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architexts ISSN 1809-6298


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O texto traz um estudo de estratégias de ocupação para espaços intersticiais da cidade, feito durante o TFG para a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP, cuja área de intervenção eram quatro quadras no centro de Campinas


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MEDRANO, Leandro; SPINELLI, Julia. Habitação coletiva. Cidade, permanência, deslocamento. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 071.04, Vitruvius, abr. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.071/362>.

Introdução

O desenvolvimento de intervenções arquitetônicas em grandes cidades coloca em discussão novas formas de atuação no espaço urbano. O surgimento das chamadas “cidades globais” (2) incorporadas a uma rede internacional de corporações econômicas desregulamentadas e impulsionadas pelo capital transnacional, fragmenta ainda mais a cidade contemporânea; o “apartheid social” desestrutura a condição de sobrevivência dos excluídos. Os perdedores na tentativa de sobrevivência, enquanto os integrados são amparados pela redistribuição do poder em muros intransponíveis: uma repartição rígida do espaço do capital e do trabalho (3).

A caracterização da cidade como organismo mutável e fluido coloca em xeque o território compartimentado da cidade. O espaço é revalorizado a partir de reterritorializações que constroem e reconstroem permanentemente identidades coletivas (4).

O estudo em questão foi desenvolvido inicialmente como Trabalho Final de Graduação para a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP. Pretende propor alternativas espaciais e urbanas a partir da análise dos fluxos de deslocamento que agem como resposta às necessidades da cidade capitalista atual. Em seus exemplos mais significativos, destacam-se: populações sem moradia, personagens do comércio informal e ocupantes temporários de edificações vazias nos grandes centros.

Projeto e cidade. Máquinas de guerra x aparelhos de captura

Constatamos hoje um processo de redefinição – ainda inconcluso – da noção real do espaço contemporâneo (5). Arquitetura e cidade inevitavelmente refletem esse percurso. Como alternativa, consolida-se a compreensão da urbe pela consciência das sobreposições que ofereça – cada qual em seu tempo – nas relações entre sistemas de informações segmentadas e o confronto entre procedimentos materiais e imateriais. Forma e desenho não mais são os sentidos primordiais da disciplina. Na atenção a outros paradigmas, o que nos alerta, a ponto de provocar um processo de reformulação da própria arquitetura (enquanto idéia e forma), é o fato inegável de que essas transformações na concepção contemporânea de espaço, em realidade, são fundamentais para a compreensão dos novos fenômenos sociais, técnicos, lógicos, metodológicos, urbanísticos, políticos e mercadológicos que regem nossas cidades neste início de século – o setor habitacional, inclusive. A idéia de “modelo” (ou tipo, tão desejado como finalidade projetual), baseado na esperança ou objetivação em um mundo ideal (utópico), passa a contrapor-se a objetivos sistêmicos fundamentados na adaptabilidade, mutabilidade e flexibilidade de seus princípios e métodos de geração. Não mais a linha, o tronco, a árvore – o rizoma (deleuziano) talvez seja a forma mais nítida dessa nossa realidade (6). Sem a estrutura (modernista) que marca a possibilidade de uma herança ou vínculo com um passado neotomista, é imprescindível a busca por soluções possíveis aos espaços habitacionais neste cenário de intensas transformações pelas quais passam as metrópoles atuais. No Brasil, onde sua herança Moderna tornou-se um entrave evidente (principalmente no setor habitacional), notamos mais nítidas as seqüelas de seu descompasso.

Assim, pensar o habitat humano, hoje, exige outros olhares sobre as questões que envolvem o espaço contemporâneo. Um espaço incapaz de abster-se ao progressivo confronto entre as tradicionais definições de cidade, paisagem e território (7). Conseqüentemente, construir espaços habitacionais nos incita, como parâmetro indispensável, a um inevitável embate com estas novas percepções desenvolvidas pelo homem, cidade, metrópole.

Territorialidade: permanência e deslocamento

O ambulante – o nômade imigrante – segue o fluxo da matéria. A territorialidade como sentimento de pertencimento ao espaço é deturpada por outras configurações espaciais de propriedade: o nômade tem seu imaginário destruído e reconstruído por novos valores impostos. A territorialidade agora desconsidera valores culturais em detrimento de valores mercantis: a arquitetura toma forma de publicidade e marketing (8) e remete à idéia moderna da posse da casa-objeto, construída sobre um lote, produzida em série. O migrante estabelece uma micro-física definida por conexões e fluxos que constituem uma nova zona de movimentos imperceptíveis, paralelos, que configuram espaços de intervalo e ocupam os interstícios da cidade. O movimento é o contra-fluxo da cidade fragmentária e rígida, do espaço da exclusão.

Projeto de TFG: habitação para coletores de material reciclável

A variedade e mistura de diferenças econômicas, culturais e sociais exige um projeto de arquitetura baseado não apenas em volumes, implantações e forma, mas em estratégias urbanas – intervenções que possam agir por reverberação, reestruturação e apropriação do existente.Idéias que, disseminadas numa região, constituam uma rede de espaços que evoquem um novo uso da cidade como morada. Neste sentido, o projeto (9) de intervenção na área é, mais que uma sugestão de implantação para o sítio em questão, um estudo de estratégias de ocupação para espaços intersticiais da cidade. Articular a desorganização desses espaços – ou sua “organização informal” – visa integrar diversidades, ativar circulações, potencializar e possibilitar atividades espontâneas em espaços “intermediários” entre o público e o privado (10). Trata-se de uma estratégia que pode ser aplicada em outros locais da cidade, a começar pelo entorno imediato.

O local escolhido é um conjunto de quatro quadras no centro da cidade de Campinas (cidade industrial de um milhão de habitantes, localizada a cem quilômetros de São Paulo). Trata-se de um bairro de origem industrial que agora sofre desvalorização imobiliária e afetiva, tendo como conseqüência direta o sucateamento de construções existentes e o abandono da região. A volumetria do sítio em questão é formada por galpões em mal estado de conservação ou abandonados, de gabarito baixo (dois pavimentos, em média) e uma série de espaços residuais.

Em resposta ao desenho existente, o projeto atua num tecido urbano pontilhado desses espaços sem uso e, em sua proposta, procura costurar os interstícios abrindo espaços, criando volumetrias, reconstruindo e reconfigurando o desenho da cidade. Os vazios são interligados por outros vazios – resultado da demolição de edificações abandonadas. O novo volume projetado conecta as quadras passando sobre ruas e sobrepondo circulações e usos, deixando o nível térreo permeável e abrindo espaços públicos diversos, autônomos, sem perfis e localizações tradicionais. O espaço público é o local do encontro, do entroncamento de fluxos, de conexões entre uma diversidade de atividades permanentes.

A intenção de seguir a ocupação informal dos meandros resulta na implantação não usual, propondo novas regras de ocupação e uso. A lâmina principal (albergue) contamina as quadras adjacentes ocupando-as com outras instalações: restaurante, centro educacional, infocentro e cooperativa de reciclagem de lixo. A circulação externa e aberta integra os vários planos em uma “praça vertical”, com largas varandas-corredores que configuram espaços semi-públicos.

As características do entorno não são, no entanto, ignoradas: o projeto respeita o gabarito predominante, e prevê a incorporação de edificações existentes para outras atividades, além de estudos volumétricos para a implantação de novos edifícios de uso habitacional.

Conclusão

O Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado indica com precisão novas questões relacionadas às cidades contemporâneas. Nitidamente vinculado aos argumentos desenvolvidos por Deleuze e Guattari em Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, busca a reorganização do território urbano pelo artifício engenhoso e sutil de uma ação conjunta entre programa (político, social, econômico) e forma. A paisagem apresentada – antigas fábricas e galpões abandonados pelo embalo de uma nova realidade econômica – é reconhecida como um desafio, um deserto inexpressivo e vazio onde, como potência, apenas atividades das bordas de nossa estrutura injusta. No local, em seus meandros, os catadores de lixo reciclável se organizam e vivem. A área é central, próxima e conectada com todos os benefícios infra-estruturais da parte mais urbanizada da cidade – um desperdício, terrain-vague, friches-urbaines, periferia-do-centro. Espaço à espera da especulação inescrupulosa ou da falsa voga urbanizadora baseada nas fantasias da indústria cultural. A reurbanização, a pesar dos direcionamentos correntes do “urbanismo estratégico” (importado tão facilmente), buscaria a reorganização do espaço sugerido por sua inserção na lógica pós-moderna da classe média operante – globalizada, informatizada, culturalizada: um centro cultural, sala para concertos, auditórios, cinemas, centro de convenções, museu, memória etc. Como resultado, a já anunciada banalização da cultura e um processo inevitável de gentrificação. Benefícios se houverem, são pontuais e de pouquíssima expressividade social. No revés desta lógica, o projeto busca outro rumo.

Baseando-se nos conceitos de máquina de guerra e aparelhos de captura (11), a proposta procura uma outra interpretação para a situação encontrada: os catadores de papel, a cidade fragmentada, os vazios urbanos, a infra-estrutura existente etc. são tidos como parte de um esquema cuja organização, nos moldes clássicos, seria um erro. Entendidos como nômades, os protagonistas do estudo possuem uma lógica diversa da estrutura burguesa dominante – são como máquinas de guerra no desafio de sobreviver a uma situação perversa como minoria “dispensável” às lógicas globais dominantes (econômicas, sociais e culturais).

Neste sentido, torna-se imperativo tratar o usuário como nômade. Trabalha, habita, existe e move-se como conseqüência de uma nova ordem mundial; partilha inevitavelmente de seu sentido comum, mas situa-se à margem dos benefícios de sua estrutura.

Fica evidente no projeto a necessidade de uma instrumentação teórica que compartilhe das intenções apresentadas pelo programa e sejam compatíveis com os anseios da cidade pós-industrial. Os conceitos Modernos, ou estruturalistas, não mais satisfazem ou respondem à nova lógica que este sistema impõe. A pós-modernidade estilística, superficial ou formal também não é alternativa desejável – sua fragilidade obscurece seus conceitos – o enunciado mundo das imagens precisa de um contraponto real; as cidades. Uma outra via é acolhida pela alternativa ao estado dominante e por uma leitura distinta de seu sistema (rizoma). Sem a consciência desses conceitos o projeto não existiria na forma como foi concebido.

notas

1
Este artigo é uma versão reduzida do trabalho apresentado ao XXI CLEFA – Conferencia Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Arquitectura, em Loja, Equador, nov. 2005.

2
GUATTARI, Felix. “Practicas ecosóficas y restauración de la ciudad subjetiva”. In: Quaderns nº 238. Actar, Barcelona, 2000.

3
ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo, Edusp, 1998.

4
BARCEDO, I. “L'escala de les biografies”. In: Quaderns nº 227. Barcelona, Actar, 2000.

5
VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro, 34, 1995.

6
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia (vol.5). São Paulo, 34, 1997.

7
GAUSA, Manuel. Housing, nuevas alternativas, nuevos sistemas. Barcelona, Actar, Barcelona, 1998.

8
ARANTES, Otília. Op. cit.

9
TFG da aluna Julia Spinelli desenvolvido para o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, orientado pelo professor Dr. Leandro Medrano.

10
MESTRE, J. “Lloc i Ficció”. In: Quaderns nº 227. Barcelona, Actar, 2000.

11
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Op. cit.

sobre os autores

Leandro Medrano é arquiteto (FAU-USP, 1992), mestre pela UPC – Universitat Politécnica de Catalunya (1995) e doutor pela FAU-USP (2000). Professor de teoria e projeto na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP onde leciona em cursos na Pós-graduação e Graduação.

Julia Spinelli é arquiteta (FEC-UNICAMP, 2004), mestranda do programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP.

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