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Segre nos fala de uma possível emoção de Oscar Niemeyer ao presenciar o ato de posse do novo governo onde temos uma Praça dos Três Poderes abarrotada de gente e uma nota ao pé afirmando que “um dia o povo estará presente nesta praça”


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SEGRE, Roberto. Alvorada vermelha em Brasília. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 032.00, Vitruvius, jan. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.032/711/pt>.

Acostumados a festejar os quintos centenários nos últimos anos de transposição do milênio, poderíamos assumir o livro de Rem Koolhaas, Project on the City 2, dedicado ao “elogio do Shopping Center”, como homenagem à celebração do Elogio à loucura, de outro prestigioso holandês, Erasmo de Rotterdam, escrito em 1508 para denunciar as falsidades da “ciência” escolástica medieval. Mas assim como Erasmo estava certo em suas afirmações, hoje duvidamos do fim da cidade tradicional e de seus ícones arquitetônicos, substituídos pela oscilante obsolescência das dinâmicas estruturas comerciais, admiradas por Koolhaas. Felizmente, a perenidade dos símbolos não tem sido trocada pela futilidade do hardboard e dos painéis de gesso. Uma vez mais, a identificação social com os monumentos – novos ou velhos – e os espaços históricos, ficou demonstrada pelos festejos mundiais no início do novo ano: a multidão reunida na Praça Vermelha para escutar as badaladas de São Basílio; as do século XV, na Praça de Tianmen em Pequim; as de São Pedro em Roma. Um milhão de pessoas celebraram a festa no Time Square de Nova York; outras tantas na avenida Unter der Linden de Berlim; dois milhões assistiram aos fogos na praia de Copacabana; uma multidão se instalou à frente da Ópera de Sidney para escutar a Nona Sinfonia de Beethoven; 200 mil estiveram entre os Champs Elisées e a Torre Eiffel em Paris; 50 mil debaixo da Cúpula do Milênio de Rogers em Londres.

De todas as celebrações, a mais significativa foi a solenidade de posse da presidência em Brasília por Luiz Inácio Lula da Silva, líder e fundador do Partido dos Trabalhadores, ocorrida em primeiro de janeiro do 2003. Escolhido por 52 milhões de habitantes – de um total de 170 milhões –, constituiu a participação popular mais numerosa de uma eleição na história do Brasil, e quem sabe, uma das maiores do mundo. Este apoio maciço da população teve seu reflexo em Brasília. Fundada em 1960, nunca antes a capital havia abrigado 200 mil pessoas provenientes das regiões mais distantes do país – em particular do Nordeste, de onde é originário Lula –, que, com bandeiras e estandartes tingiram de vermelho o gramado e as águas do Eixo Monumental e da Praça dos Três Poderes, defronte ao Palácio do Planalto, ponto focal da cerimônia da entrega da faixa presidencial. Antes, apenas uma vez, em 1962, aconteceu uma transição democrática de um presidente eleito popularmente para outro – de Juscelino Kubitschek para Jânio Quadros –, sem que se recorde uma presença significativa de público. Ao contrário, foi imenso o desfile no Eixo Monumental, quando milhares de pessoas desfraldaram uma gigantesca bandeira brasileira para exigir o impeachement de Fernando Collor. Profundo contraste com o ocorrido agora, com a ondulante bandeira vermelha do PT aberta no piso da Praça dos Três Poderes, bem à frente do Palácio de Justiça, sobre a qual brincavam alegremente um enxame de crianças.

Cabe imaginar a emoção de Oscar Niemeyer ao presenciar este ato. Na época da ditadura militar, nos finais dos anos sessenta, quando não tinha permissão para trabalhar na capital federal, realizou um desenho que representava uma Praça dos Três Poderes abarrotada de gente, com uma nota ao pé afirmando que “um dia o povo estará presente nesta praça”. Finalmente aconteceu seu vaticínio. E também deve ter se emocionado ao escutar o breve discurso do presidente do Senado, Ramez Tebet, que fez referência ao nonagenário arquiteto – para ratificar sua insistência em submeter aos conteúdos sociais a arquitetura “feita com coragem e idealismo” –, lembrando sua persistente afirmação: “o importante é a vida e este mundo injusto que necessitamos melhorar”. Existe uma total identidade entre o pensamento de Niemeyer e a proposta inicial formulada por Lula. Ao ser interrogado pela Polícia Política durante a ditadura militar, perguntaram ao arquiteto “E vocês, o que pretendem?”. “O que pretendemos” – respondeu – “é mudar a sociedade”. E a primeira frase do discurso de Lula foi: “o grande desejo do Brasil é a mudança”.

Reiteradamente questionamos os grandes vazios de Brasília, a excessiva monumentalidade do Eixo e da Praça e o prolongado silêncio popular nos espaços cerimoniais. Sem dúvida, ao assistir ao desenrolar deste ato, nos demos conta do antagonismo existente entre a monumentalidade acadêmica e aquela que desde os anos quarenta, defendiam Giedion, Sert e Legér, e que logo materializou Le Corbusier em Chandigarh, ainda que sem conseguir que o povo hindu usasse o centro cívico. Tanto Costa como Niemeyer conceberam o núcleo essencial de Brasília como o símbolo do encontro entre sociedade, democracia e modernidade. Isto foi vivenciado no breve discurso de Lula ao povo ali presente. Em primeiro lugar, recordando as cerimônias tradicionais diante dos acadêmicos edifícios públicos urbanos do século XIX, com as axialidades e simetrias reforçadas pelas formações militares em praças e avenidas; aqui, a transparência e ligeireza das fachadas de vidro e das rampas de acesso de finas lajes de concreto e mármore dos palácios governamentais, transformavam as formações lineares dos Dragões Imperiais que demarcavam o circuito do Presidente em um quase ballet moderno bauhausiano, de diminutas figuras suspensas no ar.

Também o pódio (“parlatório” ou “arengarium”) colocado defronte ao Palácio do Planalto, onde Lula fez seu discurso, refletia outra expressão da modernidade democrática: o pequeno volume elíptico revestido de mármore branco colocado assimetricamente, elevava discretamente o orador no espaço aberto onde se encontrava o público. No pódio se alojaram o Presidente e o Vice-presidente com suas respectivas esposas, o que retirou desta cena todos traços de individualismo e autoritarismo. Diferença notável da lembrança dos grandes líderes modernos, tanto no capitalismo como no socialismo, dirigindo-se solitários e distantes à multidão; ou rodeados de membros anciãos de politburos nacionais. Mesmo que tenha afirmado em certa ocasião que Brasília havia constituído um âmbito ideal para a ditadura militar, devido aos grandes vazios adequados à repressão policial, neste ato, com o povo presente congregado democraticamente diante dos brancos e etéreos edifícios, ficou demonstrada a validade da “nova monumentalidade” imaginada por Lúcio Costa no plano piloto da cidade.

Para nós que nos identificamos com os enunciados éticos e estéticos do Movimento Moderno, o discurso de Lula em Brasília, culminou um processo nacional iniciado com Getúlio Vargas – lembrado por seu apoio à renovação arquitetônica simbolizada pelo Ministério da Educação e Saúde, de Costa, Niemeyer e equipe, auxiliados por Le Corbusier –; e continuado por Juscelino Kubitschek com a fundação da nova capital. Surgiu assim uma arquitetura e um urbanismo inéditos, de formas e espaços belos, que deveriam simbolizar um novo Brasil, moderno, democrático, sincrético, fusionando os divergentes interesses contidos na dimensão continental do país. Sem dúvida, desde seu inicio, o ícone urbano havia sido apartado de seu verdadeiro conteúdo por duas décadas, a partir dos governos militares iniciados em 1964. Sem dúvida, os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso constituíram um avanço na estabilidade democrática e econômica do país; resgatou a imagem progressista de Brasília, morou com prazer e alegria no Palácio da Alvorada; mas na realidade, continuou representando os interesses das elites nacionais mais do que as ansiedades e esperanças da maioria da população. Tampouco o poder central cumpriu iniciativas construtivas que mereçam ser recordadas. O Estado foi o grande ausente na arquitetura brasileira da última década.

Ao escutar as associações arquitetônicas de Lula, ao falar de “empreitada histórica” e de “mutirão cívico nacional” (“empreitada” e “mutirão” são atividades relacionadas à construção de habitações populares), percebemos que as formas e espaços de Brasília tinham encontrado finalmente seu verdadeiro conteúdo originário. Foi reafirmado seu simbolismo a nível nacional, até para os estratos mais modestos da população: não esqueçamos que Lula, ex-operário metalúrgico, sentiu na própria carne a miséria nordestina e a pobreza estética do subúrbio paulista. Agora, sente Brasília como um universo urbano que também lhe pertence, mesmo diante da recordação da humilde casa onde nasceu, e esperemos que consiga habitar na dimensão versalhesca do Alvorada. No primeiro discurso pronunciado pelo Presidente, ressurgiram os princípios que haviam dado origem à capital: o desejo de forjar o país do novo milênio; o amor ao novo; o amor à natureza; a humildade, a generosidade, a coragem, a ousadia; consolidar o sincretismo original; tolerar as diferenças e conseguir que a esperança vencesse o medo; são os componentes das formas e espaços democráticos das cidades que desejamos. Nesta nova missão, que convoca ao povo em seu conjunto, os arquitetos e urbanistas têm agora um papel fundamental a cumprir nos futuros quatro anos de governo. Não é casual que uma das primeiras medidas de Lula no Palácio do Planalto tenha sido criar o Ministério das Cidades, para ir transformando, sobre a base das mudanças sociais, econômicas e culturais, as urgentes melhorias do entorno físico e urbano que necessita o país. É a ilusão do regresso à sociabilidade dos espaços públicos frente à crescente segregação, assumindo a tradicional função da “festa” cívica, congregando cultura e participação popular; em contraposição ao frenesi consumista, individualista e fugaz dos shopping centers que nos impõe a globalização neoliberal.

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Roberto Segre é coordenador do PROURB/FAU/UFRJ

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