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architexts ISSN 1809-6298


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Assunta Viola analisa, desde a formação da Vila São Paulo, o crescimento espraiado da cidade de São Paulo, para assim entender a forma da sua periferia


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VIOLA, Assunta. A formação da paisagem na periferia da cidade de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 088.04, Vitruvius, set. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.088/207>.

Desde que a Vila de São Paulo – mais tarde Cidade de São Paulo – viveu o seu primeiro crescimento, este se deu de forma espraiada, sempre com um centro mais equipado que sua periferia. Essa característica é importante para entender a forma da periferia em São Paulo (2).

Até as primeiras décadas do séc. XIX a cidade ocupava ainda a colina de sua fundação. A partir desse período, e de forma ainda muito lenta, o Vale do Anhangabaú foi vencido, indo ocupar a outra encosta do vale a oeste, introduzindo uma ocupação urbana diferente daquela que deu origem ao núcleo urbano inicial, com uma urbanização mais moderna, para uma vida urbana diferente do núcleo inicial. Os números do crescimento populacional na cidade e a intervalo entre os saltos quantitativos nos mostram a velocidade e intensidade que o processo apresentou. Em 1560 eram 240 os habitantes da Vila de São Paulo. Em 1822, por ocasião da independência do Brasil, eram 6.920. Em 1890, por ocasião da Proclamação da República eram 64.934 habitantes. A cifra de um milhão de habitantes foi atingida em 1935. Esse crescimento se deu na cidade sempre de uma forma espraiada, nos diferentes períodos.

Population in São Paulo 1560-1935

YEAR   NUMBER OF HOUSES             TOTAL POPULATION

1560     >20 (Portuguese)                      80 NR

30 Portuguese and

 30 mestizos                                        240 NR

1585     120                                          480

1589     150                                          600

1700     210                                          840

1776     534                                         2.026

1816     –                                            5.382

1822     –                                            6.920

1826     2.298                                       26.020

1890     –                                            64.934

1893     –                                            130.755

1920     59.584                                     581.435

1935     –                                            1.060.120.

Population Growth in São Paulo (3)

Relacionar a característica da expansão urbana na cidade com a velocidade e intensidade de crescimento é importante para entendermos a forma atual. As periferias, em todas os períodos, abrigavam o crescimento pelo qual a cidade passava, principalmente o alojamento habitacional da sua população. A conformação radiocêntrica é uma característica que perdurou por todos os períodos, e as características dessa periferia foram se alterando ao longo do tempo, devido a alguns eventos específicos.

Procuraremos identificar esses eventos e as conseqüências que tiveram para a formação da paisagem urbana na cidade de São Paulo, com destaque para a situação atual e os desafios que se deve enfrentar na área de projetos urbanos e projetos habitacionais, principal demanda da periferia paulistana no século XXI.

Breve histórico da produção da habitação popular

A cidade de São Paulo se caracteriza por duas grandes áreas: a Área Central e a Periferia. A forma urbana que essas duas áreas assume é visivelmente diferente, e não por uma questão de época, onde as expressões arquitetônicas se alteram, mas sobretudo pelas formas que adquirem as diferenças sociais, característica essa presente em todas as grandes cidades brasileiras, como mostra Flavio Villaça (4).

Devido às pequenas dimensões e insipiente atividade econômica da cidade, no início de seu povoamento diversos extratos sociais conviviam no núcleo central urbano. Com o desenvolvimento econômico local e conseqüente crescimento populacional, sua organização física passou por modificações, tornando-se mais complexa dentro da lógica centro-periferia No início, o crescimento se dava nas periferias, por vezes reforçando a idéia do antigo (centro) e novo (periferia), sem que houvesse necessariamente uma distinção econômica. No entanto esse fenômeno deu início a uma ocupação com grande segregação espacial que apenas espelha as grandes diferenças sociais existentes na sociedade brasileira, que adentra o século XXI.

A população paulistana era complexa e diversa, formada pelos antigos paulistas que aqui ficaram depois das bandeiras, os negros forros e os imigrantes que começavam a chegar nas últimas décadas do séc. XIX, atrelados à economia cafeeira.

Vamos analisar o que ocorre com relação à habitação. De início a habitação do rico e do pobre diferenciava-se pela organização doméstica e sobreposição ou não de funções. As técnicas construtivas eram as mesmas e a localização urbana obedecia a uma lógica topográfica, de abastecimento e a simplicidade tecnológica da época exigia que distâncias fossem encurtadas entre os proprietários e trabalhadores. À medida que a sociedade foi se tornando mais complexa e que a tecnologia permitiu, a localização das moradias por extrato social começou a se fazer presente. Nas últimas décadas do séc. XIX e primeiras do séc. XX, o alojamento da população que crescia mais e mais acompanhando os movimentos econômicos e produtivos passou a configurar um problema urbano. Este nunca foi enfrentado como um problema de projeto urbano – quando muito um problema de planejamento econômico. Por exemplo, uma alternativa de moradia para abrigar os imigrantes – vindos para o plantio do café e para serviços urbanos, que começavam a ser cada vez mais demandados, eram os cortiços, construções feitas por particulares para locação, com unidades habitacionais mínimas, localizadas em áreas centrais, de uso coletivo. Mesmo que incentivada a imigração pelo Estado, do ponto de vista de Planejamento Estratégico, não havia um projeto físico que os abrigasse do ponto de vista urbano. A cidade se expandia espontaneamente sem que o Estado organizasse essa expansão. As diferenças sociais se faziam cada vez mais presentes no cotidiano urbano.

Nos anos 1930', quando a cidade já contava com um milhão de habitantes, a produção habitacional para a massa urbana se apresentava sob várias formas: moradias construídas pelas próprias indústrias para seus operários – Vila Zélia, construções de interior de quadra, feitas por pequenos construtores privados, construções seriadas para aluguel, que se localizavam próximas ao local de trabalho, uma vez que não havia um sistema público de transporte coletivo. As áreas produtivas industriais, patrocinadas pelo sucesso da atividade cafeeira, eram localizadas em anéis periféricas e radiais ao redor do núcleo urbano consolidado, próximo aos cursos d’água para atividade industrial. Próximas a elas – e mantendo uma continuidade urbana – se localizava a moradia dos trabalhadores, produzidas por iniciativa privada. Paralelamente, a cidade moderna se desenvolvia o centro, entendido não como centro geométrico, mas centro gravitacional, centro de decisões e investimentos públicos, ao redor do qual gravitavam, inclusive fisicamente, as demais atividades.

Ao longo das décadas de 1940 e 1950 os Institutos de Aposentadoria e Pensão introduziram pela primeira vez na habitação coletiva os conceitos modernistas de habitação. Contribuíram para a expansão espraiada característica do crescimento urbano, que ia de encontro a alguns ideais do Movimento Moderno dentro do Urbanismo. A seguir, os principais conceitos empregados nesses conjuntos dão conta de um aspecto da paisagem periférica comum num dos anéis periféricos de crescimento:

  • a edificação de conjuntos habitacionais isolados do traçado existente da cidade;
  • a construção de blocos;
  • a limitação das alturas dos blocos;
  • o uso de pilotis;
  • a adoção dos apartamentos duplex;
  • os processos de construção racionalizados e a edificação de conjuntos autônomos;
  • a articulação dos conjuntos habitacionais com planos urbanísticos;
  • a entrada da casa mobiliada de forma racional (5); e que deixaram exemplares da qualidade da arquitetura nacional, construídos para fins de locação.

Até esse período víamos constituída uma lógica de crescimento e organização urbanas pautadas na construção privada de habitações populares, com uma oferta proporcional à demanda e alicerçada sobre a locação (aluguel), sem nenhuma ênfase na propriedade da habitação, mas na disponibilidade de habitações construídas dentro de critérios urbanos estabelecidos pelo Estado, e acessíveis através do aluguel, mas nunca patrocinados ou planejados por ele.

No entanto, a Lei do Inquilinato, de 1942 – que inibe o investimento privado na construção de edifícios habitacionais, congelando o valor dos aluguéis – desestimulou a construção de novas unidades para locação, pois passou a não ter a rentabilidade que tivera outrora, inaugurando uma era de forte crise na área habitacional. O Estado não lançou nenhuma alternativa para a questão, restando à população procurar moradias para compra dentro de suas possibilidades, o que as afastava cada vez mais do centro urbanizado, onde as propriedades tinham um custo inacessível, acelerando a tendência de espraiamento da cidade, mas agora acrescentando um item novo: a precariedade urbana.

O "sonho da casa própria", que seria construída em loteamentos nos arrabaldes da cidade, passa a ser a força motriz que desvia para a periferia a oferta de moradias populares. Essa prática originou na cidade grandes vazios urbanos, que se tornaram elementos de especulação imobiliária, já que ao estender a infra-estrutura básica e arruamento aos loteamentos distantes, propiciava-se o aumento do valor da terra nesses vazios entre a malha consolidada e a periferia. Bonduki dá a seguinte interpretação para esse momento, classificando da seguinte forma a Lei do Inquilinato: "instrumento de defesa das classes populares; instrumento de política econômica, pacto de classes e redução salarial; instrumento para desestabilizar o investimento imobiliário; resultou em despejos e falta de moradia“ (6).

A Lei do Inquilinato vigorou de 1942 a 1964, quando foi implantado no Brasil o Sistema Nacional de Habitação. Nessa época surgiram algumas favelas – demonstração clara da ineficiência do sistema de localização periférica da moradia popular, em uma situação urbana sem nenhuma conectividade no território nem com serviços nem com transporte público, o surgimento de favelas demonstrava muito mais um problema de oferta de moradias que um problema de renda para locação (7).

A autoconstrução passa a ser a alternativa de produção habitacional, já que, além de desestimular os investimentos na construção para aluguel, o Estado se omite na resolução da questão habitacional enquanto gestor urbano, deixando a cargo do morador a forma como este encontraria a solução. Por outro lado, o empresariado via no loteamento a única possibilidade de rentabilidade, já que construir para vender não era viável numa situação de baixas remunerações. Isso tudo na melhor das hipóteses, quando a lógica se faz pela via oficial. Para baratear ainda mais, passa a haver os loteamentos clandestinos, geralmente invasões em áreas ou de preservação ambiental ou públicas, em que o Estado não intervém por falta de capacidade técnica de fiscalização e interesse de controle, uma vez que deveria dar uma alternativa ao problema habitacional – e nunca deu. Isso tem refletido enormemente na diferenciação das tipologias habitacionais utilizadas pelas diversas camadas sociais, havendo uma grande disparidade do ponto de vista qualitativo urbano e arquitetônico entre as formas de morar dentro da Metrópole. Recentemente temos visto termos como: a cidade formal e a cidade informal, a cidade de todos, etc, deixando clara a existência de dois mundos urbanos, não paralelos, mas distantes, divergentes, mas cheios de intersecções.

A Arquitetura e a Engenharia deixaram então de cumprir seu papel na conformação física da cidade nesses locais, nas periferias. Fica por conta dos moradores e de sua bagagem cultural o projeto e a conformação da paisagem construída, cabendo ao poder público a instalação de infra-estrutura e arruamento. Como conseqüência, a qualidade urbana é muito inferior ao da cidade consolidada, pois primeiro é criada a demanda e depois a infra-estrutura básica implantada.

De 1942 o poder público se ausentou na periferia densamente habitada da cidade de São Paulo. Apenas em 1953, Jânio Quadros lança o Plano de Emergência, que “previa atacar simultaneamente todos os mais populosos bairros periféricos da cidade“ para dar algum beneficio a cada um dos 200 bairros ou Vilas que circundavam esta cidade”, incluindo “serviços locais de captação de águas pluviais e servidas, apedrejamento e pavimentação de ruas, retificação e canalização de córregos, ajardinamento e arborização, construção de praças, coordenação das obras públicas com os transportes urbanos, etc.” (8).

Mesmo assim, não havia nem planejamento urbano e muito menos projeto urbano nessas periferias, dando a elas uma conotação de pobreza, carência, deficiência, insalubridade e perigo. Vemos então que a formação da periferia excluída não se deu num primeiro momento por questões econômicas da renda da população, mas por uma questão de oferta de moradia.

Em São Paulo, encontramos como alternativas habitacionais até 1950, as seguintes modalidades de habitação em São Paulo:

  • casa própria (legalizada);
  • casa alugada de proprietários privados (contratos oficiais).

A partir da década de 1960:

  • casa própria (irregular) – autoconstrução
  • cortiços – habitação subnormal
  • favelas – habitação subnormal

Em 1964 é inaugurado o novo sistema pelo Governo Federal, que pretendia formular e implementar uma política habitacional nacional: O Sistema Nacional de Habitação, que teria o BNH – Banco Nacional de Habitação – como financiador dessa política. “O poder público, a partir de 1964, financiou uma quantidade extremamente expressiva do espaço urbano brasileiro. Foram quase cinco milhões de pessoas, mais de 20% das unidades habitacionais edificadas nas cidades brasileiras no período. Em algumas cidades, quase 40% das moradias construídas no período foram, de alguma maneira, financiadas por organismo oficiais” (9).

Mas a realidade econômica do país não poderia bancar esse plano nacional de habitação pois contava com o pagamento da moradia, a compra, dentro das regras financeiras.... e então o BNH passou , de fato, a financiar a habitação da classe média, tendo alguns casos de pesquisa construtiva e formal, como no caso da construtora Formaespaço, que procurava racionalizar e otimizar a construção desde o projeto de arquitetura. A iniciativa é louvável mas infelizmente não foi aproveitada como um exemplo pelo Estado. Desde a Lei do Inquilinato, a locação (aluguel) nunca mais foi uma alternativa de habitação, sendo a questão habitacional encarada como uma questão de acesso à propriedade da habitação, não acesso à habitação urbana, considerando não só a célula habitacional mas a sua relação com a cidade – educação, saúde, transporte: ter onde morar é ter uma propriedade, não importa onde ou como seja, ela é uma propriedade. Idéia perversa, que reforça a segregação social e espacial, mas agora oficialmente: a cidade informal passa a ser legal. Para o Estado a questão está resolvida.

A Lei de Zoneamento e a periferia do município

O Estado interveio novamente com a criação da Lei de Zoneamento. Restringiu desta forma a verticalização às áreas mais centrais (10), portanto, na menor porção do território, e impedindo que essa se desse na maior parte, encarecendo assim o custo da terra urbana. Por outro lado, cria no anel mais periférico do município áreas destinadas a abrigar os gigantescos conjuntos habitacionais, desvinculados não apenas da malha urbana, mas da vida urbana. “A lei de Zoneamento (Lei 7.085 de 1972) estabeleceu zonas diferentes para a cidade e, de modo geral, restringiu os coeficientes de aproveitamento [...] em apenas 11,5% da cidade permitia-se um CA igual a ‘4’ (quatro). Nos 88,5% restantes, o CA máximo estabelecido foi ‘2’ (dois). A Lei de Zoneamento gerou uma demanda por terras urbanas e a verticalização em áreas periféricas, em terrenos afastados e vazios” (11).

A Lei 7805/72 cria também a Z8 100, zona rural que poderia receber os conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH, a então habitação de interesse social, construída pelo Estado. Essas áreas, por serem rurais, primeiro não contavam com infra-estrutura urbana e depois tinham um baixo valor de mercado. As Companhias Públicas de Habitação então instalaram seus enormes conjuntos nessas regiões, construindo desde 1970 cerca de 210 mil unidades habitacionais, expandindo a malha, e aumentando a demanda por infra-estrutura nas periferias.

A tipologia adotada então em São Paulo pelas Companhias Estatais de Habitação, segundo nos parece, foi fortemente influenciada pela experiência de 1967, quando Fábio Penteado , Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha projetaram o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, em Guarulhos, São Paulo, que foi encomendado pela Cecap – Caixa Estadual de Casas para o Povo, para funcionar como modelo de política estadual. Foi planejado para uma população de 55 mil habitantes em 130 hectares de área e contando com infra-estrutura urbana (escolas, hospital, centro de saúde, posto de puericultura, estádio, cinemas, hotel, teatro, comércio próprio, clube, transporte etc.). “O Brasil teve uma mudança de escala exatamente naquela época, naquele momento. Passou por uma mudança de escala multiplicada por mil. O Brasil era pequeno em termos de números, a economia era pequena, era administrada por cabeças pequenas. Perante o mundo, o Brasil era muito pequeno. ...... Então o projeto de Guarulhos era visto como impraticável ou absurdo. Doze mil habitações era algo assim que ninguém nunca tinha visto nem imaginado, nem visto um projeto. Era um projeto muito romântico, com muita fantasia. ...... O trabalho não foi aprovado. Mas, depois de uma experiência curiosa, deram a aprovação para um projeto de 400 habitações” (12).

No entanto, nem a classe média nem as classes baixas tiveram suas demandas por habitação atendidas com a criação e operação do BNH. "O contexto de crise econômica que atravessou toda a década de 80 teve grande impacto no mercado imobiliário paulistano, sobretudo, com a extinção do BNH em 1986, que completou o quadro de inoperância e crise da construção de moradias" (13).

Essa crise do BNH e o empobrecimento da classe média brasileira levaram, em São Paulo, as classes médias e baixas a procurar apartamentos "populares", unidades cada vez menores e em locais periféricos, não atendidos e conectados com as redes de infra-estrutura instaladas e em operação. Alguns mecanismos para baratear o preço de compra de apartamentos foram: padronização absoluta dos apartamentos; redução da área útil, com conseqüente diminuição do programa; tratamento paisagístico e arquitetônico do térreo como diferencial; custos de manutenção das áreas e equipamentos comuns amortizados pela grande quantidade de unidades em cada condomínio; devido ao processo inflacionário, nenhuma pesquisa tecnológica foi desenvolvida nesse período para inovações da construção, pois o investimento não levava a um barateamento, levando a uma situação de total perda de qualidade, tanto do espaço como do edifício construído, inclusive do espaço urbano resultante da implantação desses diversos conjuntos na cidade.

“O alto custo da terra, sua escassez e a baixa disponibilidade de recursos são os argumentos mais freqüentemente utilizados para justificar a dificuldade de produzir habitação popular nas áreas estruturadas e mais centrais. Justificam também a diversificação de programas habitacionais do poder público. Estes passaram da política pública de oferta de unidades prontas em conjuntos habitacionais, característica da década de 1970, ao reconhecimento da dificuldade da tarefa e da necessidade de oferecer programas diversificados”. (14)

Os habitantes das periferias, no entanto, diante desse quadro, procuraram formas alternativas de resolver a questão. Na década de 1980/1990 foi grande o surgimento de entidades representantes dos movimentos populares por moradia. Vários são os exemplos de conjuntos construídos sob o regime de mutirão, que poderiam ter gestão direta do Estado ou então ter uma gestão indireta, onde as assessorias técnicas representavam um grande papel não só na formulação dos programas como também da organização das comunidades. Um exemplo de Gestão feita pelo Estado, mas com uma assessoria técnica que organizava os moradores se deu na Fazenda da Juta, em Sapopemba, coordenado pela CDHU.

A partir dos anos 1980, verifica-se, na Metrópole de São Paulo, um vertiginoso crescimento populacional sem que houvesse investimentos na capacidade central de abastecimentos de infra-estrutura compatíveis, com reflexos na distribuição, ocasionando uma rede aparentemente universalizada, mas com vários problemas no abastecimento, causando dificuldades de conectividade.

A construção em curso da paisagem metropolitana

O ciclo atual que se inaugura no início dos 1980’, de expansão periférica e urbanificação deficiente, "é portador de um evidente perfil terciário e marcado por intenso impulso de modernização dos setores precisos onde se instala a atividade produtiva no território metropolitano" (15).

Existem então duas grandes determinantes no território Metropolitano em São Paulo, a partir de 1980: por um lado o empobrecimento das classes média e baixa, por outro, uma alteração nos ciclos produtivos, acrescentando uma forte tendência de instalação e crescimento do setor terciário, ainda dentro da lógica da segregação social no espaço e da periferização empobrecida.

Percebemos algumas novas formas de intervenção, como as urbanizações de favelas, em uma escala jamais vista na cidade, como o Projeto Pantanal do Governo do Estado, em São Miguel, onde a favela foi assumida como realidade urbana, e a infra-estrutura busca a integração tanto física quanto funcional com a malha consolidada do entorno, tratando o conjunto como um novo bairro.

A análise da questão habitacional na cidade de São Paulo deve ser encarada como uma questão metropolitana e não municipal dada a complexidade urbana em que se encontra. O papel do Estado foi fundamental para a situação atual, e ao não criar condições de produção de moradia para a massa urbana determinou uma cidade espontânea, que se fazia da melhor forma possível. A ausência da Arquitetura e Engenharia na construção dessa paisagem relaciona-se diretamente com a importância dada pelo Estado à construção física da cidade, ou seja, praticamente nenhuma. O que hoje é visto como luxo – bairros organizados, habitações de qualidade – é apenas um dever público que foi renegado. Toda a condição terceiro mundista brasileira não explica a ausência de projetos de qualidade para habitação nas periferias das cidades brasileiras, muito menos uma cidade como São Paulo. O maior interesse nesta pequena pesquisa foi verificar quais agentes intervieram na construção urbana na periferia e porque a Arquitetura foi renegada de forma quase cruel. Esperamos poder contribuir para que a discussão de moradia se aproxime das questões centrais da Arquitetura.

notas

1
Texto originalmente publicado em Inglês nos Anais do ISUF – XIV International Seminar on Urban Form. Ouro Preto, ago. 2007. ISBN 978-85-98261-03-4. Revisão do texto em português de Maria Angela Viola.

2
REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo: vila, cidade, metrópole. São Paulo, Bankboston/PMSP, 2004.

3
Idem, ibidem.

4
VILLAÇA, Flavio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel / Lincoln Institute, 2001.

5
PORTO, Rubens. "O problema das casas operárias e os Institutos e Caixas de Pensões”. Rio de Janeiro, s/e, 1938. Apud BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade, 1998.

6
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade, 1998.

7
Cf. SILVA, Ricardo Toledo. “A conectividade das redes de infra-estrutura e o espaço urbano de São Paulo”. In: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. (Org.). O futuro das metrópoles: desigualdades e governabilidade. 1 ed. Rio de Janeiro, Revan, 2000, p. 407-432.

8
BONDUKI, Nabil. Op. cit.

9
Idem, ibidem.

10
Cf. SOMEKH. Nádia. “São Paulo anos 30: verticalização e legislação urbanística”. Espaço & Debates, Revista de Estudos Regionais e Urbanos, n. 40. São Paulo, ano XVII, NERU, 1997. Apud ANELLI, Renato; GUERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi – arquitetura e cidade. São Paulo, Romano Guerra editora, 2001, p. 46.

11
IMBRONITO, Maria Isabel. Três edifícios para a Formaespaço: Modulares, Gemini e Protótipo. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2003.

12
Trecho da entrevista do arquiteto Fabio Penteado a Maria Isabel Imbronito. Ver IMBRONITO, Maria Isabel. Op. cit.

13
VILARIÑO, Maria do Carmo. Habitação verticalizada na cidade de São Paulo dos anos 30 aos anos 80. Investigação acerca da contribuição dos Arquitetos Modernos ao Tema. Estudo de Caso. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2000.

14
MEYER, Regina Maria Prosperi; GROSTEIN, Marta Dora; BIDERMAN, Ciro (Org.). São Paulo Metrópole. São Paulo, Edusp / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

15
Idem, ibidem.

sobre o autor

Assunta Viola, arquiteta e urbanista, mestranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

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