Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts


how to quote

RIBEIRO CABRAL, Jacqueline. A urbe iluminada:. Eletricidade e modernização do Rio de Janeiro no início do século XX. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 037.05, Vitruvius, jun. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.037/679>.

Imperialismo e urbanização

Os acontecimentos do último quartel do século XIX no plano técnico-científico foram qualitativamente diferentes de um mero prolongamento da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra por volta de 1760. De fato, os anos que correspondem à fase conhecida como Segunda Revolução Industrial caracterizaram-se por importantes inventos científicos que causaram um impacto sem precedentes na sociedade.

Muitas das invenções surgidas na Segunda Revolução Industrial dependeram do emprego de novos materiais e novas fontes de energia como a eletricidade e o petróleo, resultando no aparecimento de novos ramos industriais como a siderurgia, a indústria química e a indústria elétrica. Nesse sentido, os laboratórios de física e química se tornaram aliados indispensáveis ao complexo industrial que se configurava e as relações entre industriais e cientistas ficaram cada vez mais estreitas.

Dentro desse contexto e sem nenhuma tradição prévia de funcionamento e organização, a indústria elétrica já nasce dependendo dos aperfeiçoamentos técnicos que estavam ocorrendo naquele mesmo momento. Para que a nova energia se transformasse num produto rentável foi necessário o desenvolvimento de um vasto conjunto de equipamentos e a estruturação de um sistema que permitisse sua conservação, geração e distribuição (2).

Inicialmente circunscrita ao campo das curiosidades científicas, a eletricidade teve que ultrapassar algumas barreiras tecnológicas significativas que exigiram grandes somas de investimento até ocupar seu lugar entre as fontes de energia mais utilizadas no mundo.

O período em que a eletricidade começa a se consolidar como um setor industrial autônomo, coincide também com a expansão do capitalismo em âmbito internacional. Foi essa ampla propagação geográfica inicial do sistema capitalista para os países periféricos – que se estende desde meados do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 –, que deu origem ao nosso atual mercado em escala global e assegurou ao mesmo tempo o apogeu de sua hegemonia internacional (3).

Pode-se afirmar, grosso modo, que o capitalismo industrial, apoiado na livre-concorrência, passa a ser superado pelo capitalismo em sua vertente monopolista, a partir da necessidade que o capital teve de romper as fronteiras nacionais, limitadas pelo esgotamento dos lucros obtidos no mercado interno como resultado inerente da crescente disputa entre diversas empresas congêneres.

Em apenas sete décadas, o mundo foi palco de mudanças radicais motivadas por um objetivo comum: a organização de um mercado com dimensões mundiais, capaz de escoar o excedente da produção dos países industrializados para locais não saturados pela concentração e centralização de capitais, num processo que também ficou conhecido como imperialismo (4).

Para que essas economias centrais se atirassem com todo ímpeto na aquisição de novos mercados, dois aspectos foram particularmente importantes e estavam intimamente ligados entre si. Primeiramente, o da influência direta e decisiva dos grandes bancos sobre as empresas industriais e comerciais por meio do controle acionário e da concessão de empréstimos, responsável pelo processo de aglomeração das indústrias e do capital na forma de monopólios ou oligopólios.

Em segundo lugar, o da intervenção estatal, capaz de criar, pela via institucional, condições propícias para o sucesso desses poderosos grupos econômico-financeiros, cujos representantes passam a se envolver cada vez mais intensamente ao longo dos tempos com a política e a com administração pública, no intuito de defender seus interesses e ver seus objetivos atingidos (5).

Com o auxílio da máquina estatal, os trustes, cartéis e holdings conseguiram obter a necessária proteção contra seus concorrentes também fora de seus países, através de privilégios como o estabelecimento de uma política alfandegária, a regulamentação do comércio exterior, a instituição de subsídios às despesas com transporte etc.

Ademais, esses diferentes monopólios, passam a desfrutar da imensa quantidade de matérias-primas e minerais essenciais à sua incessante produção e da mão-de-obra a baixo custo disponíveis nas zonas de influência onde passam a atuar (6).

A virada do século XIX para o XX vivencia, portanto, profundas transformações em torno da economia internacional e contínuos avanços tecnológicos que definem uma nova lógica de funcionamento da civilização ocidental: a sociedade urbano-industrial.

Nesse quadro, aos poucos a Inglaterra vai deixando de representar o papel de “oficina do mundo” e começa a ser seriamente ameaçada pelos Estados Unidos e a Alemanha em sua posição de maior potência econômica mundial (7).

A vinculação do Brasil ao mercado mundial em rápida formação realizou-se na condição de país periférico exportador de bens primários. Desde princípios do século XIX até pelo menos o final da década de 1970, o café sempre esteve entre os primeiros itens da pauta de exportações da economia brasileira.

O café foi introduzido no país por iniciativa de Francisco de Melo Palheta, que em 1727 trouxe para o Pará as primeiras sementes da planta. Entretanto, foi no Vale do Rio Paraíba, atravessando grande parte do Rio de Janeiro e outra menor de São Paulo, que se reuniram as condições climáticas e de solo ideais para a sua difusão comercial (8).

Além disso, a proximidade com o porto do Rio de Janeiro contribuiu muito para o sucesso da lavoura do café, já que a produção deste artigo de sobremesa dependia fortemente do mercado externo para se sustentar.

Sempre em constante expansão, a economia cafeeira do Vale do Paraíba atingiu seu auge na metade do século XIX, fase que marca igualmente a liberação de capitais do fim dos custos com o tráfico transatlântico de escravos, que estimulou uma grande atividade de negócios e de especulação (9).

Paralelamente ao aumento das exportações de café, as importações brasileiras registraram um enorme crescimento durante esse período. Segundo Sérgio Buarque de

Hollanda, até 1850 as importações totais do Brasil jamais chegaram a atingir a cifra de 60 mil contos de réis anuais, ao passo que entre 1850-1851 alcançaram Rs. 76.918:000$000 e no exercício seguinte, 1851-1852, somaram Rs. 92.860:000$000 (10).

Tais eventos provocaram não só alterações na economia como criaram a necessidade de uma completa remodelação material do país. Em função da lavoura do café, assiste-se à implantação de diversos serviços de infra-estrutura e transportes essenciais para garantir a firme integração do Brasil nos fluxos do comércio internacional.

Delineavam-se assim, as primeiras tentativas de urbanização do país impulsionadas pela agricultura de exportação – ao contrário do que ocorreu nas cidades européias e norte-americanas, onde tal processo estava ligado ao surgimento das indústrias (11) –, e fomentadas pelos investimentos e empréstimos estrangeiros, sobretudo britânicos, que logo se concentraram na construção de estradas de ferro e no aparelhamento dos portos para o escoamento do café.

Em segundo lugar, mas não em um plano secundário, essa incipiente evidência de modernização contemplou os serviços de utilidade pública, ou seja, os sistemas de transportes urbanos, de iluminação, de águas e de esgotos etc., que também se tornaram objeto de acirradas disputas entre grupos capitalistas, associados ou diretamente controlados pelo capital estrangeiro (12).

Apesar de não terem sido tão expressivos quanto os empreendimentos em ferrovias e portos (13), os capitais aplicados nos serviços de natureza urbana foram importantes para

reforçar os laços comerciais e financeiros entre a periferia do sistema e os países centrais e, portanto, aumentar ainda mais a participação das economias latino-americanas na nova divisão internacional do trabalho gestada pelo capitalismo monopolista.

Não foi por acaso que no Brasil uma grande parcela dos recursos destinados aos setores-chave da economia centraram-se nas áreas mais dinâmicas do império escravocrata, suscitando desigualdades regionais e a reprodução de relações de dependência em âmbito interno que permanecem até hoje. De fato, a prosperidade da cafeicultura logo consagrou o sudeste do país como locus privilegiado onde os investimentos em infra-estrutura se instalariam com maior rapidez.

Em abril de 1854, inaugurou-se a primeira estrada de ferro brasileira, graças à iniciativa pessoal do empresário, industrial e político Irineu Evangelista de Sousa, futuro barão e depois visconde de Mauá. Foram modestos 16,9 km de linha percorridos pela locomotiva a vapor batizada como “Baronesa”, que fez o trajeto entre o porto da Estrela (atualmente porto de Mauá), no fundo da Baía de Guanabara, e a raiz da Serra da Estrela, em direção a Petrópolis, transportando passageiros e cargas com gêneros agrícolas entre a corte e a cidade de veraneio imperial (14).

O problema do transporte da produção cafeeira do Vale do Paraíba foi em parte solucionado com a criação da companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II (hoje Central do Brasil) em 1855. As obras da ferrovia tiveram início após um empréstimo obtido na Inglaterra e duas décadas mais tarde a linha chegava a Cachoeira, no interior paulista. Depois, uma empresa organizada em São Paulo fez a união entre Cachoeira e a capital da província, concluindo a ligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo (15).

O emprego da energia a vapor no transporte marítimo de cargas e passageiros contribuiu de maneira decisiva para o barateamento dos fretes e maior segurança e rapidez das trocas internacionais. Principal potência naval do mundo, a Inglaterra logo garantiu o controle da navegação marítima brasileira, quando, em janeiro de 1851, a Royal Mail Steam Packet Company estabeleceu uma linha de vapores entre o Rio de Janeiro e o porto inglês de Southampton, para disputar com os velozes veleiros norte-americanos que aqui transitavam e obter a primazia no ramo.

A antiga estrutura portuária dos tempos coloniais passou por uma série de melhoramentos, dentre os quais a gradativa substituição do trabalho escravo no serviço de descargas pelas modernas máquinas a vapor e os guindastes hidráulicos, representando um enorme avanço para o sempre crescente movimento comercial da cidade do Rio de Janeiro, o mais importante centro exportador e importador do império e também da América do Sul, ponto quase obrigatório de transferência e trânsito de mercadorias estrangeiras.

Como já foi salientado anteriormente, por volta de 1850 as cidades brasileiras assistiram à expansão da rede de serviços urbanos, principalmente nos centros de maior importância entre as províncias, onde tais melhorias concretizaram-se com muito mais rapidez.

Na metade do século, os chafarizes, bicas e poços públicos para o suprimento de água do Rio de Janeiro já eram insuficientes para atender às necessidades da crescente população carioca. A precariedade dos encanamentos de ferro, o baixo número de depósitos de recepção e reserva e o pequeno volume de mananciais aproveitados, tornavam a situação mais grave no verão, quando a escassez ou a total falta de água coincidia com as epidemias de febre amarela.

Concomitantemente a esse tipo de distribuição supracitado, entrou em vigor na mesma época a comercialização da água, que aos poucos deixou de ser um bem natural de livre acesso e se transformou em mercadoria. Todavia, devido ao desenvolvimento caótico da cidade, o descaso do governo imperial e as repetidas estiagens no verão, os dois sistemas ainda eram ineficazes para resolver o problema.

Somente em 1870, quando a seca atingiu níveis insuportáveis e a febre amarela, associada a outras doenças tropicais e enfermidades trazidas por imigrantes europeus, fez milhares vítimas, o governo decidiu tomar algumas medidas para normalizar o abastecimento de água. Quatro anos mais tarde, após várias divergências sobre o assunto, uma comissão nomeada por dom Pedro II determinou que o serviço seria feito por administração pública – diferentemente da iluminação, dos esgotos e transportes, que foram confiados à companhias privadas –, podendo o Estado contratar apenas a execução das obras necessárias (16).

Desta forma, em fevereiro de 1876 foi firmado o contrato entre o governo imperial e o empreiteiro Antonio Gabrielli – que já havia feito serviço idêntico em Viena –, com base num projeto da Inspetoria Geral de Obras Públicas da corte que previa a ampliação do volume de água fornecido à cidade, estimulava a formação da rede domiciliar e mantinha os chafarizes e as bicas públicas funcionando (17).

Não obstante os avanços obtidos, o novo programa de expansão logo foi derrotado pelo desflorestamento, que deixava as nascentes d’água expostas e a população sujeita às secas nas estiagens. Segundo Jaime Benchimol, “se a ampliação da rede de distribuição a domicílio era um índice da “modernização” da cidade, o número também crescente de habitantes excluídos do acesso a esse gênero vital constituía um indicador da qualidade social dessa modernização...” (18), uma vez que os habitantes mais humildes ainda tinham que fazer longas viagens para conseguir um pouco de água.

Portanto, as precauções tomadas não foram suficientes para amenizar a séria questão da falta de água no Rio de Janeiro e o principal beneficiado com o novo sistema inaugurado em 1880 foi mesmo a parte contratada do serviço, que teve garantia de juros assegurada para todo o capital investido nas obras.

Em relação ao sistema de esgotos o quadro não era menos penoso. Até bem depois de meados do século XIX, os esgotos da cidade continuavam sendo deixados nas fossas e sumidouros ou despejados nas praias e valas pelos “tigres” – apelido dado aos escravos incumbidos desta função –, que corriam à noite pelas ruas da cidade com sua carga peculiar e repulsiva.

Conforme as condições sanitárias da cidade pioravam, agravando o risco de proliferação de várias doenças infecto-contagiosas e, sobretudo após o primeiro surto de febre amarela em 1850, os médicos iniciaram uma campanha visando o saneamento da capital do império (19).

Ao contrário do que aconteceu com o abastecimento de água, que permaneceu como serviço de administração pública, em 1857 o privilégio do serviço de esgotos foi inteiramente entregue nas mãos de um particular, o Coronel João Frederico Russell (20). Alguns anos se passaram sem que nada fosse feito em relação ao problema dos esgotos, até que Russell transferiu sua concessão à Rio de Janeiro City Improvements Company, empresa mantida pela casa bancária britânica Gleen and Mills, que inaugurou o sistema de saneamento em 1864.

Apesar dessa aparente demora na implantação de melhorias sanitárias, parece que o Rio de Janeiro foi a capital pioneira ou esteve entre as que primeiro estabeleceram uma moderna rede domiciliar de esgotos em todo o mundo, antecedida apenas por Londres e Paris para alguns estudiosos ou por Hamburgo e cidades menos importantes da Inglaterra para outros.

De qualquer modo, até o fim do império uma parcela significativa da população foi contemplada pelos serviços da City (abreviação pela qual a empresa ficou conhecida), que atingiram limites além da área povoada da cidade, o que indica seu interesse na especulação da terra urbana. Parece que embora quantitativamente satisfatórios, os serviços de esgotos eram de péssima qualidade, conforme atestam os relatórios oficiais repletos de reclamações de moradores, bem como as memórias e livros de médicos estrangeiros da época (21).

Antes de tratar propriamente dos serviços de eletricidade, seria interessante lembrar que outros símbolos da modernidade traduzidos em forma de novas tecnologias como o sistema de telégrafos e o telefone, também chegaram ao Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX.

Em relação aos telégrafos, a linha inaugural foi instalada em março de 1852, ligando o Paço Imperial da Boa Vista e o quartel-general da Praça da Aclamação (hoje Praça da República); já a primeira linha intermunicipal foi estendida entre a capital do império e Petrópolis cinco anos mais tarde.

Em 1872, o governo imperial concedeu a Mauá o privilégio de exploração da telegrafia entre o Brasil e a Europa, que depois foi entregue à companhia britânica Western Telegraph, que estendeu o cabo transatlântico e concluiu a ligação no dia 22 de junho de 1874 em plena praia de Copacabana, no posto seis.

Quanto às experiências iniciais com o telefone, foi dom Pedro II que em 1877 fez a inauguração da linha que ligava o Paço de São Cristóvão (hoje Museu Nacional da Quinta da Boa Vista) ao Paço da Cidade (na atual Praça 15 de Novembro). O imperador ficara tão entusiasmado com a invenção do escocês Alexander Graham Bell (1847-1922) na ocasião em que visitou a Exposição de Filadélfia, em 1876, que resolveu experimentá-la aqui (22).

Contudo, a telefonia tardou a fazer logo outros avanços no país pois, como afirma Antonio Dias Leite, Pedro II “interessava-se especialmente pela ciência e pela cultura e não tinha atração pela aplicação prática e pelos resultados comerciais das invenções e inovações tecnológicas, que nessa época ocorriam com grande intensidade nos países de vanguarda” (23).

A disputa pela concessão dos serviços de energia elétrica

Curiosamente, até a metade do século XIX, a corte do Rio de Janeiro ainda não era iluminada a gás, enquanto cidades fluminenses como Campos e Niterói já contavam com tal serviço (24). Apenas a partir da proposta feita por Mauá, que se obrigou a cumprir a difícil tarefa de iluminar todos os bairros dentro do perímetro urbano (iluminação a gás produzido com carvão mineral), foi finalmente assinado o contrato com o governo imperial em 11 de março de 1851.

Para a realização do empreendimento, Mauá organizou uma companhia com a ajuda de sócios brasileiros e ingleses, cujo capital inicial era de Rs. 1.200:000$000. Os encanamentos e lampiões de ferro foram fabricados na própria fundição de Mauá, a Companhia da Ponta d’Areia, e as máquinas e aparelhos necessários foram importados da Inglaterra. A inauguração do sistema aconteceu a 25 de março de 1854 e o gás passou a iluminar os primeiros combustores das ruas centrais do Rio de Janeiro em substituição à antiga iluminação pública a óleo de peixe (25).

Três décadas depois, o governo abriu concorrência para o fornecimento de iluminação pública à cidade e, em 1885, o francês Henri Brianthi ganhou a concessão para realizar o serviço. Uma das cláusulas do contrato já previa o direito do contratante exigir que a iluminação fosse feita por eletricidade, “quando oportuno” (26). Em julho do ano seguinte, Brianthi entregou sua concessão à empresa belga Société Anonyme du Gaz (SAG), que atuou no Brasil por mais de um século.

Com a proclamação da República, o Rio de Janeiro deixou de ser município neutro da corte e passou a distrito federal, o que acabou causando alguns problemas entre as esferas de poder em jogo, devido ao fato de que sua administração foi atribuída concomitantemente aos governos federal e municipal (27).

Um dos setores afetados por essa justaposição de funções foi a iluminação pública. De acordo com Amara Rocha, “a Lei Orgânica do Distrito Federal [Lei nº 85, de 20 de setembro], aprovada em 1892, em seu artigo 58, estabeleceu diretrizes para a organização do Distrito Federal, transferindo para o Governo Municipal vários serviços, entre os quais a iluminação pública que, desde outubro de 1861, estivera sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas” (28).

Ainda segundo a autora, a municipalização dos serviços de iluminação – assim como de instrução primária, assistência à infância, bombeiros e esgotos –, determinada pela Lei Orgânica, não foi colocada em prática por dois motivos básicos: em razão das constantes crises políticas envolvendo o Conselho de Intendência e, por outro lado, a não aceitação, por parte da SAG, da substituição de encargos que antes competiam à união e passaram ao município, argumentando que tinha celebrado contrato com o governo imperial (29).

Portanto, até a elaboração de uma legislação que tratasse propriamente dos serviços de eletricidade desde a sua geração até sua distribuição (30), tudo era resolvido com base nos contratos de concessão e nas cláusulas estabelecidas no acordo com o poder público. Assim, em 1899 foi feita a revisão do contrato com a SAG, que obteve o privilégio da iluminação a gás até 1940 ou eletricidade até 1915. Ademais, ficou combinado que a energia elétrica deveria ser produzida por gás ou vapor, prevendo-se a utilização de motores hidráulicos no futuro.

Nesse ponto, é preciso esclarecer que o governo já havia autorizado à William Reid & Companhia o privilégio da exploração da força hidráulica no Distrito Federal, sob a administração do Prefeito José Cesário de Faria Alvim (1899-1900), permitindo seu emprego para todos os fins – com exclusividade por quinze anos e sem exclusividade até 1950 –, menos o da iluminação pública e particular (31).

Dessa maneira, o contrato manteve os direitos da SAG e, mais ainda, incorporou, conforme o desejo dos belgas, o regime de preços da “clásula-ouro”, que consistia numa tarifa de 400 réis por kWh, a ser paga metade em moeda corrente, metade em ouro ao câmbio médio do mês de consumo (32).

As discussões em torno do objeto das concessões obtidas pela William Reid & Cia. e pela SAG se estenderam por mais tempo (33), mas até os primeiros anos de século XX nenhuma delas logrou avançar significativamente em seus projetos e logo estariam ameaçadas por duas fortes empresas que mudariam a situação dos serviços de energia elétrica na cidade.

Os novos candidatos a conseguir privilégios do poder público em relação à eletricidade foram a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE), que tinha como acionista majoritária a Guinle & Companhia (34) – de Eduardo Guinle Filho e Guilherme Guinle, ambos filhos do empresário Eduardo Palassin Guinle –, e a Rio de Janeiro Light and Power Company Limited, firma nominalmente canadense, de métodos de gestão norte-americanos e capitais britânicos, instituída em Toronto a 9 de junho de 1904 – que um mês depois recebeu a denominação definitiva de Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited (Rio Light) (35).

O Decreto Municipal nº 1.001, de 21 de outubro de 1904, favorável à livre-concorrência com relação aos serviços de eletricidade no distrito federal, serviria para confundir ainda mais o quadro configurado até aquele momento e ratificaria a posição tanto do governo federal acerca do assunto, quanto a da Guinle & Cia. e da Rio Light, ávidas por disputar as concessões da William Reid e da SAG, praticamente fracassadas em suas tentativas de montar redes de distribuição de eletricidade na capital (36).

Em desacordo com os termos do Decreto nº 1.001, a SAG acabou vencendo nova contenda judicial com o argumento de que os serviços urbanos só funcionariam em proveito público se fossem monopólios. Não obstante, mais uma determinação governamental atearia lenha à fogueira: assinado pelo ministro Lauro Severino Müller, da pasta da Indústria, Viação e Obras Públicas, o Decreto Federal nº 5.407, de 27 de dezembro de 1904, refutou a tese dos “monopólios de fato”, reclamando a primazia da união de outorgar a qualquer empresa a geração de energia elétrica e regulamentar o aproveitamento da força hidráulica através da delimitação dos trechos de rios a serem explorados para tal finalidade, como realmente aconteceu bem mais adiante (37).

Como representante oficial da Rio Light e detentor de todo cabedal de propriedades e concessões por ela adquiridas no Rio de Janeiro enquanto não era autorizada a entrar em atividade no país, Alexander Mackenzie percebeu que a aceitação do grupo canadense na capital seria bem mais difícil que em São Paulo, envolvendo a participação de políticos no âmbito do poder Legislativo (deputados, senadores e intendentes municipais), além do Executivo, devido ao já supramencionado problema da superposição de poderes em torno da cidade (38).

Porém, esse apoio de homens poderosos na vida política é bastante relativo na medida em que a efetivação dos planos tanto da Guinle & Cia. quanto da Rio Light dependia do êxito alcançado pelas empresas nos tribunais de justiça, onde cada uma esforçava-se em derrubar os privilégios obtidos pela outra. Assim, a Rio Light contratou, nada mais nada menos que o eminente advogado, jornalista, orador e político Rui Barbosa de Oliveira para defender seus interesses, enquanto os Guinle contrataram os serviços do menos famoso, mas competente político Raul Fernandes, que também advogava em causa própria, pois era acionista da companhia (39).

A Rio Light agiu rapidamente no intuito de dominar os serviços de eletricidade e o promissor mercado na cidade do Rio de Janeiro. O ano de 1905 seria decisivo para a consolidação dos canadenses na capital federal: Mackenzie transferiu a concessão Reid-CNE para a Rio Light e, um ano após a criação da empresa em Toronto, foi publicado o decreto para seu domicílio no Brasil, recebendo igualmente permissão para exploração da força hidráulica do ribeirão das Lajes e do rio Paraíba do Sul, o que estimulou a compra da concessão de iluminação pública e particular da SAG, além de várias companhias de carris (40).

Todos os privilégios exclusivistas adquiridos pela Rio Light não desanimaram os Guinle, que confiaram em demasia no fato de que o prazo daquelas concessões findava em 1915, como previsto nos contratos, ao mesmo tempo que firmaram um acordo com o governo estadual para o aproveitamento dos rios Piabanha e Fagundes no segundo semestre de 1905 (município de Paraíba do Sul, área hoje integrante de Três Rios) (41).

Outrossim, é preciso destacar o papel da imprensa no verdadeiro “duelo” travado entre as duas empresas, dividindo o público-alvo dos seus projetos. Os diários A Notícia, Gazeta de Notícias e Jornal do Commercio ficaram do lado dos brasileiros, e o Correio da Manhã e O Paiz, ficaram com a Rio Light (42).

Na prática, foi a Rio Light que acelerou o processo de montagem do parque elétrico na cidade ainda em 1905, iniciando a construção da hidrelétrica de Fontes, que entrou em operação três anos mais tarde com 12.000 kW de potência instalada (número que quadruplicou em cinco anos), uma das maiores do mundo e a maior do Brasil. Paralelamente, a partir de 1906 a Guinle & Cia. levava adiante seu grande projeto de edificação da usina de Piabanha, concluída em 1908 com 9.000 kW e previamente destinada a garantir ao menos “o outro lado” da Baía de Guanabara caso seus propósitos no Rio de Janeiro não fossem satisfeitos (43).

De qualquer maneira, não surtiram efeito as tentativas dos Guinle para embargar as obras da Rio Light e anular suas vantagens, arduamente conquistadas através dos mais diversos meios, diante da opinião pública, dos tribunais ou com a “bênção” de certas autoridades que tomaram partido dos estrangeiros nos litígios contra a CBEE. As esperanças de disputar uma pequena fração do mercado carioca foram totalmente descartadas quando a Rio Light finalmente conseguiu estender o tempo das concessões muito além da data inicial de 1915. Aliás, a essa altura, a empresa canadense já dominava por completo o cenário dos serviços urbanos de energia elétrica (força motriz e iluminação) da cidade (44).

notas

1
Este texto constitui, com pequenas modificações, parte da monografia – Faça-se a luz: o impacto da eletrificação da cidade do Rio de Janeiro no limiar do século –, apresentada em 1997 ao programa de graduação em História da Universidade Federal Fluminense – UFF, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Antonio Faria.

2
Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, Panorama do setor de energia elétrica no Brasil (textos de Ligia Maria Martins Cabral, Paulo Brandi de Barros Cachapuz e Sergio Tadeu de Niemeyer Lamarão), Rio de Janeiro, Memória da Eletricidade, 1988, p. 9-12 e 17-18 [daqui em diante apenas Panorama do setor de energia elétrica no Brasil].

3
Sobre as características gerais da evolução do capitalismo entre 1850-1914 e a importância da entrada das empresas monopolistas no mercado latino-americano (em especial nos serviços de eletricidade) ver SZMRECSÁNYI, Tamás J. M. K. “A era dos trustes e cartéis”. Caderno História & Energia: a chegada da Light, São Paulo: ELETROPAULO [Eletricidade de São Paulo], n. 1, p. 6-20, maio 1986.

4
Para um exame acurado do imperialismo ver HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. Ver também PISTONE, Sérgio. “Imperialismo”. In: BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 8 ed. Tradução do italiano de Carmen C. Varrialle et al. Brasília, DF: Editora UnB, 1995. v. 1, p. 611-621.

5
T. J. M. K. Szmrecsányi, Op. cit., p. 7 e 13-15.

6
Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Op. cit., p. 16; T. J. M. K. Szmrecsányi, Ibid., p. 7.

7
Ver sobretudo o subcapítulo “A evolução econômica – capitalismo monopolista e imperialismo”. In: FALCON, Francisco; MOURA, Gerson. A formação do mundo contemporâneo, 13 ed., Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 72-84 (Contribuições em ciências sociais, 9).

A formação do mundo contemporâneo. 13 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. (Contribuições em ciências sociais, 9).

8
FAUSTO, Boris. História do Brasil, 4 ed., São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo (USP), 1996, p. 186, 190-199 e 535 (Didática, 1).

9
Os Estados Unidos eram o principal consumidor do café brasileiro, seguido pela Alemanha, os Países Baixos e a Escandinávia. Id., Ibid., p. 189 e 197.

10
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26 ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 77.

11
OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de. Raízes da indústria no Brasil: a pré-indústria fluminense, 1808-1860. Rio de Janeiro: Studio F & S Editora, 1992, p. 170.

12
Antes das ferrovias, o transporte do café era feito a lombo de burro e mobilizava 20% da força de trabalho das fazendas. No caso dos portos, os melhoramentos consistiram na introdução da energia a vapor nos navios e na edificação de cais, molhes, docas etc. para facilitar a movimentação comercial. Ver LAMARÃO, Sergio Tadeu de Niemeyer. Dos trapiches ao porto: um estudo sobre a área portuária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1991, p. 54-56 (Biblioteca Carioca, v. 17).

13
Em 1917, os investimentos britânicos na América Latina estavam assim distribuídos: 46% em ferrovias; 31% em bônus governamentais; 20% em serviços de utilidade pública, minas e plantações; 3% em bancos e navegações. Cf. T. J. M. K. Szmrecsányi, Op. cit., p. 16.

14
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992 (Biblioteca Carioca, v. 11). Ver também BARDY, Cláudio. “O século XIX”. In: SILVA, Fernando Nascimento (Dir.). O Rio de Janeiro em seus quatrocentos anos: formação e desenvolvimento da cidade. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1965, p. 117.

15
B. Fausto, Op. cit., p. 199-200.

16
Para maiores detalhes acerca da evolução do abastecimento de água no Rio de Janeiro ver Rosauro Mariano da Silva, “A luta pela água”, In: F. N. Silva (Dir.), Op. cit., p. 311-337 (especialmente p. 311-321).

17
COARACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. 3 ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Editora da USP, 1988. (Coleção reconquista do Brasil. 2. série, v. 132).

18
J. L. Benchimol, Ibid., p. 72.

19
Muito já foi escrito sobre o processo de saneamento da cidade neste período, sendo um dos trabalhos mais interessantes sobre o tema – por alargar seu escopo por todo o processo de instauração da Fundação Oswaldo Cruz, decorrente da intervenção governamental na saúde pública na virada do século –, o de BENCHIMOL, Jaime Larry. (Coord.). Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro, Casa de Oswaldo Cruz, 1990. Ver também do mesmo autor, Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e revolução pasteuriana no Brasil, Rio de Janeiro, Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), 1999. Recentemente concluí um trabalho cujo segundo capítulo também enfoca tal discussão em FIOCRUZ: perspectivas históricas das políticas de desenvolvimento em ciência e tecnologia da saúde pública, Monografia (Curso de especialização latu sensu em História do Brasil) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), UFF, 2001.

20
De origem inglesa, Russell morava na praia da Glória, onde atualmente fica situado o Hotel Glória e, por isso, seu nome ficou ligado àquele trecho da praia e posteriormente à rua que foi aberta em 1870. C. Bardy, Op. cit., p. 116.

21
Não obstante o aspecto mais asseado da cidade, defeitos na instalação do sistema somados à constante falta de água, contribuíram para a infecção do solo, comprometendo as condições de salubridade em geral. J. L. Benchimol, Op. cit., p. 73-74.

22
C. Bardy, Op. cit., p. 118.

23
LEITE, Antonio Dias. A energia do Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 39.

24
Desde 1828 surgiram vários contratos para a implantação da iluminação a gás na cidade, mas nenhum deles entrou em vigor. Cf. DUNLOP, Charles Julius. Apontamentos para a história da iluminação da cidade do Rio de Janeiro: subsídios para a história do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio Antigo, 1957, p. 7-13.

25
A. D. Leite, Op. cit., p. 38; G. B. M. de Oliveira, Op. cit., p. 159.

26
O Rio de Janeiro também não foi pioneiro no emprego da eletricidade, sendo antecedido por diversas cidades brasileiras tais como Campos, Rio Claro, Juiz de Fora, Piracicaba, São Carlos do Pinhal, Ribeirão Preto, São João Del-Rei, Belo Horizonte, Petrópolis, Manaus e Belém. Ver o trabalho ROCHA, Amara Silva de Souza. A sedução da luz: o imaginário em torno da eletrificação do Rio de Janeiro, 1892-1914. 1997. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – IFCS, UFRJ, 1997, cap. 3, p. 69-108 (especialmente p. 74).

27
Diga-se de passagem, este sempre foi um traço político-administrativo peculiar do Rio de Janeiro desde tempos coloniais. Para esclarecer melhor a complicada questão da sobreposição de direitos entre os dois governos ver J. L. Benchimol, Op. cit., p. 257-259.

28
A. S. de S. Rocha, Op. cit., p. 79.

29
Na verdade, a matéria permaneceu em aberto, impondo-se a dualidade administrativa, na qual o governo federal ficou com o poder concedente e fiscalizador do serviço de iluminação pública da cidade – através do novo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas –, e a municipalidade ficou responsável pelo fornecimento de eletricidade ao distrito federal. Id., Ibid., p. 79-80. Para maiores detalhes em relação às questões de cunho jurídico ver Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, Debates parlamentares sobre a energia elétrica na Primeira República: o processo legislativo (texto de Paulo Brandi de Barros Cachapuz), Rio de Janeiro, Memória da Eletricidade, 1990, especialmente p. 157-159 [daqui para frente apenas Debates parlamentares sobre a energia elétrica na Primeira República].

30
O que só ocorreu em 10 de julho de 1934 com a promulgação do Código de Águas, que fez da união o único poder concedente no setor de águas e energia elétrica, determinando também a distinção entre propriedade do solo e das quedas d’água e outras fontes de energia de origem hidráulica para uso industrial. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Op. cit., p. 80-82.

31
Datado de 4 de dezembro de 1899, o Decreto nº 734 foi a primeira concessão referente ao abastecimento de energia elétrica ao distrito federal outorgado pelo Conselho Municipal. Ver Debates Parlamentares sobre a energia elétrica na Primeira República, Op. cit., p. 158-159.

32
A aplicação da “cláusula-ouro” nos contratos dos serviços de iluminação e fornecimento de energia foi um duro golpe na indústria da capital federal e, segundo a historiadora Maria Bárbara Levy, descarta enfaticamente a tese que atribui a perda da hegemonia industrial do Rio de Janeiro em proveito de São Paulo à decadência da agricultura de café no Vale do Paraíba. LEVY, Maria Bárbara. “As tarifas de energia elétrica na composição dos custos industriais na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX”. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA E ENERGIA, 1., 1986, São Paulo. Anais... São Paulo: ELETROPAULO, 1987. p. 27-40. Ver também “Apêndice 2-D” de A. D. Leite, Op. cit., p. 390-391, para exemplos na aplicação da “cláusula-ouro”.

33
Além das divergências que teve com a William Reid, a SAG também enfrentou problemas com a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, primeira concessionária do serviço de bondes no Rio de Janeiro e no país (1868): a empresa belga entrou com uma ação na justiça em princípios do ano de 1893, acusando a Jardim Botânico de se aproveitar do excedente de energia elétrica que usava na tração de seus bondes para vendê-la a terceiros. A decisão judicial foi favorável à SAG, que mais uma vez defendeu seus direitos exclusivos de assentar canalizações de qualquer natureza nos passeios públicos. McDOWALL, Duncan. “New Growth: Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited, 1903-1908”, In: The Light: Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, 1899-1945, Toronto, University of Toronto Press, 1988, p. 123-164. Para conhecer com riqueza de detalhes os meios de transporte utilizados pelos cariocas desde os tempos coloniais até a década de 1930 ver SANTOS, Agenor Noronha. Meios de transporte no Rio de Janeiro: história e legislação. 2 ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1996. 2 v. (Biblioteca Carioca, v. 36-37. Série publicação científica).

34
A CBEE tem suas origens mais remotas na associação entre os empreendedores Cândido Gaffrée e Eduardo Palassim Guinle, que em 1871 inauguraram uma loja de tecidos importados na rua da Quitanda, no coração do Rio de Janeiro, e logo depois organizaram a firma Gaffrée & Guinle, diversificando seus negócios, entre os quais constavam a construção de estradas de ferro e mais tarde do porto de Santos, cujos serviços passaram a controlar através da Companhia Docas de Santos (concessão de 1888). O “pontapé inicial” no ramo da energia elétrica está justamente ligado à realização das obras de eletrificação das oficinas e cais de Santos em 1901. A partir daí, Gaffrée e Guinle retomaram o antigo sonho de levar a eletricidade ao distrito federal, atuando primeiramente como representantes de grandes fabricantes de aparelhos elétricos (a General Electric, por exemplo) e na edificação de usinas de energia elétrica para terceiros (a termelétrica para iluminar as estações da Estrada de Ferro Central do Brasil), até que, em 3 junho de 1909, a Guinle & Companhia fundou, com alguns profissionais liberais e outros interessados, a CBEE, com a finalidade específica de cuidar das transações para a produção e distribuição de energia elétrica. Dados obtidos em CARONE, Edgard, PERAZZO, Priscila F. “Em São Paulo, lutas contra o monopólio: a mobilização social no conflito Guinle versus Light”, Memória, São Paulo, ELETROPAULO, n. 7, p. 39-45, abr./jun. 1990 e Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, A CERJ [Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro] e a história da energia elétrica no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Memória da Eletricidade, 1993, p. 54-55 [daqui em diante A CERJ e a história da energia elétrica no Rio de Janeiro].

35
Nesta época, a presença do grupo Light já estava inteiramente consolidada em São Paulo (através da São Paulo Tramway, Light and Power), cidade que antecedeu o Rio de Janeiro na preferência dos canadenses para a implantação de suas atividades porque já na virada do século apresentava os bons frutos do seu processo capitalista de expansão da cafeicultura, isto é, rápido crescimento demográfico, ampliação das atividades comerciais e industriais etc. Um dos principais dirigentes da São Paulo Light junto com o renomado engenheiro e empresário norte-americano Frederick Pearson – responsável direto pela constituição da companhia na capital paulista –, o jovem advogado canadense Alexander Mackenzie ficou impressionado com a dimensão da reforma urbana levada a cabo pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1903-1906) no Rio de Janeiro e vislumbrou excelentes oportunidades para instalar na capital brasileira uma empresa semelhante à montada em São Paulo e com seus mesmos propósitos: instalar os serviços de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e tração elétrica. Anos mais tarde a Rio Light e a São Paulo Light reuniriam seus negócios no país na grande holding Brazilian Traction Light and Power para simplificar a administração das empresas (incluindo também a São Paulo Electric Company), que entretanto preservaram suas identidades jurídicas. GOMES, Francisco de Assis Magalhães. “A eletrificação no Brasil”, Caderno História & Energia, São Paulo, ELETROPAULO, n. 2, p. 8-15, out. 1986; Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Op. cit., p. 34-39; SAES, Flávio. “Café, indústria e eletricidade em São Paulo”. Caderno História & Energia: a chegada da Light, São Paulo: ELETROPAULO, n. 1, p. 21-31, maio 1986.

36
Logo nos primeiros dias de 1904, os direitos da Reid passaram para o Banco Nacional Brasileiro e na metade do mesmo ano para a Companhia Nacional de Eletricidade (CNE), controlada pela própria instituição bancária; a SAG fez jus ao seu privilégio de fornecer gás canalizado à cidade, mas quando sentiu-se impelida a trocar seus equipamentos com quase quatro décadas de uso pelos modernos e custosos aparelhos elétricos, recusou-se a fazê-lo, entrando em concordata preventiva em abril de 1901 e passando ao poder de um grupo financeiro. Ver LAMARÃO, Sergio Tadeu de Niemeyer. A energia elétrica e o parque industrial carioca, Tese (Doutorado em História Social da Industrialização e da Urbanização) – ICHF, UFF, 1997, p. 195-200 e 211, além do trabalho ARMSTRONG, Christopher; NELLES, Henry Vivian. “Blame it on Rio”. In: Southern Exposure: Canadian Promoters in Latin America and the Caribbean, 1896-1930. Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 1988, p. 62-84.

37
S. T. N. Lamarão, Ibid. p. 211 e 219.

38
Nomes como o do prefeito do distrito federal Francisco Pereira Passos (1903-1906), do governador do estado Francisco Chaves de Oliveira Botelho (1911-1914), do ministro Severino Lauro Müller (1902-1906) e do presidente da república Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906), eram simpáticos aos Guinle; já os do prefeito Francisco Marcelino de Sousa Aguiar (1906-1909), dos governadores estaduais Nilo Procópio Peçanha (1904-1906) e Alfredo Augusto Guimarães Backer (1907-1910), do ministro das Relações Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco (1902-1912) e do presidente Afonso Augusto Moreira Pena (1906-1909), eram simpáticos à Rio Light. S. T. N. Lamarão, Ibid., p.215-217 e Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Op. cit., especialmente “A chegada da Light”, cap. 1, p. 38-39.

39
Ver A CERJ e a história da energia elétrica no Rio de Janeiro, Op. cit., p. 84 e D. McDowall, Op. cit., p. 147-148.

40
D. McDowall, Id., Ibid., p. 130-142.

41
A família Guinle realmente não esperava que a futura revisão dos contratos beneficiasse à Rio Light e fundaram a CBEE a 3 de junho de 1909. Em 1927, a American and Foreign Power Company (Amforp), outra empresa estrangeira que atuava na produção e distribuição de energia elétrica, comprou a CBEE. Com o longo processo de nacionalização do setor de eletricidade a partir da década de 1930 e com a fusão do estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, a razão social da CBEE mudou para Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (CERJ), privatizada há pouco tempo. A CERJ e a história da energia elétrica no Rio de Janeiro, Op. cit., p. 77-78 e 220-221.

42
HONORATO, Cezar Teixeira. “No Rio, conflito entre capitalistas: os cariocas diante das lutas Guinle versus Light pelo monopólio de serviços públicos”, Memória, São Paulo, ELETROPAULO, n. 7, p. 46-52, abr./jun. 1990. O autor cita o debate acerca da concessão monopolística adquirida pela Rio Light de Wiliam Reid entre o Correio da Manhã e o Jornal do Commercio, mas uma consulta a outros periódicos revelam o apoio de outros jornais nas discussões em torno das duas companhias.

43
Os Guinle tiveram de se contentar em arrematar a cidade de Niterói, capital do estado, suficientemente grande para a usina de Piabanha, além dos seus domínios em outros pontos do mesmo Estado (Petrópolis, por exemplo) e as atividades de energia elétrica também em São Paulo e na Bahia. Ver A CERJ e a história da energia elétrica no Rio de Janeiro, Op. cit., p. 80-94 e Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Op. cit., p. 39.

44
Alguns contratos não envolviam unicamente os serviços urbanos de eletricidade e a Rio Light comprou também empresas de bondes como a Companhia de Ferro-Carril de Vila Isabel e a Companhia de Carris Urbanos, além de obter o controle majoritário do capital da Companhia de São Cristóvão e do Jardim Botânico. Embora não fosse sua especialidade, adquiriu também a Rio de Janeiro Telephone Company da firma alemã Brazilianische Elektrizitäts Gesellschaft, ganhando o monopólio da telefonia na cidade. Ver D. McDowall, Op. cit., p. 139-140 e Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Ibid., p. 40.

sobre o autor

Jacqueline Ribeiro Cabral é Mestre em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (com dissertação sobre o processo de reforma sanitária em Manguinhos), tendo concluído curso de especialização latu sensu em História do Brasil também pela UFF. É autora das monografias “Faça-se a luz: o impacto da eletrificação da cidade do Rio de Janeiro no limiar do século” (ICHF, UFF, 1997) e “FIOCRUZ: perspectivas históricas das políticas de desenvolvimento em ciência e tecnologia da saúde pública”. Monografia (ICHF, UFF, 2001).

comments

037.05
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

037

037.00

Plano Diretor e Identidade Cultural em Porto Alegre (editorial)

Flávio Kiefer

037.01

Nove anos sem Burle Marx

Ana Rosa de Oliveira

037.02

Apontamentos sobre a relação entre cinema e cidade

Leo Name

037.03

Terminal de Balsas de Yokohama: menos teoria e mais arquitetura

Carlos M Teixeira

037.04

A casa em Campo Grande:

Mato Grosso do Sul – 1950-2000 (parte 2)(1)

Ângelo Marcos Arruda and José Alberto Ventura Couto

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided