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Vladimir Bartalini discute a possibilidade de se contemplar as “originalidades” culturais do paisagismo realizado em São Paulo ao longo dos séculos


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BARTALINI, Vladimir. Paisagem e cultura em São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 049.01, Vitruvius, maio 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.049/573>.

Há questão de um ano, como parte dos preparativos para a realização de um colóquio em Dumbarton Oaks, nos Estados Unidos, alguns arquitetos brasileiros e de outros países da América Latina, de certo modo identificados com as questões relativas à paisagem e à arquitetura paisagística, receberam um convite para submeter à comissão organizadora as linhas gerais de um artigo para alimentar os debates programados para o evento.

O tema versava sobre os aspectos peculiares das culturas dos países de origem dos convidados no referente à percepção e apropriação da paisagem. Enfatizava-se a necessidade de contemplar as “originalidades” culturais, uma vez que o seminário pretendia distanciar-se das posturas convencionais vigentes nesta área.

Intenção louvável, a princípio. Restava, no entanto, decifrar o que se pretendia ao apelar-se para “originalidades” ou “singularidades” culturais. Nunca é demais lembrar o fascínio que as culturas dominantes sentem pelas excentricidades que supostamente ocorreriam em países de passado colonial.

De qualquer modo, do esforço para convergir rotas num ambiente semanticamente neblinoso, resultaram algumas considerações sobre como se processou, no nosso meio urbano, a evolução dos hábitos culturais no que se refere à fruição dos espaços de certa maneira ligados à paisagem natural ou aos seus simulacros.

Antes de mais nada, porém, há de se levar em conta que caracterizar genericamente a cultura urbana brasileira é uma empresa temerária. Por mais que o esforço de integração nacional e de modernização tenha colocado face a face diferentes realidades urbanas; por mais que os meios de comunicação de massa tenham divulgado e continuem a irradiar com intensidade e velocidade crescentes idéias e linguagens padronizadas por todo o território nacional; por mais impacto que elas produzam sobre as culturas em que incidem, é necessário reconhecer que o porte, a localização, enfim, a história de cada uma das cidades, tornam-nas, de algum modo, sempre singulares e resistentes a generalizações excessivamente redutoras.

Também é preciso advertir sobre os riscos de se falar da cultura de uma determinada cidade, como se ali vigessem valores homogêneos, compartilhados por toda a população quando, na verdade, as classes e os segmentos de classes sociais produzem um mosaico cultural nem sempre coeso, aliás até conflitante no caso das grandes metrópoles.

Mas, com certeza, esta não é uma exclusividade brasileira. Além disso, em meio às diferenças mais ou menos sutis que distinguem um caso do outro, pode-se detectar certas características comuns que permitem distinguir territórios e recortar períodos de sua cultura, ou melhor, de suas culturas.

O empenho em compreender as questões culturais gerais num país tão grande e diversificado como o Brasil produziu obras fundamentais, sobretudo na primeira metade do século XX, como Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda) e Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Júnior), a que se seguiram outras tantas igualmente relevantes. Procuraram abarcar a totalidade do nosso espaço sem deixarem de ser profundas.

Por isso, com todas as ressalvas inicialmente apontadas, sentimo-nos autorizados a adotar a intensificação do processo imigratório, ocorrido na segunda parte do século XIX, como o marco para as grandes transformações pelas quais o Brasil viria a passar também no quadro da cultura, pela “perda crescente das características ibéricas, em benefício dos rumos abertos pela civilização urbana e cosmopolita”, no dizer de Antônio Cândido.

É neste quadro que se inserem as novas formas de percepção e apropriação da paisagem, da fruição dos jardins, dos parques e das áreas verdes nas maiores cidades brasileiras.

Convém novamente alertar sobre a impossibilidade de traçar linhas divisórias rígidas, pois antes mesmo do grande surto imigratório variegado, alguns sintomas de mudança com relação à paisagem natural ou projetada já estavam presentes. Nos fins do século XVIII, sob o efeito do Iluminismo, o Rio de Janeiro ganhara seu primeiro jardim público e alguns anos mais tarde a rainha Carlota Joaquina, em sua permanência forçada no Brasil, escolheria um recanto no ainda ermo Botafogo para instalar sua residência e usufruir da paisagem da baía.

A valorização do verde urbano público já ocorria também, ainda no início do século XIX, em outras cidades brasileiras, notadamente em Belém do Pará, onde o Conde dos Arcos ordenou transformar o charco do Piri “num largo cheio de árvores sombrias e flores”, como informa Jorge Hurley (1). Mas tratava-se de iniciativas isoladas e a resposta da população a estas inovações não tinha a estabilidade necessária para configurar um hábito. Não se podia ainda dizer que a fruição de jardins ou parques públicos fosse um traço cultural incorporado à vida urbana.

Tudo isto viria a confirmar a supremacia da “cosmologia da secura”, expressão empregada por Dominique Duffetel (2) em referência aos espanhóis no México, mas que poderia valer para os portugueses no Brasil. Os espaços públicos ao ar livre nas cidades brasileiras eram as ruas, os largos, as praças. Quando não pavimentados, eram de chão batido. Vegetação, se houvesse, era o mato que crescia por falta de cuidados.

Manifestações da natureza eram sinônimos de inconveniências, de perturbações. Nas cidades, a paisagem valorizada haveria de ser a urbana. Usufruir de jardins ou divertir-se em meio ao “verde” eram hábitos próprios do campo e nele deveriam ser exercidos.

Mas deve-se matizar estas afirmações, pois elas servem apenas como caracterização geral e superficial de uma atmosfera urbana com ranços coloniais. Poderiam valer para as cidades mais importantes, ainda assim para as suas áreas mais centrais, e para as camadas sociais mais ricas ou tradicionais.

No caso de São Paulo, que era um núcleo urbano inexpressivo até meados do século XIX, o uso informal das “áreas verdes”, isto é, das áreas ainda não urbanizadas junto à cidade, para fins recreativos, foi registrado por vários cronistas.

Naquela época, o lazer ao ar livre que os paulistanos (mas não as paulistanas) comuns praticavam com maior freqüência, além de caçar e pescar, era banhar-se e nadar no rio Tamanduateí, que passava aos pés do palácio do governo provincial. Segundo Afonso de Freitas (3), tratava-se de hábito antigo e enraizado, legado dos antepassados indígenas, de quem provinha quase que a metade do povo da cidade. Em 1864 foi aprovada uma postura municipal proibindo que se tomasse banho nu, durante o dia, nos rios que banhavam a cidade. Atente-se que a proibição não se justificava por uma razão sanitária, uma vez que os rios, nos seus trechos urbanizados, já estavam poluídos então, mas sim por uma razão de decoro, pois presume-se que, à noite, banhar-se nu fosse permitido. Nas últimas décadas do século XIX, no entanto, o uso dos rios para este tipo de lazer informal passou a ser severamente reprimido.

Bem antes, desde a segunda metade do século XVIII, passeios e divertimentos em recantos pitorescos nos arredores da cidade já eram registrados. Ernâni Silva Bruno (4) informa que, naqueles idos, havia pelo menos dois locais conhecidos na cidade para estes fins: a região da Luz e certos trechos da várzea do Tamanduateí, como a “paragem Tabatinguera”. Desta paragem dizia-se nas atas da Câmara, já em 1773, “que era lugar de recreio e divertimento do povo da cidade. E sobretudo depois que se fizeram ali, no governo de Cunha Meneses, ‘passeios gramados’ o povo se recreava de dia e de noite, no tempo da seca”.

Tudo isto já ocorria antes do grande fluxo imigratório da segunda metade do século XIX, que se dirigiu sobretudo a São Paulo, influenciando fortemente a sua cultura urbana. Mas devemos ser cuidadosos ao afirmar que o gosto pela recreação ao ar livre, em estreito contato com a natureza, apenas teria se desenvolvido com a chegada dos imigrantes: ele pode ter sido mais divulgado e se tornado mais diversificado desde então, mas já existia anteriormente.

De fato, no final do século XIX, jardins e chácaras particulares, que eram abertos à visitação pública nos fins de semana, passaram a ser cuidados por jardineiros alemães ou italianos, que gradualmente substituíram os portugueses. O crescimento do comércio de plantas ornamentais naquela época também testemunha a divulgação da prática da jardinagem em São Paulo. O fluxo de público para as chácaras, tivolis ou para os chamados “recreios de tipo alemão”, que já se registrava em meados do século XIX, teve significativo aumento a partir dos anos 1890.

O futebol, introduzido pelos ingleses, tornou-se um esporte popular, praticado principalmente nas várzeas dos rios, que permaneciam relativamente “naturais”, ou rústicas, já ultrapassada a metade do século XX.

A busca de contato com a paisagem natural já existia antes deste surto, mas intensificou-se na Segunda metade do século XIX. Esta busca podia ser intencional, como a realização de piqueniques nos bosques da cidade, ou “compulsória”, pela falta de espaço melhor, como no uso das várzeas abandonadas para a prática de esportes.

Boa parte deste impulso para novos hábitos de lazer pode ser atribuída aos estrangeiros que passaram a viver em São Paulo. Novos hábitos foram assimilados não só pelas classes mais ricas, que sempre se identificaram com os modelos europeus, mas também pela gente do povo, que passou a adotá-los. Mesmo sindicatos de trabalhadores urbanos, ideologicamente resistentes a tudo o que pudesse se assemelhar a “hábitos burgueses”, organizavam festas e bailes em parques nos arrabaldes da cidade, já nos primeiros anos do século XX (5).

Talvez tenha ocorrido um processo imitativo: as elites locais reproduziam hábitos das metrópoles estrangeiras e as classes populares se espelhavam nelas. Mas o que importa salientar é a preservação, ou renovação, de tais hábitos entre as classes populares mesmo quando eles já foram abandonados pelas elites e, além disso, a popularização dos parques e jardins públicos que, de início, eram locais elitizados.

O crescimento da cidade e seu embelezamento levado a efeito de modo mais intensivo a partir da virada do século XIX para o XX, teve como conseqüência a eliminação dos espaços ainda rústicos que existiam no interior ou nos arredores da cidade e, portanto, a restrição de usos associados às manifestações informais e espontâneas que ali ocorriam. Esperava-se um comportamento mais formal do público nos novos jardins e parques da área central, relegando para as periferias distantes as expressões mais descontraídas do lazer junto ao “verde”. Pode-se dizer que nestas áreas, abandonadas pelo poder público, praticavam-se atividades de lazer hoje típicas dos parques como jogos, passeios, banhos de sol, piqueniques, enfim, o lazer informal.

Uma vez que as várzeas dos rios e as chácaras periféricas atendiam, de algum modo, às necessidades de lazer de uma cidade em crescimento espantoso, os governos não se sentiam pressionados para suprir de imediato a demanda por parques com equipamentos diversificados destinados ao lazer popular. O primeiro grande parque projetado com esta finalidade não seria inaugurado antes de 1954, quando São Paulo já era a cidade mais rica e populosa do Brasil. Depois disto, mais vinte anos foram necessários para que novos parques fossem implantados.

Tal fato coincidiu com um período peculiar da história do Brasil. Nos anos 1970, o crescimento econômico esteve associado a um ufanismo nacionalista inflado pelo governo militar. A cultura do corpo, já em voga no exterior, era bem-vinda na medida em que se acreditava que pudesse produzir cidadãos saudáveis, com mentes saudáveis. Era também o tempo em que as autoridades, preocupadas com os perigos que poderiam advir do ócio, deram grande atenção às formas organizadas de lazer (6).

Os exercícios físicos tornaram-se então populares. Ciclismo amador, bem como caminhadas programadas e o cooper, passaram a ser praticados por pessoas das mais variadas idades e classes sociais. Os parques tornaram-se os locais por excelência para este tipo de lazer, embora ele pudesse se dar, como ocorre ainda hoje, em canteiros centrais de avenidas, ou mesmo em ruas. Assim, apesar de suas origens um tanto escusas, a procura pelos espaços verdes de lazer cresceu.

Outros tipos de esporte amador, além do futebol, passaram a ser praticados, o que levou muitos parques a serem equipados com quadras e campos de esportes. Desde os anos de 1980, músicos populares e mesmo orquestras, têm se apresentado em parques, atraindo uma audiência de milhares de pessoas.

Um fenômeno paralelo, reflexo de uma nova consciência ecológica, que já emergia na Europa e nos Estados Unidos, foi a valorização do “verde”, o que levou um número ainda maior de freqüentadores aos parques.

Portanto, novos hábitos foram adquiridos, impulsionando a implantação de novas áreas verdes. Isto já dura mais de duas décadas, o que permite afirmar que tais hábitos já estão incorporados na cultura urbana.

O conhecimento do que ocorre em parques públicos de São Paulo permite compreender em que medida a valorização da paisagem natural (ou das áreas verdes projetadas), a apreciação de suas qualidades e a sua utilização para finalidades de lazer, estão presentes na vida dos paulistanos hoje.

Em 1999 realizaram-se pesquisas em oito parques públicos de São Paulo, em que foram ouvidos 800 freqüentadores (7). Investigaram-se os seguintes itens

    • Caracterização dos freqüentadores por sexo, idade, inserção no mercado de trabalho, grau de instrução
    • Local de residência (distância casa/parque), tempo gasto no deslocamento casa/parque, meios de transporte utilizados
    • Freqüência de uso do parque e tempo de permanência
    • Motivos para ir ao parque
    • Avaliação do parque

Como a pesquisa limitou-se aos freqüentadores dos parques, não se pode fazer inferências sobre o papel que os parques desempenham no lazer dos paulistanos de um modo geral, mas de qualquer modo ela revela qual disseminada é a freqüência aos parques em termos sociais e a importância deste tipo de lazer entre os que o praticam.

De fato, a assiduidade e o tempo que os freqüentadores despendem nos parques alcança valores significativos, e o percentual nada desprezível de pessoas que gastam mais de uma hora no percurso casa/parque mostra o quanto elas estão dispostas a enfrentar para usar estes espaços.

É ainda relevante, entre os motivos apontados para a ida aos parques, o encontrar ou simplesmente ver pessoas, o que os torna também lugares de exercício da sociabilidade.

Além disso, a pesquisa mostrou a importância que os freqüentadores atribuem às condições paisagísticas e ambientais dos parques. A aprovação ou desaprovação das qualidades gerais referentes à paisagem e ao ambiente, expressas espontaneamente, atingiram marcas tão elevadas quanto aquelas referentes a equipamentos mais específicos, como os associados ao esporte e à recreação. Este é um sinal de que a paisagem passa a ser vista como um valor em si mesma _e este valor é reconhecido pelos freqüentadores_ deixando de ser apenas um pano de fundo para atividades específicas.

O que importa não é avaliar a “originalidade” (ou a falta de originalidade) que estes dados apresentam, nem julgar se a valorização da paisagem é ou não, foi ou não foi, um traço típico da nossa “cultura” (o que aliás não parece ter sido). O que mais interessa é chamar a atenção para um indicador que contraria o senso comum _que pode ter tido sua validade durante um certo tempo_ de que o “brasileiro” (esta generalização um tanto abusiva) vê as alusões à natureza (via paisagem naturalista) como algo que se antepõe à integração na civilização urbana, e de que ao brasileiro pobre ou “remediado” (e a maioria dos freqüentadores dos parques o são) não interessa a qualidade da paisagem, que isto seria um requinte alheio às suas preocupações.

Ao se aprofundar o conhecimento da percepção que o homem comum tem da paisagem, pode-se chegar a dados importantes sobre nossa cultura multifacetada, que revelarão talvez surpresas, mas provavelmente nada de exótico.

notas

1
Jorge Hurley, Belém do Pará sob o Domínio Português: 1616 a 1823. Belém, Livraria Clássica, 1940.

2
Dominique Duffetel, “Pequeña Historia de las Chinampas y Tres Sueños”, in Edición Especial de Artes de Mexico _ Xochimilco. Mexico, Departamento del Distrito Federal, sd.

3
Afonso de Freitas, Tradições e reminiscências paulistanas. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia. Editores, 1921.

4
Ernani Silva Bruno, História e tradições da cidade de São Paulo. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1954.

5
Judith Mader Elazari, Lazer e Vida Urbana - São Paulo - 1850-1910. Dissertação de mestrado em História Social apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1979.

6
Denise Bernuzi de Sant’Anna, O prazer justificado - história e lazer (São Paulo, 1969/1979). São Paulo, Editora Marco Zero, CNPq, 1994.

7
Vladimir Bartalini, Parques Públicos Municipais de São Paulo – A ação da Municipalidade no provimento de áreas verdes de recreação. Tese de doutorado, Fau-Usp, 1999.

sobre o autor

Vladimir Bartalini, arquiteto, mestre e doutor pela Fau-Usp. Atua profissionalmente na área da arquitetura paisagística desde 1973 e leciona disciplinas de paisagismo em escolas de arquitetura desde 1975. Coordena atualmente o Laboratório Paisagem, Arte e Cultura do Departamento de Projeto da Fau-Usp

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