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architexts ISSN 1809-6298


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O autor, profissional do IPHAN, discute as dificuldades do desenvolvimento de uma política urbana que estabeleça como premissa básica a utilização adequada e equilibrada dos recursos naturais e socialmente justa do território


how to quote

BRITO, Marcelo. Pressupostos da reabilitação urbana de sítios históricos no contexto brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 033.01, Vitruvius, fev. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.033/705>.

Os novos desafios da preservação urbana das cidades

Vive-se no Brasil um momento de contestação dos modelos vigentes de atuação governamental, demarcados pelos resultados das urnas que elegeram um Programa de Governo com forte caráter social, emanado do desejo de mudança, o que está a exigir dos futuros governantes, criatividade e bom senso para promover as transformações necessárias e responder com diligência à sociedade, os seus reclamos e demandas, legítimas e urgentes.

O Brasil é urbano. Segundo dados recentes do IBGE (2), mais de 80% de sua população vive nas cidades. O quadro geral é de crise, materializada num território onde se expressa em graus variados:

  • baixa qualidade de vida urbana;
  • falta de sustentabilidade nos processos sociais, econômicos, ambientais, culturais e institucionais decorrentes das ações urbanas implementadas;
  • inadequados mecanismos e instrumentos de gestão urbana;
  • insuficiência e desarticulação de investimentos públicos e privados para o desenvolvimento urbano;
  • ineficiência nos serviços urbanos prestados aos cidadãos;
  • crescente agressão ambiental na relação entre os espaços construídos e naturais existentes; e
  • destruição e descaracterização do patrimônio edificado e urbanístico das cidades.

As dificuldades de desenvolvimento de uma política urbana que estabeleça como premissa básica a utilização adequada e equilibrada dos recursos naturais e socialmente justa do território, emerge como uma exigência, agora, mais que nunca, legitimada no recente processo eleitoral, como pressuposto a ser adotado e tornado realidade pelos gestores urbanos do país.

No caso dos sítios históricos localizados em áreas urbanas, a necessidade de inovar os processos de preservação do patrimônio cultural aliando-os aos do chamado desenvolvimento urbano das cidades é uma demanda que não pode mais ser postergada.

As estratégias a serem efetivamente adotadas para esse desenvolvimento urbano sustentável devem garantir o desenvolvimento territorial e sócio-econômico ecologicamente equilibrado e culturalmente diversificado.

A preservação de áreas urbanas degradadas de valor histórico-cultural tem sido foco de atenção, por parte dos agentes governamentais, nas experiências urbanísticas mais recentes no campo internacional. Estas experiências têm apresentado, segundo os seus contextos, uma gama de soluções bastante ampla, seja nos níveis e padrões de intervenção, seja nos modelos e estratégias de gestão adotados para enfrentar o problema da preservação sustentável do patrimônio cultural urbano.

No Brasil, apesar das tentativas realizadas ao longo das últimas três décadas, da busca de formas mais adequadas para a preservação desse patrimônio, reconhece-se, cada vez mais, a urgência quanto à articulação da política cultural às demais políticas setoriais que incidem sobre as cidades como as políticas de desenvolvimento urbano, do meio ambiente, da educação, do turismo, entre outras.

Com o advento do Estatuto da Cidade, novas exigências se evidenciam para os gestores públicos, diante dos diversos instrumentos passíveis, agora, de aplicação e as responsabilidades decorrentes, considerando a obrigatoriedade de elaboração de Planos Diretores Municipais e do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, assegurando a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, entre outras diretrizes.

Por outro lado, a presença cada vez maior de agências de fomento, especialmente de entidades bancárias e de promoção à pesquisa atuando no campo da preservação do patrimônio cultural, sinaliza o interesse, também, cada vez maior, de diferentes atores por respostas efetivas à preservação desse patrimônio associadas à melhoria da qualidade de vida daqueles que são, em última análise, os seus detentores.

As iniciativas já realizadas ou em curso no país, voltadas para a recuperação e revitalização de áreas urbanas degradadas com valor histórico-cultural agregado sinalizam a retomada de um processo de desenvolvimento urbano onde a preservação urbana deve ser considerada como um processo urbano relevante, considerados os investimentos que historicamente foram realizados em determinados setores da cidade e que não devem e não podem ser desprezados.

Território e cultura: binômio para a focalização e territorialização das políticas públicas

Boa parte dos problemas resultante da aplicação das políticas públicas deriva-se de problemas de gestão, entendida em seu sentido amplo.

O modelo tradicional de desenvolvimento urbano adotado no país, o qual privilegiou os processos de crescimento, adensamento e renovação urbanos, entrou em colapso, dado o quadro urbano encontrado nas cidades brasileiras. Em função disto, em muitas áreas centrais, de valor histórico-cultural, o patrimônio edificado e urbanístico existente foi objeto de intervenções muitas das vezes nefastas à sua integridade, incorrendo em sua destruição e descaracterização. Graças à ação estatal de proteção e tutela desses espaços urbanos, muito desse patrimônio cultural encontra-se preservado, porém necessitando ser requalificado e reinserido no contexto urbano atual, a fim de que essas áreas se tornem novamente competitivas em relação ao resto da cidade e cumpram um papel social importante para o funcionamento e coesão urbanos.

A necessidade de rompimento da visão setorial das políticas públicas que tratam do urbano sem (re)conhecê-lo em sua globalidade e ao mesmo tempo em sua particularidade pelos aspectos culturais que possui está a exigir novos modelos de preservação do patrimônio cultural das cidades.

Não se pode mais tratar institucionalmente política urbana como a conjunção apenas das áreas de habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

Por outro lado, a política de preservação do patrimônio cultural não pode mais desconsiderar as demais lógicas de interferem na produção da cidade, no seu desenvolvimento e no seu funcionamento.

Esses novos modelos de preservação do patrimônio cultural, aliados ao chamado desenvolvimento urbano devem estabelecer:

  • uma perspectiva integrada da ação de preservação urbana, articulando linhas de atuação que, tradicionalmente setoriais, possam estabelecer pontos de interseção e procedimentos convergentes, dotando-lhe maior eficácia;
  • uma focalização dos investimentos e iniciativas públicas e privadas em sítios históricos urbanos degradados preferenciais, diante da necessidade de priorização e alocação estratégica dos recursos disponíveis; e
  • uma interação físico-espacial dessas áreas urbanas objeto de intervenção ao resto da cidade, (re)conhecendo suas especificidades no contexto urbano, de modo a propiciar o seu tratamento particularizado e evitar o tratamento homogêneo para áreas urbanas que são, em si, diversas e com valores agregados díspares, em função de seus contextos culturais, ambientais, sociais e econômicos distintos.

Diante disto, pressupõe-se que esforços de coordenação até então não atingidos em função da inexistência de mecanismos de gestão apropriados para essa finalidade, considerando a articulação entre Estado e Sociedade e dentro do Estado, em suas diversas esferas político-administrativas e áreas de política setorial, está a exigir a criação de Câmaras Multisetoriais de Política Pública – CMPPs. Aliás, aspecto importante que pode ser constatado, diante da difícil operacionalização dos Programas Multisetoriais existentes no Plano Plurianual de Governo – PPA, em vigência, face à inexistência de espaços institucionais e fóruns que assegurem a devida articulação e integração de ações setoriais do Governo.

No caso em questão, considerando, ainda, a aplicação dos instrumentos operacionais disponíveis, que com o Estatuto da Cidade, podem propiciar novas negociações urbanas, está a exigir a criação de uma Câmara da Reabilitação Urbana, voltada para a preservação urbana dos sítios históricos das cidades.

A focalização e a territorialização das políticas públicas no tratamento do binômio Território e Cultura é uma necessidade e no que se refere às questões do patrimônio cultural é uma meta a ser atingida, enquanto vetor para a transformação do quadro urbano atual nas áreas centrais das cidades, notadamente naquelas áreas protegidas em função de seu valor histórico-cultural.

Conforme recente estudo do IPEA (3) sobre os gastos culturais dos três níveis de governo e a descentralização, é fundamental reconhecer que os sistemas de financiamento da cultura têm sido reorganizados e que os municípios brasileiros têm desenvolvido um grande esforço, ainda que extremamente assimétrico, de ampliar a sua participação no financiamento da cultura.

No Governo Federal, os instrumentos de incentivo à cultura como o Fundo Nacional de Cultura e o Mecenato Cultural devem ser reorientados, de modo a se constituírem em efetivos instrumentos de indução das políticas públicas de cultura, orientando a aplicação de recursos em áreas prioritárias, desconcentrando territorialmente os investimentos e incentivando temas relevantes para apoio governamental.

No Brasil, dado o seu caráter heterogêneo e de se constituir em um território e em uma sociedade profundamente desigual, o papel desses instrumentos de incentivo adquire importância crucial, não devendo estar submetido aos meros interesses do mercado, os quais atendem a demandas de outra ordem.

É dentro deste quadro que a política de preservação urbana deve proporcionar condições para assegurar a necessidade de desenvolvimento territorial diferenciado da cidade, pelos diversos atores sociais e econômicos e agentes governamentais, considerando os seus contextos físico-ambientais, sócio-econômicos e culturais.

Essa política deve, portanto, propiciar o alcance de padrões adequados de habitat para cada contexto territorial que compõe a cidade, reconhecendo sua diversidade e, no caso de seus sítios históricos, torná-los mais competitivos e, portanto, mais atrativos para a realização com eficácia das funções urbanas e territoriais que pode exercer em seu interior e em sua área de influência imediata.

Em última instância, essa focalização e territorialização propostas residem em conferir maior grau de governabilidade aos gestores urbanos e do patrimônio cultural, especialmente naqueles tecidos urbanos disfuncionais e degradados físico-socialmente, como, em geral, ocorre com os sítios históricos do país.

A reabilitação urbana dos sítios históricos como política de preservação urbana

A reabilitação urbana como política para a preservação de sítios históricos protegidos é uma política recente que vem sendo adotada pelo Governo Federal.

Como conceito, expressa e conjuga um conjunto de ações estratégicas de gestão urbana que visa a requalificação das áreas onde atua, mediante intervenções diversas destinadas a valorizar as potencialidades sócio-econômicas e funcionais dessas áreas para melhorar as condições de vida das populações residentes. Constitui-se, em síntese, em uma série de procedimentos, apoiados em um tripé básico, qual seja, o da recuperação física, associado à revitalização funcional urbana e à melhoria da gestão local.

Como política de preservação urbana, ainda que possa parecer um problema apenas de ordem cultural, é, na realidade, também um problema de economia urbana e, conseqüentemente, um problema político-social.

Adotar medidas visando intervir nos sítios históricos das cidades, em geral, áreas centrais degradadas física e socialmente e possuidoras de atividades produtivas em decadência ou de pouca vitalidade, tende a adquirir um papel cada vez mais importante na gestão urbana das cidades e do seu patrimônio cultural, enquanto medidas inerentes à implementação de políticas sociais inclusivas. A isto, desde que não busque tão somente resolver problemas de deterioração e abandono de edifícios de maior ou menor valor arquitetônico, mas persiga uma melhor gestão do espaço urbano disponível e dos recursos urbanísticos existentes, como infra-estrutura, rede viária, equipamentos coletivos etc. Também se aplica quanto à utilização mais racional de um escasso recurso como é o solo urbano e do estoque habitacional deteriorado ora subtilizado ora transformado em cortiços insalubres.

Nesse processo de reabilitação urbana, as referências culturais locais devem, também, ser consideradas variáveis determinantes para o estabelecimento de iniciativas de reanimação cultural dessas áreas, visto que o sítio histórico deve ser compreendido em sua vertente tanto física quanto sócio-cultural e econômica.

Outrossim, os estudos e pesquisas de arqueologia histórica dessas áreas urbanas devem ser incentivados enquanto fatores importantes para a orientação dos projetos urbanos a serem desenvolvidos, dentro de um processo de reconhecimento e de valorização da memória urbana da cidade.

Assim, investimentos que historicamente foram se acumulando nesses setores da cidade não podem ser desprezados em detrimento da conformação de novas áreas urbanas, freqüentemente, geradoras de deseconomias urbanas vinculadas, entre outros aspectos, a problemas ligados aos sistemas de infra-estrutura urbana e aos serviços públicos como transportes.

O fato de essas áreas coincidir, em grande parte, com as chamadas "áreas históricas" das cidades, faz com que se confira uma atenção especial para o tratamento desses setores urbanos. Neste caso, este "diferencial" dever se constituir como elemento propulsor e motivador para a sua dinamização urbana, atraindo atividades e investimentos do setor público, privado e cooperativo, associados aos valores urbanos e culturais adquiridos historicamente, agregando-lhe novos valores.

Desta forma, aliadas aos processos de intervenção física desses setores urbanos, iniciativas voltadas para a revitalização urbana se fazem necessárias para garantir a sustentabilidade desses processos de intervenção física e dos investimentos que venham a ser realizados nesses locais.

Neste sentido, faz-se, ainda, necessário o fomento à implantação de atividades diversificadas, propiciando multifuncionalidade urbana ao setor.

A promoção da capacidade instalada na área, enfocada na gestão local e nos destinatários finais das ações propostas, atores participantes determinantes, é outro aspecto importante. Essas ações de fortalecimento institucional devem buscar o incremento da capacidade de coordenação, planejamento e execução das ações, promovendo o desenvolvimento institucional e a melhoria da gestão local.

Por outro lado, ações voltadas para a formação técnica geradora de negócios e empreendimentos no local e, portanto, geradora de emprego e renda, igualmente são necessárias, visto que dinamizam as atividades funcionais urbanas desses sítios históricos, revitalizando-os desde o ponto de vista econômico, social e cultural.

A integração dessas áreas urbanas ao resto da cidade, reconhecendo os seus valores, sejam culturais como econômicos, é um princípio a ser adotado nesse processo conjugado de recuperação física e de revitalização sócio-cultural e econômica dessas áreas.

Assim, essas áreas urbanas, não mais entendidas apenas como um conjunto de monumentos, mas um tecido urbano e social, devem, para além de bens culturais, ser valorados como bens sócio-econômicos das cidades.

Isto, pela sua potencialidade urbanística frente aos investimentos que ao longo da história urbana das cidades foram realizados e que, portanto, devem ser considerados e reaproveitados pelo seu papel funcional urbano, enquanto núcleos que potencialmente agregam atividades econômicas, sociais e culturais relevantes para as cidades em seu conjunto e, portanto, para o seu desenvolvimento local.

Do ponto de vista do patrimônio edificado, como já ocorre em vários países europeus, a reabilitação é uma intervenção que deve ser fomentada pelo Governo, a ser estabelecida segundo regimes próprios, conforme a natureza e o destinatário do empreendimento e o tipo de empreendedor, com condições de financiamento específicas, podendo resultar nos seguintes regimes:

  • Reabilitação livre: reabilitação promovida pelo mercado para o mercado, ou seja, o promotor reabilita o imóvel para sua posterior venda ou arrendamento a preços de mercado. Constitui-se, portanto, em uma operação de mercado e deve ser tratada como tal, ou seja, com os instrumentos financeiros de incentivo compatíveis.
  • Reabilitação protegida de iniciativa pública: reabilitação promovida pelo Estado, de Interesse Público ou de caráter social, destinada a bens próprios e/ou setores populacionais desfavorecidos, de Baixa Renda. Neste caso, o promotor público reabilita o imóvel para o seu próprio uso (de natureza institucional) ou de terceiros (de natureza pública e/ou coletiva) ou para a manutenção de seus atuais ocupantes, seja por meio da legislação de arrendamento em vigor, seja por sua venda preferencial aos atuais ocupantes a preços compatíveis e subsidiados.
  • Reabilitação protegida de iniciativa privada: reabilitação promovida pelo mercado, de Iniciativa Privada, porém de caráter social, destinada a bens próprios e/ou setores desfavorecidos, de média a baixa renda. Neste caso, o promotor privado (Pessoa Física ou Jurídica de Direito Privado) reabilita o imóvel para a manutenção de seus atuais ocupantes (arrendatários), seja por meio da legislação de arrendamento em vigor, seja por sua venda preferencial aos atuais ocupantes a preços compatíveis e subsidiados.

Pressupostos da reabilitação urbana de sítios históricos no Brasil: demandas e possibilidades

Em recente encontro, realizado em Olinda, de cidades Patrimônio Mundial, promovido pela UNESCO e Caixa Econômica Federal e que contou com o apoio técnico do IPHAN, pôde ser constatada e confrontada uma série de dificuldades e carências, tanto específicas de cada caso, quanto comuns ao conjunto dessas cidades, possibilitando uma avaliação do estágio de desenvolvimento das ações ligadas à preservação do patrimônio cultural no âmbito da sua gestão urbana.

Como resultado, puderam ser destacadas (4), ainda que sumariamente e passíveis de serem relativizadas, quatro situações-padrão, diferenciadas entre si e replicáveis a outros casos, que evidenciam os diversos estágios de amadurecimento da relação patrimônio cultural/gestão urbana, os quais indicam estratégias próprias de participação dos atores sociais e suas alianças para cumprir objetivos de desenvolvimento local e de preservação do patrimônio cultural.

No primeiro caso, a consciência do patrimônio aparece como elemento de base para o desenvolvimento local e se observa a mobilização de diversos atores para a proteção desse patrimônio e para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento. Nesta situação, os exemplos que mais se aproximam são os casos das cidades de Diamantina/MG, Goiás/GO e, em certa medida, São Miguel das Missões/RS.

No segundo caso, o patrimônio aparece na estratégia de desenvolvimento local, mas essa idéia ainda não está amplamente disseminada entre os diferentes atores. Como conseqüência, existem alianças pouco desenvolvidas, com participação restrita desses atores. Nesta situação, os exemplos que melhor se enquadram são os das cidades de São Luís/MA, Salvador/BA e Brasília/DF.

No terceiro caso, o patrimônio ainda não é claramente reconhecido como elemento de desenvolvimento. Ou seja, não foi ainda consolidada uma ampla aliança, relativa ao binômio desenvolvimento urbano/preservação do patrimônio cultural, embora exista forte consciência coletiva da importância do patrimônio. O caso típico identificado nesta situação é o da cidade de Olinda/PE.

E, por último, no quarto caso, não foi implementada ainda uma estratégia de desenvolvimento local baseada na preservação do patrimônio cultural. O patrimônio não é, portanto, tratado como um efetivo recurso para o próprio desenvolvimento local. A consciência preservacionista ainda é um trabalho a ser desenvolvido, de modo amplo, no município. Contudo, esta postura começa a se transformar entre os técnicos municipais envolvidos com a questão, com apoio do IPHAN, preocupados com a integridade e a sobrevivência do seu patrimônio cultural. Os exemplos que mais se aproximam desta situação são os das cidades de Ouro Preto/MG e Congonhas/MG.

Cabe ainda, ressaltar algumas questões apresentadas que demonstram as preocupações existentes, hoje, diante dos imensos desafios que tantos os gestores urbanos quanto os gestores do patrimônio cultural estão submetidos. São elas:

As estruturas administrativas locais são diferenciadas quanto à sua capacidade de atuação, tanto do ponto de vista da gestão urbana, quanto da proteção do patrimônio cultural.

Neste caso, a necessidade de desenvolver mecanismos de gestão voltados para a articulação e para o compartilhamento de responsabilidades, tanto entre as instituições locais quanto entre as diferentes esferas de governo, adaptados às características de cada município é uma exigência premente. O caso das Comissões Gestoras Locais implantadas e em funcionamento nas cidades que aderiram ao Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos – URBIS, envolvendo representantes de organismos municipais, estaduais e federais e da sociedade civil organizada é um exemplo.

Os recursos técnicos e operacionais disponibilizados pelo IPHAN nas suas unidades locais – Superintendências Regionais, Sub-Regionais e Escritórios Técnicos – não têm sido suficientes para promover de modo concertado o binômio desenvolvimento urbano/preservação do patrimônio cultural, principalmente devido à necessidade de sistematização do conhecimento acumulado e de sua aplicação estratégica no processo de gestão desse patrimônio.

Neste caso, medidas básicas e emergenciais necessitam ser adotadas visando mitigar os problemas decorrentes dessa situação, tais como a elaboração de normas subsidiárias de gestão, derivadas e resultantes do conhecimento acumulado que o IPHAN possui das cidades onde atua em função do tombamento federal, recolhendo, organizando e sistematizando as informações produzidas e das orientações estabelecidas e aplicadas a cada local.

Isto inclui, em especial, a realização de estudos de delimitação de poligonais de proteção referentes a tombamento e entorno das áreas urbanas de valor histórico-cultural de interesse para a preservação urbana de 82 (oitenta de duas) cidades brasileiras, situação que abrange cerca de 47% do universo de 105 (cento e cinco) sítios históricos urbanos do país.

Por outro lado, já em caráter prospectivo, é fundamental a promoção de instrumentos de gestão compartilhada para a formulação e implementação de políticas de proteção de sítios históricos, a fim de promover ações corretivas, de efeitos imediatos, com visão pautada na relação passado/presente, como também, promover uma ação preventiva, de longo alcance, com visão de futuro. Trata-se, no caso, do instrumento denominado Plano de Preservação de Sítio Histórico, que ora se encontra em processo de aplicação pelas cidades que aderiram ao Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos – URBIS, que, se espera, possa vir a ser desenvolvido nas demais cidades tombadas. Ainda, nessa linha, a produção sistemática dos inventários desenvolvidos no IPHAN referentes a sítios urbanos, bens imóveis e referências culturais, é fundamental em suporte ao exposto anteriormente, visto que, trata-se de um esforço orientado para o exercício de produção de conhecimento exigido para o estabelecimento, em conjunto com outras informações, de orientações adequadas para o gerenciamento dos sítios históricos.

Os sítios históricos, em geral, têm sido tratados de forma isolada, no interior das propostas de desenvolvimento local. Daí faz-se necessário integrá-los à dinâmica de desenvolvimento, tanto do ponto de vista físico-territorial quanto econômico-social.

Neste caso, é imprescindível que os Planos Diretores Municipais expressem claramente diretrizes de preservação urbana de suas áreas de interesse cultural, bem como assegurem os meios necessários para tornar efetivas essas diretrizes, conforme estabelece o Estatuto da Cidade.

É necessário o aprofundamento das questões que dizem respeito à relação desenvolvimento urbano/preservação do patrimônio cultural e entre os aspectos materiais e imateriais que correspondem ao patrimônio cultural nas ações de desenvolvimento local.

Neste caso, trata-se de superar não apenas a visão setorial que tem orientado as práticas institucionais de órgãos públicos que atuam nessas matérias, mas de incluir a dimensão social em sua vertente cultural como variável para o estabelecimento dos padrões urbanísticos e de ações de fomento que definem, em última instância, modos de viver, de ser e fazer.

Observa-se uma falta recorrente de ações sistemáticas de monitoramento e controle urbano, especialmente quanto à fiscalização da aplicação das normas locais respectivas, apesar da reconhecida existência de um aparato legal de regulamentação dessas atividades.

Neste caso, é evidente que esforços voltados para o aprimoramento contínuo do aparato legal existente é oportuno, como também deve ser sistemático, já que normativas de natureza urbanística, de per si, são temporais e carecem, portanto, de reavaliação periódica. Por outro lado, para uma aplicação eficaz e eficiente dessas normas, procedimentos de gestão da tutela dessas áreas necessitam ser compartilhados, de modo a reorganizar e reordenar as ações de monitoramento e controle urbano.

Por fim, o aparato legal de proteção ao patrimônio cultural deve ser ampliado e integrado, entre as diversas instâncias reguladoras. No nível federal, é evidente a necessidade de desenvolvimento de regulamentação, de caráter complementar ao Decreto-Lei nº 25/37, voltada para a gestão de sítios históricos urbanos, à luz do que existe em países de mesma órbita cultural à brasileira, como são os casos de Portugal, Espanha, Itália e França.

Neste caso, fica claro, diante da situação em que se encontram muitas das cidades brasileiras consideradas Patrimônio Nacional, e em especial aquelas consideradas Patrimônio Mundial, da urgência do estabelecimento de aparato legal que discipline:

  • a gestão de sítios históricos urbanos e a sua reabilitação, definindo esse objeto.
  • a reabilitação de imóveis para usos residencial, comercial, de serviços e de outra natureza, os requisitos e condições necessárias para atendimento e os critérios para reabilitação preferencial.
  • os regimes gerais de proteção para a reabilitação, os benefícios aplicáveis, os subsídios destinados segundo a renda do beneficiário, o tipo de intervenção e o valor cultural do imóvel, os financiamentos e suas condições e os incentivos fiscais aplicáveis.
  • os instrumentos de gestão aplicáveis e compulsórios, os procedimentos correspondentes e sua tramitação e publicidade
  • os mecanismos de gestão adotáveis e compulsórios, os procedimentos correspondentes e seu funcionamento e controle administrativo e social.

Aliado a esse instrumento a ser objeto de formulação e regulamentação, aqueles instrumentos, instituídos no Estatuto da Cidade, podem ser extremamente importantes em auxílio à gestão desse patrimônio protegido dentro de uma perspectiva urbanística.

O Estatuto da Cidade em sua doutrina preconiza, entre outros aspectos:

  • uma atuação do poder público dirigida às necessidades dos cidadãos, buscando o bem-estar coletivo e a justiça social, reiterando a preponderância que o interesse coletivo deve ter sobre o interesse privado e particular;
  • uma justa distribuição do benefícios e dos ônus decorrentes do processo de desenvolvimento urbano, do qual se depreende que a reabilitação urbana é um processo inerente a esse desenvolvimento e deve ser considerada com tal;
  • a recuperação da valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos em infra-estrutura social e física, ressaltando que os investimentos produzidos ao longo da história da cidade devem ser considerados nas iniciativas de desenvolvimento urbano, evitando iniciativas que menosprezem tais investimentos, as quais se configuram como verdadeiras irracionalidades na gestão pública.

A aplicação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), portanto, é pertinente por propiciar a construção de um outro modelo de planejamento e gestão, podendo permitir que a preservação seja, de fato, tratada como uma forma de desenvolvimento e não o que tradicionalmente tem ocorrido com a falsa visão, e porque não dizer, falso dilema entre preservação e desenvolvimento, como se fossem coisas antagônicas.

Ele possui, desta forma, no seu bojo, uma intenção educativa de mudança de mentalidade sobre que tipo de desenvolvimento a sociedade pode alcançar e de que modo ele pode ser alcançado.

Para além das questões como a gestão democrática da cidade, a sustentabilidade ampliada, entendida nas suas dimensões ambiental, social, cultural, econômica e institucional, entre outros princípios, inerentes ao Estatuto, cabe destacar aqui, ainda que de forma incipiente, como os instrumentos nele regulamentados de competência do poder público municipal podem ter aplicação com vistas à preservação urbana de sítios históricos.

No caso dos instrumentos de indução do desenvolvimento urbano, tem-se:

Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (arts. 5º e 6º):

Para os sítios históricos tombados, esse instrumento carece de parcimônia na sua aplicação, visto que pode não ser de interesse público, na perspectiva da preservação urbana, a promoção de ações de adensamento dessas áreas, seja do ponto de vista construtivo, seja do ponto de vista funcional e, mesmo, populacional.

Neste caso, estudos relacionados ao instrumento em aplicação pelo IPHAN denominado Plano de Preservação de Sítio Histórico, que prevê, do ponto de vista normativo, entre outros, o estabelecimento de um Plano de Massas da área urbana afetada, pode sinalizar concretamente em qual medida esse instrumento é aplicável.

Sua aplicação pode ver viável e oportuna quando se pretenda, num processo de reabilitação urbana da área, ampliar a oferta de imóveis no mercado imobiliário e promover a ocupação e o uso de imóveis em situação de abandono, especialmente no caso daqueles que venham a ter uso habitacional.

Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo (art. 7º):

A ociosidade e o mau aproveitamento de terrenos acarretando em prejuízos para a coletividade que utiliza e vive nos sítios históricos pode ser um aspecto a respaldar a aplicação desse instrumento, associado ao anterior, pelo não atendimento, quando assim for constatada, em função de estudos específicos, a pertinência e oportunidade de sua aplicação.

No entanto, a aplicação efetiva desse instrumento está associada à existência na administração municipal de adequado sistema de cobrança e de um cadastro imobiliário atualizado. Neste aspecto, os inventários de bens imóveis – INBI, por exemplo, pode se constituir em uma fonte de dados importante.

Desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública (art. 8º):

Aplica-se este instrumento no caso daqueles proprietários de imóveis que, por motivo injustificado, não atendam às determinações estabelecidas pela administração local quanto ao cumprimento da obrigação de parcelamento, edificação ou utilização do imóvel e após decorridos 05 (cinco) anos de cobrança de IPTU progressivo no tempo. Isto poderia ser uma estratégica medida de persuasão junto a proprietários solventes irredutíveis para enfrentar a chamada “ruína programada” em imóveis em áreas históricas degradadas. Reconhece-se, entretanto, que sua utilização só deve ser feita por ineficácia da aplicação dos instrumentos anteriores e que sua efetivação depende de procedimentos que podem ser morosos, como pode vir a ser a aprovação pelo Senado Federal da respectiva emissão de títulos da dívida pública.

Usucapião especial de imóvel urbano (arts. 9º a 14):

Sua aplicação pode ser feita nos casos de regularização fundiária de cortiços existentes em imóveis em áreas de interesse de preservação, o que poderá facilitar a promoção de iniciativas de melhoria das condições habitacionais das populações neles residentes, diante da inclusão social desses contingentes no sistema formal de crédito e de subsídio governamental decorrentes de políticas sociais de acesso à moradia.

Direito de Superfície (arts. 21 a 24):

Em princípio, compreende-se que esse instrumento pode ser considerado de aplicação restrita no caso dos sítios históricos, visto se tratar de áreas em geral de ocupação construtiva considerável, e qualquer iniciativa deste tipo deve estar vinculada às disposições que a legislação urbanística em vigor estabeleça para a área. Sua aplicação, se for o caso, deve ser criteriosa, podendo, entretanto, estar associada a iniciativas planejadas de revitalização funcional de imóveis que venham a ser objeto de promoção privada, sob a supervisão do poder público

Direito de Preempção (arts. 25 a 27):

A preferência para a alienação de imóveis conferida ao poder público, no caso, de bens imóveis tombados em nível federal, já é contemplada na legislação pertinente, ou seja, no Decreto-Lei nº 25/37, art. 22. Neste caso, tal dispositivo confere ao poder público municipal a condição de usufruir desse direito, desde que estabelecidas previamente em lei municipal as áreas onde incidirá a preempção. Não fica claro, no Estatuto, se esse direito de preferência, respaldado pela destinação especial e de interesse coletivo que os imóveis venham a ter, possibilite que sua alienação se dê em moldes diferenciados do mercado, haja vista a necessidade de disponibilidade por parte do poder público municipal de recursos financeiros públicos para a aquisição preferencial de imóveis.

Outorga onerosa do direito de construir (arts. 28 a 31):

A possibilidade de o município estabelecer relação entre a área edificável e a área do terreno, a partir da qual a autorização para construir passaria a ser concedida de forma onerosa parece ser de pouca aplicabilidade no caso dos sítios históricos, pela constatação óbvia de que não basta apenas o interesse particular do proprietário em aceder, de modo oneroso, a um excedente construtivo, mas que as faculdades do direito de construir e da alteração de uso, que se relacionam com o instrumento em questão, estejam devidamente fixados territorialmente no Plano Diretor Municipal e, portanto, gerenciados pelo poder público local.

Sua aplicabilidade, na realidade, pode ser mais bem compreendida quando dirigida a outros setores urbanos da cidade, passíveis de adensamento e de incremento edificatório e os recursos provenientes das operações decorrentes dessa outorga onerosa possam efetivamente beneficiar áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico, entre outras aplicações, sempre a depender das condições estabelecidas as quais deverão estar discriminadas em lei municipal específica.

Transferência do Direito de Construir (art. 35):

Sua aplicabilidade parece ser mais efetiva quando se trata de sítios históricos inseridos em grandes e médios centros urbanos, com dinâmica econômica que possibilite estabelecer áreas para a transferência desse direito de construir. No caso dos pequenos núcleos urbanos, de pouca dinâmica econômica, não se verifica pertinência em sua aplicação. Entretanto, de qualquer forma, sua aplicação dependerá das previsões estabelecidas no Plano Diretor Municipal ou em legislação urbanística específica dele decorrente e no caso, quando se tratar de imóvel necessário para fins de preservação, ou seja, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural. O tombamento como instrumento de reconhecimento desse interesse, pode ser um avalista nessa negociação urbana. Exige, entretanto, capacidade instalada do poder público para exercer essa competência e gerenciar o processo decorrente. 

Operações Urbanas Consorciadas (arts. 32 a 34):

Sua aplicação depende de aprovação de lei específica, regulamentando as operações a serem realizadas mediante plano específico, de certa complexidade técnica e programática. Trata-se de instrumento que, em realidade, refere-se a uma série de iniciativas em escala urbana voltada para processos tanto de preservação quanto de renovação urbana. O instrumento permite a modificação de índices urbanísticos e características de parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como alterações nas normas edilícias, considerando o impacto delas decorrente. No caso dos sítios históricos tutelados, sua aplicação deve ser compatível com os pressupostos e diretrizes que venham a ser estabelecidos no Plano Diretor Municipal, o qual deve assegurar a preservação do patrimônio cultural urbano, como também na legislação de proteção ao patrimônio cultural incidente no local. 

Consórcio Imobiliário (art. 46):

Sua aplicação pode ser oportuna no processo de recuperação física de imóveis quando o proprietário não dispõe de meios financeiros para executar sozinho todas as intervenções necessárias. Neste caso, o proprietário transfere ao Poder Público Municipal seu imóvel, responsabilizando-se, este último, pela execução das obras correspondentes. Em contrapartida, o proprietário, após a conclusão das obras, recebe em troca unidades imobiliárias resultantes do empreendimento em valor proporcional ao valor do imóvel em seu estado anterior à intervenção. Contudo, percebe-se que esse instrumento demanda uma capacidade de investimento para esse tipo de empreendimento por parte da administração local, o que nem sempre ocorre. Há, por outro lado, iniciativas em curso, promovidas por entidades bancárias, independentemente da aplicação desse instrumento, que permitem tornar viáveis financeiramente empreendimentos desse tipo. Considera-se que tais iniciativas podem ser uma alternativa para enfrentar tamanho desafio, porém sua pertinência será positiva desde que não busque enquadrar o imóvel nas linhas de crédito existentes, mas ao contrário, caminhe no sentido de, reconhecendo as especificidades existentes nos imóveis localizados em áreas tombadas, estabeleçam linhas de financiamento compatíveis e adequadas à realidade desses imóveis e de seus usuários, considerando os aspectos formais da arquitetura existente, bem como os aspectos sócio-econômicos e culturais da população a ser beneficiada por esse tipo de iniciativa.

No caso dos instrumentos de democratização da gestão urbana, tem-se:

Estudo de Impacto de Vizinhança (arts 36 a 38):

Sua aplicabilidade está associada a um processo educativo em curso, na medida em que reforço o interesse coletivo sobre o interesse privado, em função da análise dos impactos que empreendimentos e atividades privadas ou públicas, definidos em lei municipal, poderão provocar nas áreas urbana onde são propostos. No caso específico dos sítios históricos, o INCEU – Inventário Nacional de Configuração dos Espaços Urbanos, desenvolvido pelo IPHAN, poderá ser um instrumento importante como forma de subsídio nas análises decorrentes da realização do EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança. No entanto, a utilização do INCEU para essa finalidade deverá ser objeto de avaliação mais precisa e, caso seja pertinente a sua utilização, deverá ser objeto de regulamentação para orientar, no caso do patrimônio cultural, as avaliações de impacto urbano, já que nos termos da legislação ambiental, o EIV não substitui o EIA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Plano Diretor Municipal (arts. 39 a 42):

Esse instrumento, na realidade, é integrado aos demais instrumentos regulamentados no Estatuto da Cidade, na medida em que já se encontra indicado no capítulo 182 da Constituição Federal referente à Política Urbana.

Sua eficácia, no caso, dependerá do grau de detalhamento que dedicar à questão da preservação do patrimônio cultural urbano. Na prática, em geral, os Planos Diretores remetem para regulamentação específica tal matéria, a ser estabelecida por instrumento complementar a ser posteriormente elaborado ou, noutro caso, reportam-se à legislação pertinente de preservação do patrimônio cultural, seja ela estadual ou federal.

Neste sentido, é que o Plano de Preservação de Sítio Histórico poderá se constituir como uma ferramenta imprescindível para o estabelecimento dessa regulamentação, que no caso, será comum aos diversos gestores públicos responsáveis pela matéria em suas respectivas esferas de governo.

Caberia, ainda, ressaltar a importância que as leis de incentivo à cultura podem ter na promoção de iniciativas de preservação urbana.

Como já mencionado, a utilização dos instrumentos de incentivo federal à cultura – FNC e Mecenato Cultural – Renúncia Fiscal – podem e devem cumprir um papel mais estratégico nas políticas de cultura e no caso específico do patrimônio cultural urbano se constituir como um instrumento de fomento e de negociação. De fomento, pela indução de políticas priorizadas para atendimento preferencial e de negociação, pela definição de quotas de participação no processo de investimento a ser realizado pelos diversos atores envolvidos.

Isto implica no estabelecimento de percentuais para investimento nas áreas prioritárias de atuação do Governo.

Por outro lado, estudos econômicos são necessários para que, caso seja viável e pertinente, se possa, junto à Comissão de Valores Mobiliários – CVM, solicitar autorização para funcionamento de um fundo aberto com prazo de duração indeterminado, a ser constituído em Assembléia Geral de quotistas, voltado para a promoção de ações de reabilitação urbana de sítios históricos, no âmbito dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART, estabelecendo a Caixa Econômica Federal ou outra instituição bancária competente como instituição administradora sob a supervisão direta do IPHAN e do Ministério da Cultura. Essas ações a serem promovidas corresponderiam, em princípio, no apoio a iniciativas de recuperação de edifícios culturais e revitalização de suas atividades, aperfeiçoando as suas instalações e incentivando as promoções culturais que neles pudessem ser realizadas. Para ampliar esse leque de ações, caberia reformular o art. 30 da Instrução Normativa nº 186/92 da CVM/Ministério da Fazenda, que se refere à aplicação dos recursos do FICART.

Por uma cultura urbanística do patrimônio

Por fim, visando promover e consolidar uma cultura urbanística do patrimônio, o IPHAN, dentre as ações que tem desenvolvido, tem proposto o estabelecimento de um novo modelo de gestão dos sítios históricos urbanos, que busque construir uma gestão compartilhada entre os diversos agentes envolvidos – esferas de governo em seus diversos níveis político-administrativos e sociedade civil organizada. Esse novo modelo está calcado na implementação de mecanismo e instrumento de gestão que promova esse compartilhamento, isto é, a implantação de Comissão Gestora Local e a formulação e implementação de Plano de Preservação de Sítio Histórico, para cada cidade com área tombada. Esse Plano de Preservação deve ter caráter complementar ao Plano Diretor da cidade onde essa área tombada se localiza.

Essa diretriz está sendo aplicada, no momento, nas cidades de Mariana/MG, Pirenópolis/GO, Sobral/CE e Laguna/SC, cidades Patrimônio Nacional contempladas pelo Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos – URBIS.

Somando-se, ainda, a essas diretrizes que estão sendo implementadas no país e que necessitam ter continuidade, dado o avanço alcançado em sua implementação, cabe ressaltar uma série de recomendações que devem fazer parte do rol de premissas que, espera-se, venham a ser assumidas pelo futuro Governo:

  • Promover a implantação em cada cidade com área tombada, de uma Comissão Gestora Local ou outro mecanismo de gestão assemelhado, voltado para a promoção de uma gestão compartilhada da área tombada.
  • Incentivar o desenvolvimento de Plano de Preservação de Sítio Histórico para cada área tombada, instrumento complementar ao Plano Diretor da cidade onde essa área tombada se localiza.
  • Formular e implementar Programa de Desenvolvimento Institucional das Cidades Patrimônio Mundial, prioritariamente, e das Cidades Patrimônio Nacional, em extensão a esse universo priorizado, voltado para a realização de ações de capacitação local em seus diversos níveis e vertentes, apoio ao desenvolvimento de projetos, ao monitoramento de custos da reabilitação, à melhoria da capacidade instalada para as tarefas de gestão urbana, em especial, das áreas protegidas de valor cultural e ambiental.
  • Revisão dos instrumentos federais de incentivo à cultura, incluindo a regulamentação do FICART, caso seja viável, para promover a reabilitação urbana de sítios históricos.
  • Promover a criação de um Fundo Nacional de Apoio à Preservação de Cidades Brasileiras Patrimônio Nacional e Mundial, à luz das iniciativas que vem sendo empreendidas por parlamentares e administrações municipais, a exemplo do Projeto de Lei Complementar nº 157, de 2000, do Deputado Eduardo Campos que cria a Reserva Especial do FPM – REPHAN para os Municípios que possuem acervo tombado pelo IPHAN.
  • Criar junto às agências de fomento, linhas de micro-crédito voltadas para a reabilitação de imóveis localizados em áreas de interesse para a preservação.
  • Promover a realização de campanhas de Educação Patrimonial nas cidades tombadas.
  • Criar um “Portal do Patrimônio” com informação geral sobre a gestão de sítios históricos urbanos, incluindo, por exemplo: instrumentos de trabalho, projetos, experiências bem sucedidas, legislações, fontes de financiamento, estudos, referências nacionais e internacionais etc, tornando essas informações acessíveis ao público.
  • Implantar a Câmara da Reabilitação Urbana no âmbito do Governo Federal.
  • Promover a criação do Fórum Nacional de Cidades Tombadas, a ser constituído por representantes do Estado e da Sociedade, a fim de que se reúna periodicamente para discutir assuntos de interesse comum. Como tema do primeiro encontro recomenda-se a questão do financiamento da preservação urbana.
  • Promover a formulação e Implementação de Projeto de Lei Complementar sobre a Gestão de Sítios Históricos Urbanos, disciplinando e estabelecendo os mecanismos e instrumentos necessários para essa gestão.

notas

1
Comunicação realizada no Seminário Internacional de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos, Brasília, 05 a 07 de dezembro de 2002.

2
Censo 2000. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

3
DA SILVA, Frederico A. Barbosa. Os Gastos Culturais dos três níveis de Governo e a Descentralização. Texto para discussão nº 876. Brasília, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, 2002.

4
A partir de Síntese apresentada pelo CECI/UFPE e discutida no respectivo seminário.

sobre o autor

Marcelo Brito é arquiteto, doutor em Gestão Urbana pela Universidade Politécnica da Catalunha, Barcelona, Espanha, Coordenador Técnico de Gestão Urbana do Departamento de Proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Coordenador Nacional do Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos – URBIS, no IPHAN

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