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architexts ISSN 1809-6298


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Segundo o autor, cabe à incorporação da experiência alheia o papel preponderante do ensino de arquitetura


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MAHFUZ, Edson. Teoria, história e crítica, e a prática de projeto. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 042.05, Vitruvius, nov. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/640>.

I

As últimas décadas do século XX se caracterizaram pelo desaparecimento dos discursos hegemônicos em todas as áreas do conhecimento e das atividades humanas. Se algo caracteriza o artista moderno – incluindo o arquiteto – é a consciência de que seu trabalho sempre poderia ser diferente. (2) O seu inimigo, e nosso por conseqüência, passa a ser a arbitrariedade. O que se espera do processo de aprendizado ao longo de um curso de arquitetura é que o conhecimento adquirido através da prática projetual, informada por atividades de teoria, história e crítica, possa contribuir para evitar a Arbitrariedade e resultar na Forma Pertinente.

Mais do que ensinar os estudantes a projetar de uma determinada maneira, o objetivo de uma escola de arquitetura deve ser a preparação do espírito crítico do estudante, a qual só pode ser alcançada de um modo: transferindo a experiência alheia para a própria, por meio do exame e do estudo de obras nas quais se reconheça como dados do projeto foram entendidos e valorizados pelos arquitetos, a que intenções suas decisões se vinculavam, em um momento histórico específico. Nessa incorporação da experiência alheia tem papel preponderante as atividades vinculadas à teoria, história e crítica da arquitetura.

Entretanto, da maneira como aparecem nos currículos das escolas de arquitetura, na sua organização departamental e até mesmo em encontros que visam discutir as suas inter-relações, teoria, história, crítica e prática de projeto parecem ser entendidos como campos autônomos do conhecimento. Meu propósito aqui é afirmar que, muito pelo contrário, teoria, história, crítica e prática de projeto são estreitamente vinculadas, sendo o projeto o fio condutor que deve guiar as demais.

II

A história da arquitetura é a história da arquitetura.

Esta frase, cunhada a partir de uma afirmação a respeito da abordagem histórica da filosofia, serve como um alerta inicial sobre o perigo de se tratar a história da arquitetura como história geral, em que a disciplina da qual fazemos parte aparece como um componente em pé de igualdade com os demais. Embora seja óbvio que, para que se possa tentar entender uma sucessão de fatos arquitetônicos ao longo do tempo é preciso situá-los num contexto em que todos os extratos históricos estejam presentes, por outro deve ficar claro que o extrato arquitetônico deve ser o fio condutor de tal explicação.

E qual é o papel da história em um curso de arquitetura? Certamente não é o de fornecer elementos para uma prática baseada na imitação. Como bem o disse Manfredo Tafuri, “o estudo da história visa dissolver a nostalgia, não estimulá-la. O seu conhecimento evita o ridículo do anacronismo”.

A história é uma forma de acesso ao conhecimento da nossa disciplina, na única maneira em que se apresenta à nossa experiência, isto é, como estratificação de hipóteses, soluções, êxitos e fracassos, como sedimentação histórica considerada num momento de transformação: o hoje. (3) A história não deve ser confundida com o passado, pois é uma construção sempre contemporânea baseada em uma dialética entre passado e presente, e orientada pelo interesse de quem a produz.

A história da arquitetura que interessa à prática de projeto é aquela que está voltada para o descobrimento de seus valores universais e suas aplicações circunstanciais, explicando porque determinadas obras de arquitetura são como são.

III

Duas concepções referentes às relações entre teoria e prática ainda são bastante comuns. Uma delas separa os arquitetos em dois tipos: os teóricos e os práticos. A outra, oriunda da Academia de Belas Artes francesa do século XIX sustenta a suposição ingênua de que existe uma teoria geral separada da prática realizada em ateliê.

Em conjunto, as duas concepções sugerem a independência entre teoria e prática. Além de independentes, são comparadas de uma maneira em que uma sempre aparece como mais relevante: ora a teoria é vista como diletantismo inconseqüente, ora a prática é classificada como repetição mecânica de fórmulas recebidas.

Soma-se à concepção da independência da teoria o descrédito conferido à maior parte das tentativas de estruturar um discurso teórico especificamente arquitetônico. Isso se deve principalmente a exemplos em que as elaborações teóricas se caracterizam por serem autoreferenciais e autosegregadas, fugindo do único objetivo da teoria, que deve ser incidir sobre o trabalho prático.

Vai no mesmo sentido a seguinte declaração do arquiteto catalão Helio Piñon:

“Menos ainda se deve associar a teoria a uma atividade alternativa à prática do projeto, praticada por espíritos pouco inclinados ou capacitados para a concepção formal: de nada serve a mais atilada observação teórica se não contribui para a intensificação do entendimento visual, condição necessária da capacidade de julgar e, portanto, de conceber” (4)

É preciso ter muito claro que entre teoria e prática não existe contraposição e, menos ainda, exclusão, mas plena complementariedade. Não pode haver teoria que não se alimente dos resultados da prática, nem existe prática que vá além da simples reprodução mecânica do existente que não se apoie em uma reflexão de caráter teórico. (5)

Outro mal entendido clássico é a visão da teoria como algo que precede e orienta a prática de projeto.

“A teoria não deve ser entendida como um manual de instruções para o projeto; não se trata de um método operativo camuflado por uma roupagem literária. As teorias são simplesmente tentativas de explicar os fatos que resistem à abordagem do mero sentido comum.” (6)

A observação de Helio Piñon sobre o significado da “teoria” coincide com o que Vitruvio chamava de ratiocinatio: a explicação e análise das construções materiais por meio do uso de noções técnicas e da razão. (7)

Uma teoria não deve ser confundida com os tratados (codificações estáveis e definitivas do saber) nem com as doutrinas (em que a verdade está definitivamente provada e as refutações da realidade são desconsideradas). Ao contrário, a teoria está sempre aberta ao mundo que pretende explicar: dele extrai confirmação, e se modifica caso surjam dados que a contradizem.

O objetivo de uma teoria projetual não pode ser a criação de fórmulas que resolvam todos os problemas de uma vez por todas, mas sim a ampliação da prática de projeto e seu campo problemático, proporcionando instrumentos que permitam reconhecer de maneira ordenada a complexidade da realidade. (8)

IV

Em relação à crítica de arquitetura, é importante ao mesmo tempo entender para que ela serve e os limites da sua atuação.

Josep Maria Montaner, em livro recente, trata do assunto com razoável profundidade. Nele chama a atenção para o importante papel cultural que a crítica desempenha e para o fato de que é caracterizada pela emissão de juízos, e para tanto é obrigada a uma relação muito próxima com a teoria, a estética e a história, chegando a afirmar que “toda atividade crítica necessita da base de uma teoria da qual possa deduzir os juízos que sustentam interpretações”. (9)

Os juízos que se pode emitir sobre a obra de arquitetura tem a ver com a medida na qual suas finalidades são cumpridas, não apenas aquelas estritamente funcionais, mas também estéticas, representativas e de relação com o entorno.

Entretanto, o crítico precisa ter muito cuidado para que os juízos emitidos o sejam de modo a não parecerem definitivos. A crítica profissional e acadêmica muitas vezes excede suas funções e apresenta a obra analisada como vista e julgada, monopolizando a ação crítica do sujeito, privando-o daquilo que é o momento essencial da arte moderna –no âmbito da qual se insere a arquitetura moderna--, a sua interpretação por parte do usuário. Muito ao contrário disso, o papel específico da crítica deveria centrar-se em revelar o sentido formal da obra no marco histórico em que acontece, como passo prévio ao juízo estético propriamente dito por parte do usuário. (10)

Se é possível afirmar, com alguma segurança, que “a missão da crítica é a de interpretar e contextualizar, e pode ser vista como uma hermenêutica que revela origens, significados, relações e essências”, (11) é igualmente importante sublinhar que isso se dá pelo estabelecimento de conexões em ambos sentidos, entre o mundo das idéias e conceitos e o mundo das formas projetadas e/ ou construídas.

V

A inter-relação da teoria, história, crítica e projeto fica aparente quando procuramos entender as atividades que são desenvolvidas em um típico ateliê de projetos. Tomemos como exemplo um exercício que consiste no projeto de um pequeno museu universitário. Ao longo do trabalho são desenvolvidas as seguintes atividades:

a. entendimento do programa em todas suas dimensões e do lugar.

b. busca e análise de precedentes: vários museus são analisados utilizando meios gráficos e verbais. As análises podem ser divididas em vários aspectos inter-relacionados.

Aspecto histórico: relação dos museus com a sociedade que decidiu pela sua construção, análise estilística e técnica;

Aspecto teórico: relação entre a organização espacial e elementos formais e as concepções arquitetônicas do período;

Aspecto crítico: análise dos exemplos sobre o ponto de vista das relações programa/ distribuição espacial, programa/ contexto, programa/ representação, construção, conforto, espaço/ iluminação natural, qualidade formal, etc.

Resultado prático desta atividade é a seleção de elementos e estratégias consideradas úteis e pertinentes ao exercício em questão.

c. desenvolvimento do projeto:

Ao longo das várias fases de desenvolvimento do trabalho, há vários momentos em que as propostas são submetidas à crítica dos professores. Essas intervenções se caracterizam pela verificação das propostas em termos de como estão respondendo ao programa, ao lugar, apoiada por uma abordagem ao mesmo tempo teórica e histórica. A teoria aparece como forma de explicação e entendimento do que o estudante está fazendo e/ ou deveria fazer. A história comparece como referencial, como exemplificação de situações análogas que poderão auxiliar o estudante a encontrar uma solução para o seu problema.

VI

As seções anteriores indicam algumas inter-relações muito interessantes. Não há crítica sem teoria, mas tampouco tem sentido a teoria pura, que prescinda de uma crítica das obras que a ilustram. A teoria realmente útil é a que se apresenta como um sistema aberto – logo, não é normativa nem apriorística – partindo da situação em que o arquiteto atua para sistematizar as respostas que demonstraram historicamente a sua validez. O ensino de história da arquitetura, se não utilizar a teoria e a crítica, corre o risco de se tornar uma recitação aborrecida de nomes, datas e ilustrações de edifícios.

Vistas do ponto de vista do ensino de projeto, teoria, história e crítica se confundem ao desempenhar praticamente o mesmo papel: o de fornecer parte do conhecimento necessário à prática de projeto (a outra parte se adquire no próprio fazer). A rigor, teoria, história e crítica são parte integrante do processo projetual. Além de não serem neutras, todas são dimensões importantes da atividade arquitetônica.

Se o anterior é correto, então a maneira como temos organizado os currículos das nossas escolas está equivocada. Não só faz pouco sentido existir disciplinas com nomes diferentes que tratam das mesmas coisas –Teoria da Arquitetura e História da Arquitetura – como a sua relação atual com as disciplinas de Prática de Projeto é problemática. Como já foi suficientemente demonstrado em relação às disciplinas técnicas, muito pouco é absorvido de conteúdos ministrados sem a perspectiva de aplicação imediata. Penso que o mesmo vale para teoria e história. O seu aproveitamento seria muito maior se fossem ministradas no âmbito do ateliê de projeto. Prova disso é o fato de que, de maneira informal, muitas disciplinas de projeto acabam se transformando em mini cursos de arquitetura, pela quantidade de conteúdos técnicos, teóricos, históricos e críticos que são agregados aos exercícios projetuais, já que as disciplinas específicas ministradas paralelamente à prática de projeto não estão suficientemente sintonizadas com o trabalho realizado no ateliê.

A teoria, a história e a crítica da arquitetura se encontram na base de toda metodologia para fazer arquitetura, por isso sua separação oficial da prática de projetos não pode ter bons resultados. Essa fragmentação do conhecimento representa uma sobrecarga para os estudantes, que vêem aumentado o número de disciplinas a cursar, ao mesmo tempo em que a carga horária dedicada às disciplinas de prática de projetos é insuficiente para abrigar a variedade de atividades necessária à sua compreensão e desenvolvimento.

notas

1
Trabalho apresentado no Vº Encontro de Teoria e História da Arquitetura no Rio Grande do Sul, com o trabalho “Teoria, História e Crítica e seu papel no ensino de Projeto Arquitetônico”, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter dos Reis, Porto Alegre, RS, out/2000

2
Karsten Harries, em “Thoughts on non-arbitrary architecture”, em Perspecta 20, 1983, citado em Fernando Perez O., Alejandro Aravena M. e Jose Quintanilla, Los hechos de la arquitectura, Santiago, Ediciones ARQ: 1999, p 26

3
Vittorio Gregotti, Território da Arquitetura, São Paulo, Perspectiva: 1975, p 125

4
Helio Piñon, Miradas Intensivas, Barcelona, Edicions UPC: 1999, p 24

5
Carlos Martí Arís, El arte y la ciencia: dos modos de hablar con el mundo, texto não publicado apresentado em Roma, no congresso “Il Progetto Architettonico”, 1998, p 2

6
Idem

7
Peter Collins, “Oecodomics”, em Architectural Review, março, 1967, citado em Enrico Tedeschi, Teoría de la arquitectura, Buenos Aires, Ediciones Nueva Visión: 1976

8
Martí Arís, idem

9
Josep Maria Montaner, Arquitectura y crítica, Barcelona, Gustavo Gili: 1999, p 11

10
Helio Piñon, Curso básico de proyectos, Barcelona, Edicions UPC: 1998, p 54

11
Josep Maria Montaner, op. cit.

sobre o autor

Edson da Cunha Mahfuz, arquiteto, professor de projetos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

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