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architexts ISSN 1809-6298


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O autor discute como as ampliações tecnológicas dos nossos sentidos interferem na apreensão espacial das cidades


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DUARTE, Fábio. Pensar o espaço tecnológico. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 045.05, Vitruvius, fev. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/609>.

Pensar o Espaço

A existência do ser humano implica sua colocação no espaço – seja sua existência material, seja imaginária.

Mas o que é, em síntese, o espaço? Uma das melhores sistematizações desse conceito é do geógrafo Milton Santos, quando o define pela relação dos sistemas de objetos e dos sistemas de ações, sendo seus dois elementos fundamentais os fixos e os fluxos. A apreensão desses elementos envolve características intelectuais, culturais e sensoriais, que, por sua vez, alteram-se em predominância e intensidade dependendo da situação.

A apreensão dos elementos espaciais do recinto onde lemos este artigo envolve sistemas de objetos e ações distintos daqueles que configuram nossos sonhos. Não existe, portanto, um espaço ontológico, universal, mas sim diferentes espaços que são determinados pelas qualidades de seus fluxos e fixos que apreendemos sensorial e intelectualmente.

O que pretendo aqui é discutir como as ampliações tecnológicas dos nossos sentidos interferem na apreensão espacial desse universo plurissensório e plurissígnico que são as cidades. Para isso, me basearei no projeto I0_dencies, do grupo Knowbotic Research, com o qual me envolvi desde o seu início, que toma como desafio justamente o a construção de um filtro sensório e intelectual do que apreendemos e como entendemos o espaço urbano.

Espaço e a linguagem

Um dos pioneiros a estudar sistematicamente como as diferenças culturais são responsáveis pela forma como sentimos e apreendemos o espaço foi Edward Hall. Ele chamou a atenção para a construção cultural de filtros seletivos (2), que determinam as sensações que serão apreendidas e as que serão descartadas. O que é filtrado cria o que aceitamos como o nosso espaço. Essa forma de construção cultural do espaço abrange de um lado os estímulos externos, e de outro os dados biológicos e os valores culturais dos indivíduos ou grupos. E, também, a forma como apreendemos o espaço determina parte do nosso Eu psicológico.

Mas lembro que o processo de conhecimento de qualquer fenômeno passa necessariamente por sua organização em linguagem. No caso do espaço, têm prioridade as linguagens não-verbais. Temos assim que o espaço é apreendido através de filtros culturais; e que tais filtros são construídos pelas linguagens.

A linguagem, por ser matriz intelectual descolada da natureza e da materialidade dos fenômenos, é em certa medida redutora da integralidade dos fenômenos; mas, em contrapartida, cria estruturas de pensamento que possibilitam investigação e conhecimento que, ao partirem de um certo fenômeno, podem ser estendidas a outros similares.

O mundo é sempre apreendido pelos nossos aparelhos sensórios ou por suas extensões tecnológicas. O próprio Edward Hall dá como exemplo uma pessoa cega, que apreende o espaço com 4 sentidos, num raio limitado; mas alguém que pode usar a visão amplia esse raio até ver as estrelas. Flaubert já escrevera que quanto mais potente fosse o telescópio, mais estrelas existiriam. Portanto, a mediação tecnológica (onde entra também diferentes formas de linguagem) está intimamente ligada à nossa capacidade de apreensão espacial, além de poder transformar nossas formas de sentir, nos localizar e entender o espaço.

Espaço e tecnologia

Muito vem sendo discutido sobre as transformações das qualidades espaciais resultantes de mudanças nas extensões tecnológicas do homem. A informática, principalmente com as tecnologias do virtual, é um potente instrumento dessas mudanças (3).

As transformações em como apreendemos os espaços virtuais, e as sensações que eles nos trazem, apontam para uma mudança radical no que entendemos por espaço no mundo moderno. Isso se dá também nas cidades sem que a grande maioria dos urbanistas e dos arquitetos as percebam.

Assim, as mudanças em como apreendemos o espaço a partir das tecnologias digitais têm dois caminhos.

  • O primeiro é epistemológico, buscando entender como a imersão em ambientes virtuais resulta em alterações na percepção espacial quando estamos dentro desse universo. Universo que possui fluxos e fixos próprios e exclusivos.
  • Mas há este outro, que é o terreno onde universos tecnológicos distintos se imbricam, onde não nos é permitido separar distintos sistemas de objetos, de ações, tecnologias ou linguagens. É onde podemos encontrar duas matrizes espaciais em diálogo e mesmo se alterando reciprocamente. É quando as cidades pedestre, automotora, televisa e digital tecem redes embaralhadas e por vezes conflituosas.

São nessas tramas informacionais que costuram as cidades contemporâneas que os urbanistas se perdem. Mas é justamente a partir dessa trama que serão construídos os filtros culturais que comporão nossa experiência espacial num futuro próximo.

A nossa apreensão do espaço implica na inclusão de nossos 5 sentidos e, há séculos, de nossas extensões tecnológicas. Operamos incessantemente num terreno onde trafegam e se misturam diferentes sistemas de signos. Esses diálogos entre linguagens são feitos através das interfaces. Assim, as interfaces não devem ser vistas como a película limítrofe entre pretendidas especificidades de cada mundo (os objetos/fenômenos e seus signos), mas, como sugeriu Siegfried Zielinki (4), ver as interfaces como instrumentos e modelos conceituais com os quais se possa operar através desses universos de linguagens diferenciadas.

Esse conceito é marcante nos trabalhos do grupo Knowbotic Research, que envolvem tecnologia, arte, arquitetura e ciência, e se fazem na região sob tensão criativa onde se interpenetram os espaços informacionais e geográficos. O instrumento e o conceito de interface são os knowbots. Os knowbots, para o grupo, são corpos de conhecimento, são agentes que transitam entre o território material e o território informacional, contaminando um com o outro, e requalificando a ambos.

Os trabalhos do Knowbotic resultam sempre na construção de ambientes tecnológicos interativos centrados nas relações entre os usuários e o ambiente mediadas por máquinas inteligentes, como computadores e outros dispositivos eletrônicos. As ações dos usuários refletem-se no conjunto ambiental, assim como as próprias modificações do ambiente modificam a apreensão espacial do usuário.

Maquínico urbano: I0_dencies

Os trabalhos do Knowbotic ganharam complexidade e novos desafios conceituais, artísticos e tecnológicos quando passaram a focalizar as cidades, buscando discutir o que chamam da "noção tecnológica da urbanidade" (5).

As cidades são vistas a partir do conceito do maquínico, de Félix Guattari, para quem a idéia de máquina descola-se da visão mecanicista, atrelada à materialidade de instrumentos tecnológicos, para se colocar na "ordem do saber e não do fazer"(6) A máquina como uma mediação criativa entre o homem e o meio-ambiente. O maquínico é assim um sistema de "agenciamento" de possíveis, um campo de virtualidades. Guattari exemplifica que um amontoado de pedras é tão somente um amontoado de pedras, enquanto um muro já é uma proto-máquina, pois tem "polaridades virtuais", como dentro e fora, alto e baixo (7).

Lembro-me de um diálogo entre Marco Polo e o Grão Cã, em Cidades Invisíveis, de Italo Calvino:

"Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan.– A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam.Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:– Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.Polo responde:– Sem pedras, o arco não existe" (8)

A ponte seria uma proto-máquina para Guattari, que identifica algumas delas, como as máquinas capitalistas, as musicais, as plásticas, as religiosas e as "mega-máquinas urbanas". Aqui me lembro de Lucrécia Ferrara (9), para quem as cidades, essas "mega-máquinas urbanas", são elas mesmas sempre frutos de processos de linguagem, de representações de um universo mais abrangente que ela mesma.

Esses instrumentos tecnológicos não mudam apenas como representamos os espaços, mas alteram completamente o que denominamos espaço. Por séculos vemos a visão e suas representações características como privilegiadas na apreensão espacial. Christian Huebler, do Knowbotic, sempre ressaltou que a proposta do grupo é justamente trocar a visibilidade pela presença. Os meios digitais não serviriam para ver ou representar imageticamente a cidade, mas para que as pessoas, através de interfaces informacionais, marcassem sua presença nesse agenciamento de signos urbanos.

Interessado nas possibilidades artísticas dos meios eletrônicos, sempre valorizando a criação de agentes inteligentes que consigam trafegar em ambientes matizados por distintas linguagens, o grupo Knowbotic Research iniciou seu projeto I0_dencies (10) focalizando grandes centros urbanos: Tóquio, São Paulo, Veneza, etc.

I0_dencies: São Paulo

As cidades são analisadas pelo Knowbotic Research como máquinas urbanas, com a presença crescente de agentes midiáticos dinamizando-as – mas que são normalmente desconsiderados das representações urbanas.

Essas representações foram trabalhadas infograficamente, construindo um ambiente digital dinâmico. Para início da construção do campo digital, arquitetos e urbanistas em São Paulo alimentaram o banco de dados com fotografias, desenhos, vídeos, sons, pequenos textos teóricos ou poéticos que lhes representasse fragmentos da cidade. A cada um desses elementos os editores ligavam palavras-chave, dispostas no campo visual, a tela do computador, e que, acessadas, traziam as imagens, sons e textos. O posicionamento e movimento dessas palavras na tela podiam ser feitos por todos os editores e os interessados, via Internet. Algoritmos calculavam quantidade de vezes que cada palavra era acessada, direção que era movimentada, proximidade a outras palavras, e transformavam esses cálculos em campos de força e fluxos, que começavam a atuar como agentes intrínsecos ao sistema, os knowbots. [figura 1]

Nesse ambiente digital, disponibilizado na Internet, os usuários de qualquer parte do mundo que estivessem em rede podiam visualizar os fluxos urbanos e também posicionar pólos de atração que modificassem sua trajetória, além de redirecioná-los, ao interferir diretamente nos vetores. O movimento dos fluxos dependia da presença ativa de operadores dos signos gráficos.

O sistema tecnológico de I0_dencies permitiria ainda que o que é próprio ao território digital das cidades fizesse realmente parte do trabalho. Dados de trânsito aéreo, controles de tráfego viário, ondas de rádio e televisão, chamadas telefônicas e fluxos de informações financeiras dinamizam cotidianamente a cidade, fazendo parte do território digital. É justamente por trabalhar com o mesmo substrato tecnológico e informacional que o projeto I0_dencies poderia incorporar esses dados como seus agentes no processo de agenciamento urbano. Conviveriam então dados que passaram pela leitura dos editores, envolvendo outras formas tecnológicas de apreensão e compreensão urbana (fotos, textos), com dados informacionais próprios ao território digital urbano que foge às representações tradicionais das cidades. O território de I0_dencies tornaria possíveis agenciamentos informacionais das matrizes espaciais próprias às cidades contemporâneas.

Para as exibições em galerias e festivais, foi concebido um campo magnético correspondente ao campo digital criado na Internet, com magnetos correspondendo aos agentes digitais e os movimentos dos usuários, aos fluxos informacionais. Assim, agentes digitais e magnetos se influenciariam reciprocamente, fazendo com que, na instalação, uma pessoa que estivesse manipulando um magneto sentisse fisicamente as atrações e repulsas magnéticas originadas pelos atratores manipulados no campo digital, mas pudesse reagir tentando mudá-las através da ação sobre os magnetos. Esses movimentos estariam respondendo e influenciando o agenciamento no campo digital; e vice-versa. A interação em I0_dencies São Paulo criava um território topológico envolvendo signos de diferentes linguagens. [figuras 2, 3 e 4]

O agenciamento informacional do I0_dencies São Paulo tendia a ser uma metáfora do agenciamento urbano da cidade real. As metáforas são próprias às artes e têm poderes reveladores de relações entre linguagens por vezes não apreendidas na análise racional das informações.

Esse projeto mostra que a linguagem, sendo o modo de organizar e manipular signos, pode ser vista como território informacional. Assim, se a linguagem se transforma, esses territórios também o fazem – já que as idéias que se têm deles devem ser transformadas. Falar de cidades digitais como uma dimensão suplementar às cidades reais é tentar a impossível separação entre sociedade e tecnologia. Ora, elas são interdependentes e se formam reciprocamente.

Claro que continuaremos a caminhar, morar e andar de carro nas cidades. Portanto, ela será sempre um palimpsesto tecnológico nunca permitindo sua compreensão pela seleção de um único sistema ou linguagem – por mais estimulante que seja.

Apesar de alguns questionamentos que vêm sendo levantados a este projeto do grupo Knowbotic Research, principalmente por urbanistas, arquitetos, historiadores e sociólogos brasileiros, que se dispuseram a conversar longamente com o grupo sobre o projeto (longe dos seminários envolvendo apenas artistas ligados às maravilhas tecnológicas), o projeto I0_dencies é uma das mais inquietantes e profícuas oportunidades para se pensar o espaço tecnológico.

notas

1
Este artigo é baseado em dois livros do autor: 1. DUARTE, Fábio. Crise das matrizes espaciais: arquitetura, cidades, geopolítica e tecnocultura. São Paulo, Perspectiva, 2002.; 2. DUARTE, Fábio. Arquitetura e tecnologias de informação. São Paulo / Campinas, Annablume/Unicamp, reeditado em 2003.

2
HALL, Edward. The hidden dimension. Winchester, Allen & Unwin, 1969, p. 2.

3
ver, por exemplo, Marcos Novak <www.aud.ucla.edu/~marcos> e conjunto de obras em Arquitetura Virtual <www.asa-art.com/virtus.htm> e Centre for Virtual Architecture <www.ap.buffalo.edu/cva>.

4
ZIELINKI, Siegfried. “Paris revue virtuelle” in www.khm.de/~mem_brane/Forum/Phil/Paris.html, 1995.

5
Knowbotic Research, “Questioning urbanity” in www.khm.de/people/krcf, 1997.

6
GUATTARI, Félix. Chaosmose, Paris, Galilée, 1992, p. 53.

7
Idem, ibidem, p. 65

8
CALVINO, Italo. Cidades invisíveis. São Paulo, Cia das Letras, 1991, p. 79

9
FERRARA, Lucrécia. “Arquitetura e linguagem: investigação contínua” in OLIVEIRA, A.C e FECHINE, Y. (orgs.) Visualidade, urbanidade, intertextualidade. São Paulo, Hacker, 1998.

10
Para toda a série de projetos, ver www.krcf.org/krcfhome/IODENS_SAOPAULO/1IOdencies.htm.

sobre o autor

Fábio Duarte é professor do mestrado em Gestão Urbana da PUCPR. Arquiteto e urbanista pela Universidade de São Paulo, mestre em Multimeios pela Unicamp, doutor em Comunicações e Artes pela Universidade de São Paulo. Autor de Global e local no mundo contemporâneo (Moderna, 1998), Arquitetura e tecnologias de informação: da revolução industrial à revolução digital (Annablume / Fapesp / Unicamp, 1999) e Crise das matrizes espaciais: arquitetura, cidades, geopolítica e tecnocultura. (Perspectiva, 2002) e Do átomo ao bit: cultura em transformação (Annablume, 2003)

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