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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O autor discute o trabalho perseverante e a singularíssima trajetória do grupo fundado em 1950 pelo arquiteto chileno Alberto Cruz e pelo poeta argentino Godofredo Iommi


how to quote

TEIXEIRA, Carlos M. Cooperativa Ciudad Abierta, Chile. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 034.01, Vitruvius, mar. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.034/698>.

Origem = Poesia + Geração = Profissão Arquitetônica, Obra de Arquitetura.

Assim o grupo fundado em 1950 pelo arquiteto chileno Alberto Cruz e pelo poeta argentino Godofredo Iommi equaciona seu trabalho de perseverante e singularíssima trajetória de mais de quarenta anos.

“Sermos de origem americana – sul-americana – significa estarmos em um constante estado de formação: desenvolvendo-nos, vivemos em uma tradição que nasce por plasmar constantemente a idéia que informa seu próprio desenvolvimento”.

De acordo com o grupo, a tradição nativa, por si própria, não pode ser tomada como o caráter dominante da cultura latino-americana. Assumindo que a nossa é uma cultura de transformação da cultura européia, o grupo de Valparaíso empreendeu um longo estudo geográfico dessa transformação, usando documentos das expedições dos colonizadores – da Conquista –, e mapeou todos os assentamentos e as representações cartográficas do Novo Mundo.

A resposta do grupo quanto à identidade latino-americana tomou forma no projeto “Amereida”, que combinava a escrita em grupo de um poema (o nome Amereida se refere ao Aeneid) e uma jornada ao longo do continente. A viagem, anunciada no The Times como “uma expedição internacional de poetas e outros”, começou pela Terra do Fogo, bissetriz entre os oceanos Pacífico e Atlântico, e avançou rumo ao norte pelo interior do continente. Este, designado como “mar interior” por sua quase ausência de ocupação, é então considerado o mistério da emergência da América no mundo moderno. A meta final é Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, declarada a capital poética da América. Durante a viagem, uma série de atos poéticos vai se acumulando, incluindo conferências e a realização de obras de arte in situ criadas a partir dos mais variados materiais.

É iniciado então o épico processo de continuação da colonização da América, uma recolonização com propósitos ora antagônicos ora similares ao do colonizador europeu: “Vocês sabem que o rei da Espanha não poderia começar senão desde o início, por isso México e Cuzco foram apagadas, porque um rei, um imperador, para construir seu império não ergue pedras a partir do que já fizeram outros reis. É o início, a liberdade do início, ou a liberdade do reinício. É a liberdade de começar desde o zero, ou a liberdade de começar desde um ou a liberdade de começar desde cem. Quantidade. Gravitacionalidade. Inclusão. Início. Livres... livres”.

Longe de ser a caricatura do Velho Mundo ou a modernidade-Frankstein criada pela mãe Europa, a América é um presente: “Um presente que aparece porque irrompe (...). Irrompe e tem que ser aceito e, para tanto, modificado. O que a poesia de Amereida faz é o canto à memória original”. Desde a noção das Índias até o lugar geográfico do “paraíso terrestre”, é incontestável que a América constituiu uma erupção, um mundo novo e inesperado: “Colombo nunca veio à América, ele procurava as Índias. (...) O que significa sermos despertados pela doação? Nada mais e nada menos que cobrar consciência de que a identidade dos americanos é aquela de aceitar viver e constituir o mundo como presente”.

¿quién sino ella dice de un orígen pues sólo poeticamente se aparece?
un día nos hablaron las voces en el íntimo destierro
¿qué origen?
colónnunca vino a américa
buscava las índias
en medio de su afán
esta tierrairrumpe em regalo
mero
el regalo
surge
contrariando intentos
ajeno a laesperanza
trae consigo
su donacíon
sus términos
sus bordesrasga
- herida o abertura donde emerge –
conuna aventura involuntaria

Por analogia, Amereida defende uma motivação épica para o “fazer arquitetura”. “(...) Temos sido capazes de realizar esse trabalho porque pensamos que uma obra de arquitetura não é uma massa isolada de material arquitetônico, mas um processo de abertura ou de fundação. Fundar significa o processo gradual que paulatinamente cria uma cidade. Abertura é aquilo com o qual estamos diretamente comprometidos, e se desenvolve em uma dimensão diferente de fundar. É auto-referencial e auto-reflexivo de maneira criativa, e torna a fundação tanto uma possibilidade quanto uma realidade. (...) Vivemos da consciência que um dia nossa abertura resultará em uma fundação. Construímos o presente porque acreditamos que a missão da arquitetura sul-americana é construir o presente”.

No final dos anos sessenta, foram iniciadas as obras da Ciudad Abierta, o local onde algumas das idéias do grupo puderam ser finalmente implementadas. O sítio da cidade se estende da orla do oceano Pacífico a um amplo vazio rural – o mar interior –, a maior parte do qual coberto por dunas de areia. Acontece aí o primeiro ato arquitetônico do grupo, aberto à toda a comunidade e específico do lugar e da ocasião. As dunas sopradas pela brisa do mar, que apaga todas as marcas da superfície, foram identificadas com a idéia de inocência, e daí designadas como o lugar onde o conhecimento e a experiência seriam obliterados em favor de uma confrontação com o novo.

A nova cidade teria de ser concebida não em termos de escala, da densidade de população ou da organização de suas atividades, mas em termos de suas instituições públicas – a ágora – onde a poesia poderia ser revelada, e a vida e a arte poderiam crescer juntas. O ritual fundacional da Ciudad Abierta consiste em uma série de phalenes, incluindo uma perambulação pelo sítio com o objetivo de “abri-lo”. Ao invés de estabelecer um único ponto focal para a cidade, o grupo decide criar toda uma constelação de ágoras:

"Para se governar, a Ciudad Abierta necessita de uma ágora, porque a Ciudad Abierta foi feita unicamente com nossos esforços e talentos, e nós afirmamos que durante o ato da abertura não lhe foi retirado a liberdade criativa. Nosso trabalho criativo é produzido de uma maneira que chamamos en ronda, na qual todoas as pessoas tentam se unir para se tornar um único arquiteto".

No ensaio Ciudad Abierta: da utopia à miragem, Cruz e Iommi afirmam que é possível construir uma miragem – uma ilusão sem profundidade – assim como uma construção aspira a nada mais que ser visível: pura poiesis. Na ausência da utopia, um complexo de metiers poéticos, indiferentes à permanência e tendo como função única a aparência, deve ser dita a constituição de uma cidade. Claramente, esta noção exclui a possibilidade de planejamento, já que ela se apóia na noção de deliberada criatividade. Sua existência claramente passa desapercebida. Seus habitantes desempenham os papéis dos clientes, arquitetos, construtores e moradores; e a prática dos mesmos se dá espontaneamente.

As viagens ao longo do interior do continente, iniciadas quando do lançamento do poema Amereida (1966), continuam ainda hoje, sempre organizadas pelo Instituto de Arquitetura da Universidade Católica de Valparaíso. De dez em dez anos o grupo organiza exposições dos estudos do grupo e das obras construídas. A poesia de Godofredo Iommi é publicada em limitadas edições pela Escola de Arquitetura e vendida em livrarias no Chile. Amereida, o poema, foi republicado recentemente pela PUC de Santiago juntamente com os anais de um seminário realizado em 1990 e 1991 e integrado, entre outros, por Cruz e Iommi. Os dois projetos apresentados aqui representam várias fases de constituição do grupo.

Os autores: “Nós falamos brincando no grupo que, assim como alguns arquitetos no curso da história adotaram um outro nome, nós podemos nos chamar Ciudad Abierta”. Que seja assim!

sobre o autor

Carlos M. Teixeira é arquiteto, mestre em urbanismo pela Architectural Association e autor do livro "Em obras: história do vazio em Belo Horizonte"

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