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arquitextos ISSN 1809-6298


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FUÃO, Fernando Freitas. Folhas da arquitetura / Leaves of the architecture / Hojas de la arquitectura. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 017.07, Vitruvius, out. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.017/841>.

                             I

"Se desesperaba retrepándose en su butaca. A sus pies se encontraban las revistas que un instante antes había tenido en sus manos. Siempre le habían animado a publicar en las revistas de arquitectura, era el camino para acceder al poder y a la notoriedad, al respeto y la aceptación. Había comprado seis publicaciones y todas presentaban los mismos proyectos, iguales entrevistas y textos similares. Ahora comprendía su anterior sueño. No debía existir suficiente arquitectura cuando esta se repetía sistemáticamente en los números coetáneos de diferentes revistas. Ahora que se le ofrecían sentía desconfianza, en las revistas se canibalizan proyectos y obras disfrazadas de arquitectura. El era arquitecto y quería publicar, pero en una revista de arquitectura, no de pasamanos, picaportes, dibujos incompresibles o fotos al entardecer."
Pedro Urzaiz, Carlos Perez-Pla. El papel de las revistas. Arquitectura nº 280, p. 7

                           II

"Revistas de arquitectura. Ahora ya no puedo oir esa expresión sin imaginarme filas de disciplinados proyectos, alineados marcando el paso, hinchando pecho, cada uno con el uniforme de su cuerpo, sus detalles, sus fotografías, sus comentarios de autor"
Jose Quetglas. Noticias inesperadas 1 y 2. Arquitectura nº 290

                          III

Comecei a ver realmente o que eram as revistas de arquitetura só depois de depenar uma infinidade delas para fazer algumas collages. Pouco a pouco diminuía meu interesse por seus títulos chamativos ou mesmo por suas potentes imagens. Se desvanecia lentamente este caráter sacro e intocável que pareciam ter, quando buscava as figuras independentemente de seu con(texto). Com o passar do tempo, tudo o que restava destas rapinas fotográficas era uma superposição de retângulos vazios deixados pela passagem da tesoura. Viravam literalmente farrapos.

Na medida em que deixava de ver as imagens ali lavradas como sentenças, começava a observar que a maioria das revistas – inclusive muitos livros de história da arquitetura – são quase que totalmente desprovidos de textos, e que estes, quando existem, costumam habitar os porões ou a parte dos fundos das fotografias impressas. Eram a mais pura figuração, tanto em verso e reverso. Quase não se lêem, só se vêem.

Até pouco tempo atrás, costumava me debater entre o papel das fotografias e o papel das revistas. Acreditava que elas eram as próprias folhas do mal e tinham o estranho poder de embaciar os “inocentes espelhos da memória”. Jamais me dera conta que elas possuem em si, as próprias características das fotografias: a exibição e a exposição.

Percebi então, que as revistas são um comércio de exposições que nascem, vivem e se alimentam de fotografias.

É a fotografia que permite a re-vista. Tanto é assim que a virtude dos 'kalotipos' está na possibilidade da reprodução sistemática de copias a partir de um mesmo negativo.

Infelizmente, as atuais revistas de arquitetura podem ser comparadas a um museu de superficialidades, que faz de nós – leitores arquitetos – seres passivos, adoradores de imagens nos retábulos das igrejas. Tal qual um ato exibicionista, os edifícios e todas as coisas que nelas se apresentam, se travestem topologicamente, adquirindo instantaneamente uma outra personalidade. É o desfile. O desfile dos militares ou o da alta costura da arquitetura, nosso pret a porter, onde os arquitetos costumam exibir com um ar duro ou com um certo requinte, a frescura de seus últimos modelos.

Hoje, se louva determinadas arquiteturas só porque são mais fotogênicas que outras. E, inacreditavelmente, em alguns grandes escritórios internacionais, arquitetos e fotógrafos já estão trabalhando juntos desde a concepção do projeto até a sua realização, para que o produto final tenha uma aparência fotogênica. Se, por acaso, o projeto não sair em simbiose, caberá ao fotógrafo com seus truques mágicos, ilusionísticos, elaborar a fotossíntese para glorificar o trabalho do arquiteto. Sua função é praticamente, embelezar, maquiar, folhar a ouro o edifício, ainda mesmo que este tenha o desplante de não possuir nenhuma virtude arquitetônica e mal consiga parar em pé. De fato, qualquer arquiteto sabe que a fotografia pode intervir e modificar favoravelmente a situação real.

Foi lendo um texto de Kenneth Frampton sobre Adolf Loos que descobri o discreto caráter antifotogênico dos interiores de sua arquitetura, ainda que suas obras externamente pareçam bastante fotogênicas. O próprio Loos reconheceu esta característica quando disse: “É para mim o maior motivo de orgulho que os interiores que eu criei resultem totalmente sem efeito na fotografia. Devo renunciar a honra de que me publiquem nas revistas de arquitetura. Me negaram, portanto, a satisfação de ver enaltecida minha vaidade”. Contudo deve-se considerar que o desprezo de Loos pela ilusão figurativa, tanto arquitetônica como fotográfica, nunca lhe impediram de explorar a capacidade ilusionística do espaço mesmo que mediante jogos de espelhos e janelas em sua arquitetura. Tristan Tzara também sugeriu este deliberado interesse antifotogênico em suas exaltações a Loos em 1930 numa miscelânia de textos em sua homenagem. “Junto-me a homenagem que vocês dirigem a Adolf Loos, que ajudado pelo seu caráter irriquieto, encontrou a possibilidade da claridade no centro de uma atividade humana que está mais próxima do sol, das tempestades exteriores e interiores, que do social. Este grande arquiteto, é o único atualmente, cujas produções não são fotogênicas, cuja expressão se deve a seu profundo saber e não aos meios empregados para conseguir beleza ilusória.”

Neste dilúvio de imagens que nos afoga, chegamos num ponto onde é difícil discernir uma boa arquitetura de uma má. Tudo o que se vê nelas, são superficialidades tomadas como realidade inquestionável e textos que presunçosamente analisam e tentam justificar as fotografias.

Nas últimas décadas, cresceu tanto o número de revistas especializadas em arquitetura que acabou vulgarizando-a, quando, na verdade, tudo o que queria, aparentemente, era mostrar as novas produções arquitetônicas, promovê-las. Um dos exemplos mais aberrantes foi a rápida caducidade da arquitetura de Aldo Rossi, dos Kriers, Botta, Bofill, ... e outros tantos pós-modernos expostos aos olhos ávidos dos arquitetos.

A imagem fotográfica da arquitetura, mata tipos e cria modelos e mitos com tanta facilidade, que acreditamos, muitas vezes, chamar-se de arquitetura de vanguarda. Transforma rapidamente protótipos em estereótipos. Cria ruínas vivas. É tão corrosiva que dissolve qualquer solidificação.

É interessante constatar que a arquitetura (estática por natureza, com suas fundações plantadas como uma árvore) de repente, devido a fotografia, começa a andar, circular, a mover-se. Deixa suas raízes para mostrar-se cada vez mais e mais em outros e diferentes contextos. Graças as revistas e as fotografias, ela tornou-se cenográfica e móvel. Move-se de superfície em superfície, passa de mão em mão, caminha lentamente a sua obsolescência. Caduca.

Com efeito, a arquitetura começa a ser tornar pura visualização de imagens. O consumo fotográfico, o vício “imagético” em papelotes fotográficos vem atrofiando, cada vez mais, a movimentação no espaço. Este movimento – que mais parece um andaço – já está provocando uma profunda mudança no processo de cognição da arquitetura.

Assim, as fotografias parecem afetar, não só a visão, mas os movimentos, o corpo todo. O ritmo lento e complexo do caminhar, ver, tocar, sentir os cheiros característicos que banham as cidades, de repente é substituído por uma onividência artificial criada pelos meios de comunicação. Os arquitetos, cada vez mais insaciáveis de imagens, partem destas para projetar, produzir suas arquiteturas. Já não se inspiram, se (ex)piram de imagens.

Contudo, uma das maiores conseqüências deste imobilismo informático é, justamente, a perda da direta experiência espacial e a capacidade de “imaginar imagens” a partir de textos e relatos verbais como faziam os antigos mestres. Antigamente, as notícias corriam de boca em boca, agora, passam aceleradamente pelos olhos e evaporam.

Em Until the end of the world, Wim Wenders propõe uma nova interpretação ao consumo de imagens técnicas. Partindo do fato quase fictício de poder debruçar-nos sobre nossos próprios sonhos, nossas virtualidades, o diretor nos leva a conclusão que esta prática pode provocar uma espécie de obsessão esquizofrênica, um narcisismo, sintomaticamente caracterizado por um imobilismo do corpo, necessidade de isolamento, letargia, fobia a luz do dia, recusa a realidade, etc. Wenders coloca ao nível da ficção, as conseqüências de uma sociedade pós-industrial fundada no consumo da imagem, tratando o tema desde o ponto de vista de uma adição, uma enfermidade.

Nossos olhos já estão como cebolas, pele sobre pele, velos sobre velos, enuviados por esta catarata de imagens. Parece que a única coisa que resta, é chorar a perda da arquitetura, afinal, já não conseguimos comprender que o que se vê numa folha impressa não é mais que uma representação do mundo, falida como verdade ilusória, tal como antes foi a pintura e hoje é o cinema e o vídeo. O negativo da fotografia, é que tomamos essas imagens como láudanos para nossas carências de imaginação, esquecendo que a imagem instantânea é carente de narrativa e do transcurso do tempo.

Um discurso fotogênico montado a golpes de cortes, onde a veduta-visor é o mecanismo que faz o enquadramento e seleção daquilo que chamamos lugares fotogênicos. A aparência do edifício, portanto, está submetida a uma série de testes ópticos. Somente aqueles que evidenciarem determinadas qualidades intrínsecas dos objetos, poderão ser selecionados pelo fotógrafo. Sem dúvida, uma continuidade da perspectiva fundada na Bauhaus, principalmente na figura de Moholi-Nagy, e pelo construtivista russo Lisitzsky, os protótipos dos homens com visão sintética. A new vision, tão exaltada pelos modernos, privilegiou a habilidade do fotógrafo para ver formas e estruturas onde a maioria das pessoas não podiam ver. Desta forma, o belo passou a ser também o inesperado. Uma visão desconcertante que só a câmara pode nos brindar.

Uma arquitetura fotogênica será claramente aquela que permite o deslocamento do objetivo ao redor do objeto em busca do inusitado. Uma relação posicional topológica entre fotógrafo e objeto, que engana totalmente o sujeito. Esta é a artemanha da fotografia.

Ironicamente, a diferença de todas as artes em relação a fotografia, é que esta traduz a vida por casualidade. O gesto captado por uma kodak nunca é o gesto que se queria captar, mas que, em geral “sempre se sai ganhando”.. Com freqüência costumamos ver nas fotografias, edifícios que parecem fantásticos, quando na realidade se mostram bastante distintos e desinteressantes. Não são poucos os relatos de viajantes que se decepcionaram ao se depararem com edifícios anteriormente publicados nas revistas.

A arquitetura fica mais fotogênica, na medida em que se incrementa a luz e a distância entre ela e o observador. O distanciamento é uma das questões de maior importância na relação que se estabelece entre fotografia e arquitetura. O espaço topológico entra em jogo cada vez que olhamos uma foto. De imediato se estabelece, uma falsa correspondência entre a ortogonalidade do espaço fotográfico com a nossa inscrição topológica, fundamentada em relações corporais e emocionais.

É evidente que a topologia funda a consciência e percepção que temos do mundo. Se tomamos esta falsa inscrição como verdadeira, automaticamente também passamos a perceber o mundo de uma maneira distinta, a maneira da máquina fotográfica. Acabamos por institucionalizar uma percepção universal, baseada nas leis da perspectiva da câmara.

É o nitrato de prata quem libera os corpos arquitetônicos de sua continuidade urbana, de sua aderência e instiga-os a se despegarem uns dos outros, tornando a arquitetura um objeto autônomo. Esta dispersão-distanciamento faz com que a antiga aderência existente entre os corpos seja transferida exatamente a representação do próprio corpo.

Ao permitir o livre deslocamento ao redor do objeto arquitetônico, o giro proporcionou uma aparente amplificação das mobilidades através da dispersão dos corpos e dissipação das mentes. Com efeito, o olho de ciclope interrompe toda solidariedade contextual-histórica e promove o narcisismo do corpo objeto. À uma atrofia da aura, a fotografia responde com uma construção artificial da personalidade arquitetônica, mediante a repetição sistemática de sua imagem nas revistas especializadas.

Finalmente, se deduz que a fotografia serve para destituir, arruinar, destroçar qualquer coisa por onde passa seu olho solitário. Contudo, não deixa de ser um documento, que restitui, recupera e restaura aquilo que agora está ausente. Nesse sentido, há exemplos de edifícios reconstruídos como os pavilhões de Mies Van der Rohe para a exposição universal de 1929, e de J. L. Sert para a exposição universal de Paris de 1937, situados em Barcelona. Talvez, bastaria lembrar que a fotografia em seu começo foi um elemento bastante útil para a arqueologia, nas escavações, substituindo o lento trabalho dos desenhos e gravados.

O quadro fotográfico da arquitetura não parece ser nada frutífero: arquitetos que tomam doses fotográficas como verdades transparentes e cristalinas, achando que “isto aqui é exatamente aquilo lá fora”. Arquitetos que enviam para revistas, fotografias de seus edifícios com patéticas justificativas de concepção. Teóricos e escritores que costumam fazer prepotentes e intelectuais análises de edifícios somente através de fotografias, mas que na realidade nunca viram e nem sentiram o cheiro sequer de um fragmento deles.

Não faltam professores que inconscientemente preferem fechar as janelas ao mundo, projetando fantasmagorias a seus alunos. Tentam persuadir sua ingênua platéia de que,  o que estão vendo – é exatamente o mesmo – se o observassem através de uma janela.

 Deve se comprender antes de mais nada, que a fotografia não é um suporte neutro e nem pretende competir com os outros sistemas de representação. Resume-se a uma superfície de absorção de todos sujeitos e objetos fotografados.

                         IV

A primeira impressão que se tem da palavra revista é que vem de review , que quer dizer simplesmente rever. Ver outra vez. Ver o já visto.

Uma segunda visão lembra, de imediato, que revista, vem também do verbo revistar. Revistar: ver com atenção, rever, examinar. Passar em revista a tropa.

Passar em revista as revistas.

Entretanto, parece que o verbo revistar implica quase sempre um olhar muito atento, crítico, por parte de quem vê, inspeciona as revistas. Um olhar policial, vigilante, examinador e até, muitas vezes, punitivo, coisa que não acontece por parte de quem vê revistas, que mais se parece a pessoa revistada que o revisor. Diria que, esta definição se aplica melhor a uniformização dos projetos contidos no interior da revista que ao leitor. Vivemos num mundo revistado, onde somos continuamente revistos, registrados, revisados, comparados constantemente com nossas próprias fotografias para atestar nossa própria identidade.

Uma outra visão mais loquaz, talvez seja a sugerida por Quetglas, que sua origem não está na palavra “vista”, e sim, em revisar. Voltar a ver ou olhar, não implica passar em revista, pois o olhar sempre foi uma atividade mais amável que a inspeção. Revista deve ser associada a palavra resguardar (regarder), que descobre ou constitui a inesperada identidade entre mirar e resguardar. "Guardando la cosa a la vista, se la resguarda. Uma mirada que no pasa revista sino que envuelve y resguarda”.

Prefiro fechar um pouco os olhos a estas visões, e correlacionar revistas a palavra revestir, o que caracteriza um certo envolvimento tanto físico como emocional – um enveloppe – do índex fotográfico sobre o próprio corpo. Fazendo lembrar algo bastante mítico e arcaico, do tempo em que os homens, antes de se cobrirem com peles, se cobriam com folhas, e que, a arquitetura também era coberta de folhas. A folha é o primeiro velo dado ao homem por arbítrio divino. A primeira roupa e a primeira venda.

Revestir vem do latim revestire. Acredito que seu significado cai como uma luva sobre as revistas. Tornar a vestir, cobrir, velar, tapar, dar a aparência de alguma coisa, aparentar, imitar, enfeitar, adornar. Cobrir de folhas, penas, pêlos e plumas. É isto o que fazem as fotografias e as revistas na arquitetura. As fotografias têm esta propriedade de colocar um velo sobre todas as coisas. Tal como disse André Bazin: “A fotografia mumifica todas as coisas, não cria eternidade e embalsama até o próprio tempo.”

Já desconfio totalmente até daqueles que dizem que revistas armazenam informações. Afinal, como suportes, as revistas não são o lugar ideal para se guardar imagens ou informações. Suas folhas são frágeis e efêmeras – basta um sopro mais forte para que se soltem. Revistas não servem para guardar nada, servem sim para aguardar (Erwartung), matar o tempo enquanto se espera nos consultórios, nos escritórios, ou quando não se tem nada para fazer.

Revistas são falsas anunciações, só anunciam o já visto, o existente, mas ironicamente estão abarrotadas de anúncios. Basta pegar algumas das mais conhecidas para perceber que sem anúncios se debilitariam e acabariam por secar. Ao contrário dos anjos, elas não costumam revelar mistérios, pressagiar o futuro ou a vinda de algo. Em si, não anunciam nada, são anti-utópicas. Atópicas. Folhas anêmicas, sem ar, sem viço. Estão disseminadas pelas bancas de revistas. Já não nos enchem de alegria e preguiça.

Normalmente, cada revista adota uma fotogenia muito particular, uma estética arquitetônica da moda ou que fará moda, onde cada fotógrafo fornece um serviço comercial muito próximo aos fotógrafos retratistas. Entretanto, neste comércio ilustrado, de antemão, cabe sempre ao diretor e ou editor, privilegiar, selecionar este ou aquele material e, principalmente, promover determinados tipos de arquitetura que devem desfilar sobre as páginas.

Inseridas neste panorama, as revistas de arquitetura são superfícies, folhas superpostas, onde se imprimem, projetam e se transportam modelos. É sobre a superficialidade de suas páginas que os objetos arquitetônicos se reproduzem fotograficamente, baixo a forma de três elementos constitutivos, que em geral coexistem simultaneamente: a fotografia do desenho do objeto (o projeto), a fotografia do objeto construído e o texto que só explica fotografias.

Em última análise, nada ilumina melhor a idéia de revistas que o sinônimo magazine (palavra comum a língua inglesa e latina), que serve para designar tanto uma publicação periódica, geralmente ilustrada e de caráter recreativo, como também a um lugar onde se expõem e se vendem artigos da moda. Modismos. Neste discurso, o magazine está para a roupa, assim como a revista para a arquitetura exibida na vitrine de celulose.

Não podemos negar que há um certo sabor em passear os olhos sobre suas páginas desinteressadamente. Sua existência faz parte da vida e abrandam o horror da espera. Servem para espairecer, dissipar e distrair. Algo até bastante análogo com o que Walter Benjamin havia escrito sobre a arquitetura e o cinema como artes de dissipação, distração, onde o leitor, o observador é sempre um examinador, mas um examinador distraído.

Revistas servem como um colírio quando não se tem quase o que se ver, ou quando as janelas que normalmente se abrem ao mundo já estão fechadas ou inexistem. Servem também como escusa quando não se quer conversar ou olhar profundamente no olho do outro. Revistas põem o mundo dentro de casa, ainda que este seja um mundo tolo e falso, colocam a representação da exterioridade na interioridade, no mundo privado, no isolamento.

                            V

A última folha não existe e nunca deveria existir. É uma página perdida de Macunaíma. Trata-se pois, de uma narrativa estranhamente contada por um papagaio de bico dourado que principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito!. Quando, um dia Macunaíma com raiva e inveja de seu irmão, porque havia comprado muitas coisas na 'capita' paulistana, esperou com o olho esquerdo dormindo que Jiguê fosse pescar, para pegar todas aquelas revistas importadas – em que apareciam grandes e luxuosos edifícios – que comprou para ficar mais culto e para matar o tempo. Sem dó nem piedade, pegou uma por uma e fez picadinho de todas elas jogando milhares de pedaços para a alegria das saúvas construtoras que andavam rondando sua rede. Bocejou escorrendo caju, muito mole na rede, com as mãos para trás fazendo cabeceiro, o casal de legornes empoleirado nos pés e o papagaio na barriga. Olhava de soslaio as saúvas em seu cortejo enfileiradas como milicos carregando todos aqueles pedacinhos de folhas cheios de imagens dos edifícios das grandes tabas. Matutava, matutava roendo os dedos já cobertos de berrugas de tanto apontarem pa Ci estrela, e ficava imaginando uma vez que todos aqueles pedacinhos fossem reunidos no formigueiro como ficariam reconstruídos todos aqueles edifícios.

Agora, já não havia as revistas para passar o tempo, nem mais o papagaio para ouvir suas histórias, pois já havia migrado para as bandas do sul em busca do negrinho do pastoreio. Não havia mais ninguém lá.

Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera. Os olhos de Macunaíma fitavam as nuvens e exclamava enquanto a baba escorria de sua boca: – Ai, que preguiça...!

sobre o autor

Fernando Freitas Fuão é Doutor pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona/Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, professor na Faculdade de Arquitetura da UFRGS e pesquisador do CNPq. Autor de "Arquiteturas Fantásticas" (Ed. Da Universidade. Porto Alegre. 1999) e "Canyons: Avenida Borges de Medeiros e o Itaimbezinho" (Edição do autor, Porto Alegre, 2001).

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