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architexts ISSN 1809-6298


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Miguel Forte morreu, aos 86 anos, lúcido e entusiasmado pela arquitetura. Forte tinha o dom de conquistar os jovens e despertá-los para o prazer de fazer arquitetura. Leia o depoimento de uma de suas maiores admiradoras, a arquiteta Mônica Junqueira

english
Architect Miguel Forte died, aged 86, lucid and excited by the architecture. Forte had the gift of awakenin people to the pleasure of making architecture. Read the testimony of one of his greatest admirers, the architect Monica Junqueira


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CAMARGO, Mônica Junqueira de. Arquiteto Miguel Forte, 1915-2002. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 030.05, Vitruvius, nov. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.030/732>.

O arquiteto Miguel Forte morreu, aos 86 anos, lúcido e entusiasmado pela arquitetura. Um personagem marcante da história da arquitetura paulista: extrema gentileza, profundo respeito pelos colegas, paixão pela profissão, cultura arquitetônica e experiência profissional envolvidas por fascinantes histórias, que fizeram dele um mestre cativante. Seus alunos não o esquecem jamais: a tradicional aula inaugural, quando fazia questão de conhecer um a um, era o princípio de um profícuo relacionamento, que se intensificava no diálogo constante e intenso, baseado na paixão que sempre alimentou pela arquitetura. Miguel tinha o dom de conquistar os jovens e despertá-los para o prazer de fazer arquitetura.

Sua carreira docente começou em 1964, quando foi convidado pelo arquiteto Salvador Cândia, então professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, para ensinar na disciplina de Projeto. Em 1975 passou a titular e permaneceu dando aulas com o mesmo entusiasmo e vigor, até praticamente morrer. Era presença constante nas cerimônias de formatura, como paraninfo, patrono e homenageado, conseqüência da atenção, do respeito e do carinho que despendia aos alunos, características essas que fizeram dele uma forte referência para sucessivas gerações de arquitetos.

Arquiteto talentoso, fez projetos primorosos, especialmente de residências, que eram minuciosamente detalhadas. A preocupação com o sítio envoltório, o correto dimensionamento dos espaços segundo suas funções e seu mobiliário, o cuidado com o detalhe, a exploração dos materiais, o estudo da iluminação tanto natural como artificial, a valorização da boa apresentação, são algumas das características de seus trabalhos. Muito vaidoso, Miguel era cauteloso na publicação de seus trabalhos, o que acabou por inibir uma divulgação maior de sua obra, tal era o nível de exigência de qualquer produção sobre o seu trabalho.

Miguel fez parte da primeira geração de imigrantes italianos nascida no Brasil. Nasceu e morou boa parte de sua infância na Rua Florêncio de Abreu, próximo ao Largo São Bento. Fez o curso de Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie no período de 1934 a 1939, em meio à afirmação da arquitetura moderna no Brasil. Em 1936 Le Corbusier passou um mês no Rio de Janeiro para a elaboração do projeto do Ministério da Educação e Saúde, reforçando as idéias de arquitetura moderna, que naquela cidade já proliferavam com vigor. Enquanto em São Paulo, os isolados exemplares modernos de Gregori Warchavchik, Rino Levi e Flávio de Carvalho continuavam dispersos em meio a uma produção ainda muito eclética, acirrando o polêmico debate sobre a arquitetura moderna, que era matéria constante da imprensa diária. Diferentemente de alguns de seus colegas, que no início praticaram os mais variados estilos e depois se consagraram como arquitetos modernos, Miguel nunca compactuou com o ecletismo. Ainda na escola, enfrentou o severo professor Christiano Stockler das Neves, ferrenho defensor das tradições clássicas, com propostas já de cunho moderno.

Miguel foi estagiário do escritório Rino Levi, onde trabalhou por mais um ano depois de formado, consolidando suas convicções modernas e aprendendo o método de projeto e o rigor do detalhe. Trabalhou ainda um ano no escritório do arquiteto Jaime Fonseca Rodrigues e em 1942, abriu seu próprio escritório – Firma de Projetos e Construções Forte & Ciampaglia (NE) – em sociedade com seu colega de faculdade Galiano Ciampaglia, que viria a ser seu cunhado. Em 1943, casou-se com Laura Fileppo e fez o projeto para a residência de seu sogro na Av. Brasil esquina com a Rua Argentina. A implantação da construção na parte posterior do terreno privilegia a área de jardim para as duas ruas que o cercam. Alguns procedimentos como modulação da solução estrutural, das aberturas e da caixilharia, e atitudes projetuais como a disposição da escada ao longo de uma parede de vidro, aberturas corridas no alto das paredes, junto às vigas, propiciando a iluminação indireta, foram lançados nessa obra e aperfeiçoados pelo arquiteto ao longo de sua trajetória.

Em 1946, Miguel participou, junto com Jacob e Ciampaglia, do concurso para o edifício-sede do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo, tendo tirado o primeiro lugar, ao lado da equipe de Rino Levi e de Zenon Lotufo. Por sugestão de Oscar Niemeyer, que integrou o júri, foram reunidas as três equipes para o desenvolvimento do projeto final: Jacob Ruchti, Miguel Forte e Galiano Ciampaglia; Rino Levi e Roberto Cerqueira Cesar; Abelardo de Souza, Hélio Duarte e Zenon Lotufo. As equipes de Rino e Miguel, até mesmo por uma afinidade de trabalho, tiveram uma participação mais efetiva no desenvolvimento do projeto.

Miguel foi, entre os paulistas de sua geração, um dos mais entusiasmados e persistentes adeptos do mestre americano Frank Lloyd Wright. Esse seu encantamento o levou a realizar em 1947, quando tinha 32 anos, uma viagem de seis meses aos Estados Unidos, junto com colega Jacob Ruchti. Essa viagem de pós-graduação, como ele a nominava, rendeu muitos frutos. O contato com a cultura americana, àquela época ainda pouco conhecida dos brasileiros, especialmente dele que descendia de italianos, abriu outras perspectivas para seu olhar arquitetônico. O programa TVA – Tennesse Valey Authorithy – de desenvolvimento regional a partir da construção de usinas hidrelétricas, as rodovias que permitiram a exploração do país de costa a costa, a industrialização da construção civil que abrangia de elementos construtivos a utensílios domésticos, as instituições culturais, os usos e costumes da população, os hábitos alimentares, o fascinante mundo do cinema e o jazz se somaram às inúmeras obras arquitetônicas, aos contatos com os arquitetos e ao inesquecível encontro com Wright, constituindo um valioso aprendizado que Miguel foi depurando nas suas obras ao longo de sua vida.

O apuro da forma segundo os princípios orgânicos e sobretudo o interesse despertado para o design, são as influências mais visíveis. Os projetos realizados para a sua própria residência (1948/1950), assim como de Luís Forte (1952/1955), reelaboram muitos elementos da arquitetura de Wright, como o jogo volumétrico reforçando as linhas horizontais, a exploração dos materiais e seus atributos, a luminosidade dos ambientes e o diálogo com a paisagem. O projeto para a casa de Érico Siriuba Stickel, realizado em parceria com Carlos Millan, foi desenvolvido tomando por base um módulo hexagonal, como o projeto de Wright para a Casa Hanna (1936).

O contato com o universo museológico americano, especialmente com o Museu de Arte Moderna de Nova York, no que diz respeito aos conceitos museográficos, foi uma experiência muito interessante, que abriu algumas perspectivas de trabalho. Àquela época, a capital paulistana dispunha de poucos museus. O Museu de Arte Moderna – MAM – e o Museu de Arte de São Paulo – MASP - foram inaugurados depois de sua volta ao Brasil, o primeiro em 1947 e o segundo em 1949. A convite da arquiteta Lina Bo Bardi, Miguel e Ruchti fizeram projetos para algumas instalações de exposições: fotografias de Thomas Farkas, em 1950 e a exposição da Secretaria da Agricultura, alusiva aos temas da caça e pesca, em pavilhão próprio, no Parque Fernando Costa, no Horto Florestal e no Instituto Zoológico. Projetaram, ainda, o pavilhão Trianon, que abrigou a primeira Bienal Internacional de Artes, em 1951, tendo participado também, além dos dois, o arquiteto Luís Saia. Era um edifício em forma de prisma retangular de madeira e tijolo na Av. Paulista, que foi demolido, em virtude da inauguração do prédio da Bienal no Parque Ibirapuera, em 1953.

Da peregrinação que fizeram pelos museus, a exposição de design no MOMA foi a que mais os sensibilizou, aproximando-os da arquitetura de interiores e estimulando-os a entrar em contato com vários representantes das indústrias de mobiliários, equipamentos e utilitários. Aproveitaram a ocasião para adquirir eletrodomésticos e objetos que integravam a exposição, uma mesa de Isamu Noguchi, cadeiras de Charles Eames e Eero Saarinen, que Miguel as manteve em sua casa como objetos de arte.

A conseqüência mais imediata dessa exposição foi, certamente, a loja de móveis e tecidos para decoração – Branco e Preto – um empreendimento pioneiro na área de arquitetura de interiores. Foi criada em 1952 por um grupo de arquitetos, colegas da Arquitetura do Mackenzie, que tinham escritório no mesmo prédio da Rua Barão de Itapetininga: Carlos Millan, Plínio Croce, Roberto Aflalo, além de Jacob, Miguel e Chen Y Hawa, um arquiteto chinês refugiado da revolução comunista. Além de serem amigos, tinham realizado alguns projetos em conjunto, como a Estação Ferroviária da Pampulha e compartilhavam a dificuldade de equipar suas obras com objetos coerentes com os ambientes que criavam. Explorando principalmente a madeira e o desenho dos tecidos, projetaram cadeiras, poltronas, mesas, que por muitos anos constituíram a mobília padrão das casas modernas de São Paulo. As peças, mesmo produzidas em série, mantinham a qualidade do acabamento artesanal.

A sociedade, com todos os seus integrantes, infelizmente, durou pouco. A morte prematura de Carlos Millan e o compromisso com outras atividades profissionais acabou por forçar a saída de Chen, seguida de Jacob Ruchti e Plínio Croce. Os problemas com a mão-de-obra especializada, o mercado pouco afinado com o desenho moderno e a qualidade do produto, além da concorrência desleal de um mercado não familiarizado com os direitos de patente, esfriaram o entusiasmo inicial. Inicialmente instalada na Av. Vieira de Carvalho, a loja chegou a ter, nos anos sessenta, uma filial na Rua Augusta, mais voltada para a área têxtil. Em 1970, a Branco e Preto fechou, deixando uma enorme lacuna no panorama do design paulistano. Felizmente essa produção foi criteriosamente levantada e analisada pela arquiteta Marlene Milan Acayaba na sua tese de doutorado, posteriormente publicada.

No início dos anos 1970, Miguel começou a desenvolver um projeto de intervenção urbana na Praia do Pinto em Ilhabela. De uma praia suja, cheia de cacos de vidros, praticamente sem arborização, ele foi transformando-a numa grande reserva paisagística. Fez o projeto urbanístico, tirando o melhor proveito possível das condições naturais do sítio: topografia, vista e vegetação. Para o paisagismo, uma antiga paixão, contou com o apoio da amiga Irene, mulher de Jacob, uma paisagista muito talentosa, com vários projetos no Rio de Janeiro e em São Paulo: os jardins da casa do Roberto Aflalo, do Banco Itaú na rua Boa Vista, da residência que Miguel projetou na Rua Áustria. Também conhecedora da flora brasileira, Irene conseguia para Miguel espécies muito diferentes, que ele explorou com muita criatividade nos jardins que projetou. Além da intervenção urbano-paisagísitica, Miguel fez o projeto de oito residências, inclusive a sua, aproveitando as características locais.

Além de sua produção arquitetônica e de design, Miguel nos deixou seu diário da viagem aos Estados Unidos, um precioso registro de época, publicado no ano passado. Com uma incansável persistência, ele escreveu praticamente todos os dias em que esteve fora do Brasil, relatando minuciosamente tudo o que viu, ouviu e observou, numa linguagem clara e fluente. Seu relato nos transporta no tempo e no espaço, proporcionando-nos acompanhar suas descobertas, encantos e desencantos de uma cultura ainda pouco difundida nos meios brasileiros, mas que aos poucos foi se impregnando no nosso modo de vida. Miguel descreveu as cenas e os lugares que visitou com requintes de detalhes, que nos permite reconstituí-los com precisão.

Miguel Forte foi um arquiteto que honrou a profissão. Acumulou, como pouco profissionais, sessenta anos de dedicação e convivência com tudo que se relaciona ao mundo arquitetônico.

notas

1
N.E. – Segundo documentação encaminhada para a editoria Arquitextos pela arquiteta Fernanda Ciampaglia, filha do arquiteto Galiano Ciampaglia, o nome correto da sociedade é "Forte & Ciampaglia Ltda." e os projetos da Casa da avenida Brasil (1943), da Casa Luiz Forte (1952) e da Casa Enzo Segre (1951) são de autoria dos arquitetos Miguel Forte e Galiano Ciampaglia. Mesmo considerando que no artigo o nome da empresa está correto (apesar de incompleto) e que também está implícita a co-autoria, entendemos que tais informações complementam e qualificam o trabalho, em especial a datação dos projetos residenciais. Por fim, o editor de Arquitextos ressalta que o objetivo do presente artigo foi homenagear o arquiteto Miguel Forte, na ocasião recém-falecido, apresentando em linhas gerais sua trajetória profissional e a importância de sua obra. Sua sociedade e parceria com Galiano Ciampaglia é mencionada por três vezes ao longo do artigo, assim como diversas outras participações conjuntas com outros arquitetos. A menção a tais parcerias, que implica em co-autorias, é feita de forma consistente e adequada, como é de se esperar de uma pesquisadora tão séria e conceituada como Mônica Junqueira de Camargo. O avanço recente das pesquisas sobre esta geração de arquitetos tem trazido à luz novas informações e maior precisão sobre os fatos históricos da arquitetura paulista dos anos 1940 e 1950, comprovando que a história se escreve permanentemente, com o acúmulo de dados levantados por diversos estudiosos [Abilio Guerra, São Paulo, 06 de dezembro de 2008].

sobre o autor

Mônica Junqueira de Camargo é arquiteta, professora da Pós-Graduação da FAU Mackenzie, e autora de "Joaquim Guedes", da Cosac & Naify

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