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REGO, Renato Leão. Guggenheim Bilbao Museo, Frank O Gehry, 1991-97. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 014.04, Vitruvius, jul. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.014/867>.

O Museu Guggenheim de Bilbao é um espetáculo a céu aberto. Passado este impacto inicial, aquilo que se vê no seu interior tornou-se atração menor, subjugada pela eloquência das superfícies de titânio. São planos contorcidos configurando uma conturbada acumulação de volumes irregulares que, à primeira vista, não revela ordem ou hierarquia. Nota-se, depois, que a composição culmina com um átrio envidraçado, espécie de epicentro da explosão volumétrica, de onde espraiam as galerias e as salas de exposição.

A configuração do edifício é, por vezes, indescritível: os planos pululam, suas arestas se desenvolvem de maneira surpreendente e acabam por modificar-se. Irrompem intempestivamente. A visão não abarca toda a extensão do conjunto, entendido apenas no exercício mental de reunião – nunca sintética – das sucessivas imagens experimentadas, nem chega a entender claramente a articulação destas superfícies complexas. Aparentemente, não importa conhecer especificamente que formas são essas. Não nos propõem nenhum método nem intenção normativa de fácil compreensão. Na origem, a própria desconstrução tratou de eliminar das formas fragmentadas qualquer convenção, propósito, significado, vínculo tipológico ou morfológico que lhes pudesse ser atribuído. O que realmente conta nesta arquitetura é a ondulação das superfícies, a proliferação das arestas, a fragmentação do conjunto.

Uma visão fragmentada pode parecer justificada quando os paradigmas científicos estão em mutação, quando a sociedade está cada vez mais conscientemente diversa – um pluralismo cultural, diria Marina Waisman (1), apoiado e gerado em grande parte pelo processo de descolonização (política) do mundo, a partir do qual diversas culturas e subculturas saíram em busca de suas respectivas identidades. Nada sugere unidade e a fragmentação é a metáfora arquitetônica que serve para descrever a realidade à nossa volta. Pluralidade, descontinuidade, ruptura estão entre as características dos objetos arquitetônicos contemporâneos.

Mas a fragmentação não é uma idéia nova em arquitetura. No século XX, vamos encontrá-la no processo de "destruição da caixa" de Wright, na construção dos arquitetos neoplasticistas, dos construtivistas russos, e, de certo ângulo, podemos entrevê-la quando analisamos a obra de Le Corbusier, Mies van der Rohe ou Alvar Aalto. A fragmentação do organismo arquitetônico na arquitetura moderna estava ligada à ruptura com a perspectiva renascentista, à noção de continuidade espacial, à aproximação entre exterior e interior, à associação espaço-tempo, sugeridas e exploradas pelo fenômeno cubista.

Contudo, o que vemos em Bilbao trata de subverter as certezas do Movimento Moderno, das suas bases às convicções, da funcionalidade ao sentido da obra arquitetônica. A mise-en-scéne desta arquitetura tange à prática desconstrutivista, caracterizada originalmente por um procedimento reverso ao da composição, que disseminou-se e se estabeleceu como um processo compositivo no qual a lógica, a razão, e as tradicionais noções tectônicas são desestabilizadas (2). Opera-se por meio da sobreposição e articulação de segmentos de um volume fraturado, da deformação, do deslocamento, mas opera-se também por formação, dando fluência à criação de formas irregulares e nada objetivas. Ainda que os procedimentos não sejam criteriosos, reconhece-se genericamente seu resultado como aquela forma arquitetônica que não é senão um aglomerado de fragmentos, opacos à expressão de utilidade, de sentido, de organização.

Esta é a idéia apresentada por Peter Eisenman (3), que preceitua uma arquitetura sem mensagem alguma, sem vontade de significação, uma espécie de discurso independente, livre de valores externos, arbitrária, abstrata e "atópica", na contramão da ideologia arquitetônica do lugar. Uma idéia de arquitetura como "escrita", em oposição à arquitetura como imagem, embora o que se "escreva" não é o objeto – sua massa e volume – mas o próprio ato de definir massas e volumes. E a linguagem cede lugar ao textual, à articulação daquilo que outrora eram signos reconhecíveis que, perdendo a própria identidade no desmantelamento da estrutura tradicional do texto canônico, resultam em traços que já não podem ser tomados literalmente. Uma arquitetura sobre arquitetura, esse o verdadeiro assunto de um discurso arquitetônico que não representa nada, não comenta nada, não remete a nada (4).

Voltemos à arquitetura escultórica do Guggenheim. Ela dispensa a carga conceitual da obra de Eisenman para direcionar suas forças na sensação e na aparência do efeito de superfície promovido pela aplicação de formas, materiais, cores, texturas. Eminentemente, uma arquitetura de exterior.

Em Bilbao, ainda que tetos e paredes deslocadas se curvem e se mesclem numa fusão evidenciada pelo material único que os reveste, as formas não são exclusivamente abstratas nem destituídas do seu significado arquitetônico – janelas ainda são janelas, em certos pontos espelhando a fenestração dos edifícios vizinhos; o pára-sol diante do pano de vidro que permite vislumbrar o rio, por mais inusitada que seja sua figura, ainda faz reconhecer seu papel.

Por vezes Gehry recorreu à inserção de elementos figurativos entre as formas abstratas fragmentadas: no Experience Music Project, em Seattle, a pele metálica do edifício "voa" como uma cortina inflada pelo ar que sopra desde o interior para abrir passagem ao monorail, uma alegoria entre formas ininteligíveis. Uma certa fascinação pela materialidade e pela aparência dos objetos cotidianos que permite inclusive incorporá-los diretamente à arquitetura – um binóculo gigante no prédio de uma agência de publicidade na Califórnia, uma cabeça de touro no Centro de Arte de Nîmes, um latão de leite num abrigo para jovens. Um ato irreverente na trilha daquele humor pop de Andy Warhol ao elevar um objeto banal à condição de obra de arte.

No Guggenheim, as formas metálicas abstratas da construção aerodinâmica estão confrontadas com a aparência convencional dos pequenos blocos de alvenaria, com fachadas planas de pedra com janelas regulares. Diante da necessidade programática de distintas salas de exposição, o projeto respondeu com um tipo racional à conformação de blocos para serviços e para a clássica galeria destinada ao acervo permanente, em contraste com a licenciosidade formal das amplitudes das demais galerias onde as condicionantes eram menos impositivas, sem atenuar a tensão criada por esta colagem arquitetônica eclética. Note-se na planta do subsolo, onde se instalaram os serviços administrativos do museu, a distribuição rígida e funcional, diversa daquela liberdade criativa experimentada nas galerias. Essa mesma dualidade, embora atenuada pela revestimento uniforme de pedra, pode ser verificada no Centro Americano em Paris, um bloco em "L" regular o bastante para abrigar um edifício residencial que aproveita a inflexão do volume e a liberdade programática do espaços públicos da instituição para acomodar a sobreposição de formas irregulares.

O projeto de Gehry em Bilbao, ainda que indiferente à ideologia de lugar, desenhou uma arquitetura extremamente entrosada com as circunstâncias locais bastante complicadas, articulando as vias que margeiam o rio e o desnível entre o leito e o bairro onde o museu se insere. Disposto entre a cidade e a ría do Nervión, o museu se afasta da dos limites do terreno com a malha urbana e aproveita a pendente desta área livre para formar um adro que mergulha em direção à entrada principal, desembocando no gigantesco átrio central envidraçado, por onde chega a luz natural depois de resvalar nos prismas que o envolvem. A partir daí toda a composição se desenvolve em relação à margem do rio, estendendo-se até a ponte, enlaçando-se a ela que, com a junção de uma torre metálica para acesso à cota da transposição do rio, parece fazer parte da edificação.

No conjunto, fica evidente o interesse de Gehry pelo valor plástico das formas livres e pelas características materiais das placas metálicas dispostas em escamas, dos intensos contrastes entre os angulosos panos de vidro, as armações metálicas sem função explícita, as esquadrias convencionais de madeira, a pedra. A reforma de sua casa preconizava este interesse: a construção do tipo ‘faça você mesmo’ que embrulhou a antiga residência parece inacabada, admite materiais baratos e vulgares, desloca o senso comum pela aplicação inusitada de certos materiais de construção em formas nada convencionais.

O museu de Bilbao foi desenhado pela expressão do gesto artístico. Dobras, torções e sobreposições são animadas pela aparente espontaneidade das formas, no fundo lapidada ao longo de uma minuciosa operação cumulativa de formas separadamente estudadas, empenhada em organizar uma escultura habitável. Inúmeras maquetes de cada uma das formas que compõem o edifício foram confeccionadas, experimentadas e modificadas segundo o efeito de superfície desejado. Uma gesticulação intensificada, negando à medida do possível a objetividade dos meios arquitetônicos para reforçar a excitação dos sentidos. Um novo exercício formalista, para entretenimento do espectador.

notas

1
WAISMAN, Marina. O centro se desloca para as margens. Revista Projeto, n. 129, jan/fev 1990.

2
Cf. o esquema de ideação da Casa III, de Peter Eisenman. Dois cubos são sobrepostos a 45º e decompostos em várias formas que, no geral, não obedecem necessidades estruturais ou funcionais.

3
Cf. EISENMAN, Peter. In: JENCKS, Charles. Theories and manifestoes of contemporary architecture. Academy Editions, 1997.

4
ARANTES, Otília B. F. "Margens da Arquitetura". In: O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo, Edusp, 2ª ed., 1995, p. 83.

sobre o autor

Renato Leão Rego é doutor em Arquitetura pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid e professor adjunto do departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Maringá, PR - UEM.



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