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A arquitetura tradicional africana se assenta em um amplo espectro do edificado: desde o efêmero de suas etéreas construções nômades até a inamovível perpetuidade de suas pirâmides ancoradas estoicamente sob o calcinante sol do deserto


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VÉLEZ JAHN, Gonzalo. Barro, vento e sol. Raízes de uma arquitetura africana. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 057.00, Vitruvius, fev. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.057/496/pt>.

“A filosofia e o conhecimento prático (know how) dos construtores anônimos oferecem a maior fonte de absorção potencial de inspiração arquitetônica para o Homem Industrial” (Bernard Rudofsky 1964)

Apresentação

A arquitetura tradicional africana se assenta em um amplo espectro do edificado: desde o efêmero de suas etéreas construções nômades, sempre em movimento como o vento inclemente do qual em vão tentam escapar, até a inamovível perpetuidade de suas pirâmides ancoradas estoicamente sob o calcinante sol do deserto. A luta do ser humano para se instalar em um meio que só o aceita com reticência guarda uma admirável identificação com uma dessas sagas que surgem periodicamente no desenvolvimento da humanidade contra toda argumentação cínica, contra toda judiciosa cautela, contra todo raciocínio antecipador. Uma saga de múltiplas respostas formais expressa em uma gama que se estende desde as soberbas cidades de pedra de Mauritânia e Zanzibar, o milenar patrimônio egípcio, os castelos líbios ou as igrejas subterrâneas etíopes até as maravilhosas criações contrastantes surgidas do uso do humilde barro combinado com outros materiais locais disponíveis, predominantemente de origem vegetal. E é precisamente na divulgação desta última combinação que o presente artigo estará dirigindo sua atenção.

Para os arquitetos, as raízes da arquitetura vernácula africana representam uma fonte inesgotável de inspiração amparada na força de sua expressão criativa e autêntica que nunca deixou de maravilhar e de servir de exemplo a muitos de nós: arquitetos como Gaudí, Corbusier, Barragán, e mais recentemente Gehry, entre outros, expressam através de seu pensamento e/ou de suas obras um reconhecimento à importância e à influência deste movimento excepcional na evolução da arquitetura.

O propósito do presente trabalho é apresentar um número de notáveis e contrastantes exemplos de arquitetura popular africana extraídos da vasta gama de recursos alojados nessa sempre crescente fonte de referências que constitui a Internet. E de promover também um interesse pela revisão e aprofundamento do assunto em questão pensado como transposição de experiências. Com tal finalidade nos concentraremos preferencialmente naquela região do continente africano identificada administrativamente como África do Oeste – África Ocidental – (figura 02). Com alguma tolerância adicional, mencionaremos experiências adicionais de interesse temático identificadas em Camarões e Chad e na área específica de Lieliefontein em Namaqualand, África do Sul.

Para o desenvolvimento do presente trabalho foi fundamental o acesso aos documentos de consulta provenientes da UNESCO; à excelente base de dados África Focus da Universidade de Wisconsin; ao Guia Lexicon de informação sobre a África; à Biblioteca Digital de Imagens Arquitetônicas ArchNet; ao Álbum de Arquitetura da África do Oeste; ao Guia Destinations de Lonely Planet; e à publicação virtual World Architecture, identificados, junto com outros documentos, na bibliografia de referência de acesso via Internet incluída no final deste trabalho.

Implantação geográfica da mostra aqui apresentada

Dos cinco grandes departamentos políticos-administrativos (Norte, Sul, Central, Leste, Oeste) nos quais se encontra dividido na atualidade o continente africano, temos incluído exemplos de arquitetura vernácula situados em Burkina Fasso, Mali, Senegal e Saara (Departamento Oeste); Camarões e Chad (Departamento Central); e África do Sul (Departamento Sul). É uma mostra qualificada e representativa do talento e do engenho dos artesãos e projetistas apoiado no uso.arquitetônico e ecológico de materiais locais (figura 02).

Transição ecológica

Outra forma mais coerente e integrada ao nosso propósito arquitetônico é a de considerar a África do Oeste – África Ocidental, onde está concentrado o grosso da presente mostra, como um extenso território, de população predominantemente francófona, que vai desde as costas atlânticas da Mauritânia até a fronteira com o Chad, passando por Mali, Burkina Fasso, Gana, Benin, Nigéria e Niger, entre outros países, variando dentro de seus limites desde o desértico e seco até o selvático e úmido e atravessando duas zonas de transição: o Sahel, afetado por fortes secas, situado ao sul do Saara e que se estende desde o Oceano Atlântico até o Mar Vermelho, e a Savana ou Pradaria de clima mais benigno e equilibrado.

E assim como variam as condições climáticas na África Ocidental, também varia a disponibilidade de materiais construtivos locais, destacando-se a pedra, a madeira, o barro e a grama, todos com interessantes resultados específicos, dos quais enfatizaremos por sua plasticidade e sensibilidade ecológica o uso do barro e agregados menores, ilustrando-o graficamente com exemplos que buscam transmitir esse impacto criativo.

Variedade e diversidade

A grande região da África Ocidental abriga um multicolorido universo de raças, culturas, religiões, tradições, condições políticas, econômicas e sociais e de modos de vida interagindo dentro de um complexo ecossistema.

É difícil resistir à tentação de esquematizar a África Ocidental com um conjunto de frases que a conformem em um estereótipo:

  • Extraordinária vitalidade;
  • Grande complexidade e diversidade física, política, religiosa, étnica e cultural;
  • Sensualidade poderosa e alegre que se desborda em cores, formas, texturas, luzes, sons, odores e sabores;
  • Uma superfície topográfica dominada pelo plano;
  • Contraste entre a areia calcinante e a selva úmida e sombria, entre países isolados do mar e cinturões de praias infinitas…

Mas todo esforço nessa direção tem um resultado nulo, pois a organicidade dos cenários ecológicos que a conformam não permitem reduzir sua descrição a articulações lógicas tipificáveis, uma vez que presente e passado se entrelaçam, ali mesmo, como trepadeiras em uma selva tropical. O quê se pode dizer de uma região que reúne mais países e uma população maior do que a nossa América do Sul? Como incluir em uma mesma tipologia coerente um mosaico temporal formado por reinos, impérios, emirados, tribos, repúblicas, teocracias, estados soberanos?

Dentre a multiplicidade de culturas diferentes que povoam e povoaram as diferentes regiões da África, muitas delas desde tempos remotos, na África Ocidental se estabeleceram as seguintes: Bamana, Baule, Berebere, Dogon, Fulani (figura 05), Gurunsi, Ibibo, Mende, Senufio, Tuareg, Yorubo, apenas para citar algumas delas.

Uma exploração documental por esta maravilhosa região nos permite identificar aqui e ali exemplos marcantes da variedade de construções em barro e outros materiais locais que se alojam na mesma, sobre os quais faremos seguidas referências, na forma de visita virtual.

Arquitetura no nomadismo africano

Iniciaremos nossa expedição nas áridas regiões do Saara, cujo núcleo principal de população flutuante identificaremos no Noroeste da África (figura 03). As contínuas mudanças introduzidas pelo fenômeno da globalização têm atingido o nomadismo outrora preponderante no Saara, afetando particularmente aos altivos tuaregs, povo de enorme importância no passado histórico africano, muitos dos quais têm mudado seus hábitos ancestrais para dar apoio ao turismo. Os que sobrevivem com sua antiga prática, o fazem fundamentalmente com base no comércio do sal. De qualquer forma, uma população flutuante de algo mais de um milhão de tuaregs se concentra na área ilustrada anteriormente.

É interessante observar que ainda na aparente uniformidade do deserto saariano, a arquitetura africana espontânea – “arquitetura sem arquitetos / arquitetura sem pedigree”, como bem a chamou Bernard Rudofsky em seu famoso livro – evidencia variações significativas influenciadas possivelmente tanto pelas variações das atividades nômades e seminômades dos diferentes grupos, como pela disponibilidade de matéria-prima, segurança e modificações impostas pelo entorno ambiental.

É importante destacar assim mesmo o papel preponderante da mulher nômade em relação ao manejo e administração dessa habitação temporal da qual é construtora, ama e responsável absoluta. Certamente o termo “habitação” no deserto tem uma conotação feminina. Enquanto isso os homens concentram seus interesses no pastoreio e na aventura de longas caravanas que outrora transportavam carregamentos de ouro e marfim e hoje em dia se circunscrevem no transporte de sal, esse indispensável combustível do sistema nervoso dos seres humanos...

A grande maioria das tendas tuareg é elaborada com uma trama curva de canas recoberta por peles de cabra ou esteiras de fibra de palma, sobrepostas. O corpo delas é facilmente desmontável e pode ser transportado por camelo (figura 04).

Outras manifestações e respostas ao desafio das severas condições impostas para a sobrevivência em regiões africanas desérticas serão apresentadas a seguir.

Um admirável artesanato é ainda utilizado regularmente por povos pastores seminômades que se alojam na região de Namaqualand, na África do Sul. Esta habitação é confeccionada com o uso de esteiras de junco dispostas sobre uma armação interna de cana, que a sustenta. Como tal, goza da capacidade de ser transportável com relativa comodidade (figura 06).

Senegal e a arquitetura de juncos

Dizia uma vez um colega que não há fase mais bela para uma obra arquitetônica do que a de construção de sua estrutura. Talvez seja isso uma das coisas que explique a serena admiração que temos quando contemplamos uma obra ordenada, elegante, pura, limpa, de preciosa artesania, que aproveita ao máximo a matéria-prima disponível (figura 07). E, o que é mais difícil de apreciar à primeira vista: a força expressiva desta arquitetura anônima que surge de um esforço coletivo espontâneo e harmonioso.

Burkina Fasso e argila decorada

Continuaremos nosso percurso pela muito economicamente deprimida mas, sem dúvida, sempre arquitetonicamente interessante Burkina Fasso. Ali identificamos na região de Tiébélé mostras da cultura dos Gurunsi, que constroem suas habitações aos moldes de grandes vasilhas semi-enterradas na areia, com ornamentação exterior e interior realizada exclusivamente por suas mulheres e aonde sua razão de ser não se limita ao artístico, mas também à proteção climática obtida com o robustecimento de frisos (figura 08).

É importante destacar que, devido às suas crenças animistas, os Gurunsi acreditam que os espíritos de seus antecessores povoam seus lares e isso os tornam renitentes à demolição de suas habitações quando surge a necessidade. O que explica neste caso, assim como no de outros grupos com crenças similares, que a construção edificada com barro ultrapasse sua vida útil natural, perdurando em muitas ocasiões até trezentos ou mais anos. E uma forma engenhosa de contemplar ambas as necessidades se evidencia na riqueza de colorido exterior e interior de sua decoração.

Por outro lado, não ficaria completo este exemplo sem mencionar a população de Gana, país produtor e exportador de cacau, uma das principais riquezas da área em que se assenta e que nos ensina interessantes usos dos subprodutos deste recurso vegetal na proteção de habitações, desde impermeabilização (como massa) até repelente de isópteros (1) ou cupins (como líquido residual), um dos suplícios da região.

Mali e o berço da arquitetura de barro

Mali ancestral ! Terra de céu azul e sol ardente, de absurdos baobás (2) e de gigantescos ninhos de isópteros (figura 09) que de alguma maneira se oferecem à nossa imaginação como fontes de possibilidades, inspiração inconsciente para os anônimos construtores do barro...

Livros completos poderão ser escritos sobre as fascinantes variações que esta arquitetura escultórica e esplêndida na liberdade de suas formas nos oferece em suas diferentes manifestações. Aqui mostramos tão somente uma amostra de tal profusão.

Algumas localidades de interesse vernacular em Mali

Espraiada sobre a areia candente do sol do deserto, Mali é um conjunto de cidades que cantam à arquitetura de barro: desde a senhorial e antiqüíssima Djenné, construída sobre o que equivale mais ou menos a uma ilha no rio Niger, que aloja a maior obra arquitetônica de barro do mundo, a Grande Mesquita, até a remotíssima e mítica Timbuctú, outrora entreposto de riquezas e encruzilhada de caravanas, hoje à margem do que ocorre no século, com suas casas de palha e barro desajeitadamente dispostas em malemolência eterna... E também a extensa região dos Dogones, essa estranha cultura que nos deixou suas habitações incrustadas em escarpados para se proteger dos invasores ancestrais e que ainda subsistem na esplanada.

Não é exagerado dizer que em Mali existe tanto patrimônio artístico e arquitetônico da cultura do barro, apesar dos despojos contínuos dos saqueadores, que é um território no qual se caminha “pisando a história”.

Muito mais representativo que a habitação individual, destaca-se aqui a aparição daquelas edificações de culto, fruto de uma influência árabe e circunscrita à influência da África do Oeste. A mesquita se impõe, não só por sua monumentalidade mas também pela força de sua expressão plástica expressa em barro. E outra vez surge aqui o trabalho comunitário, não somente durante a construção de uma obra mas nos esforços de manutenção posteriores à sua utilização inicial, o que reforça esse forte sentido de organicidade que caracteriza tal cultura.

Passaremos rapidamente a seguir pelos principais ritos mencionados anteriormente, como conhecimento rápido dos muitos tesouros do patrimônio construtivo africano que se encontram fora do alcance deste ensaio.

Djenné, a Veneza do Niger

Situada sobre um pequeno monte próximo aos rios Bari e Niger e denominada assim pelas inundações que periodicamente a isola do acesso por via terrestre, Djenné, considerada por muitos a cidade mais bela do Sahel, encontra suas origens no século III anterior à era cristã, o que a coloca na condição de mais antiga cidade da África sub-saariana. É integralmente uma cidade de barro e seu vasto patrimônio está agora reconhecido e sob proteção da UNESCO.

A mais famosa das mesquitas em Djenné, e em Mali como um todo, é a Grande Mesquita, cuja versão atual foi edificada em 1906 sobre as ruínas da original. Supostamente é uma réplica da anterior, mas na prática diferiu bastante daquela muito deteriorada versão que foi registrada como modelo pouco antes de sua destruição (figuras 10 e 11).

É a maior construção em barro no mundo e sua aparição à distância, aos olhos do viajante, se assemelha a um gigantesco e fantástico castelo de areia.

Geralmente as torres e outros corpos elevados da volumetria de uma mesquita de barro estão eriçados exteriormente como pontas de delgados troncos de madeira que se projetam até o exterior a partir da estrutura interior, se sobressaindo nas fachadas da mesquita. Estas pontas, que recebem o nome de torreões, desempenham o papel de apoio, permitindo aos integrantes da comunidade aonde se situa a mesquita subir até alturas normalmente inacessíveis com a finalidade de proteger os mantimentos do ano, trabalho empreendido coletivamente ao término da estação de chuvas. Também lhes são atribuídos significados rituais desconhecidos.

Especificamente, no caso da Grande Mesquita, cada membro da população de Djenné, em uma data predeterminada, se responsabiliza pela manutenção da edificação, distribuindo tarefas – coleta, preparação e aplicação da matéria-prima requerida – segundo idades e sexos. Em certo sentido se convertem em uma grande comunidade de artesãos que aplicam coletivamente conhecimentos e habilidades que desenvolveram na manutenção de suas próprias habitações em uma cidade que tem o barro como material construtivo exclusivo.

O adobe africano ou “banco”

O uso do adobe como material de construção se pratica na África e no Oriente Médio desde tempos imemoriais. Em Djenné, adobes de forma cônica foram produzidos até épocas recentes, incorporando freqüentemente material de enchimento, como a palha, para agregar maior coerência e força ao barro secado ao sol. As técnicas para proteger os pontos débeis da construção mediante o uso de materiais mais sólidos como base de sustentação, assim como de combater a umidade com a incorporação de material isolante no revestimento de paredes, favorecendo a extensão de beirais em lugares estratégicos são muito similares às nossas próprias formas de encarar o problema. Talvez o maior ponto de diferença resida na freqüência obrigatória de manutenção anual em razão do rigor da temporada de chuvas.

É muito apropriado reconhecer aqui o papel desempenhado pelo famoso arquiteto egípcio Hassan Fathy, que conduziu durante longos anos no século XX uma cruzada pelo resgate dos claudicantes valores dos materiais naturais de construção africanos, proposição que tomo como base, dentro de uma ótica atualizada, para destacar as virtudes inerentes ao adobe, entre outros materiais, em razão de seu baixo custo de produção, participação comunitária, comportamento térmico adequado e efeitos inócuos sobre o meio ambiente.

Nando e a pequena mesquita de formas livres

Na localidade de Nando existe uma notável mesquita (figura 12) que sustenta sua fama por duas razões: a primeira, por ter sido edificada no século XII – em tempos em que os Tellem reinavam em Bandiagara e cujas origens se revestem de contos legendários –, superando assim, em antigüidade, as também afamadas mesquitas de Djenné e Timbuctú; a segunda se apóia na extraordinária plasticidade de suas formas, derivada das incontáveis camadas de proteção aplicadas ao longo dos séculos, fenômeno que a aproxima, visualmente ao menos, à arquitetura Dogon.

Timbuctú e a esquecida pérola do deserto

Timbuctú surge das areias do deserto como uma miragem de formas de barro. Sua estrutura urbana e suas ruas arenosas dialogam com a eternidade. Três das mais antigas mesquitas da África Ocidental se encontram construídas ali. Delas mencionaremos unicamente a mesquita de Sankoré (figura 13).

Fundada no século XI por nômades Tuareg, Timbuctú se converteu rapidamente na capital do enorme império medieval de Songhay, apoiada em seu papel de ponto final do tráfego convergente de caravanas que provinham do deserto carregando sal, em algumas circunstâncias mais valioso do que o ouro.

Do ponto de vista construtivo, os artesãos da cidade constroem com uma mistura de argamassa de barro e gesso com núcleo de pedra picada, técnica que a torna diferente ao praticado em Djenné e outras cidades da região. Essa técnica usa solidariamente as forças da pedra e da argamassa, obtendo-se um material coerente que combina em sua constituição final o melhor de cada um.

Por outro lado, a decoração de edificações constitui uma prática originária das cidades de pedra dos berberes na Mauritânia, não só nas fachadas, mas também nos tetos.

A admirável mesquita de Sankore foi desenhada em 1324 por Abu Ishaq as-Sahili, arquiteto a quem se atribui também o projeto de cidade da Granada moura. No entorno dela cresceu posteriormente a universidade local. Em anos de sobrevivência supera à Grande Mesquita de Djingereber, mantendo-se ainda em pé a estrutura original, enquanto a outra já foi reconstruída várias vezes.

Escarpado de Bandiagara e as habitações Dogon, Mali

A denominada “Terra Dogon” é uma área geográfica situada a noroeste de Djenné, tendo como pólo principal de atração o escarpado de Bandiagara (figura 14), habitado em épocas remotas por tribos pertencentes à misteriosa cultura Tellem, hoje extinta, e retomado na ocupação do território pela também remota e animista cultura Dogon. Atribuída a razões estratégicas defensivas, se inseriu em terreno tão inacessível um excepcional conjunto de habitações e de celeiros construídos com barro sobre a rocha local, aonde ainda são visíveis as antigas ruínas.

Arquitetura de barro em Kougkon, Mali

A oeste de Djenné, no povoado de KougKon, se situa esta curiosa edificação construída, aparentemente, com propósito de culto (figura 15).

A muito original arquitetura capsular de Camarões

Continuamos este percurso virtual com uma visita ao povo Mousgoum, que habita a região Norte de Camarões, próximo ao lago Chad. Eles conceberam como arquitetura tradicional algo que escapa a qualquer dos padrões anteriormente mencionados. Trata-se de uma arquitetura capsular e autoportante, de paredes de barro muito delgadas (uns 3 centímetros de espessura), com sulcos ressaltados pelo forte sol africano (figura 16). Estes foram concebidos com a intenção de minimizar o desgaste produzido pelas chuvas constantes, quebrando e canalizando as águas em diferentes direções.

Também tais sulcos favorecem a escalada até o domo com propósitos de manutenção preventiva à chegada da temporada de chuvas. Os motivos artísticos utilizados admitem variações para identificar as diferentes famílias tribais.

Infelizmente, esta magnífica cultura se encontra em processo gradual de desaparição. Os poucos exemplos de habitações deste tipo que ainda perduram são encontrados no Cantão de Pouss, em povoados como Mourla ou na cidade de Maga.

Camarões – outro exemplo. Tetos tecidos de palma

É outra grande lástima que exemplos de tão belo artesanato (figura 17), procedente de um povoado assentado nas ruínas de uma antiga cidade amuralhada na montanha Mandura, se encontrem também em vias de desaparição devido ao conflito de incompatibilidade entre este tipo de técnicas construtivas e as estratégias profiláticas adotadas. Parece brincadeira que com todos os avanços na tecnologia contemporânea ainda não tenham sido alcançadas soluções compromissadas com a tradição.

Enquanto a África se debate entre múltiplos conflitos originados pela fome, lutas políticas, desastres climáticos, enfermidades e transformações tecnológicas necessárias para sobreviver com dignidade em um mundo cada vez mais globalizado, suas raízes vernáculas parecem debilitar-se gradual e irreversivelmente. Apenas duas esperanças se apresentam para minorar esta situação: de um lado, sobre os mais variados pontos de vista, o louvável esforço comandado pela UNESCO em sua luta contínua pelo resgate de áreas patrimoniais no continente (e no mundo); de outro, a transmissão cultural a uma nova geração de artesãos-usuários da apreciação estética e do orgulho da luta pelo resgate e pela defesa dos valores presentes na herança das nações africanas.

Hoje em dia, em meio a tantas vicissitudes, contando com melhores e mais eficientes recursos de comunicação disponíveis para a divulgação cultural e a educação à distância, voltados para a emancipação dos povos do mundo, o desafio parece estar focado na luta por um futuro melhor.

notas

1
Isópteros são animais artrópodes, da classe dos insetos, com aparelho bucal mastigador, quatro asas membranosas, com vida social baseada em castas.

2
Baobá, da família das bombacáceas, é uma árvore gigantesca, com um tronco excessivamente espesso e rico em reserva de água, muito disseminada nas savanas africanas.

fontes de consulta geral na internet

Africa Focus Database. Biblioteca de la Universidad de Wisconsin <http://africafocus.library.wisc.edu/>.

Africa. Mapa Politico – Division Departamental <http://webcat.library.wisc.edu:3092/images/PoliticalMap.gif>.

Africa Photo Album <http://us-africa.tripod.com/album.html>.

Biblioteca de obras de arquitectura por paises <http://archnet.org/library/images/> / <http://archnet.org/library/sites/>.

Dogon Niger Lobi <http://www.dogon-lobi.ch/>.

Africa Revisited – Informe de la Unesco <http://whc.unesco.org/exhibits/afr_rev/toc.htm>.

Lexicon – Guia de Informacion sobre Africa <http://lexicorient.com/>.

Referencias Unesco <http://whc.unesco.org/nwhc/pages/sites/main.htm>.

Precolonial African History <http://berclo.net/page99/99en-afr-notes.html>.

Lonely Planet Destinations <http://www.lonelyplanet.com/destinations/>.

Metmuseum – Index of the Timeline of World History <http://www.metmuseum.org/toah/hi/hi_trtr.htm>.

Middle East Handbook – Nomads <http://www.angelfire.com/az/rescon/MEHBKNMD.html>.

sobre o autor

Gonzalo Vélez Jahn é arquiteto e professor, Laboratório de Técnicas Avançadas em Desenho, Escola de Arquitetura Carlos Raúl Villanueva. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Central da Venezuela, Caracas

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