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architexts ISSN 1809-6298


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Análise teórica que provoca a criação ou a ampliação da atratividade/ notoriedade dos lugares turísticos a partir de uma arquitetura singular, única, com qualidade, construíndo para isso um arcabouço teórico de seis conceitos básicos


how to quote

MOREIRA, Angela. Turismo e arquitetura:. A produção do atrativo via singularidade / notoriedade do lugar. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 093.05, Vitruvius, fev. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/169>.

O objetivo deste trabalho é elaborar uma análise teórica que provoque a criação ou a ampliação da atratividade/notoriedade dos lugares turísticos a partir de uma arquitetura singular, única, com qualidade. Para tanto, construiu-se um arcabouço teórico de seis conceitos básicos que vão, desde a teoria da arquitetura até os elementos da turismologia e da museologia. Esta base conceitual (é o nosso exemplo) vem apoiada por estudos realizados na França, país que se destaca pela atratividade, pela singularidade e pela notoriedade dos edifícios destinados a fins turísticos e de lazer. Entretanto, a motivação para realizar este artigo partiu da realidade de nossas cidades, onde a reprodução em massa, com pouca criatividade/qualidade, oriunda do estilo moderno provocaram:

1. a standardização, a modelização e a banalização da arquitetura, formada por conjuntos arquitetônicos que imprimem o pavimento-tipo e os mesmos elementos de fachada como oferta imobiliária, fruto do processo de industrialização.

2. a redução do patrimônio (oficial e não-oficial), fruto do pensamento moderno, que selecionou no nosso passado o que deveria ser as suas marcas (principalmente o estilo colonial), deixando margem para a derrubada de inúmeros prédios (particularmente do eclético), criando assim vazios em áreas nobres, onde foram introduzidos os novos exemplares modernistas (2).

3. o agravamento desse processo, pelo fato de que a maioria dos profissionais atuantes na nossa arquitetura foi marcada por esse movimento modernista e ainda projetam segundo ele. E esse quadro tende a se intensificar ainda mais nos lugares atingidos pelo processo de turistificação que, ao menos em teoria, deveriam exprimir uma representação significativa dos mais importantes valores de nossas cidades, expressos através de sua paisagem e de sua arquitetura (existente ou a ser construída).

Diante deste quadro, cabe uma atualização dos conceitos inerentes ao tema em questão.

Primeiro conceito: a noção de ciclo de vida turístico de Butler

Segundo Butler (3), a representação do funcionamento do espaço turístico é a base dos modelos de evolução desta atividade. O esquema histórico é simples:

  • primeiro, o lugar é descoberto, porque ele faz parte de uma margem espacial. É o período "pré-turístico" em que chegam os primeiros turistas. Butler denominou-o de fase de exploração. Do ponto de vista do lugar descoberto, esta fase é caracterizada pelo pouco câmbio;
  • depois vem um período durante o qual o lugar se integra ao sistema. O desenvolvimento corresponde a um aumento sensível do volume de turistas, que está ligado ao aumento da acessibilidade. Para responder às expectativas dessa população, o volume da oferta de alojamentos aumenta e se diversifica. A economia turística fica mais complexa;
  • quando o espaço regional está totalmente absorvido pela atividade turística, assiste-se a uma multiplicação dos lugares destinados a esta atividade, depois, à sua especialização e hierarquização. O desenvolvimento corresponde a um período de importantes transformações físicas do lugar (nem todas aprovadas pela população local);
  • finalmente, a chegada do turismo intenso seria concomitante a certa crise do lugar turístico, até mesmo seu declínio, pois este tipo de turismo modifica consideravelmente o lugar, degradando-o. Surgem, então, os problemas ligados ao meio ambiente, a degradação da qualidade dos serviços ou fatores mais sociológicos e, em particular, os conflitos com a população local. A atratividade do lugar declina, o número de turistas também. O lugar não interessa mais aos turistas, que preferem destinações turísticas reconhecidas e facilmente acessíveis.

Esta idéia de ciclo faz uma irrupção na literatura consagrada ao turismo em 1963, segundo Christaller. Mas é, em 1980, que ela é apresentada sob a forma de um modelo de evolução genérica por Butler, que aplica, então, ao lugar turístico o conceito econômico e comercial do ciclo de vida de um produto.

Butler propôs a representação gráfica de uma curva de evolução do número de turistas segundo o tempo: para as fases chamadas de início, de desenvolvimento e de consolidação, o volume absoluto de freqüentação é sempre em progressão: nos dois primeiros períodos, a taxa de crescimento está em progressão rápida, posteriormente, a fase de consolidação corresponde à sua compressão. O fenômeno está ratificado pela fase seguinte, a da estagnação, onde a taxa de crescimento se torna nula.

Como se trata de um modelo genérico, o autor não indica nenhum nível de freqüentação. Reconhece-se aqui o funcionamento do modelo colonial: depois do esgotamento, procura-se outro lugar.

Esta noção de ciclo de vida, de compreensão de mudanças e de limites vai implicar, entre os anos 80 e 90, em uma série de intervenções no espaço construído visando a alterá-lo. Ela pode ser aplicada, desde a micro até a macroescala, ou seja, desde um edifício até uma cidade ou região. Atualmente, considera-se possível “reciclar” o espaço, produzindo-se nele novas atratividades, ou seja, acrescentando-se ao modelo de Butler uma (ou mais) nova(s) fase(s) que corresponde(m) a um (ou mais) novo(s) ciclo(s) de vida.

Segundo conceito: o de patrimônio territorial

Para uma atuação eficaz, faz-se particularmente importante a atuação na microescala do território, ou seja, naquilo que vai tocar em especial a busca, a recuperação ou a recriação de novos valores locais. Desse modo, parece de grande utilidade o conceito de Patrimônio Territorial, orquestrado por Choay que, em seu último livro, prega o refazer do território a partir do conhecimento de suas singularidades, de suas especificidades.

“Trata-se de mostrar como a desterritorialização tende a eliminar o conjunto das riquezas patrimoniais que estão em jogo durante a longa duração do processo de antropização (paisagens rurais e urbanas, como atividades e práticas sociais). ...Não se trata nem de ecologia defensiva nem de conservação patrimonial, nem de procurar um equilíbrio entre global e local (conceito de glocal), pois este equilíbrio supõe uma subordinação do local aos imperativos do global. O desenvolvimento local e a reterritorialização devem ser considerados como uma alternativa estratégica ao desenvolvimento global” (4).

A grande inovação desse procedimento é que ele engloba o patrimônio natural e o patrimônio cultural (patrimônio ambiental) local sob o conceito de patrimônio territorial (5), estes não mais concebidos de forma estática, mas como indissociáveis de um conjunto de atividades e de comportamentos que lhes dá sentido, ou seja, não existe preservação (nem requalificação ou revitalização) do patrimônio natural e do construído local sem as práticas sociais que são a eles agregadas e que correspondem às diferentes escalas e aos diferentes tipos de herança que ali existem, sem uma economia local que associe a microagricultura e/ou a microindústria, o artesanato, o trabalho autônomo e os serviços diversos acompanhados de atividades não-mercantis.

“não se trata de voltarmos as costas ao real e à história e de nos instalarmos fora ou ao lado das redes técnicas. A eficácia destas está plenamente reconhecida, somente sua hegemonia é contestada. Sua função protética é relativizada e subordinada à elaboração de outro espaço e de outra sociedade. É o que Magnaghi resume em sua fórmula: “a mundialização por baixo”. Ao invés do local ser destruído ou condicionado pelos requisitos da sociedade mundial de mercado e da concorrência, submisso a decisões e a poderes vindos de outra parte, é a partir de um projeto endógeno e de forças locais que ele se conecta com as redes exteriores e se subordina a elas.” (6).

Isso irá implicar em uma prática dinâmica e em um conhecimento mais profundo da produção-recriação do território, ou seja, na perpétua elaboração de ciclos de vida de um lugar ou de um edifício. Cite-se um exemplo que atinge diretamente a atividade turística, com suas fases de “reciclagem” - o Museu do Louvre, França:

“A partir dos anos 50, observamos no Louvre um acréscimo de freqüentação anual de 500.000 visitantes por década, antes da renovação do Grande Louvre, em 1989. Seu número chegou a 7,3 milhões de visitantes em 2005” (7).

Isso significa dizer que, a cada fase de renovação, (e elas foram constantes) o número de turistas não cessou de crescer, pois houve uma renovação da atratividade do mesmo, sempre acompanhada da promoção da mídia, o que chamava a atenção e mais visitantes. Porém, surge a fase de completo esgotamento de vazios nesse lugar, quando a estratégia promocional vai adquirir nova face. O Louvre vai se dividir, atingindo uma das regiões de menor desenvolvimento do norte da França – a região do Nord-Pas-de-Calais, na cidade de Lens, valorizando seu antigo parque mineiro, que estava totalmente em desuso. Também será criada uma linha de trem de grande velocidade que ligará em 1 hora o velho e o novo Louvre, adaptando-o a uma versão européia.

O projeto cultural

O Louvre-Lens exibirá, em uma superfície de 5.000 m², obras importantes do Louvre... com pelo menos 3.000 m² de “apresentações renovadas”, agrupando obras-primas e achados provenientes dos oito departamentos do Louvre. As coleções serão apresentadas de forma transversal e pluridisciplinar, abolindo as fronteiras dos oito departamentos. Uma das vocações do Louvre – Lens é recompor temporalmente o que hoje está disperso e dar uma visão intelectiva sobre um momento da história da arte ou sobre uma civilização. As mostras serão renovadas por seções cada dois ou três anos. Ele terá cerca de 2.000 m² de exposições temporárias de 3 a 6 meses. Sua dimensão será internacional, com obras provenientes tanto do Louvre como de outros estabelecimentos franceses e estrangeiros.

O projeto arquitetônico

Foi escolhido o projeto do escritório Sanaa (Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa), de Tóquio. Ele prevê um conjunto de edificações com telhados de vidro e fachadas em alumínio, no centro de um grande parque. O conjunto se estenderá por 450 metros de comprimento, de ambos os lados de um átrio central com paredes de vidro transparente. Esse átrio permitirá que se atravesse a área sem necessariamente entrar nele. Dispostos em torno do átrio, vários edifícios térreos com fachada refletora em alumínio abrigarão as coleções, as exposições temporárias e as dependências administrativas. As duas principais salas de exposição, a leste do átrio, poderão ser modificadas de acordo com as coleções e terão telhado plano de vidro. Para filtrar a luz solar, o teto interior será uma membrana translúcida que exibirá um motivo variável de acordo com a exposição. Ao longo das duas salas, uma galeria envidraçada permitirá que o visitante circule no parque. Uma sala de espetáculos com 350 lugares, “La Scène”, se integrará na área. Também está previsto um restaurante. O custo da operação está avaliado em 127 milhões de euros. A obra deverá ser entregue em março de 2010 e aberta ao público no mesmo ano” (8).

Terceiro conceito: O processo de requalificação (de um lugar) (de um edifício):

Segundo Cabrita, Aguiar e Appleton, como conceito de processo de reabilitação ou requalificação, temos:

“Toda a série de ações empreendidas com vista à recuperação e à beneficiação de um edifício, tornando-o apto para o seu uso atual. Seu objetivo consiste em resolver as deficiências físicas e as anomalias construtivas, ambientais e funcionais acumuladas ao longo dos anos, procurando ao mesmo tempo uma modernização e uma beneficiação geral do imóvel sobre o qual incide – atualizando as suas instalações, equipamentos e a organização dos espaços existentes, melhorando o seu desempenho funcional e tornando esses edifícios aptos para a sua mais completa e atualizada reutilização” (9).

O ciclo de vida turístico está diretamente ligado ao processo de revitalização e/ou de requalificação dos lugares. Então, ao implantarmos um novo ciclo, estaremos definindo uma nova paisagem cultural agregada a novos valores. Entretanto, no que concerne ao turismo, não é qualquer paisagem que será interessante. Uma definição relativamente satisfatória pode ser a adotada na Carta da Paisagem do Quebec, de 2000, acrescentada das observações de Belgue, de 2007, e do conceito de patrimônio territorial de Choay (10), já citado:

“A paisagem é muito mais do que as características visíveis de um território, assim, sua definição deve ser ampliada para englobar as interações entre os indivíduos, suas atividades e o meio-ambiente. Novos elementos biofísicos, antropológicos, socioculturais, visuais e econômicos vêm se inscrever na noção de paisagem” (11).

“A paisagem passa a ser um fator de desenvolvimento, já que a qualidade de vida é um fator de peso e um argumento econômico e de desenvolvimento turístico. O poder de atração turístico repousa sobre princípios de unidade e de autenticidade do lugar de maneira a criar uma vantagem concorrencial“ (12).

Mais uma vez, a paisagem e os edifícios passam pela reprodução ou pela criação de novos valores. Mas, que valores e qual a sua relação com o turismo?

Quarto conceito: a noção de valor (para fins turísticos)

Segundo Quaranta (13), no Direito Francês, os bens, para serem considerados como bens, têm que ser obrigatoriamente apropriados. Todos os bens são móveis ou imóveis. E os imóveis incluem dentro dos seus elementos o meio ambiente, o solo, o subsolo, os lugares com água, assim como a vegetação ligada ao solo, porque ela é considerada como um acessório do mesmo. Essas mesmas considerações podem ser aplicadas às formas construídas, ou seja, aos edifícios, pois, neste conceito, todos os elementos são considerados como parte da paisagem. As leis de 10/07/76 e de 12/10/77 consideram a paisagem como um valor coletivo. Assim, uma forma se torna um bem se ela inclui pelo menos um destes quatros valores: científico, cênico, econômico ou cultural. Em função da importância do valor e do acúmulo dos valores, as formas são bens mais ou menos remarcáveis. Assim:

O valor científico. Se define por três critérios: a raridade natural ou construída, a exemplaridade didática e o testemunho paleogeomorfológico. A raridade natural concerne à freqüência e à densidade dos objetos geomorfológicos numa região determinada. A raridade construída refere-se ao caráter excepcional dos elementos construídos que se encontram na paisagem. A exemplaridade didática é uma noção qualitativa que concerne ao estilo e à originalidade dos elementos da paisagem.

O valor cênico. Compõe o aspecto estético da forma (tamanho, altura, largura, etc.) mensurável e quantificável através de suas características morfológicas e de sua aceitação. É delicado analisar a estética da paisagem, porque a beleza não tem valor universal. A estética de uma forma depende da subjetividade do observador. Não obstante, usando a filosofia da paisagem, podem-se estudar os fatores que levam a uma emoção positiva. Esses fatores são as cores e o jogo que se estabelece entre elas, as sombras, as luzes, as relações de volume entre as formas, que variam em função da distância que separa o observador da forma considerada. Se um máximo de fatores positivos está reunido, a forma será considerada como estética pela maioria das pessoas.

O valor cultural. Trata-se de saber qual é o lugar que ocupa(m) o(s) elemento(s) da paisagem na tradição cultural através da observação de fotos (antigas e recentes), de cartões postais, de obras picturais, de contos e lendas, e mesmo da história oral das pessoas que ali vivem, ou seja, da elaboração de um conhecimento profundo e constante acerca do lugar.

O valor econômico. Não se pode confundir valor econômico e recurso econômico. Um elemento geomorfológico tem um valor econômico, se ele é utilizável ou explorável. Como exemplo disso, uma parede rochosa é usada como via de escaladas, mas não é um recurso econômico direto porque ela não tem incidências sobre a produção e o emprego. Uma forma pode apresentar um valor econômico sem ser um recurso econômico. É essa noção de valor, que está ligada ao meio ambiente (natural e/ou construído), que vai permitir proteger os elementos que o compõem, incentivando assim um desenvolvimento a longo prazo para o território e sua região. O mesmo conceito pode ser aplicável ao parque arquitetônico do lugar. Esses últimos elementos, na contemporaneidade, vão passar por conceitos especiais que começam a ser definidos sendo, o principal deles o de Objeto Arquitetônico Singular, como elemento-chave do lugar, marcando e concretizando seus pontos atrativos.

Quinto conceito: a singularidade e os objetos arquitetônicos singulares

Nos diálogos entre o arquiteto Jean Nouvel e o filósofo Jean Baudrillard conseguimos algumas pistas acerca deste conceito:

“JN – Objeto Arquitetônico Singular é um objeto que literalmente te absorve. O objeto pode ser muito belo, mas não ser singular... Não existem normas, não é ligado a formas estéticas, sociológicas, políticas, espaciais [...]. É uma qualidade adicional. Na singularidade, a estética não é primordial. Mesmo um objeto monstruoso pode ser uma entidade indiscutível e, assim, ser belo.

JB – Me interessa o que me deixa estupefato.

JB – Mas, o diferencio do global, do universal...

JN – [...] E do neutro” (14).

Na contemporaneidade encontramos duas tendências consideradas marcantes no que concerne à expressão conceitual dos objetos arquitetônicos singulares. A primeira, uma abordagem mais geral, que olha a maneira como vêm sendo projetados os novíssimos objetos arquitetônicos e uma segunda, mais específica, que toca o aparecimento de uma arquitetura ligada às preocupações ecológicas. Devemos observar que ambas têm algumas características em comum e outras específicas, cabendo aos arquitetos escolherem quais irão incrementar, segundo seus pontos de vista, o próprio projeto em si ou o seu cliente, refletindo uma ou outra vertente ou mesmo compondo um mix das mesmas. Assim, escolhi dois autores para representá-las: Richard Scoffier (15) e José Maria Montaner (16), que definiram os pressupostos básicos de cada uma delas:

Para Scoffier, as condições gerais da arquitetura (e da cidade) passam por quatro elementos: objeto; tela; meio; e acontecimento. Para Montaner, as características da arquitetura dita ecológica são definidas por seis elementos: a beleza da pele; as formas escalonadas; o vidro; a presença de pátios e estufas; de edifícios semi-enterrados e dispersos; de estruturas leves, recicláveis e nômades. Tais conceitos fixam linhas de projetos. Mas, o que realmente significam?

Para Scoffier, o edifício é considerado um objeto singular, único, aberto à sedução, à fascinação. Logo, a emoção aflora como um elemento sensível e palpável na arquitetura contemporânea, elemento importante que atinge diretamente o usuário, pelo poder de atrair e de sensibilizar, é objeto de forte presença e impacto emocional. Em geral, as fachadas dos edifícios constituem-se de uma membrana apta a receber todo o tipo de informação. Em seu interior tudo pode acontecer. Admite-se o imprevisível, afirma-se a descontinuidade, a irredutibilidade de cada instante, o diferente. Montaner afirma a beleza desta pele (tanto no interior como no exterior do objeto), com qualidades filtrantes (no que concerne à luz, aos sons e mesmo aos odores) que conduzem à sensibilização, podendo estar ligada ou não ao contexto onde está inserida, atendendo ou não a valores globais ou locais.

As fachadas ou outras divisões interiores aparecem como telas, com funções exacerbadas, servem para envelopar e proteger o espaço interno ou o externo. Assumem o papel de intermediários entre mundos, podendo negar a transparência e a opacidade e cobrirem-se de signos. Elas se ligam às duas funções do olho: ver (que convoca todos os sentidos, todo o corpo – menos predominante) e ler (mais abstrata e intelectual, pois decifra e percebe os sentidos sob as formas de signos, símbolos e imagens – mais predominante, investindo nas relações entre signo e sentido).

Para Montaner, na arquitetura dita ecológica, a fachada vai, principalmente, assumir formas escalonadas, onde a cobertura também representa uma parte importante do edifício, pois tem a ver com a visibilidade. É o elemento básico de expressão e também aquele que outorga ordem e harmonia ao entorno. Outra característica é o uso de certos materiais e texturas como o vidro que, oferecendo transparência, atua para acentuar, para marcar os limites e como "espaço intermediário" na fachada, também pode ter como missão atuar como espaço térmico, ou seja, atua como meio.

Em certos casos, para Scoffier, podemos até assistir à erosão do lugar. Um espaço que nos libera do peso da cultura e de suas convenções. O acontecimento produzido nele passa a ser mais importante que o uso, ele recria a noção de temporalidade, trata-se do tempo do evento, um mundo onde o inabitual sucede ao inabitual, ou seja, aparece uma ruptura clara, variada e contínua com o cotidiano.

Para Montaner, na arquitetura ecológica ainda existem preocupações com o contexto, através da harmonia, do uso e das relações culturais, ou seja, preocupações ligadas à continuidade, à (re)afirmação do lugar, através de certos elementos tipológicos. Uma das estratégias tradicionais desta arquitetura é a de ser definida pelas formas semi-enterradas que se aproveitam da inércia térmica do terreno e das paredes. Outra é a dispersão das massas, a fragmentação do edifício em um complexo arquitetônico. Isto responde a uma postura tão respeitosa com o entorno, que pode obrigar mesmo à fragmentação do programa em grupos mínimos. Outra é a utilização de estruturas leves, recicláveis e nômades. O futuro da maior parte da arquitetura que respeita o meio ambiente estaria, segundo Montaner, na arquitetura leve e industrial, onde é muito mais viável construir por camadas não aderidas, substituir elementos e criar o mínimo de resíduos possíveis, tanto na execução da obra quanto na sua demolição ou reciclagem.

Tais conceitos gerais tendem a ser (mais ou menos) aplicáveis à totalidade da produção da arquitetura contemporânea, o que significa que nem todo edifício feito hoje pode levar a marca de ser realmente singular. Na prática, o que se vê é que a sua utilização (tanto em um, como em outro caso) fica restrita, ainda, aos objetos arquitetônicos destinados ao lazer (em todas as suas funções), à cultura e ao turismo. Assim, o lazer/cultura surge como uma ponta de lança da discussão acerca dos mesmos e da produção dos grandes arquitetos contemporâneos, como uma grande característica e uma demanda da sociedade atual.

Jean Baudrillard (17) observa e cala Jean Nouvel, quando comenta que a verdadeira singularidade vem depois da arquitetura (ou lugar) ser criada, ela é dada pela valorização e pela notoriedade que os seus usuários (moradores e turistas) lhe dão. Por isso, “monstros”, como Baudrillard assim classifica o Centro George Pompidou em Paris, são objetos singulares, pois estão definitivamente ancorados no afeto e na memória de seus visitantes.

Sexto conceito: a valorização turística passa pela criação e/ou o aumento da notoriedade da arquitetura ou de um lugar

Esta criação ou este aumento de notoriedade dependem do conceito de atração turística que é definido pela composição de suas duas partes distintas: a atração-descoberta e a atração-evasão. Aqui, interessa a primeira delas, que versa sobre um atrativo cuja visita pode ser curta, mas cujo conteúdo pode ser maximizado para guardar o interesse do visitante, sendo esta de caráter mais passivo do que a segunda. No que concerne à interioridade desses suportes, para Kirshenblatt-Gimblett (18), esta atração depende da maneira de apresentação dos acontecimentos (ou mostras) que podem ser: in situ ou in context. A primeira privilegia a imersão dos visitantes e a experimentação e a segunda valoriza a colocação de objetos ou dos acontecimentos segundo enquadramentos logísticos. Em muitas situações, hoje, podemos chegar a encontrar uma ou outra ou ambas as situações dentro do mesmo suporte arquitetônico, segundo as necessidades dos acontecimentos ali apresentados.

Todavia, tantos arquitetos quanto turismólogos devem atentar para o fato de que os edifícios são permeáveis às mudanças que afetam o turismo, o lazer e a cultura, sobretudo na impregnação da experiência vivida durante a visitação. A criação ou a valorização de lugares para fins turísticos e de lazer passa pela análise dos diferentes potenciais (tanto exteriores ao imóvel, quanto interiores), sempre procurando respostas segundo uma visão ligada ao ambiente que será percebido e experimentado, ou seja, levando em consideração os aspectos ambientais, físicos, econômicos e sócioculturais, assim como o oferecimento de serviços e dos diferentes tipos de tecnologia de apresentação.

Criar ou ampliar a notoriedade de um lugar ou de uma construção, ou seja, inserir-lhes novos ciclos de vida, hoje, tem como objetivo primeiro, segundo Morissett (19), adquirir uma experiência sensível das ambiências a serem valorizadas e do conteúdo das mesmas (20). Ainda segundo Morisset, quando um edifício (ou um lugar) oferece uma configuração particular, a criação do lugar turístico pode partir dele, segundo sua envergadura e os meios disponíveis. Entretanto, ela passará forçosamente por três estágios ou níveis de estruturação que corresponde à justaposição de “camadas de notoriedade” agregadas:

“Para tanto, é preciso:

a - compreender esta arquitetura (ou lugar) e o seu contexto: seu conteúdo e o significado do lugar onde está inserida; seus diferentes tipos e possibilidades de atração; suas características materiais; o tipo e o método como irão ser agregados valores a mesma.

b- preservar o recurso (da arquitetura ou do lugar): avaliação da(s) sua(s) fragilidade(s); da sua capacidade de carga, da sua capacidade de ser turistificável e de ser absorvida por um processo de culturalização; das ferramentas de proteção, ou seja, das legislações vigentes em diferentes níveis e das técnicas e tecnologias utilizadas.

c- interpretar o recurso: trata-se da valorização de cunho interpretativo e das diferentes técnicas de interpretação disponíveis: oral, multimídia, cartazes ou murais, incluindo aqui a própria arquitetura” (21).

Neste último item, é importante observar que, no que concerne à arquitetura, deverá ser levada em consideração uma série de novos elementos, tais como:

A – quanto ao público em geral:

  • os riscos: há toda uma preocupação com a segurança das pessoas, dos objetos materiais e das situações no interior da construção (ou do lugar);
  • o acesso: a obstacularização dos acessos, que impede a fluidez, a circulação e a contemplação deve ser evitada;
  • o seu tempo de permanência dentro do imóvel começa a ser contado e valorizado. Ele será incorporado em programações e em ações a serem realizadas ali, conseqüentemente às técnicas e materiais utilizados no suporte arquitetônico;
  • o acréscimo de novas funções de comunicação, de gestão, de estudos de público, de marketing, de controle de gestão, de estratégias previsionais, de programação, atualizando as suas instalações, ampliando-se a sua superfície, multiplicando-se as suas atividades, desenvolvendo-se produtos derivados, apresentando-se elementos virtuais em sites na Internet.

B - quanto à atratividade:

  • a arquitetura é um forte signo dentro da paisagem. Além de ter que ser adaptada ao contexto do lugar onde será inserida, a sua aparência exterior, tratando-se de criação ou de requalificação, não é tão importante quanto os espaços de acolhimento, de recepção do visitante que, hoje, devem ser mais valorizados, pois correspondem, mais que nunca, à elaboração de um complexo sistema central de hospitalidade para o visitante.

Segundo Fourteau (22), a recepção aqui deve ser tomada no sentido de fornecer informação, acessibilidade, signalética e bilheteria – ou seja, todas as suas funções primárias e essenciais. Acrescida de um especial sentido estético, de uma grande visibilidade e de um sentido de dinâmica forte, pois se trata de lugares em que os fluxos vão se encontrar. A recepção deve ser capaz de acolher um grande número de pessoas, mas também de oferecer equipamento específico para certos segmentos particulares de visitantes (estudantes, deficientes, famílias, idosos, etc). Ela se insere na contemporaneidade sob a égide da hospitalidade, do conforto, de serviços, de comércios, assim como sob a forma de equipamentos culturais novos como auditórios, centros de documentação, salas de exposições, acesso a espaços multimídias, destinados a bem acolher o visitante, em geral, marcando-se de forma acentuada a entrada do mesmo no recinto da visitação. Tudo isso proporciona ao objeto arquitetônico e/ou ao lugar uma força, uma presença considerável na comunidade e na paisagem local.

No entanto, deve-se deixar bem explicitado que, segundo Morissett (23), a criação ou requalificação de um objeto turístico, como resultado deste processo de valorização, ou seja, da introdução de novos ciclos em um produto turístico, precisa antes de tudo, preservar a(s) sua(s) idéia(s) original(ais), procurando, sempre que possível, manter a essência da ambiência, da experiência sensível existente em sua arquitetura e em sua paisagem circundante (mais do que propriamente a sua forma), podendo mesmo cirarem-se espetáculos, desde que estes critérios sejam considerados.

Conclusão / resultado

Na contemporaneidade, os conceitos de: ciclo de vida, preservação do patrimônio territorial, valorização dos principais elementos turísticos que integram o local dentro de um processo de criação e/ou requalificação, objeto arquitetônico singular e criação e/ou aumento da notoriedade de um lugar compõem uma base para que sejam repensados os lugares destinados ao lazer e ao turismo de uma forma mais contextualizada e adaptada às necessidades de seus atuais usuários. Tal forma de pensar o lugar deverá constituir ambiências de alta qualidade ambiental, que podem servir também como produtos turísticos do mesmo padrão, tão necessários no contexto deste país. Esta base servirá para a conscientização acerca deste tema. Evidentemente, também se deve contar com um esforço da parte dos arquitetos para que caminhem em direção à singularidade em suas obras, através de uma boa estruturação da ambiência turística (alta qualidade ambiental, dentro e fora do edifício), dos acontecimentos e produtos turísticos oferecidos (ou seja, acerca da importância do papel dos animadores, turismólogos inclusos) e, por fim, da sagração desses elementos pelos seus moradores e visitantes, condições que criarão a atratividade e a notoriedade do lugar e que reforçarão ainda mais a sua singularidade.

notas

1
Texto publicado nos CD-ROM dos Anais do IV Seminário da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo, São Paulo, agosto de 2007. O objetivo deste texto é uma relação mais específica entre Turismo e Arquitetura, compreendo e aceito que imperativos econômicos e sociais estão marcadamente presentes. Entretanto, gostaria de acentuar alguns elementos mais específicos desta relação neste espaço de discussão, por isto eles serão os predominantes no texto.

2
Isto não quer dizer que toda a produção modernista tenha sido assim. Alguns arquitetos mais conscientes produziram arquitetura de boa qualidade (tanto arquitetônica quanto ambiental), mas infelizmente eles não constituíram a maioria desta produção.

3
BUTLER, R. W. The concept of a tourist area cycle of evolution: implications for management of resources. Canadian Geographer, 1980, 24, p. 5-12.

4
CHOAY, Françoise. Pour une anthropologie de l’ espace. Paris, Seuil, 2006, p. 368-369.

5
Aqui se está tratando de patrimônio territorial no sentido dado por Choay (op. cit.), ou seja, o da palavra francesa terroir, quer dizer, dos elementos ligados à terra, de pequena escala local, das coisas, situações e do espaço contido nessa escala.

6
CHOAY, Françoise. Op. cit.

7
FOURTEAU, C. Le tourisme et les institutions culturelles. 609ª Conférence de l´Université de Toutes Savoirs, 13 jan. 2006. Acesso 28 maio 2007.

8
Comunicado do Ministério da Cultura e da Comunicação e do Museu do Louvre, de 12 de maio de 2005, data da assinatura do protocolo entre o Estado, as administrações públicas locais e o Louvre. França Flash 53, CENDOTEC, 10 de junho de 2007.

9
CABRITA, A. R.; AGUIAR, J.; APPLETON, J. Manual de apoio à reabilitação dos edifícios do Bairro Alto. Lisboa, FNAC, 1993.

10
CHOAY, Françoise. Op. cit.

11
Charte du Paysage Québécois, 2000 <www.a21l.qc.ca/web/document/charte_paysage.pdf>.

12
BELGUE, D. “La protection et mise en valeur du paysage. Comment un projet de paysage peut devenir une orientation centrale ou secondaire d’un plan d’action?“. In GAGNON, C. e E., ARTH (Ed). Guide québécois pour des Agendas 21e siècle locaux : applications territoriales de développement durable viable, 2007. <www.a21l.qc.ca/9593_fr.html>. Acesso 28 de maio de 2007. Grifo nosso.

13
QUARANTA, G. “La prise en compte des biens paysagers dans la promotion touristique d’une zone environnementale protégée” (Croda da Lago, Cortina D’Ampezzo, Dolomites Italiennes). In Tourisme et milieu, Paris, Collections Colloques du CTHS, n. 16, Ed. CTHS, 1997, p. 147-156. p. 148-150.

14
BAUDRILARD, Jean; NOUVEL, Jean. Los objetos singulares. Arquitectura y filosofia. Buenos Aires, Fondo de Cultura Economica, 2001, p. 102-105

15
SCOFFIER, Richard. Les quatre concepts fondamentaux de l’architecture contemporaine. Palestra proferida no Salão do Auditório Archimedes Memória – UFRJ em convênio entre Escola de Versailles / Proarq em 16/03/2006, Rio de Janeiro. Duração: 03:50:00.

16
MONTANER, José Maria. A modernidade superada. Arquitetura, arte e pensamento do século XX. Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.193-201.

17
BAUDRILARD, Jean; NOUVEL, Jean. Op. cit.

18
Kirshenblatt-Gimblett. Apud DIAS, N. “Que signifie mettre en exposition ?”, Terrain, n. 34 – Les animaux pensent-ils ?, mar. 2000 [En ligne], mis en ligne le 9 mars 2007 <http://terrain.revues.org/document1030.html>. Acesso: 28 de maio de 2007.
19
MORISSET, L. Plan du cours – Création et mise en valeur des sites touristiques. Canadá, SG UQAM – Chair de recherce au Canada sur le patrimoine urbaine, 2004 <www.patrimoine.uqam.ca/IMG/pdf/EUT_8102.pdf>. Acesso: 28 maio 2007.

20
O que é um conceito muito mais amplo do que o de unidade e identidade citadas na Carta de Quebec.

21
MORISSET, L. Plan du cours – Création et mise en valeur des sites touristiques. Canadá, SG UQAM – Chair de recherce au Canada sur le patrimoine urbaine, 2004 <www.patrimoine.uqam.ca/IMG/pdf/EUT_8102.pdf>. Acesso: 28 de maio de 2007.

22
FOURTEAU, C. Le tourisme et les institutions culturelles. Op. cit.

23
MORISSET, L. Op. cit.

bibliografia complementar

BERLINCK, Deborah. “Louvre vai ter um novo espaço para arte do Islã. Megaprojeto que encanta os franceses é financiado por príncipe da Arábia Saudita, que doou 17 milhões de euros”. O Globo, domingo, 25 set. 2005.

CAZES, G. Fondements pour une géographie du tourisme et des loisirs. Ed. Bréal, 1992.

DEPREST, F. Enquête sur le tourisme de masse. L’écologie face au territoire. Paris, Belin, 1997.

MARTINS, Angela Maria Moreira. Estratégias para o desenvolvimento de cidades sustentáveis através de seus potenciais turísticos. Pós-Doutorado na Université de Paris I Panthéon-Sorbonne, ago. 2000 – mar. 2001. Apoio: CNPq.

MOREIRA, Angela Maria Moreira. A arquitetura e o lazer: arquitetura contemporânea / arquitetura para as camadas altas e médias da população carioca. Anais da VII Reunião de Antropologia do MERCOSUL – VII RAM – Grupo de Trabalho n. 36 – Cultura e cidade: A casa, a rua e o bairro nas etnografias urbanas. Porto Alegre, jun. 2007.

sobre o autor

Professora Doutora Angela Maria Moreira Martins, Arquiteta e Urbanista, Mestre em Geografia Urbana/ IGEO/ UFRJ; Doutora em Planejamento Urbano / Université de Paris X; Pós - Doutora em Turismo e Desenvolvimento / Université de Paris I Panthéon-Sorbonne. Responsável pelo LAB.L.E.T. – Laboratório de Lazer e Espaços Turísticos do PROARQ – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ.

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