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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Trata do momento, em 1959, em que a construção da futura Capital do Brasil atinge um estágio definitivo, impulsionando a economia e catalisando ações governamentais para consagrar sua meta

english
Eduardo Pierotti Rossetti's article describes the moment when the construction of Brasilia achieves a status in which the economy is finally activate

español
El artículo de Eduardo Pierotti Rossetti habla sobre el momento en que la construcción de Brasilia alcanza un desarollo definitivo e impulsa la economía


how to quote

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília, 1959: a cidade em obras e o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 111.03, Vitruvius, ago. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.111/34>.

“60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas...
- Ah, as empenas brancas!
(...)
Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho – pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humanoem progressão...
O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível.”

(Vinícius de Moraes)

No frenético cronograma da construção de Brasília, 1959 é um ano crucial e determinante do sucesso da empreitada capitaneada pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Em 1959, a construção da futura Capital do Brasil atinge um estágio definitivo, impulsionando a economia e catalizando ações governamentais para consagrar sua meta – síntese. Na paisagem do cerrado do Planalto Central, Brasília se torna, irrevogavelmente, um projeto nacional autônomo, atingindo a opinião pública e todos os setores sociais. Brasília representa um gesto de afirmação nacional sem precedentes, consubstanciando – se num projeto urbano e arquitetônico, que se insere num projeto de nação. Brasília representa uma epopéia de modernização imposta ao próprio país, como um novo parâmetro de desafios e perspectivas simbólicas, suplantando toda ordem de valores e práticas que apontassem em sentido contrário. JK consolida sua ambição política e perfaz os 50 anos almejados nos 5 anos de mandato. Afinal, entre 1955-59, enquanto 60% das exportações nacionais eram café – uma commoditie – a produção industrial quase dobrou, sendo que a indústria da comunicação cresceu 380% entre 1957-61. Mas o número mais impressionante corresponde ao PIB, com um crescimento de 45% entre 1955-60 (2).

Contrapor a rarefeita ocupação dos vastos territórios do Planalto Central com a nova Capital, significava tomar posse do país. Brasília se erguia entre territórios, fazendas, caminhos e veredas que já cruzavam o quadrilátero do Distrito Federal, em meio a uma paisagem equivocadamente tratada como “deserto”, ou mesmo adjetivada como “nada”! Será no processo desta tomada de posse, num cerrado revolvido, ocupado por máquinas, tratores, caminhões, estruturas metálicas dos edifícios e milhares de candangos, que os participantes do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte instauram um debate sobre a própria cidade – capital em construção como síntese das artes.

Assim, interessa explorar o que os participantes do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte presenciaram e vivenciaram quando da instalação deste debate: o que era Brasília em setembro de 1959? Brasília já era uma cidade, uma cidade – Capital, ou não passava de um colossal canteiro de obras? Para aferir estas e outras questões relativas à organização e ao transcurso deste Congresso, é preciso explorar não apenas as referências já consolidadas pela historiografia da arquitetura, mas também os Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, as fotografias de Brasília em 1959, anotações particulares sobre o Congresso, a correspondência diplomática do Itamaraty, mostrando – se útil inclusive utilizar o “Catálogo telefônico de Brasília” de 1959. Somente assim, torna – se possível ampliar a configuração das próprias circunstâncias do Congresso e revelar o que foi encontrado pelos congressistas, pois o que interessa é ver e fazer ver o estágio da cidade – canteiro em vias de se tornar a futura cidade – Capital que foi conhecida pelos participantes do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte.

Em que pese o difícil acesso aos seus Anais, é sintomático que ainda hoje este Congresso seja mais lembrado pela grande quantidade de ilustres visitantes, do que pelo conteúdo crítico e pela contribuição deles sobre Brasília, sobre arquitetura e as tantas questões então latentes. De fato, os Anais deste Congresso fornecem apenas uma chave parcial para acessar e poder compreender as complexas questões em debate. Além de não registrar integralmente os debates, os Anais não possuem um rol com a presença dos participantes e tampouco informam diretamente a programação das sessões, ou outras atividades da agenda cumprida pelos congressistas, o que reitera a inclusão e o cruzamento de outras fontes.

O Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte – doravante também apenas Congresso – foi organizado pela Associação Internacional do Críticos de Arte – I.A.C.A.– para ocorrer em outras duas cidades, além de Brasília: Rio de Janeiro, São Paulo. Em São Paulo, o cronograma do Congresso se vincula às atividades da V Bienal Internacional de São Paulo, articulando os cronogramas e à agenda para tornar o campo cultural brasileiro um ambiente menos periférico ao debate internacional das artes. A estratégia de realizar o Congresso em três cidades também demarca o possível contato dos congressistas com três universos urbanos, sociais, culturais e arquitetônicos distintos. São Paulo, a cidade industrial e pólo econômico; Rio de Janeiro: a “Velhacap”, ou um balneário cosmopolita, moderno e bossa – novista, com arquiteturas seculares; e Brasília: a futura cidade – Capital, com a arquitetura moderna de Oscar Niemeyer para a “Capital da Esperança”! (3)

1959: o ano crônico de uma Capital anunciada

1959 é um ano marcante. Em 1959 é realizado o CIAM XI que dissolveu a própria instituição do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Com equivalente transgressão, Constant Nieuwenhuis expõe os primeiros estudos sobre a Cidade Situacionista (Nova Babilônia) na França. Foi também em 1959 que Frank Lloyd Wright falece e que o Museu Guggenheim de Nova York é inaugurado. Em 59, enquanto estavam em cartaz “La dolce vita”, “Rocco e seus irmãos” e Psicose”, a Revolução Cubana triunfa! A criação da SUDENE neste ano visava fomentar o desenvolvimento da região Nordeste depois da trágica seca do ano anterior, justamente quando a Volkswagen inaugura sua unidade em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Em 1959, Sérgio Buarque de Holanda publica suas “Visões do Paraíso” e JK participa do vôo inaugural do Caravelle da VARIG para a nova Capital, de onde foi possível apenas antever, senão o paraíso, ao menos onde estaria o lago Paranoá, que iniciara seu represamento (4).

A formação do Lago Paranoá até a cota determinada era um dos desafios lançados pelos céticos e pelas forças políticas que estavam atentas ao fracasso total do projeto de Brasília. Metaforicamente, a lenta formação do lago, corresponde à permanente transformação do campo arquitetônico brasileiro numa nova circunstância diante da utopia em processo de materialização, instaurando a “condição pós – Brasília”. Esta condição pós – Brasília se caracteriza pela a manutenção de questões e posturas modernas em diálogo com novas questões e outras posturas, que já não correspondem dogmaticamente às premissas modernistas, mas nem tampouco são, automaticamente, pós – modernas. Trata – se de uma dilatação do sentido da modernidade inerente à produção da arquitetura brasileira que, para além de uma linguagem já consolidada, mantém o debate refratário às críticas ao Movimento Moderno, que são contemporâneas à Brasília – o ponto máximo de nossa modernidade.

A condição pós – Brasília se principia dentro da construção da cidade, entre 1957 e 1960. Esta condição pós – Brasília representa menos do que a mera ruptura, sinaliza mais do que a mera continuidade e significa tanto quanto uma complexa transformação do campo arquitetônico que está distante de uma coesão lastreada e decantada sobre a produção arquitetônica brasileira pós – 1960. Neste sentido, Segawa afirma que “Brasília está no bojo desse projeto desenvolvimentista e constituiu o marco final dessa vanguarda arquitetônica alimentada por uma política de ‘conciliações’ ideológicas. O marco cronológico final desta etapa está em 1964, com a implantação da ditadura militar, encerrando a utopia [arquitetônica] do segundo pós – guerra.” (5).

Será justamente neste momento pós – 60 que haverá também no Brasil a paulatina estruturação de uma indústria cultural, que passaria a ser um dos vetores da dinâmica cultural explorando as referências culturais do país, diversa do arroubo modernizante e emancipador contido em Brasília, na Bossa Nova e na Arte Concreta (6). Nestes casos, a modernidade era de tal ordem que suscitava um interesse sobre uma suposta perda de valores de uma identidade nacional pré – existente, quase como um efeito colateral. A híbrida atualização dos meios de manifestação cultural contribuía com a transformação da identidade nacional, suplantado estereótipos e estigmas, coadunando – se então com a modernidade de Brasília, cuja inauguração seria televisionada.

Em contrapartida ao ocaso do baluarte do Movimento Moderno – o CIAM – agentes das mais variadas expressões do campo arquitetônico, tais como Will Grohman (7), Eero Saarinen, John Entenza (8), Stamos Papadaki, Andre Bloc (9), Charlotte Perriand, Jean Prouvé, André Wogenscky (10), William Holford (11), Bruno Alfieri, Giulio Carlo Argan, Gillo Dorfles, Alberto Sartoris e Bruno Zevi, estiveram ao Brasil para conhecer e/ou reconhecer a sua vanguarda arquitetônica e, de certo modo, dar o seu “Ok” à grande empreitada (12). O cerne do debate do campo no mundo – o CIAM – ruíra e o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte torna – se uma instância reflexiva e legitimadora da relativa autonomia do campo arquitetônico brasileiro. Neste sentido, o diplomata José Oswaldo de Meira Penna – chefe da Divisão Cultural do Itamaraty afirma: “...o Congresso é Extraordinário: consagra o reconhecimento de nossa identidade artística perante o mundo que nos descobre.” (13).

O Congresso é parte da construção simbólica de Brasília, sendo o gesto mais internacionalizante de exposição da cidade. Ao trazer especialistas do mundo todo para ver a nova Capital em obras, comprova – se a factualidade de sua existência e globaliza – se o mito, ora em processo de construção (14). Neste sentido, Ferreira Gullar afirma que “Sem dúvida que o Congresso deu maior relevo à significação de Brasília...” uma vez que a cidade “No Brasil e no mundo, passou a ser vista de outra maneira, não como mera expressão do desenvolvimentismo de JK.” Ele também considera que “Trazer os críticos foi muito importante, porque sua opinião iria irradiar – se pelo mundo inteiro, pondo Brasília no centro das discussões sobre a cidade nova e a nova arquitetura, que deixava de ser isolada de uma concepção teórica e construtiva para se tornar um fato de importância na vida de um país e para a arquitetura contemporânea.” (15) Simultaneamente, o Congresso tornou – se o palco do anúncio de uma “crise” do Movimento Moderno e da produção arquitetônica. Bruno Zevi assinala que “...a arquitetura moderna (...) está em profunda crise, crise esta que se sente com muita força na Itália, que é muito evidente nos Estados Unidos e muito menos evidente em Brasília, mas que existe em todo o mundo.” (16) Enquanto que Jean Leymarie categoricamente afirma: “Estamos em estado de crise.” Já André Bloc pondera que “...estamos infelizmente numa época em que o nível da arquitetura no mundo é um tanto fraco. O Brasil é uma exceção feliz...” (17). Assim, Brasília em obras assiste o prenúncio da crise que se efetivaria posteriormente, firmando – se como um ponto de inflexão para um momento outro, ratificando a condição pós – Brasília no campo da arquitetura brasileira.

A V Bienal Internacional de São Paulo, está vinculada às atividades do Congresso, consolidando – se como um evento autônomo na promoção e divulgação da arte, além de formar público, estimular um mercado de artes e ampliar a inclusão do país num circuito cultural. A Bienal integra o debate dos especialistas e participantes do Congresso que se deslocaram do sol primaveril do cerrado para o planalto paulista, ampliando o time de críticos envolvidos no certame. Esta Bienal trazia destaques e salas especiais para Vincent van Gogh, Victor Horta, Mies van der Rohe, Gaudí, arte japonesa e chinesa, além da obra de Burle Marx. Paralelamente, sob a marquise do Parque havia a exposição Bahia no Ibirapuera, organizada e montada por Lina Bo Bardi. Trata – se de uma exposição que destaca objetos das manifestações da arte popular coletados por Lina , consagrando suas estratégias de museografia e museologia. A exposição evidencia o interesse de Lina Bo Bardi pelo debate em curso e seu vínculo ao campo, reafirmando seu interesse por um desenho industrial brasileiro, baseado no saber fazer popular do Nordeste. Além de ter contado com a presença de JK em sua abertura comendo acarajé e com a visitação dos congressistas, a exposição respaldaria ainda o audacioso projeto de Lina Bo Bardi para a instauração de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato em Salvador, atenta à modernização almejada por JK (18).

O trânsito dos congressistas entre as cidades brasileiras confirma a crescente rede aeroviária e rodoviária que passa a se articular com Brasília, comprovando também um crescente interesse em visitar a cidade e fazer turismo durante as obras. 1959 também consolida o programa oficial de visitas e personalidades estrangeiras à Brasília organizado pelo Itamaraty (19). Estas visitas fazem parte de uma estratégia de divulgação e popularização de Brasília, mostrando que mesmo em obras, o canteiro era um lugar organizado e sob controle (20). É a divulgação contínua e sistemática da construção e da consolidação de Brasília que fortalece a carga simbólica da cidade – Capital e assim, os “argumentos mudancistas” conquistam paulatinamente apoio popular, intelectual, militar e político durante a construção (21). A visita inaugural deste programa coube ao escritor inglês Aldous Huxley, sendo seguida de uma extensa agenda de grupos, personalidades políticas, atores e demais celebridades, contemplando uma heterogênea gama ideológica. Este rol é tão eclético que em 1959, Brasília em obras recebeu o Príncipe Bernhard da Holanda, a Duquesa de Kent, o Presidente da Indonésia, o Governador Carvalho Pinto, a Ministra de Exteriores de Israel Golda Meir, o Primeiro – Ministro do Japão, André Malraux, o cineasta Frank Capra, o Presidente da Itália Giovanni Gronchi, Fidel Castro e Luiz Carlos Prestes, além dos grupos de arquitetos. O tratamento variava de acordo com o cerimonial pertinente e com os interesses em questão, mas frequentemente tais visitas eram acompanhadas por JK, por Israel Pinheiro, por outros diretores e funcionários da NOVACAP ou por Oscar Niemeyer.

Próximo ao Palácio da Alvorada, o Brasília Palace Hotel, com suas centenas de apartamentos, salas com móveis modernistas, piscina, restaurante e bar, complementava a infra – estrutura de recepção e a dinâmica social dos visitantes ilustres da cidade durante as obras – sendo o local de hospedagem dos participantes do Congresso. No outro extremo social, retomando a epígrafe de Vinícius de Moraes, as necessárias levas de candangos continuavam chegando e se incorporando ao contingente de mão – de – obra na construção da cidade, para “...desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas...”. Em 1959, o canteiro de Brasília possuía 64.000 habitantes, dos quais 19.100 estavam diretamente ocupados na construção civil. Trata – se de uma população predominantemente masculina, solteira, entre 18 e 45 anos, oriunda das regiões Nordeste, Norte e Centro – Oeste, que vinha em busca de trabalho, de melhores oportunidades ou fugindo da seca, muitas vezes sem qualquer qualificação nos ofícios da construção civil, mas que passou a integrar as fileiras pioneiras dos construtores, como as fotografias de Mario Fontenelle registram (22).

Ao comungarem do sonho político e do otimismo do próprio Presidente, que circulava à vontade pelos canteiros de obras, estes candangos construíam uma cidade e, em meio ao sol, à chuva, à despeito da lama, do vento e da poeira do cerrado, consolidavam sua utopia. 1959 foi também o momento em que as tensões sociais e trabalhistas entre os operários, as empresas construtoras e as metas governamentais atingiram seu ponto crítico. Em 1959, o canteiro de Brasília testemunhou o caso mais polêmico, conhecido como o “massacre da Pacheco Fernandes Dantas” (23), quando operários desta construtora teriam sido fuzilados pelos soldados da GEB (24) no refeitório da própria construtora depois de protestarem contra a qualidade da comida servida e contra as condições de trabalho (25).

É nessas circunstâncias, entre o glamour da recepção dos visitantes oficiais e a poeira avermelhada dos lacerdinhas (26), entre o suor da tenacidade dos candangos e o empenho intelectual de arquitetos, engenheiros e técnicos, entre o interesse de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos, entre uma Coca-Cola à beira da piscina do Brasília Palace e o protesto dos operários por um almoço mais substantivo – tudo isso sob o céu infinito do cerrado– que o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte transcorre. Com a duração oficial de nove dias, o tema geral proposto pelo organizador Mario Pedrosa – “Cidade Nova – A síntese das Artes” – assinala que o congresso é mesmo sobre Brasília, ao que Mario Barata afirma sem rodeios: Nosso congresso, como sabeis, tem por tema geral a constituição urbanística e arquitetural de Brasília... (27). Este enfoque pode ser problematizado em Brasília especialmente na 1ª sessão “A cidade nova”, na 2ª sessão “Urbanismo” e na 4ª sessão “Arquitetura”, enquanto que a “síntese das artes” foi efetivamente mais debatida em São Paulo. Contrapondo as atenções e cuidados estendidos aos congressistas, surpreende o grau de improvisação ou provisoriedade dos lugares que sediaram os embates, tanto em Brasília como no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Em Brasília, o auditório inacabado do STF; em São Paulo: no edifício dos Diários Associados, sem uso há cerca de vinte anos; e no Rio de Janeiro: no MAM também em obras!

De toda sorte, foi nesses ambientes, entre o canteiro de Brasília, os almoços e jantares, entre a vernisage especial da V Bienal Internacional de São Paulo e uma visita à Fazenda Pirassununga de Cicilo Matarazzo, que os 83 congressistas travaram seus embates e seus diálogos. Aos 83 congressistas se somam 31 observadores, totalizando 114 participantes no evento. Isso sem contar as autoridades políticas, diplomáticas, os assessores, auxiliares e seu personagem principal: Oscar Niemeyer. Mesmo que este número não fosse constante, a participação oficial de membros e delegações de 22 países atesta a escala do interesse por Brasília, por seu plano urbanístico e por sua arquitetura, bem como aponta para uma latente inserção relevante dos agentes do campo arquitetônico brasileiro nesta âmbito global, sem isolamento ou defasagem, mas com plena autonomia (28).

Os congressistas estão chegando...

Para que a chegada ao Rio de Janeiro no dia 14 de setembro de 1959 da maior parte da delegação de estrangeiros – num vôo da Panair vindo de Paris– fosse bem sucedida, a preparação do Congresso foi operada com a devida antecedência até que eles pudessem ser recebidos pelo Ministro Meira Penna e por Mario Pedrosa (29). Para averiguar esta preparação do Congresso, a investigação de jornais e revistas é pouco frutífera, enquanto que a correspondência do Ministério das Relações Exteriores se revela como uma fonte profícua e imprescindível. Embora os jornais informem o apoio do Itamaraty na organização e apoio ao Congresso Extraordinário da Associação dos Críticos de Arte, as matérias pouco explicam sobre a logística, a preparação ou o envolvimento direto do Ministério para o sucesso da empreitada. Mas, explorando as cartas, telegramas, carta – telegramas, circulares e ofícios da correspondência do Itamaraty com as embaixadas brasileiras, constata – se o caráter estratégico do Congresso dentro das perspectivas políticas do Itamaraty, para transformar a imagem do país no exterior. Para tanto, o Itamaraty convoca o empenho de todos os postos diplomáticos nesta missão.

É assim que o Congresso assume um peso relevante nas ações políticas do Ministério. Ao mesmo tempo, a instalação deste Congresso no canteiro das obras da capital complementa outras estratégias em curso já promovidas pelo Ministério para a divulgação de Brasília e do Brasil mundo à fora. As exposições sobre arquitetura, arte e sobre Brasília que entre 1958 e 1959 estabelecem um circuito pelas embaixadas e postos diplomáticos do Brasil na Europa, na América do Norte, na América do Sul, na Ásia e na África, demandando uma ação coesa para serem organizadas, montadas e transportadas, sendo mormente compostas por painéis fotográficos, desenhos e maquetes. A atuação do Itamaraty corresponde à participação direta do próprio Presidente JK, na medida em que a parte representativa da Presidência da República não é feita no Palácio do Planalto, mas sim pelo Ministério das Relações Exteriores, que é parte fundamental do Poder Executivo. Neste sentido, a ações do Itamaraty sempre estiveram pautadas para legitimar a consolidação de Brasília, mas também dar – lhe uma autonomia política maior e menos personalista, tomando – a como legítimo projeto nacional (30). Para tanto, não só JK estaria presente na abertura do Congresso no dia 17, mas também Mário Pedrosa, Israel Pinheiro e Oscar Niemeyer desempenhariam com grande desenvoltura a investidura de organizadores e anfitriões durante o certame.

O Itamaraty se mostra o grande articulador de um congresso idealizado a partir de uma déia de Mário Pedrosa e Oscar Niemeyer. Embora possa ser considerado como um evento de caráter acadêmico, ele configurou – se desde o início como um evento político legitimador de estratégias diplomáticas singulares, tanto que foi organizado pelo Itamaraty e não pelas universidades, como evidencia o artigo do Ministro Meira Penna acerca das correlações entre o Itamaraty, Niemeyer e a Associação Internacional dos Críticos de Arte – A.I.C.A. (31). Além de oferecer almoços e jantares, o Itamaraty também ofereceu condições bastante favoráveis, provendo hospedagem, transporte e alimentação durante toda estadia de cada congressista, conforme evidencia esta passagem de uma carta – telegrama destinada à Embaixada de Lisboa: “O Governo brasileiro pagará uma passagem ida – e – volta, em avião, classe turista, e dará hospedagem durante oito dias e transporte no território nacional para cada convidado.” (sic) (32). Destaca – se que este mesmo conteúdo foi encaminhado para Londres, Bruxelas, Bonn, Nova York e outros postos diplomáticos. Tais correspondências diplomáticas revelam também o favorecimento de condições para a participação de Sir William Holford no “certame”. A disposição para trazê – lo é tanta que a Embaixada brasileira em Londres solicita passagens de primeira classe para ele e Lady Holford, considerando a “...magnífica divulgação que [ele] tem dado (...) à nova Capital do Brasil – do qual é um dos mais ardorosos entusiastas...”, ao menos desde o julgamento do Plano Piloto em 1957. A correspondência diplomática revela ainda que houve um interesse específico para trazer Mies van der Rohe, Walter Gropius, Phillip Johnson e Isamu Noguchi, o que ampliaria o rol de ilustres visitantes do campo arquitetônico que conheceram Brasília ainda em construção.

No dia 17 de setembro de 1959, com suas malas, chapéus, casacos, paletós, bengalas, guarda – chuvas e máquinas fotográficas, os congressistas desembarcaram no aeroporto de Brasília. Para seguir a agenda do Congresso à contento e para cumprir um roteiro de visitações já programadas, os congressistas contaram com uma frota de ônibus à disposição, viabilizando os deslocamentos entre o Brasília Palace Hotel e as obras. Afinal, menos que uma Capital, naquele momento Brasília era sim um babilônico canteiro de obras, repleto de máquinas, tratores e caminhões trazendo materiais, levando e buscando os milhares de candangos, barracas e acampamentos de operários, com jipes percorrendo vias de terra, areia, pedra, muita poeira e muito barulho – a “...música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão...” – além da cantoria noturna que os trabalhadores entoam para manter o ritmo de trabalho (33). Em meio à movimentação premente das obras de construção, os congressistas puderam admirar as estruturas metálicas dos ministérios armadas numa esplanada infinita sem suas empenas brancas; puderam ver a plataforma do Congresso Nacional ainda com o madeiramento das escoras da concretagem da cúpula da Câmara, as estruturas dos anexos; puderam ver a estrutura do Palácio do Planalto, outras tantas fundações e ferragens à mostra; puderam visitar as superquadras em construção na Asa Sul, além de debaterem na sede do Supremo Tribunal Federal ainda inacabada.

Nesta paisagem mutante, em que a ação dos técnicos e tenacidade dos operários se desenvolve para construir e edificar o Plano Piloto, os congressistas conheceram a Praça dos Três Poderes com chão de terra batida. Durante sua curta permanência em Brasília, os congressistas revelariam estarem tomados por um estado de muita curiosidade para conhecer a nova cidade e reconhecer a arquitetura já divulgada. Além disso, há um sentimento de privilégio que perpassa os congressistas, por testemunharem o nascimento de uma nova cidade – capital, como Argan revela “Em Brasília fomos testemunhas de uma coisa muito rara para nós, críticos de arte: o nascimento de uma cidade. Falamos sempre sobre monumentos e planos de urbanismo, mas pela primeira vez pudemos ver como um plano [urbanístico] se torna uma realidade e como nasce uma cidade” (34). Isso não é pouco, pois em 1959 o canteiro de construção da cidade – Capital, do mito e da nação está no seu ritmo máximo!

O Congresso e a cidade

Ao longo dos três dias de permanência em Brasília, os congressistas participaram de sessões temáticas, mas para eles, tanto quanto essas atividades da praxe acadêmica, valeria visitar, conhecer e experimentar, quase que em primeira mão, os edifícios oficiais, as quadras residenciais e as obras complementares da futura cidade, quanto efetivar o debate eminente. Neste sentido, tanto para esses visitantes ilustres como para os turistas comuns, o cronista Clemente Luz pondera que “...para conhecer Brasília, para se ter uma idéia do que realmente é a cidade, só há um caminho: visitá – la, percorrer o que ficou pronto, andar pelo que ainda resta do imenso canteiro de obras, sentir o entusiasmo dos que aqui trabalham...” (35) Para balizar e pautar as questões decorrentes em função das visitas, o arquiteto Oscar Niemeyer se precavê ministrando antes uma palestra sobre a sua arquitetura em Brasília. Embora esta palestra não esteja registrada no Anais do Congresso, é mais que razoável pressupor que o arquiteto já tenha apresentado uma argumentação com a convicção que ainda hoje lhe é peculiar, sobre as qualidades espaciais, simbólicas, plásticas e estruturais das obras que seriam visitadas, acentuando o caráter condensador de firmitas, utilitas et vunustas destas obras e a coerência de seu discurso. (36)

Tal fato se deve não somente à repercussão desta palestra ao longo das demais discussões registradas nos Anais, mas também pela recorrente manifestação de limitação crítica e dos impasses que toda a experiência de estar em Brasília durante as obras ensejava. Giulio Carlo Argan não se conteve e em São Paulo revelou que “Todos estavam maravilhados pela experiência que tiveram em Brasília...” (37); ao que Crespo de la Sarna confirma considerando que “...esta experiência que nos foi oferecida por nossos amigos brasileiros, de ver nascer uma nova cidade, completamente nova, foi verdadeiramente extraordinária para nós...” (38) Já Raymond Lopez explicita que “Talvez tenhamos pecado um pouco por excesso de entusiasmo e pelo excesso de perguntas que fazemos a nós mesmos” (39). Assim, mais que um mero impasse crítico nas bases das futuras análises historiográficas, a vivência do canteiro de obras da futura Cidade – capital propôs factualmente uma tensão dos valores pessoais e nas questões vigentes no debate arquitetônico até então, corroborando o sentido de crise que já se anunciara.

Enquanto Lucio Costa se mantém distante do embate direto que um evento deste porte proporciona, Oscar Niemeyer atua de modo distinto, participando francamente das atividades do Congresso em Brasília. Naquele momento, Oscar Niemeyer já era um arquiteto reconhecido internacionalmente ao menos desde o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York, da exposição “Brazil Builds” no MoMa, pelas obras da Pampulha e pelos livros de Papadaki. Assim, trata – se de um arquiteto que não apenas já possuía uma produção singular, mas também que estava projetando coisas extraordinárias numa circunstância excepcional. Mesmo já sendo um arquiteto renomado, Niemeyer mostra – se acessível para discutir as múltiplas questões formuladas pelo interesse crítico dos congressistas, como afirma Antonio Romera: “Em nenhum momento, as perguntas de Zevi, de André Bloc, de Neutra, de Will Grohmann ou de Meyer Schapiro tiraram Niemeyer de sua assombrosa e imperturbável serenidade.” (40). Este contato direto que se estabeleceu entre Niemeyer e os congressistas se mostrou muito salutar, repercutindo nos debates de todo o Congresso, não somente pelas questões de ordem arquitetônica que as obras suscitavam, mas também pela inserção social e política que o arquiteto podia ocupar dentro de seu campo. Neste sentido é patente a observação do crítico de arte francês Jean Laymarie: “O que representa Brasília no ponto de vista político, econômico, social e artístico, convida os críticos de arte a terem consciência de seus limites e das suas responsabilidades.” (41)

Menos do que uma mera estratégia persuasiva para garantir mais legitimidade à estratégia do Itamaraty, a presença de Oscar Niemeyer durante as visitas é uma oportunidade singular: conhecer a obra com seu próprio autor. Foram realizadas visitas aos edifícios representativos, tais como o Palácio do Planalto, o Palácio do Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Congresso Nacional e o Palácio da Alvorada. Os congressistas também visitaram junto com Niemeyer a Igreja de N.S. Fátima e os apartamentos das superquadras – ao que tudo indica, seriam os apartamentos da SQS105, projetados por Helio Uchôa para o IAPI (42). Os deslocamentos de ônibus por entre os canteiros das obras faziam parte das observações e das percepções que cada um formulava sobre o que seria a cidade, embora André Wogenscky considerasse que: “Em Brasília, o que se vê, por enquanto, não é a cidade, são andaimes.” (43), diferentemente de Fritz Novotny, para quem: “A impressão da cidade de Brasília no seu estado atual é realmente extraordinária.” (44).

Além disso, em setembro de 1959, também estavam prontos o aeroporto, o oratório da Ermida D. Bosco e a barragem do Lago Paranoá. Se o Palácio do Alvorada e o hotel estavam impecáveis, equipados com móveis modernos, obras de arte, louças e cristais e lençóis, ao mesmo tempo as obras do Palácio do Planalto, do Palácio do Congresso Nacional seguiam em ritmo acelerado. Os Ministérios – padrão então exibiam suas estruturas metálicas numa Esplanada aberta contra o horizonte do cerrado e seu céu infinito. Além disso, durante o evento a terraplenagem da Asa Norte estava pronta, havia obras de implantação da Plataforma Rodoviária no cruzamento dos eixos, enquanto que blocos nas superquadras na Asa Sul apresentavam diferentes etapas construtivas. (45)

O Catálogo Telefônico de Brasília de 1959, editado por ocasião da inauguração do primeiros “telefones automáticos”, evidencia o nível de parte da atividade urbana que já transcorria na Brasília em obras. Se os muitos armazéns, restaurantes, bares e outras atividades comerciais prescindiam de telefone para funcionar plenamente, através das ligações telefônicas a cidade em obras e seu o canteiro passam a estabelecer relações com outras cidades e outras capitais, conectando Brasília a um cotidiano comercial, promovendo compras e agilizando também a resolução dos problemas triviais inerentes às obras. Além disso, com uma rede telefônica, torna – se possível melhorar as atividades administrativas da Novacap, reforçando sua inserção política. Este Catálogo telefônico já aponta uma diferenciação entre o Plano Piloto e outros setores, indicando a ocupação efetiva de áreas conexas ao Plano Piloto, como o Núcleo Bandeirante e o lago. Além de trazer os telefones dos gabinetes e escritórios dos diretores da Novacap e de Oscar Niemeyer, este catálogo informa a atividade de seis casas bancárias – Banco do Brasil, Banco Crédito Brasileiro, Banco do Estado de Minas Gerais, Banco Crédito Real de Minas Gerais, Banco da Lavoura de Minas Gerais, Banco Nacional de Minas Gerais, além da Caixa Econômica; aponta a presença de outra meia dúzia de construtoras – Construtora Pederneiras, Pacheco Fernandes, Construtora Planalto, Construtora Nacional, Construtora Rabelo; e revela a atuação das empresas aéreas e rodoviárias – Lóide Aéreo, Cruzeiro do Sul, Real Aerovias, Vasp.

Ao afirmar na sessão de abertura que “...nós vos chamamos para criticar, para colaborar, e não para [fazer] a apologia.” (46) Mario Pedrosa propõe um desafio ao próprio aparato crítico dos participantes. Afinal, como poderiam os críticos se posicionarem perante uma cidade em obras? ...uma obra em processo? Como poderiam os críticos formularem abordagens precisas sobre as questões urbanas e sobre arquiteturas que estavam em pleno processo de construção, ainda gestando nas pranchetas? Como os congressistas poderiam solucionar tudo isso a partir daqueles três preciosos dias que vivenciaram o movimentado canteiro das obras de Brasília? A experiência de conhecer Brasília em obras se mostra fundamental, mas tal colaboração se torna algo efetivamente improvável, inclusive porque o grande projeto em curso não seria alterado. Isso indica que todas as opiniões, formulações e observações críticas deveriam alimentar não somente aquele debate, mas repercutir no campo externo o grau e o nível então atingido pelo campo da arquitetura brasileira. A reclamação de Meyer Schapiro é patente acerca do nível de perturbação: “Nada se disse sobre o grande plano [urbanístico] do ponto de vista do caráter, sobre o que ele significa visualmente, para os movimentos do corpo ou para a vida em comum naquele meio.”, sendo que “Pouquíssimas foram as críticas arquiteturais (...) sobre o urbanismo e o plano de Brasília, e foi justamente por que a arquitetura nos interessa como valor que viemos até qui.” (47). De modo mais cauteloso, Ricardo Avenirini pondera que “Um julgamento sobre Brasília ainda não é possível. A nova Capital está em fase inicial; a da experimentação” (48).

Como referência ao grau do desafio em que Pedrosa enredou os participantes deste Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, considere – se o projeto mais significativo (ou icônico) de Brasília que é o Congresso Nacional. Naquele momento, durante o Congresso, o edifício do Congresso Nacional ainda não estava terminado, apresentando a estrutura de concreto armado das 2 torres com 28 andares e a plataforma de embasamento com suas cúpulas. No entanto, devido ao escoramento das formas da concretagem da cúpula da Câmara dos Deputados, torna – se impossível a leitura plena de suas formas e de sua presença icônica da paisagem, ainda que fosse no canteiro monumental. Deste modo, a percepção parcial desta e de outras tantas obras tem sua legibilidade integral comprometida, pois todas estavam em diferentes fases do processo construtivo. Neste sentido, é mais pertinente a observação de Raymond Lopez quando afirma: “As nossas cidades européias levaram de cinco a dez séculos para se formar. E hoje se quer que os autores de Brasília realizem no espaço de dez ou quinze anos uma cidade que tenha as mesmas qualidades humanas das que foram resultado da criação lenta e da contribuição de gerações...” (49). Ao que Neutra complementa e arremata, ponderando que “Mas nós chegamos cedo demais...” (50)

Assim, é possível assinalar que em 1959, em meio às tensões entre a cidade projetada, o canteiro de obras da cidade e a futura cidade – Capital, Brasília de fato não existia como uma cidade pronta. De modo geral, os congressistas consideram Brasília em ao menos três diferentes instâncias: a cidade projetada pelos arquitetos e urbanistas, a cidade como canteiro de obras e a futura cidade – Capital. É comum detectar que é assim –cidade, canteiro e Capital– que ela é tratada em muitas abordagens, embora para consubstanciação factual de Brasília, essas e outras visões concorrem, se amalgamam e se influenciam. Embora houvesse uma vida urbana transcorrendo, independentemente dos hábitos e valores que também poderiam contribuir para a futura cidade, naquele momento em 1959, havia uma utopia em processo de construção que materializaria uma cidade a ser povoada e consolidada por um outro processo, de algum modo distinto de sua própria construção, que o cronista Clemente Luz denomina de segunda fase, após a “batalha da construção”, trata – se da “...fase da humanização dos palácios e das casas.” (51).

Embarcando de volta, ou conclusões

Quando da formulação de um evento do alcance deste Congresso foi considerada, todos os responsáveis seriam ingênuos se não reconhecessem, de saída, que por mais adiantadas que que estivessem as obras dos palácios, das superquadras e de toda sorte de infra – estruturas, não haveria ainda de fato uma cidade a ser apresentada ao mundo, mas sim, uma futura cidade – Capital em seu nascedouro, um babilônico canteiro de obras de uma cidade moderna, com uma arquitetura igualmente moderna para consolidar a inscrição definitiva do país numa nova ordem de inserção mundial. Assim, testemunhar tal fato já transforma este Congresso excepcional por si mesmo, o que mostraria ser ainda mais atraente para todos aqueles que vieram pra cá interessados em poder participar deste momento histórico. Enquanto que, por um lado, os congressistas não conseguiram ver uma cidade, porque ela ainda estava em pleno processo de construção, por outro lado, ao conhecerem os canteiros de Brasília, eles puderam vislumbrar a emergência do mito de um Brasil em franco processo de modernização, cumprindo o objetivo do projeto JK, emprestando seu prestígio e sua legitimidade às obras de Brasília.

A presença dos congressistas efetivamente pouco contribui para a compreensão da cidade, mas as discussões travadas a partir de suas inquietações devem ser retomadas para novas investigações. Assim, será possível elaborar novas aproximações acerca da crise do Movimento Moderno que é anunciada e reiteradamente apontada durante o Congresso. Contudo, o Congresso legitimou autonomia o campo arquitetônico brasileiro frente à opinião mundial, legitimando – o in totum através de uma obra singular. Ao mesmo tempo em que Brasília servia para dinamizar e transformar a imagem do país, ela servia também para questionar os parâmetros internos do campo arquitetônico, encerrando outra crise, instaurando a condição pós – Brasília. Ou seja, Brasília em obras assiste ao prenúncio de uma crise e anuncia outra crise.

As fotografias de 1959 revelam a cidade, o cerrado e a paisagem num estado latente de transformação. Naquele momento, Brasília em obras se inscreve numa circunstância mais que ideal “entre”: entre a cidade projetada e a futura cidade. Em setembro de 1959, Brasília em obras se mostra mesmo como a própria utopia em construção, e foi isso que os congressistas e os demais visitantes viram e vivenciaram, ao que o pioneiro de Brasília, Dr. Ernesto Silva afirmaria: “... o que mais entusiasmou o estrangeiro (...) não foi o traçado urbanístico, não foi o projeto do Palácio da Alvorada, foi a vibração cívica do povo, o trabalho intenso dia e noite amassando o barro, enfrentando o sol, a poeira, a lama, o desconforto. Esse trabalho insano, diário de 24 horas por dia, pra fazer uma cidade em três anos. Isto é que assombrou o mundo.”

notas

1
Versão revista e ampliada da comunicação homônima apresentada no 8° Seminário Docomomo Brasil no Rio de Janeiro; setembro/2009. Agradecimentos: Dr. Ernesto Silva, MASP, Arquivo Público do Distrito Federal, Ferreira Gullar, Ministério das Relações Exteriores (MRE), Embaixada do Brasil em Berna, Arq. Marcelo Montiel da Rocha, Sec. Henrique A. Ferrari (MRE), Antônio C. Xavier (MRE), André V. Lino de Souza (MRE) e Sylvia Ficher.

2
Para estes e outros números da economia do governo JK vide OLIVEIRA, Márcio de. Brasília: o mito na trajetória da nação. Brasília: Paralelo 15, 2005, pp.34-44.

3
Expressão cunhada por André Malraux, o Ministro da Cultura da França, por ocasião de sua visita à Brasília em 25/agosto/1959.

4
A barragem do Paranoá foi inaugurada em 12/setembro/1959, aniversário de JK; o vôo foi feito em 28/setembro.

5
SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1999. São Paulo, Edusp, 1998, p.114. Grifos adicionais.

6
Para Concretismo e Neoconcretismo vide BRITO. Neoconcretismo. São Paulo: Cosac & Naify, 1999; para Bossa Nova vide CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.

7
Professor de História da Arte da Academia de Belas Artes, presidente A.I.C.A. – Alemanha.

8
Diretor da revista Arts&Architecture, responsável pelo programa de protótipos residenciais denominado Case Study Houses.

9
Diretor da revista L'architecture d'Aujourd'hui.

10
Arquiteto que trabalhava com Le Corbusier.

11
Urbanista inglês que participou do julgamento do concurso do Plano Piloto de Brasília, em 1957.

12
Trata-se de um “Ok” equivalente àquele solicitado por Costa à Le Corbusier para o Ministério da Educação.

13
MEIRA PENNA, José Oswaldo de. Depoimento ao Arquivo Público do Distrito Federal. Brasília, 1990, s/p. Grifos adicionais.

14
Por mito entende-se aquilo que agencia símbolos perenes e fundamentais, fundadores da sociedade, cf. OLIVEIRA, op. cit., p.24-25.

15
Ferreira Gullar em entrevista on-line ao autor, dez/2008.

16
Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte – 1959
. São Paulo, Biblioteca do MASP, 1959. Versão xerográfica, 169p. s/ imagem, p. 21.

17
André Bloc era editor da revista L'Architecture D'aujoud'hui. in Anais, p.72.

18
Para a Escola de Desenho Industrial e Artesanato e para a atuação de Lina Bo Bardi na Bahia e no Nordeste, vide: ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi: nexos de arquitetura. Arquitextos 032, Texto Especial 165. São Paulo, Portal Vitruvius, jan. 2003 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp165.asp>. Acesso em julho de 2008.

19
OLIVEIRA, op. cit., p.190.

20
Este interesse fomentou inclusive uma atividade turística extra-oficial, como notinhas em diferentes edições da revista Manchete assinalam. Para esta divulgação e popularização de Brasília vide meu artigo inédito “Brasília: projeto, cidade, mídia e nação”.

21
OLIVEIRA, op. cit., p.23.

22
RIBEIRO, Gustavo Lins. O capital da esperança: a experiência dos trabalhadores na construção de Brasília. Brasília: Ed. UnB, 2008, p.94.

23
Vide “Pacheco Fernandes: 50 anos depois, uma ferida aberta” in Correio Braziliense, 01/02/2009.

24
GEB: Guarda Especial de Brasília.

25
Seria possível fazer uma imensa digressão sobre as tensões sociais e sobre as condições de trabalho e sobre a vida dos operários. Para tal abordagem vide RIBEIRO, op. cit.

26
“Lacerdinhas”
são os redemoinhos de terra vermelha do cerrado.

27
Mario Barata in Anais Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte,op. cit., p.105.

28
As anotações apontam 83 congressistas além de 14 observadores (Brasil) e 17 observadores (Mundo). O seja, 83 congressistas mais 31 observadores, totalizando 114 participantes. Havia representação de 22 países (com membros): Brasil, França, Itália, E.U.A., Argentina, Uruguai, Colômbia, Chile, Japão, Israel, Turquia, Bélgica, Espanha, Iugoslávia, México, Holanda, Polônia, Portugal, Reino Unido, Suíça, Tchecoslováquia, Alemanha, além da Suécia apenas como observadora. As maiores delegações: Brasil (22 membros), França (12 membros), Itália (9 membros), E.U.A.(7 membros); para tais números vide Anais do Congresso e anotações documentadas do Congresso pertencentes ao Arquiteto Gladson da Rocha.

29
No aeroporto também estavam Pedro Manuel e Antonio Bento (redator artístico). Há uma pequena controvérsia desta data da chegada das delegações, pois nos arquivos do MRE se encontrará 16, mas na Coleção Brasília, Volume VI, p.100, registra-se “dia 14”.

30
Destacam-se os embaixadores José Oswaldo Meira Penna (Ministro e chefe da Divisão Cultural) e Maurício Nabuco . Os Chanceleres entre 1958 e 1959 são: Francisco Negrão de Lima e Horácio Lafer.

31
Revista Módulo nº.15, out/1959, p.26-27.

32
Trata-se da carta-telegrama nº.19, de 11/março/1959, referindo-se à Circular nº 3.160; arquivos do MRE.

33
LUZ, Clemente. Invenção da cidade. Brasília: Editora de Brasília,1967, p.63.

34
Argan in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.127.

35
LUZ, op. cit., p.227.

36
Vale observar que Oscar Niemeyer não está registrado nos Anais do Congresso, enquanto Lucio Costa aparece por ter seus textos lidos por Jorge Laclete, vide Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.44.

37
Argan in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.70.

38
Crespo de la Sarna in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.91.

39
Raymond Lopez in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.68.

40
Antonio Romera in Coleção Brasília. Presidência da República, 1960, Volume X, p.35.

41
Jean Laymarie in Revista Brasília, nº 35, 1959, p.04.

42
FERREIRA, Marcílio Mendes & GOROVITZ, Matheus. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2007, pp.134-143.

43
Revista Manchete
nº.398, 05/12/1959, p.102-103.

44
Crítico de arte da Áustria in Revista Brasília, nº 35, 1959, p.05.

45
Tratam-se das seguintes Superquadras: 103, 104, 105, 305, 106, 306, 107, 108, 206, 207, 208, 403-404 e 409-410.

46
Mario Pedrosa in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.04.

47
Meyer Schapiro in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.66.

48
Crítico de arte da Itália in Revista Brasília, nº 35, 1959, p.05.

49
Ricardo Avenirini In Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.52.

50
Richard Neutra in Anais do Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, op. cit., p.23.

51
LUZ, op. cit. p.254.

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Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador – pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – FAUUnB

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