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architexts ISSN 1809-6298


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Luís Henrique Haas Luccas analisa a produção arquitetônica da escola carioca baseado na definição dos adjetivos extrovertida e sensual, como é usualmente qualificada a arquitetura moderna brasileira


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LUCCAS, Luís Henrique Haas. Extroversão e sensualidade: dois ingredientes próprios da escola carioca. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 075.04, Vitruvius, ago. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.075/330>.

“As exuberantes mulheres brasileiras ostentam pulseiras e brincos em profusão; seriam notadas mesmo que fossem encontradas em Engadina, mas é possível que mesmo lá, contra o fundo das geleiras alpinas, lhes fosse censurada uma certa pompa; se fossem vistas em Copacabana, deveríamos sem dúvida admitir que estão perfeitamente ambientadas: assim como aquelas flores cujo perfume se impregna na garganta quando se aventura pelas curvas sinuosas das montanhas que circundam o Rio de Janeiro, feitas à semelhança daquelas mulheres: sobrecarregadas, multicoloridas sensualíssimas” (2) Parte da arquitetura moderna brasileira é usualmente qualificada como extrovertida e sensual, dois termos apropriados para designá-la, porém carentes de uma transposição mais precisa para a disciplina da arquitetura. A definição destes adjetivos constitui dois conceitos essenciais à compreensão da escola carioca e de sua conseqüente hegemonia dentro do panorama da arquitetura moderna brasileira.

No sentido amplo, extroverter-se significa voltar-se para fora, colocar-se em contato com o meio circundante. Já na acepção psicológica, de acordo com Carl Jung, designa a “atitude do indivíduo que dirige sua energia psíquica para o exterior e, por isso, parece aberto, ávido e confiante, adaptando-se ao seu ambiente” (3). De modo análogo, o conceito de extroversão aplicado à arquitetura contém dois sentidos em sua definição. O primeiro deles qualifica-o do ponto de vista psicológico, como algo oposto ao tímido, ao contido ou introvertido; definindo-se, portanto, como o que é corajoso, confiante. Estas qualidades materializam-se na arquitetura moderna brasileira através de características próprias como a desenvoltura formal, que originou a expressão livre-formismo; a presença de elementos arquitetônicos que extrapolam os limites imediatos da obra, como as rampas, passagens cobertas, marquises e espelhos d’água, entre outros; a aplicação ousada de materiais, cores, texturas e contrastes; o uso de projeções sombreadas, volumes destacados e formas curvas; e a própria natureza recriada – também luxuriante – por paisagistas como Burle Marx e Carlos Perry.

O conceito complementa-se através de um segundo sentido de natureza física, como algo que se relaciona com o exterior, comunica-se: as relações que se estabelecem entre ambiente e arquitetura, entre interior e exterior. Não exatamente através das aberturas amplas envidraçadas, propostas pelas vanguardas européias, mas da porosidade (4) que propõe uma gradação entre o interior e o exterior: o prédio não é mais “convexo”, impermeável, mas através destas concavidades coloca-se em contato mais efetivo com o meio, “respira” e expande-se para o exterior. Porosidade que, em parte, remete ao conceito de alveolaridade (5) preconizado por Le Corbusier, a partir de suas células habitacionais inspiradas na Cartuxa de Galuzzo; e em parte à tradição da arquitetura brasileira tropical. Feliz intersecção entre tradição local e vanguarda purista, esta característica marcou decisivamente aqueles projetos do grupo carioca.

“A casa [de Niemeyer] repetia em torno de nós aquela paisagem orgiástica (incensos e cigarras) insinuando-se com o jogo do vasto harpejo que, da marquise em balanço, ecoava por todas aquelas paredes, nos nichos e diafragmas, na piscina onde a água, em vez de ir de encontro às barreiras da construção, se expande liquidamente nas formas da rocha. Todo o corpo principal da casa é extrovertido [grifo do autor], e não só porque o espaço da sala estende-se sem separações nem barreiras particulares pelo espaço externo, mas porque esta tende a uma identificação, a uma romântica confusão com a natureza” (6).

O retrospecto da arquitetura tradicional constitui um instrumento confiável para explicar determinadas demandas e formas que se manifestaram na arquitetura moderna. Quando se estabelecem paralelos entre a arquitetura tradicional e a produção recente, constata-se que a persistência de hábitos sociais, necessidades físicas e programáticas conduziram a arquitetura moderna a sintetizar soluções análogas. A arquitetura do Brasil tropical foi marcada por essa porosidade, constituída pela presença de varandas, alpendres, balcões treliçados, enfim, espaços intermediários entre exterior e interior, que atuaram simultaneamente como filtros contra o calor e a indiscrição. O alpendre da casa rural no Brasil-colônia e Império, desde as sedes dos engenhos retratados por Frans Post na primeira metade do século XVII, funcionou como limite de interiorização dos visitantes, local de acesso à capela e ao quarto de hóspedes; e as “rótulas” urbanas (ou muxarábis), serviram como proteção visual proporcionando privacidade. Localizadas na divisa geográfica do Brasil tropical, as casas ditas bandeiristas dos séculos XVII e XVIII também utilizaram os alpendres como um limite social protegido do clima de estações contrastadas.

A partir do século XIX, as casas rurais das monoculturas cafeeiras e canavieiras voltaram-se para perímetros mais contidos. Uma exceção a essa tendência foram os solares suburbanos e rurais cariocas alpendrados com colunas toscanas, prática iniciada provavelmente a partir do exemplo da sede da fazenda beneditina na estrada Rio-Petrópolis, datada do terceiro quartel do século XVIII (7). Solução aparentada do bangalô da Ásia tropical, por onde se estendeu o domínio português, essa tipologia – que tem na sede da Fazenda do Colubandê um expoente (figura 1) – foi uma prática iniciada no final do século XVIII que estendeu-se através do século XIX. O próprio Grandjean de Montigny seria contagiado pelo costume, propondo uma versão alpendrada de aspecto mais clássico (figura 2), em sua chácara na Gávea (c.1830).

Aquela solução sedimentada de modo autóctone foi gradualmente substituída pelo chalé guarnecido com lambrequins, que se tornou usual a partir do último quartel do século XIX (um “estilo internacional” belle époque?), e pelas casas do “velho portuga” mencionadas por Lucio Costa (figura 3), nas quais persistiram as varandas laterais voltadas para os pátios: “fiéis à boa tradição portuguesa de não mentir, eles vinham aplicando, naturalmente, às construções meio feiosas todas as novas possibilidades da técnica moderna, como, além das fachadas quase completamente abertas, as colunas finíssimas de ferro, os pisos das varandas armados com duplo T e abobadilhas” (8). Esses elementos projetados externamente, além de configurar a porosidade defendida, também constituíram extroversão ao transpor os limites físicos convencionais, produzindo riqueza formal. Diria Lucio ainda:

“E compreende-se que, com este nosso clima, tenha sido mesmo assim, pois, embora se fale tanto na luminosidade do nosso céu, na claridade excessiva dos nossos dias, etc., o fato é que as varandas, quando bem orientadas, são o melhor lugar que as nossas casas tem para se ficar; e que é a varanda, afinal, senão uma sala completamente aberta?” (9).

O espaço intermediário, espécie de “colchão de ar” entre interior e ambiente natural, migrou para o apartamento carioca, a partir da densificação e verticalização da cidade nas primeiras décadas do século XX. Varandas as quais tornaram-se quase obrigatórias também nos apartamentos da produção moderna (10). Imperceptíveis em muitos casos, como uma característica recessiva da tradição carioca, foram incorporadas ao interior do apartamento de forma original, ou envidraçadas posteriormente. A preocupação com questões climáticas constituiu um fator importante nos rumos da arquitetura moderna, adotando-se o brise fixo, o brise móvel, o quebra-sol criativo dos Irmãos Roberto, o cobogó, os treliçados à maneira das “rótulas” da tradição, as marquises e as grelhas de proteção solar (figura 4). Elementos que passaram a ser eliminados ao final dos anos 50, dando lugar a uma arquitetura acentuadamente sintética, nos anos 60, com fachadas mais lisas influenciadas pela neutralidade emergente e recuperação do entusiasmo pelo construtivo. O axioma da transparência, que rapidamente cedeu lugar ao deslumbramento pela reflexão, e a assimilação da forma clássica univolumétrica de Mies, passariam a constituir uma tônica nos anos 60.

A transposição do conceito de sensualidade para a arquitetura, por sua vez, apropria-se mais à “gratificação obtida pela estimulação dos sentidos” (11), que ao significado associado à lubricidade e ao sexo propriamente ditos. O sentido erótico parece resumir-se às “licenças poéticas” que Niemeyer tenta estabelecer entre suas obras e as formas femininas, de modo mais recente. Tanto a extroversão quanto a sensualidade são características próprias do contexto carioca: a sensualidade do ambiente, da paisagem exuberante com suas montanhas verdes e rochedos, suas praias recortadas; o clima favorável à descontração, com chuvas dosadas e temperaturas raramente abaixo dos 20oC, favorecendo o contato franco com o ambiente exterior, com a paisagem magnífica – “terra risonha e franca onde se pode andar despreocupado, pés descalços, peito aberto, braços nus” (12). Todo um contexto gerando edifícios extrovertidos e sensuais, à imagem da paisagem e do caráter do povo carioca: a jocosa “lei do meandro” (figura 5), de Le Corbusier, parece moldar o comportamento daquela sociedade, refletindo-se no livre-formismo das curvas de sua arquitetura e nos materiais utilizados, que remetem às experiências afetivas da tradição.

notas

1
Este ensaio constitui um fragmento da Tese de Doutorado em Arquitetura do autor, denominada Arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre: sob o mito do “gênio artístico nacional”. LUCCAS, Luís Henrique Haas. Arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre: sob o mito do “gênio artístico nacional”. Tese de Doutorado em Arquitetura. Porto Alegre, UFRGS, 2004.

2
Rogers, Ernesto Nathan. “Pretextos para uma crítica não formalista”. Casabella n. 200, fev-mar 1954, p. 1.

3
Segundo o Dicionário Houaiss.

4
Conceito adotado por Carlos Eduardo Dias Comas para definir os espaços de transição entre interior e exterior próprios da arquitetura brasileira.

5
O termo alveolar foi aplicado pelo próprio Le Corbusier para designar seus “edifícios-casas” prototípicos, os Imeubles-Villas (1922) apresentados em Vers une Architecture. Aquela concepção de apartamentos dúplex com pátio derivava da intersecção entre o protótipo das casas Citrohan (1920) e o arquétipo da Cartuxa de Galuzzo, com sua composição endentada articulando as acomodações com pátios individuais.

6
Rogers, op. cit., p. 3.

7
Sobre os temas da sede beneditina e das casas alpendradas, respectivamente, ver os artigos de D. Clemente da Silva Nigra (“A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu”, p. 257-282) e Joaquim Cardoso (“Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado do Rio”, p. 209-253) na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional v.7, Rio de Janeiro, 1943.

8
“Documentação necessária” (1937), em: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre, Centro de estudantes universitários de arquitetura, 1962, p. 92.

9
Idem, p.92.

10
Essas varandas foram compartimentos estreitos ao longo das fachadas, posicionados predominantemente dentro do corpo do prédio. Em muitas ocasiões configuraram-se como balcões, posicionando-se justapostos às fachadas.

11
Segundo o Dicionário Houaiss.

12
Carlos E. Comas parafraseando o poeta Gonçalves Dias. Em: COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões brasileiras sobre um estado passado da arquitetura e urbanismo modernos. Paris, Universidade de Paris 8, 2002 (Tese de Doutorado em Arquitetura), p. 308.

sobre o autor

Luís Henrique Haas Luccas é Mestre e Doutor em Arquitetura pelo Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura da UFRGS. Dedica-se ao ensino do projeto e à pesquisa no Departamento de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

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