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Altino Barbosa Caldeira reúne experiências e impressões sobre Éolo Maia, a quem conhecia pessoalmente


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CALDEIRA, Altino Barbosa. Algumas verdades e mentiras sobre Éolo Maia. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 029.02, Vitruvius, out. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.029/737>.

Conheci o Éolo em 1969, quando ele começou a namorar a Jô, que era minha colega e amiga da Escola de Arquitetura. Do relacionamento deles, surgiu nossa amizade, que foi se fortalecendo com o tempo. O casamento deles foi festejado no terraço do Edifício Barca do Sol, que Éolo havia projetado, e cujas formas coloridas e inusitadas chamavam a atenção na paisagem comportada da cidade. As cores vibrantes, o uso de materiais simples definindo texturas com detalhes de grande impacto, os materiais empregados de forma diferenciada, revelavam uma mistura de brutalismo com arte pop, que dava o tom de surpresa e alegria da linguagem que Éolo iria imprimir em sua arquitetura.

Quando conheci a minha mulher passamos a ser companheiros de noitadas, festas, bate-papos, viagens e eles acabaram sendo nossos padrinhos de casamento. O Éolo gostava de desenhar, de falar de arte e de estimular os amigos a mostrar seus trabalhos e de comprar suas obras e para tê-las em sua casa. Assim ele e a Jô foram reunindo um bom acervo de artistas mineiros. O Amílcar de Castro, com quem a minha mulher e eu estudamos pintura, levou, certa vez, o Éolo à nossa casa e este, estimulado pelos elogios que Amílcar fazia aos seus quadros, comprou o primeiro quadro da Lelena. Nossa relação de amigos incluía, além dos arquitetos, poetas, escritores, músicos, cantores e compositores, artistas plásticos, dançarinos, gente louca de toda espécie, com quem sempre vivemos momentos muito ricos, crescendo juntos, achando que estávamos transformando o mundo, ou vice-versa, e sempre houve um clima de riqueza intelectual nesta relação de amizade. À medida que os nossos filhos iam crescendo, eles participavam de nossas reuniões e passeios para Macacos, Serra do Cipó, viagens para Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Cataguases, São Paulo ou Salvador. O prazer de desenhar fazia a nossa vida mais rica, e criava em nós a oportunidade de discutir verdades e mentiras e de reconhecer as diferenças sobre como reproduzir o mundo e as coisas do mundo por meio de linhas e planos. Em nossos encontros, a gente sempre desenhava sobre qualquer suporte. Houve uma experiência que foi muito marcante, e da qual ele sempre se lembrava, quando passamos uma manhã desenhando sobre pedaços de pedra São Tomé, aproveitando as sugestões que os veios sugeriam...

Éolo sempre foi um inventor de formas, tanto na linguagem arquitetônica quanto na linguagem coloquial. Era hábito dele inventar palavras e ele criou muitas expressões que repetia até se tornarem corriqueira também para os outros. Quem o conheceu sabe da capacidade de verbalizar e ironizar com as palavras. Chamava de gambá àqueles com quem sentia algum ponto em comum, alguma afinidade, e criava apelidos e nomes estranhos para coisas já conhecidas. Assim, criou o termo dogunda, que é aquele estado de espírito que a gente sente no final do domingo, quando se começa a aproximar da segunda-feira. Usava o termo avis rara quando se encontrava com alguém que gostava. Patropi era usado para justificar qualquer projeto, proposta, ação ou invenção bem brasileira. A marlenada, que surgiu de uma história contada pela Telma, mulher do Eurípedes, que moram em uma casa projetada por ele, era uma expressão usada para um fiasco qualquer, um erro de percurso. A história é a seguinte: grandes amigos, em numa dessas noitadas no Rio, foram a uma boate assistir a um show da cantora Marlene, já em fim de carreira, e que não foi lá muito bom. Por causa da fome pediram um filé e veio um bife ruim, sem gosto e, ainda por cima, a conta foi altíssima. Voltaram cabisbaixos e meditabundos para casa e, antes de dormir, quebrando o silêncio, o Éolo falou em alto e bom som: nunca mais caio numa marlenada!

Éolo era um idealista, um sonhador, foi ele o principal responsável pela criação da revista Pampulha, que deu a força inicial às publicações sobre arquitetura em Minas. Reunia as pessoas forçando-as a tomar atitudes, definir formas de criar e tomar posição ideológica, questionar o que se fazia ou se deixava de fazer em Belo Horizonte e no país. Ele queria avançar, sacudir a poeira. Foi um dos fundadores da Banda Redchutz, cujos encontros inicias para os desfiles começavam nas alamedas centrais gramadas da Avenida Álvares Cabral, onde podíamos enfrentar a ditadura do final dos anos sessenta relaxando o corpo e a mente, pressionando por aberturas. Ali se discutia o que era, o que não era, o que viria a ser. Os muitos amigos que o Éolo fez com facilidade e a quem ele cativou, viravam amigos comuns uns dos outros, se relacionando em graus variados de intensidade ou afinidade, por tabela ou por acréscimo, somando experiências e muitas vezes formando uma grande família. Era capaz de absorver qualquer pessoa comum que se reunisse com ele num papo, fosse numa festa, no mercado, na praça, nas ruas das madrugadas da vida, no ambiente de trabalho, e de passar a sensação de estar descobrindo e inventando sempre. Tinha um jeito diferenciado de se vestir, gostava de padrões coloridos, descobrindo novas possibilidades de arranjos nas composições das vestimentas que usava, revelando o seu estilo especial de ser.

Éolo era uma pessoa cheia de idéias, que ia transformando em realidade. Seus prédios escolares feitos em parceria com Silvio ou Jô, tem a marca desta sua paixão pelo novo. Tinha uma visão pessoal e firme do é fazer arquitetura e conhecia muito o trabalho dos outros arquitetos, incluindo os estrangeiros, estando sempre atualizado. Absorvia e assimilava os mestres que admirava, fazendo relações entre a forma arquitetônica, a poesia, a escultura, que enxertava em suas propostas, adotando assim um dos estados de espírito do modernismo. Gostava de participar de concursos e de vencê-los. Questionava as tendências, conduzindo sempre o processo de criação com uma posição definida, da qual não abria mão. Quando, por exemplo, se tratava de atender a um apelo de alguma madame burguesa, ele saía fora dos modelos convencionais e não dava a elas a chance de tornar-se prisioneiro de modismos ou por um padrão de arquitetura comercial, que criticava. Criticava o sistema, tentando impor sua maneira, e ia fundo em suas expectativas, buscando resposta para as adversidades. Gostava de participar de concursos e, geralmente, vencia-os!

Na final da década de 60, quando eu ainda era estudante de Arquitetura e trabalhava no Conselho de Planejamento da Reitoria da UFMG, não resisti ao apelo da liberdade e saí de um emprego certo, para montar, com alguns colegas, um escritório chamado “Submarino Amarelo”, o Yellow, que passou a ser o nosso quartel-general. Neste escritório começamos a prestar serviços aos escritórios de profissionais, entre os quais o do Éolo, que trabalhava, nessa época, com a Equipe 58, em um escritório na parte alta da Rua da Bahia. Desenvolvemos e desenhamos alguns de seus projetos e me lembro do Éolo como um sujeito sempre alegre e divertido, com características individuais e marcantes de comportamento. Não era o tipo de esquerda, que andava desarrumado e de chinelo, nem o conservador de direita, comportado. Veio para ventilar e sacudir a arquitetura das gerais, onde o compromisso formal e conservador iam ter um novo protagonista. Sua maneira de reinventar a forma, sem o compromisso com o modismo, apelando para uma releitura dos materiais, alterando a escala dos elementos usuais, e experimentando as variações da forma de um jeito alegre e colorido, alterar com esta linguagem, o jeito convencional de agir e pensar. Ele batalhava pelo que queria fazer e brigava por isto. Por sua irreverência natural era, às vezes, confundido como uma pessoa irresponsável. Ele se debatia e insinuações neste sentido só serviam para aumentar a sua autoconfiança e reforçar as suas qualidades de criador e contestador. Ele gozava e execrava os formalismos vigentes e repudiava com os argumentos veementes e inflamados. Criticava a babaquice das idéias consolidadas, a chatice das mesmices, a caretice do comportamento oficial.

Tinha uma visão crítica bastante aguçada da sociedade e de suas artimanhas. Era capaz de falar de coisas que muito poucos falam, era transparente e verdadeiro. Esta imagem de gauche, que ele sempre carregou, foi sendo assimilada em seu ambiente, com o tempo, e por aqueles que o conheciam. Era um exagerado na vida, em todas as formas. Viveu em excesso e com intensidade, enquanto pôde. Não acreditava em nada que fosse feito sem paixão. Era controvertido e mostrava-se irritado com posições indecisas e sem defesa. Cobrava atitudes e não gostava de quem se escondia ou fosse falso ou simulasse alguma coisa e que não fosse transparente! Éolo agia com liberdade e com motivação e era orgulhoso de seu trabalho. Sabia que tinha um talento invulgar e era um aventureiro na vida. Fez a arquitetura mineira alcançar uma dimensão que nunca havia alcançado antes, abrindo assim caminho para outros arquitetos e artistas destas Minas Gerais.

Gostava de ser brasileiro e tinha orgulho de pertencer a este povo e de ter nascido em Ouro Preto. Quando morei na Inglaterra, e ouvia o telefone tocar de madrugada, sabia que era o Éolo, para contar as novidades e saber o que estava acontecendo. Nosso relacionamento foi se aprofundando ao longo de todos esses anos, por meio de conversas, passeios e viagens, em programas que combinávamos procurando encaixar nossas filhas que à medida que cresciam iam participando de nossas aventuras. Estar juntos dos filhos e animá-los a ver a vida com olhos mais abertos. Lembro-me de uma apresentação que fizemos para as crianças, no dia dedicado a elas, uma reprodução da novela “Roque Santeiro”, que fazia um grande sucesso na televisão. Passamos um dia inteiro desenhando os cenários, em papéis de grande formato, que eram substituídos ao longo da apresentação. As crianças se divertiram, mas não mais que a gente. Os ensaios que duraram algumas semanas, eram pretextos para visitarmos a cada semana bares variados, onde se conversava de tudo.

Contou-me um dia, a história dele com o Villanova Artigas, a quem admirava. Disse que, recém-formado, teve oportunidade de o conhecer e que, durante a conversa, manifestou o desejo de vir trabalhar com ele em São Paulo. O Artigas contratou-o e, satisfeito, foram adiante na conversa quando surgiu um assunto sobre o mineiro Guimarães Rosa, a quem idolatrava e quis saber se Éolo também nutria a mesma paixão pelo escritor. Quando este lhe disse que nunca havia lido Guimarães Rosa, a quem conhecia só de ver falar, o Artigas o demitiu imediatamente! Segundo ele mesmo, esta foi a mais importante aula que já teve!

Quando, recentemente, Paulo Mendes da Rocha esteve em Minas, fui com o Éolo buscá-lo no hotel. Não estando, nenhum dos dois, muito animados para irem ao Mercado Central beber uma pinga mineira, conforme anteriormente haviam combinado, decidimos passear pela Praça da Liberdade, antes de irmos para o lançamento do livro do Paulo, na Livraria Travessa. Nesta oportunidade, este outro grande arquiteto fez, em forma de desenho, uma dedicatória, fazendo referencia àquela agradável manhã que passamos, Éolo, ele e eu, admirando os detalhes curiosos dos prédios antigos e do edifício Niemeyer, indo depois conhecer o atual Museu de Mineralogia, a famosa Rainha da Sucata, projeto do Éolo e do Silvio, onde, no último domingo, foi feita a sua despedida desta vida.

notas

1
Nota do Editor - O presente número de Arquitextos, nº 029 de outubro de 2002, em homenagem a Éolo Maia, contou com a editoria de Fernando Lara

sobre o autor

Altino Barbosa Caldeira é arquiteto do IPHAN, professor da PUC-Minas e doutor pela Universidade de Sheffield, Inglaterra

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