Bruno; TERRA, Carina. Museus de Memória, América Latina. Arquiteturismo, São Paulo, ano 13, n. 146.04, Vitruvius, maio 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/13.146/7359>.


Conhecer a América Latina através dos seus museus de memória, é mergulhar na história das ditaduras militares, conflitos armados, violência urbana, crimes contra a humanidade ocorridos durante o século 20. Ao mesmo tempo, é a busca da superação de tais fatos a partir da construção de equipamentos de memória que entendem a educação como estratégia, e prestam homenagem ás vítimas e seus familiares, buscando relatar os fatos ocorridos a partir da memória coletiva e podem servir de inspiração para uma sociedade em transformação.

Este roteiro acompanha quatro viagens de um casal de arquitetos, realizadas entre os anos de 2016 e 2017, para o Chile, México, Perú e Colômbia. A descoberta e visitação dos museus de memória foi motivo para a realização de outras viagens e o desenvolvimento de pesquisa sobre o assunto. O roteiro a seguir contempla apenas uma pequena parte do universo dos espaços de memória existentes em nosso continente. Segundo a Rede de Lugares de Memória na América Latina e Caribe – Reslac existem cadastradas quarenta instituições localizadas em doze países.

Mapa da América Latina com a localização dos museus de memória visitados
Elaboração Bruno Carvalho

O primeiro dos museus visitados, em maio de 2016, foi o Museo de la Memória y los Derechos Humanos (Museu da Memória e dos Direitos Humanos) na cidade de Santiago, no Chile, projeto dos arquitetos brasileiros do Estúdio América (Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias). Inaugurado em 2010 para a comemoração do bicentenário da independência do Chile, tem como tema o fim do estado de direito no país, a ocupação militar e o fechamento do congresso nacional. Encabeçada pelo general Augusto Pinochet, a ditadura militar deixou mais de quarenta mil pessoas vítimas de tortura, desaparecimentos e execuções entre os anos de 1973 a 1990, segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação, causando marcas profundas na sociedade chilena.

Embarcando na linha 5 (verde) do metrô, a estação mais próxima é Quinta Normal, do outro lado da avenida Matucana, está o Museo de la Memória y los Derechos Humanos. Um volume revestido de cobre com tons esverdeados parece flutuar sobre uma praça, ocupando grande parcela do quarteirão e permite a passagem de pedestres pelo interior da quadra através de diversos acessos, rampas, escadas, que funcionam como bancos ou mesmo arquibancada para shows e apresentações. Uma praça em rampa nos leva para o subsolo onde está a entrada do museu e vai nos preparando para o tema retratado no interior do edifício. O museu possui fachadas envidraçadas e as paredes internas também em vidro, que controlam a incidencia de luz do sol nos diferentes espaços, funcionando como um mirante para a cidade. A noite o efeito se inverte e a cidade observa o interior do museu. Um ponto que chama bastante atenção é a quantidade de imagens e videos que retraram a deposição do presidente Salvador Allende, o ataque ao Palácio de La Moneda, a violência e repressão durante a ocupação militar.

Museo de la Memória y los Derechos Humanos, vista do museu a partir da saída do metrô, Santiago, Chile. Arquitetos Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias/ Estúdio América
Foto Bruno Carvalho, mai. 2016

O Museu de Arte de São Paulo – Masp da arquiteta Lina Bo Bardi e o Museu Brasileiro da Escultura – Mube do arquiteto Paulo Mendes da Rocha parecem ter sido referência, com suas praças, cobertura com poucos apoios e grandes vãos, e os materiais de acabamentos em sua forma mais bruta.

O segundo museu visitado, em outubro de 2016, foi o Museo Memoria y Tolerancia (Museu Memória e Tolerância) na Cidade do México, projeto dos arquitetos mexicanos Arditti + RDT. Inaugurado em outubro de 2010, para retratar os genocídios e violações aos direitos humanos cometidos contra a humanidade durante o século 20, além do Holocausto do povo judeu, retrata os genocídios na Armênia, Camboja, Guatemala, Ruanda, Iugoslávia e Darfur.

Partindo de um passeio a pé pelo centro antigo ou embarcando no metrô pela linha 2 (azul) saindo na estação Bellas Artes ou pela linha 3 (verde) saindo na estação Juaréz está o Museo Memoria y Tolerancia. Em um momento de descanso no Parque Alameda, avistamos um conjunto de prédios claramente reconhecidos como do arquiteto Ricardo Legorretta. Suas formas geométricas e cores fortes, nos chamou a atenção. Uma praça entre os edifícios chamada praça Juaréz, um grande espelho d´água que funciona como fonte e escultura, com mais de mil formas piramidais, obra do artista Vicente Rojo chamada País de volcanes (País dos Vulcões), ocupa a maior parte do espaço entre edifícios públicos e o museu. No átrio do edifício existe um grande vazio e no meio dele conectado por passarelas e escadas um cubo branco de aproximadamente oito metros nas dimensões do comprimento, largura e altura. Ao iniciar a exposição, este cubo branco que funciona como piso para um mirante com vista para a cidade, ao final do percurso expositivo, passa por dentro deste, e é rota obrigatória. Em seu interior, a obra do artista Jan Hendrix chamada El Potencial Perdido (O Potencial Perdido), composta por vinte mil esferas de cristal que simbolizam as crianças mortas em genocídios. Conforme a luz do sol vai entrando por este cubo e incidindo sobre os cristais, o reflexo é potencializado pelo espaço representando a enorme perda que essas crianças mortas representam para as gerações futuras.

Museo Mamoria y Tolerancia, vista da fonte/escultura "País de Volcanes" e o museu ao fundo, Cidade do México. Arquitetos Arditti + RDT
Foto Bruno Carvalho, out. 2016

O terceiro museu visitado, em abril de 2017, foi o Lugar de la Memória, la Tolerância y la Inclusión Social (Lugar da Memória, Tolerância e Inclusão Social) na cidade de Lima, no Perú, projeto dos arquitetos peruanos do escritório Barclay & Crousse (Sandra Barclay e Jean Pierre Crousse). Inaugurado em 2015, tem como tema o conflito armado no país, onde os grupos Sendero Luminoso e Movimento Revolucionário Túpac Amaru – MRTA, enfrentaram o estado peruano e, segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação, foram mortas setenta mil pessoas entre 1980 e 2000. As principais vítimas foram agricultores e indígenas, em sua maioria nas zonas rurais, expondo o racismo, marginalização social e econômica desses povos.

Partindo do distrito de Miraflores, pegamos um taxi, percurso de aproximadamente oito minutos, pela via expressa entre as praias e a Costa Verde (formação rochosa que caracteriza a cidade de Lima). O terreno onde o museu foi implantado desmonta parcialmente a Costa Verde para a construção do sistema viário entre a cidade e a via expressa na parte baixa. O museu tem como partido a reconstrução de parte da cadeia de montanhas, descaracterizada nos anos de 1970. Uma rede de caminhos leva o pedestre vindo da cidade que está na parte alta, para o mar localizado na parte baixa a aproximadamente duzentos metros de distância e a um desnível de vinte metros. O volume principal do museu volta suas aberturas para a parte próxima as montanhas, a luz do sol é refletida de forma difusa para dentro do museu através das encostas. Para o outro lado, voltado para uma praça, os raios diretos do sol e os ruídos da via expressa, o museu filtra a luz que entra por pequenas aberturas. Na cobertura existem dutos de concreto que perfuram a laje e como lanternas levam luz ao interior. Quem está na parte de cima pode usar esses dutos, como se fossem lunetas para observar a exposição no andar de baixo. A paisagem e o território estão muito presentes na arquitetura do museu. Sua implantação proporciona uma paisagem muito similar a encontrada na cidade de Lima e em diversos outros lugares do Perú, uma ocupação de vale entre montanhas. A estratégia de ocupação de encostas com a criação de um sistema de platôs e escadas está muito ligada á tradição andina pré-colombiana. Outra referência é o monumento ás vítimas do terrorismo, construído em 2005, chamado El ojo que llora (O olho que chora) feito pela artista Lika Mutal. Este monumento consiste em um labirinto circular de pedras que contém os nomes das vítimas e o dia de sua morte ou desaparecimento. Estas mesmas pedras compõem as encostas junto ao Pacifico e são usadas em parte da fachada e do piso. O percurso dentro do museu ocorre através de rampas de forma ascendente terminando o percurso em um mirante com vista para o mar. De lá o caminho continua através de rampas para a cidade ou através de um elevador que na parte baixa nos leva ao mar.

Lugar de la Memória, la Tolerância y la Inclusión Social, percurso por escadas e percurso em rampa a entrada do museu, Lima, Perú. Arquitetos Barclay & Crousse
Foto Bruno Carvalho, abr. 2017

O quarto museu visitado, em agosto de 2017, foi o Centro de Memória, Paz y Reconciliación (Centro de Memória, Paz e Reconciliação) na cidade de Bogotá, na Colômbia, projeto do arquiteto colombiano Juan Pablo Ortiz. Inaugurado em 2012, em terreno localizado dentro do Cemitério Central de Bogotá, para retratar o conflito armado na Colômbia e promover a cultura da paz.

Partindo do centro antigo da cidade, embarcando pela linha K do TransMilenio (sistema de transporte por ônibus em faixas exclusivas, estações com catracas e áreas de espera, muito próximo ao transporte adotado na cidade de Curitiba), descendo na estação Centro de Memória é possível ver um volume de concreto com uma série de aberturas, o Centro de Memória, Paz y Reconciliación. Entrando pelo portão do Parque de la Reconciliación (Parque da Reconciliação) existe uma obra de arte composta de tubos de ensaio com terras de diferentes lugares, representando os conflitos pela terra, flores doadas por vítimas de violência de diversos países, uma pequena flor azulada espalhada pelo jardim chamada no me olvides (não me esqueça), representando as famílias das vítimas. Para entrar no museu é preciso passar por um caminho de madeira e espelhos d´água. Antes de chegar ao volume principal, existe uma escadaria que nos leva ao subsolo, e lá o Memorial de la Vida (Memorial da Vida), espaço com dezoito metros de altura e cem aberturas. À noite, a luz interna aparece na cidade como velas em homenagem às vítimas. Dois volumes simétricos com um pátio entre eles, partem do salão principal abrigando o programa do museu. A ideia da reflexão nas fachadas de vidro, caminhos e tetos rodeados por espelhos d´água, se reflete no programa do museu com seus espaços para discussão, resolução de conflitos, encontros, aulas e oficinas.

O último museu visitado neste roteiro, em agosto de 2017, foi o Museo Casa de la Memória (Museu Casa da Memória) na cidade de Medellín na Colômbia, projeto do arquiteto colombiano Juan David Botero. Inaugurado em 2010, tem como tema o conflito armado e a violência urbana na cidade, causando a morte de aproximadamente duzentas e vinte mil pessoas entre 1958 e 2012 e o sequestro de vinte e sete mil pessoas entre 1970 a 2010, segundo dados do museu. Diferente dos demais espaços apresentados, este retrata atos de violência que ocorrem no momento atual, e por isso “casa” com o título, o que representa a ideia de abrigo aos familiares e vítimas.

Museo Casa de la Memória, vista interna do museu, Medellín, Colômbia. Arquiteto Juan David Botero
Foto Bruno Carvalho, ago. 2017

Embarcando no metrô pela linha A (azul), descendo na estação Parque Berrio, depois deuma caminhada de aproximadamente um quilometro e meio pela Avenida La Playa, se chega ao Parque Bicentenário e dentro dele o Museo Casa de la Memória. A cidade de Medellín fica localizada em uma região montanhosa e nas áreas mais íngremes. Assim como nas cidades brasileiras, a cidade informal cresce e ocupa os terrenos menos valorizados. O local onde hoje existe o parque chamado Quebrada Santa Elena, era uma ocupação irregular de baixa renda que camuflava um rio histórico, primeiro assentamento da cidade. O objetivo do projeto era recuperar o espaço físico, ambiental e histórico do lugar, com a construção de um parque de lazer e a construção de um museu para homenagear e atender as vítimas de violência e seus familiares. O parque feito em homenagem aos duzentos anos da independência da Colômbia, cria uma série de caminhos, bancos, fontes, praças, ao redor do rio que mantem uma mata ciliar. Uma nova linha de teleféricos está em construção para atender essa região da cidade. Para entrar no museu é preciso subir por uma rampa e no final do percurso do museu a saída é na parte baixa junto ao rio. As cores cinza escuro da parte externa e as paredes brancas internas representam a iluminação dos fatos apresentados no museu. A posição das aberturas internas além de um fator cênico, controla a incidência dos raios solares diretos e enquadram a paisagem, trazendo a realidade do entorno para o interior do museu. A exposição tem uma parte histórica e uma parte com relatos dos familiares das vítimas, salas de encontro, oficinas e auditório reforçam o caráter social do museu.

Centro de Memória, Paz y Reconciliación, vista da entrada do museu, Bogotá, Colômbia. Arquiteto Juan Pablo Ortiz
Foto Bruno Carvalho, ago. 2017

Espaços de memória vem sendo construídos em diversos lugares do mundo. Especialmente nos países da América Latina, eles surgem como uma ação das comissões da verdade, com a participação da sociedade, organização do estado, e a realização de concursos internacionais de arquitetura para a materialização e construção dos museus. Algumas estratégias são comuns aos museus visitados: valorização da memória do lugar; configuração de praças voltadas a cidade; caminhos e percursos com estreitamentos e mirantes; obras de arte; uso simbólico da luz natural dentro dos edifícios. Diferente dos museus de memória surgidos na reconstrução da Alemanha após a queda do muro de Berlim, que buscavam retratar o sofrimento e a dor, os museus na América Latina buscam retratar a memória da vida e da superação da violência ocorrida, através da educação. E buscam concientizar a sociedade para que tais fatos não voltem a se repetir.

Portanto, conhecer a América Latina através dos seus museus de memória é reconhecer a luta e superação do povo desses países.

sobre os autores

Bruno Carvalho é arquiteto e urbanista graduado pelo Mackenzie em 2002, pós-graduado pela Escola da Cidade em 2018 no programa Civilização América: Geografia, Cidade e Arquitetura. Trabalhou em diferentes escritórios de arquitetura, desde 2010 dirige o escritório Carvalho Terra Arquitetos. Desenvolve pesquisas sobre lugares de memória, tolerância, reconciliação e arquitetura contemporânea na América Latina.

Carina Terra é arquiteta e urbanista graduada pelo Mackenzie em 2003, pós-graduada pelo Senac em 2017 em Hotelaria Hospitalar. Trabalhou em diferentes escritórios de arquitetura, desde 2010 dirige o escritório Carvalho Terra Arquitetos. Atua profissionalmente também em hospital público de grande porte em São Paulo.

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