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GUERRA, Abilio. Do exército Brancaleone à utopia do possível (editorial). Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 004.00, Vitruvius, set. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.004/979>.

A cada quatro anos nos surpreendemos com o desfile de figuras ridículas em nossa própria sala de estar. Sem convite e sem cerimônia, os intrusos adentram nossa casa pela janela catódica como um grotesco exército Brancaleone. Alguns semiletrados, outros com letras demais, abrem e fecham os lábios pronunciando frases de efeito, jargões populares deslocados, jingles publicitários, preconceitos variados, mentiras descaradas, temas inapropriados e outras baboseiras, ultrajando aqueles que não assistem os programas eleitorais como se assiste um programa humorístico. Afinal, o que está em jogo é a poltrona do alcaide e as dezenas de cadeiras de vereança – ou seja, está em jogo o próprio destino de nossa cidade – e os programas eleitorais poderiam e deveriam de fato permitir que as pessoas conhecessem as idéias (?) dos pretendentes à representação popular.

Seria interessante especular um pouco sobre o ato de "prefeiturar", mas, para valer a pena falar (e ler) sobre a questão, precisamos primeiro limpar a área. Sobre os casos de degenerescência mental, ética e moral não cabem aqui maiores referências, pois se tratam de um evidente problema de legislação eleitoral, que deveria coibir a presença de indivíduos desqualificados e sem representatividade participar da grande festa democrática. Estão lá para lucrar financeiramente e se prestam ao serviço sujo de achincalhar adversários de seus não tão secretos patronos. An passant, vale a pena mencionar a inaceitável divisão desigual do tempo de TV que tende a ampliar e sedimentar a desigual representação política dos grupos sociais. Uma nova lei eleitoral é a única saída para sanar estes despropósitos.

Também não gostaríamos de nos desgastar com raposas velhas e macacos espertos (ao menos nas histórias infantis as primeiras perdem os pelos mas não o hábito da rapinagem e os segundos estão sempre pulando para galhos seguros quando sua árvore vai abaixo). Estes sempre estiveram ao lado do poder ilegítimo e discricionário, não cultivaram durante a vida o respeito pelo cidadão e o amor pela cidade, entretidos que estavam durante sua vida pública (sic) com o próprio ego e com o próprio destino.

Felizmente ainda contamos com políticos que de fato são representativos e bem intencionados (e, no caso específico da cidade de São Paulo, temos ao menos três – Marta Suplicy, Luiza Erundina e Geraldo Alckmin –, o que é um verdadeiro bálsamo nos dias atuais) muitos dos quais receberão da comunidade o poder de governar as cidades. São destes que podemos cobrar uma visão mais coerente e sofisticada dos problemas sociais e urbanos a serem enfrentados.

Questões municipais ou nacionais

Uma das grandes distorções recorrentes nas campanhas eleitorais municipais é se apresentar e se debater temas alienígenas quando levado em conta o real exercício do cargo de prefeito. Tal distorção parece remontar ao período de luta pela democratização durante o final do período de regime militar, onde a disputa eleitoral local – única existente – era o fórum onde se podia forçar as trancas da ditadura. Esta origem nobre não pode, contudo, legitimar a perpetuação desta situação sob o risco de se fazer o mesmo com a incapacidade dos políticos pleiteantes encararem os reais problemas que enfrentarão.

Ora, na hierarquia dos poderes executivos federal, estadual e municipal temos também como correlação óbvia a hierarquia de amplitude de ação e uma tendência de que os temas sejam mais largos e abstratos em uma ponta e mais específicos e materiais em outra. Ao prefeito cabe cuidar bem de sua cidade, no que diz respeito à sua materialidade urbana, e das necessidades básicas de seus cidadãos, levando em conta o orçamento e as possibilidades efetivas de realização. Podemos apontar aqui uma certa noção de decorum, de adequação, nos atos dos mandatários municipais, o que torna razoavelmente fácil condenarmos atos políticos aparentemente nobres, como doar ambulâncias para cidades pobres de outros estados e automóveis para jogadores campeões mundiais ou a proposição de um plano de saúde universal para todos os habitantes do terceiro maior município do mundo (casos, respectivamente, dos senhores Paulo Maluf e Romeu Tuma, coincidentemente políticos que se fizeram à sombra do regime de exceção).

Colocada a discussão nos termos acima apresentados, nos aproximamos perigosamente de uma armadilha, a visão tecnocrática do exercício do poder. Dela queremos nos afastar com um gesto rápido: a tecnocracia tem como pauta principal a conversão dos problemas sociais em equações descarnadas, abstratas e quantitativas, justificada pelo discurso que prega a eficiência e a racionalidade, mas que esconde uma ação política estatutariamente dirigida. Nada mais distante do governo municipal, o mais próximo dentre os poderes executivos da materialidade dos problemas urbanos e da existência real das pessoas que ali habitam. Cuidar de coisas e pessoas é saber que só é admissível eticamente sanear um córrego e abrir uma avenida se os favelados que ali se amontoam forem deslocados para boas habitações em local adequado, ao contrário do que fizeram por diversas vezes os senhores Jânio Quadros, Paulo Maluf e Celso Pitta, experts em criar novas áreas de expansão imobiliária às custas do suor e do tempo dos desalojados.

O mesmo tipo de político que opta por avenidas cada vez maiores e mais largas, com viadutos, pontes e túneis para evitar congestionamentos que insistem em aumentar, deixando à deriva a ampliação da rede de metrô e outros meios de transporte de média e grande capacidade, situação que só não se agrava ainda mais, no caso de São Paulo, porque o governo do Estado acaba cumprindo em parte um compromisso que é notoriamente municipal. O incompetente governo Pitta chegou à situação paradoxal de prometer na campanha a instalação de uma ampla rede do fura-fila – sistema de ônibus em canaleta especial – para depois simplesmente iniciar e abandonar a obra, talvez a única dentre as suas propostas a conter uma digna dimensão social, mesmo que possamos criticar aspectos técnicos não devidamente discutidos.

Este tipo de político, quando se debruça sobre os problemas sociais mais graves, tende a conceber as obras construídas como mais uma peça de publicidade, já voltada para a próxima eleição, aproximando-o de outro tipo de político nefasto – o populista. Daí a profusão de obras outdoor, como é o caso dos CIEPs, CIACs, Cingapuras e congêneres. As obras atendem quantitativamente a demandas existentes, mas cumprem fundamentalmente os interesses políticos dos propositores. Não há como aceitar também o argumento de que a padronização e estandartização levam à economia de escala pois não temos industrialização de componentes compatível e estes projetos sempre se mostraram, no caso brasileiro, enormes ralos para o dinheiro público – ralos fétidos e imundos da corrupção, é bom que se diga!

Qualidade na quantidade

Quando a decisão executiva abarca projetos arquitetônicos e urbanísticos, o que precisa ser urgentemente introduzida na discussão política é uma visão que tente a conciliação entre quantidade e qualidade. É a única forma de tornarmos menos comum decisões políticas exclusivistas e/ou populistas e cada vez mais corriqueiro o projeto de intervenção que seja ao mesmo tempo adequado à escala das demandas sociais e qualificado do ponto de vista arquitetônico, urbanístico e ambiental. Ou seja, aliar ética, responsabilidade social e conhecimento técnico para a constituição de uma cidade mais humana para todos, o que inevitavelmente levará os administradores da res publica a optarem por ações que funcionem como amortecimento e arrefecimento das diferenças sociais.

É necessário abrir uma fissura entre o discurso direitista que prega a segurança dos brucutus e o discurso engajado que enxerga na plataforma municipal um ponto de apoio para as transformações sociais mais abrangentes, sem dúvida necessárias, mas que só acontecerão no âmbito ampliado da discussão nacional. É necessário encararmos o fato de que existe uma especificidade na atuação municipal, que cabe ao prefeito zelar pela cidade e atender as necessidades básicas de seus habitantes. É necessário compreender que a cidade já é uma equação suficientemente complexa, que demanda respostas sofisticadas de especialistas das mais diversas áreas – médicos, professores, dentistas, engenheiros sanitaristas, arquitetos, urbanistas... Podemos até aceitar que, diante da atual incapacidade federal de aliviar os graves problemas econômicos de parte substancial da população, algumas medidas paliativas sejam tomadas – como é o caso do interessante Banco Popular de Porto Alegre – mas não podemos perder o eixo estruturador da atividade do prefeito – tornar as cidades o bom habitat dos cidadãos.

Não sejamos ingênuos ao ponto de acreditar que uma mudança deste tipo possa acontecer por iniciativa dos políticos ou por decurso de prazo. Cabe à sociedade civil organizada cobrar dos que pleiteiam os votos e a representação popular o abandono das generalidades grandiloqüentes em troca de um discurso mais articulado, complexo e engajado, gerador de uma ação ao mesmo tempo culta e voltada para a comunidade. Acreditamos que seja esta a verdadeira utopia do possível – que os políticos de boa vontade sejam ao mesmo tempo mais humildes nas promessas e ambiciosos nas realizações.

sobre o autor

Abílio Guerra é professor da FAU PUC-Campinas, editor de Arquitextos e ex-editor da Óculum.

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