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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo traz um estudo do Conjunto habitacional Jardim Ana Rosa, em São Paulo, projetado por um grupo de arquitetos egressos do Mackenzie, que com seu trabalho realizaram uma produção pioneira de Arquitetura Moderna

english
Célio Pimenta and Eunice Abascal make a study about the housing project Jardim Ana Rosa, in São Paulo, a pioneer experience made by a group of architects from Mackenzie University

español
El artículo de Célio Pimenta y Eunice Abascal estudian el Conjunto Residencial Jardim Ana Rosa, en São Paulo, trabajo pionero en la arquitectura moderna del grupo de arquitectos de la escuela Mackenzie


how to quote

ABASCAL, Eunice; PIMENTA, Celio . Arquitetura Mackenzie e o Jardim Ana Rosa em São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 114.03, Vitruvius, nov. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.114/12>.

Primeiros tempos

Este trabalho é um ensaio desenvolvido sob forma de estudo exploratório do conjunto residencial denominado Jardim Ana Rosa, localizado na capital de São Paulo. (1)

Esse conjunto se localiza na confluência das Ruas Vergueiro e Dr. José de Queiroz Aranha, no bairro de Vila Mariana, na capital de São Paulo. O empreendimento imobiliário foi viabilizado pela compra das terras pertencentes ao Barão de Souza Queiroz pelo Banco Hipotecário Lar Brasileiro. Essa prática de aquisição dos terrenos para edificar prédios para moradia de classe média era usual por parte não só desse banco, mas também por estabelecimentos congêneres. À época (sobremaneira a partir de 1930) era corrente no país e especialmente em São Paulo, construir edifícios para moradia de classe média, prática usual no Brasil na primeira metade do século XX. A partir de 1930 verificou-se uma notável expansão dessa atividade econômica. Por sua vez, a localização das terras em que iria se localizar o Conjunto Ana Rosa, em relação ao centro da cidade se revelou estratégica por tornar possível uma ligação da Rua Vergueiro, então importante eixo viário da cidade, com a região do Jardim da Aclimação. O traçado da Rua Dr. José de Queiroz Aranha resultou desse empreendimento, acarretando a óbvia valorização das terras a ele lindeiras.

Dona Ana Rosa P. Galvão realizou um Testamento (2) do qual constam, entre outras coisas, uma relação de suas propriedades na cidade de São Paulo.

O Testamento indica uma lista hierarquizada de testamenteiros e como à época da feitura dele os dois primeiros estivessem impedidos de assumir essa condição, o Barão de Sousa Queiroz, que era o terceiro nome indicado na relação, assumiu esse papel.

Entre as determinações do Testamento, estava a obrigatoriedade do testamenteiro instituir e construir a sede de um “[...] estabelecimento de ensino para meninos pobres” (3). Por esse motivo, o Barão decidiu edificar um prédio para abrigar a Instituição nas terras de sua propriedade, no local hoje denominado Largo Ana Rosa, na capital de São Paulo.

Essa Instituição (que foi denominada Instituto Ana Rosa) existe ainda hoje, atendendo aos objetivos originais e localiza-se na Vila Sônia, sendo administrada por descendentes do Barão.

O Instituto Ana Rosa funcionou a partir de 1875, inicialmente na chácara do Senador Queiroz, nas imediações da atual Rua Senador Queiroz. Posteriormente, abrigou-se no Convento do Carmo, passando em seguida a ocupar sede própria localizada no atual Largo Ana Rosa. Esse edifício, um sobrado de taipa, implantava-se em extenso terreno, de frente para a Rua Vergueiro, terreno esse cujos fundos atingiam as imediações do atual Jardim da Aclimação (4). Esse prédio existiu aproximadamente até 1940 quando a Instituição foi transferida para sua atual sede própria. A edificação de taipa foi demolida para dar lugar à construção de parte do Conjunto Jardim Ana Rosa de frente para a Rua Vergueiro.

Sistema financeiro e promoção privada de habitação

Em fins da década de quarenta do século XX, o Banco Hipotecário Lar Brasileiro adquiriu as terras para construir o conjunto Jardim Ana Rosa. Esse banco tem origem que remonta a 1925, tendo sido criado com o objetivo de financiar habitações, consolidando uma prática de crédito imobiliário privado que logo se disseminaria pelo país. Na década seguinte, com o recrudescimento da inflação, essa instituição bancária enfrentou problemas de liquidez, pois não havia correção monetária e a lei da usura limitava os juros.

A situação se alterou porque durante o governo Getúlio Vargas, o Chase Manhattan Bank iniciou negociações para operar no Brasil, o que, em princípio, não era permitido por lei.

Somente em 1961 o governo brasileiro, sob a presidência de Jânio Quadros, propiciou condições para que o Chase procurasse o Banco Hipotecário com a finalidade de desenvolver negociações, com o objetivo de aquisição do banco, e assim atuar no país, dentro de legalidade. Este banco estrangeiro mantinha há vários anos no país apenas um escritório de representação e havia manifestado reiterado interesse em ter uma presença mais efetiva no sistema bancário do Brasil. As negociações foram concluídas em 1962, tendo o Chase adquirido 51% das ações, com direito a voto do Grupo Sul América, detentor do Banco Hipotecário. O Chase transformou então o Banco Hipotecário em banco comercial, tarefa concluída em 1965 (5).

O Banco Hipotecário Lar Brasileiro se caracterizou por sua especialização em empréstimos hipotecários (6), possibilitando a oferta de um capital de empréstimos e de crédito, ao setor imobiliário em todo país. Isso levou a uma aceleração do dinamismo impresso à promoção privada de habitação no Brasil, e assim não apenas o BHLB, mas outras instituições congêneres propiciaram intensa atividade no território nacional, evidenciada na produção arquitetônica, porque permitiu viabilizar em escala significativa a construção de moradias para a classe média urbana. O aumento do crédito imobiliário nos anos de 1940 e 1950 e a maior circulação de capital através dos bancos Hipotecários, de que é figura destacável o Lar Brasileiro, contribuíram para o boom imobiliário experimentado na cidade de São Paulo. É nesse contexto em que surge o Conjunto Jardim Ana Rosa, visando participar desse processo de produção de moradia coletiva para a classe média.

Exemplificando esse processo, a Revista Acrópole na oportunidade publicou extensa matéria sobre o assunto, da qual pode se destacar:

“O terreno foi adquirido pelo Lar Brasileiro e servia antes às instalações do Instituto Dona Ana Rosa, com uma área de mais de dois alqueires, em pleno coração de Vila Mariana, em zona densamente povoada, como que exigia um trabalho de grandes proporções. O programa traçado compreende a construção de 558 metros de galeria de águas pluviais, de 1.040 metros de rede de esgotos, e 971,80 metros para o prolongamento da água potável, prevê também a pavimentação de 9.200 metros quadrados a asfalto e a paralelepípedos. Todos esses serviços estão sendo executados por conta do Banco e devem estar concluídos dentro de poucos meses.” (7)

Esse texto revela a importância do empreendimento, salientando ser ele uma das maiores concentrações residenciais planejadas à época, na Capital. O investimento do BHLB seria de 10 milhões de cruzeiros, destinado a melhoramentos públicos que deveriam ser realizados, como por exemplo, parques infantis.

O Conjunto

Informações até agora obtidas indicam que uma primeira versão do projeto teve como autor o Arquiteto Nelson do Carmo Frederico Pedalini, diplomado pela Arquitetura Mackenzie, em 1946 (8). Nesta primeira proposta, coube ao Engenheiro-Arquiteto Walter Saraiva Kneese, (Mackenzie, 1934) e ao próprio Nelson Pedalini o projeto de residências unifamiliares que constituíam unidades habitacionais. Algumas das edificações feitas nessa ocasião na periferia do Conjunto existem até hoje, podendo-se constatar o emprego de linguagem arquitetônica moderna.

A fotografia da maquete dessa proposta para o conjunto foi publicada na Revista Acrópole de junho de 1951, à página 57. Esta imagem, que consta também da capa da Revista, mostra a ocupação e o parcelamento da gleba, claramente feitos a partir do traçado de uma via principal, que se denominava Av. Lar Brasileiro. Essa via, “[...] foi traçada para ligar diretamente os bairros de Vila Mariana à Aclimação [...].” (9). É provável que a primeira versão não tenha sido implantada porque apresentou solução habitacional pouco densa, não se mostrando suficiente para potencializar o rendimento mercadológico esperado, deixando de levar em conta a eventual qualidade da produção arquitetônica. No entanto, o sistema viário preconizado foi mantido e é o existente até hoje.

Ainda nessa primeira versão é possível observar a presença de edifícios de uso misto, cuja elevação principal se volta para a Rua Vergueiro. Esses edifícios de caráter claramente moderno foram projetados pelo Arquiteto Abelardo de Souza. Os blocos apresentam-se implantados ortogonalmente em relação às vias públicas. Observa-se uma notável uniformidade no tratamento das fachadas, evidenciando componentes econômicos determinantes da produção.

Abelardo de Souza, carioca diplomado em 1932 pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, transferiu-se para São Paulo estimulado pelas oportunidades que o crescimento da cidade oferecia aos arquitetos.

Em São Paulo, Abelardo dispôs de escritório próprio de Arquitetura, que se situava à Rua Barão de Itapetininga, ocupando sala contígua ao escritório do Arquiteto Salvador Roque Augusto Candia. Salvador Candia estabelecera escritório próprio em 1950 e sua atividade profissional se fez com o estabelecimento de inúmeras parcerias de trabalho, cultivadas no círculo de amizades mackenzista. Nesse mesmo ano de 1950, Candia participou de assessoria técnica a mutirões habitacionais no bairro de Vila Prudente, ocasião em que atuou com os colegas de faculdade Ary de Queiroz Barros, Gastão Sandoval Marcondes, Carlos Millan, Sidney da Fonseca e Luiz Roberto de Carvalho Franco. Esse trabalho foi desenvolvido no escritório que os três últimos nominados haviam alugado no edifício dos Diários Associados, onde à época funcionavam as sedes do MAM e do MASP.

Carlos Millan estabeleceria um novo escritório à Rua Barão de Itapetininga, número 124, endereço que abrigava os escritórios de seus amigos Jacob Ruchti, Galiano Ciampaglia, Miguel Forte, Plínio Croce e Roberto Aflalo, fato capaz de revelar o círculo de relações de Candia, estreitamente articulado ao grupo de amizades que se formara no Mackenzie.

Foram apresentadas duas outras versões de projetos para o Conjunto que procuravam melhor atender às demandas de mercado. A primeira delas, de autoria do mackenzista Engenheiro-Arquiteto diplomado em 1931, Eduardo Augusto Kneese de Mello (10), apresentava edifícios verticalizados constituindo lâminas paralelas entre si, com o objetivo de liberar o solo imediatamente circundante e buscar a melhor disposição quanto á insolação para os apartamentos, princípios explicitamente modernos.

No projeto de Kneese de Mello os blocos não têm a entrada principal voltada para a via pública. Essa proposta não contava com garagens, e assim os veículos deveriam ser guardados no terreno livre que circundava os prédios, dentro do próprio terreno.

Isso não se mostrou viável, pois os usuários exigiram garagens cobertas e individualizadas. Ao mesmo tempo, os deslocamentos de pedestres deveriam ser minimizados, o que não se mostrou possível pela distância dos prédios até a via pública, e assim a proposta foi rejeitada.

A solução das dificuldades apontadas nessa versão exigiu uma terceira, que manteve o plano geral da primeira, porém substituindo as casas do miolo da quadra por edifícios que tiveram os respectivos projetos realizados por egressos do Mackenzie. Assim, o solo teria seu uso liberado, porém sem as dificuldades que o projeto de Kneese de Mello acarretaria.

Cabe assinalar que os edifícios de autoria de Abelardo de Souza junto á Rua Vergueiro foram concluídos quando das alterações advindas das outras versões do projeto e existem até hoje.

Os autores da terceira versão de projeto para o Conjunto foram o Engenheiro-Arquiteto Plínio Croce (Mackenzie, 1946), o Arquiteto Roberto Aflalo (Mackenzie, 1950), o Arquiteto Salvador Candia (Mackenzie, 1948) e o Engenheiro-Arquiteto Eduardo Kneese de Mello (Mackenzie, 1931). À exceção do Arquiteto Nelson Pedalini, que concedeu à equipe de pesquisa algumas informações em setembro de 2008, os demais atores históricos envolvidos são falecidos.

Por outro lado é possível relacionar o Conjunto Ana Rosa a outros conjuntos residenciais surgidos na mesma época no Brasil, patrocinados pelo Estado ou pelo mercado imobiliário e por bancos hipotecários de financiamento privado. O Jardim Ana Rosa é um dos exemplares paulistanos desse tipo de financiamento. O conceito urbanístico e arquitetônico apresentado pelo Jardim Ana Rosa caracterizou uma nova forma de morar urbano, um “morar moderno”, voltado à classe média que buscava valorização devida à localização, acessibilidade e qualidade da arquitetura, e também pelo desenho de conjunto e pelo padrão técnico da construção. Haveria valorização também pela autonomia dos volumes arquitetônicos, que apresentavam individualidade pela autoria diversificada dos projetos.

No âmbito da promoção habitacional privada, para um mercado de classe média, essa individualização e opções de padrão construtivo e tipologia, bem como de distribuição funcional, tornaram-se instrumentos de diferenciação projetual. Pode-se pensar que o atendimento aos determinantes do mercado imobiliário, no caso da produção habitacional moderna em São Paulo, não implicou diretamente em baixa qualidade da arquitetura realizada. Deve-se enfatizar que a despeito das características de empreendimento imobiliário de muitos exemplares paulistanos de conjuntos residenciais de promoção privada, os arquitetos a quem coube projetar, articularam tais demandas, sem prejuízo dos resultados arquitetônicos e urbanísticos pretendidos. A atuação dos arquitetos nessa promoção imobiliária residencial da cidade revela, permite conduzir à hipótese da existência de um trabalho de cooperação estimulado em grande parte pela formação e pela realização conjunta de outros trabalhos profissionais e em vários casos até mesmo de trabalhos acadêmicos.

Os anos 50 e o Banco Hipotecário Lar Brasileiro

A instituição do “Banco Hipotecário Lar Brasileiro” desempenhou papel de fonte financiadora de empreendimentos residenciais destinados à classe média no Brasil, procurando suprir a insuficiência de mecanismos públicos que tivessem essa finalidade. Esse Banco fundado em 1925 foi pioneiro no Brasil na área de crédito hipotecário de longo prazo. Em 1950, tinha cerca de 20.000 clientes, cerca de 80.000 depositantes e guardava economias em torno de um bilhão e meio de cruzeiros, números expressivos para a época (Acrópole).

O Banco teve ampla atuação em empreendimentos residenciais e comerciais, atingindo a plenitude no período da década de 1950. Sua atuação se realizou no território nacional, com a contribuição profissional de arquitetos de importância na cultura brasileira moderna. Entre esses profissionais que tiveram essa atuação, é possível lembrar os nomes de Acácio Gil Borsoi, Eduardo Kneese de Mello, Abelardo de Souza, Ernest Robert de Carvalho Mange, entre outros. Esses profissionais representaram a nascente arquitetura moderna brasileira.

A instituição do BHLB antecedeu à criação do BNI: Banco Nacional Imobiliário, sediado em São Paulo e fundado em 1946. O BNI foi extinto nos anos sessenta, tendo parte de seus ativos sido incorporados aos do Bradesco, Banco Brasileiro de Descontos. Atuando firmemente no crédito imobiliário em São Paulo durante a expansão da atividade de construção civil na cidade nos anos 50 e 60, foi responsável pelo financiamento das obras paulistanas de Oscar Niemeyer. Os Edifícios Califórnia, Triângulo, Eiffel e Copan exemplificam essas realizações. O escritório profissional de Niemeyer em São Paulo foi dirigido nessa época pelo Arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos (Mackenzie, 1950).

No Recife, a atuação de Acácio Gil Borsoi exemplifica essa presença do BHLB, como por exemplo no projeto para o Conjunto Residencial da Praça Professor Fleming (1954), naquela cidade. Trata-se de empreendimento habitacional cujo princípio fundamental foi a criação de uma espacialidade original, projetando a própria urbanização e rompendo com a ocupação tradicional em malha reticular, marcando “uma nova maneira de morar”.

Neste projeto, através da aplicação dos princípios típicos do ideário moderno e da correspondente tipologia arquitetônica, o Arquiteto Borsoi ocupou gleba de propriedade do Banco Lar Brasileiro, e com esse projeto da urbanização da própria gleba conseguiu evitar a homogeneidade visual resultante de uma arquitetura eventualmente produzida em série. Foram buscadas soluções voltadas à procura de uma unidade para o conjunto, sem, no entanto, repetir tipologias arquitetônicas correntes.

Essa maneira de propor habitação coletiva à classe média urbana, que se identificava à modernidade, baseava-se na diferenciação plástica e programática e dos edifícios. E como as soluções se voltavam à satisfação das demandas mercadológicas referentes à condição do projeto, criando unidades residenciais com diferentes plantas e dimensões.

A implantação dos edifícios em glebas de dimensões avantajadas estimulou e reforçou os interesses imobiliários dos agentes bancários envolvidos, visando alta rentabilidade, o que se mostrou perfeitamente possível.

A obra de Borsoi, Arquiteto que vindo do Rio de Janeiro, Capital Federal à época, passara a atuar de maneira especial no Recife, expressa bem as novas características da produção habitacional no Brasil.

Esse conjunto da Praça Professor Fleming (1954), foi implantado num terreno composto por três lotes e que se localizavam à Av. Rui Barbosa, no bairro dos Aflitos. A região nobre no contexto urbano recifense constituía parque importante para a cidade do Recife. O Arquiteto Borsoi, com seu projeto urbanístico e dos edifícios além de manter a unidade do conjunto, imprimiu caráter distintivo à proposta com um prédio de apartamentos e residências unifamiliares com dois pavimentos. O edifício de apartamentos, com três pavimentos, em volume prismático elevado sobre pilotis foi implantado no centro da praça.

O BHLB estabelecera como prática a contratação de arquitetos para a realização de projetos arquitetônicos e com freqüência o detalhamento deles foi feito em um Setor de Engenharia do próprio Banco, onde atuavam profissionais que se dedicavam especialmente a essa tarefa, com isso chegando a uma padronização construtiva.

Essa obra de Acácio Borsoi é exemplo claro da dinâmica dos empreendimentos residenciais financiados pelo BHLB, produzidos desse modo. Também se deve considerar que a participação de vários arquitetos projetando edifícios diferentes, mas articulados em um conjunto, por meio de uma urbanização do todo, se tornou um princípio inerente ao processo. Isto se explica pelo fato de que essa diferença constituía uma marca distintiva dos empreendimentos, valorizando-os e ao mesmo tempo atendendo às condições do mercado imobiliário. Essas verdadeiras experiências habitacionais demonstraram como a qualidade projetiva poderia vir a ser um diferencial do produto comercializável.

Em São Paulo, a fórmula de financiamento pelo BHLB, sua intermediação e estrutura técnica pode ser encontrada na atuação de arquitetos desde a década de quarenta do século XX.

Já em 1942, Eduardo Kneese de Mello, Engenheiro-Arquiteto egresso do Curso de Arquitetura da Escola de Engenharia do Mackenzie College em 1931, apresentou projeto para um conjunto de habitações de interesse social, situado à Rua Pedroso de Moraes, esquina com Rua Galeano de Almeida. A arquitetura proposta se pautava pela racionalização dos espaços de circulação, bem como a eliminação de ornamentos. No entanto este conjunto de casas foi marcado por uma estilística conservadora, voltada aos interesses de mercado.

Essa obra pode explicar sua futura participação no projeto do Conjunto Residencial Ana Rosa (1950-1954).

O Conjunto Residencial Ana Rosa em São Paulo (11)

O Conjunto Ana Rosa apresenta peculiaridade na forma da implantação, ocupando a gleba de modo a dar autonomia aos edifícios, em relação à malha urbana tradicional circundante. Outra característica reside no fato de apresentar diversidade tipológica entre os edifícios ali implantados, por apresentam alturas diferentes entre si, bem como soluções formais (e de implantação) bem específicas.

Isso tudo faz com que os volumes arquitetônicos sejam imediatamente percebidos na sua individualidade. Para um observador postado na via pública, os limites físicos do terreno perdem nitidez, integrando-o ao espaço público, embora hoje esse efeito se apresente atenuado pelo emprego de grades ao longo dos limites do terreno. Elas não existem, no entanto, ao longo da Rua José de Queiroz Aranha, onde foi edificada uma seqüência de prédios projetados pelo Arquiteto Salvador Candia (Mackenzie, 1948).

O terreno, de expressiva declividade, cai abruptamente, da Rua Vergueiro em direção à Rua José de Queiroz Aranha, com desnível de aproximadamente 25 metros. Esse desnível pode, no entanto, ser percebido pelo visitante como se tivesse suavidade, pelo tratamento dado à implantação do conjunto, e também pelo paisagismo e pelas circulações externas entre os prédios.

De 1950 a 1954 foram realizadas três versões sucessivas para o projeto do Conjunto Jardim Ana Rosa. Isto significou transformações significativas, não só do ponto de vista urbanístico, mas também dos edifícios isoladamente. A primeira versão do projeto, realizada em 1950, teve como autor principal o Arquiteto Abelardo de Souza. Formado no Rio de Janeiro pelo ENBA em 1932, Abelardo se transferiu para a capital paulista, atraído pelo crescimento imobiliário da cidade. Esse projeto propunha um conjunto de seis edifícios verticalizados, implantados nos limite do terreno voltado para a Rua Vergueiro, junto da então Av. Lar Brasileiro, hoje denominada Rua Dr. José de Queiroz Aranha, propondo 300 apartamentos e algumas lojas. Assim, a massa edificada encabeçava a ocupação da gleba. Os seis blocos se organizavam em três conjuntos de dois edifícios cada, com plantas espelhadas. A cada par de exemplares, um deles se voltava à Rua Vergueiro e outro ao interior da quadra, sendo que o edifício voltado à via pública apresentava lojas no térreo.

Nenhum dos blocos contava com elevadores e sua disposição no terreno proporcionava pátios internos para onde estavam voltadas as áreas de serviço. As coberturas inclinadas como asas de borboleta, apresentavam caimento para o interior com calhas no centro, solução típica da arquitetura moderna à época. Observa-se também a presença de um conjunto de 55 habitações unifamiliares (sobrados), sendo parte delas geminadas, de autoria do Arquiteto Nelson do Carmo Pedalini (Mackenzie, 1946) e do Engenheiro-Arquiteto Walter Saraiva Kneese, egresso do Mackenzie em 1934. Essa proposta foi apresentada na Revista Acrópole em maio de 1951, tendo sido inclusive matéria de capa.

As casas geminadas estavam dispostas em conjuntos de três, cinco e seis unidades. Além dos edifícios de apartamentos de autoria de Abelardo e das casas o conjunto era constituído também por um edifício cuja planta assumia a forma de “H” de autoria dos arquitetos Roberto Aflalo (Mackenzie, 1950) e Plínio Croce (Mackenzie, 1946).

O prédio de Croce e Aflalo, em forma de H, implantava-se no terreno em declive dispondo os blocos em cotas diferentes, e interligados por escadas com um hall de acesso a cada dois apartamentos.

A outra versão, produzida em 1952, contava com edifícios projetados por Eduardo Kneese de Mello, Engenheiro-Arquiteto formado pelo Mackenzie em 1932. O projeto apresentado por Kneese de Mello propunha cinco edifícios iguais e em lâminas, distribuídos segundo a insolação leste-oeste, utilizando a gleba inteira e abandonando por completo a solução da divisão em lotes. O desenho proposto limitava a quadra pelas ruas Alceu Wamosy, Barão de Anhuma e Dr. José de Queiroz Aranha, esta última criada por um novo loteamento, seguindo em direção à Aclimação.

As lâminas formavam um grupo de edifícios praticamente paralelos entre si, e não alinhados à via pública, com um edifício de exceção e de pequeno porte e que viria a ocupar a ponta do terreno. Este projeto não foi implantado, cedendo lugar a uma outra versão, que preservou dois dos edifícios de Eduardo Kneese de Mello, e contou com a participação de Salvador Candia.

A alteração realizada em 1954, e definitiva se deve ao Arquiteto Salvador Candia, formado pela FAU Mackenzie em 1948. Foi construída e finalizada em 1960, alinhando parte dos edifícios habitacionais com a Rua Dr. José de Queiroz Aranha, acompanhando a forma curva do terreno e voltando as portarias para a via pública. Esta solução atendia à demanda por garagens cobertas, e por apartamentos de acesso direto pela rua e possibilitou também a diminuição de corredores internos, bem como diferentes plantas para as unidades.

A solução de Candia propôs duas lâminas paralelas à via pública, a maior delas curva. A menor se volta para a Rua Alceu Wamosy. A implantação considerou o desnível do terreno, com ele trabalhando, evitando cortes abruptos, diferentemente do projeto de Kneese de Mello que assumia uma solução explicitamente racionalista, de manter o modelado do terreno. O nível térreo, na Rua Dr. José de Queiroz Aranha, é atingido por pequena ponte, até as portarias sobre um recuo de 4 metros. Essa ponte se encontra dois pavimentos acima do nível do solo.

É notável o interesse de Candia em trabalhar as áreas livres, permitindo o desenvolvimento de vegetação farta entre os edifícios, propiciando que a massa arbórea até hoje existente, seja um distintivo ambiental do Conjunto no bairro.

Considerações finais

Ainda hoje, o Conjunto Jardim Ana Rosa se destaca no ambiente urbano paulistano por sua especial implantação e qualidade construtiva. Os edifícios se encontram em bom estado de conservação. As unidades habitacionais pertencentes ao bloco de autoria de Salvador Candia, na Rua Dr. José de Queiroz Aranha, impressionam pela qualidade da solução de planta, com ausência de corredores internos, e pela distribuição funcional, iluminação e ventilação.

A configuração urbanística especial é notável, embora, evidentemente, a visibilidade da distribuição interna dos edifícios no terreno não seja explícita para quem caminha pela via pública, contornando o conjunto. A dificuldade de apreensão do todo, ocorre pela presença de grades, bem como o alinhamento à rua, de parte do conjunto edificado. Entretanto, os blocos de até quatro pavimentos, sem uso de elevador e diminuindo os custos fixos da manutenção condominial, bem como a autonomia e diversidade desses blocos, chamam a atenção e qualificam o ambiente construído.

A solução final de projeto, de autoria de Salvador Candia, contempla as transformações programáticas que se mostraram pertinentes ao atendimento das demandas de público e mercado, à época. Revela-se como exemplo de proposta para uma nova forma de morar, difusora dos princípios e do ideário moderno em São Paulo e no Brasil e. A contribuição dos arquitetos egressos do Mackenzie ao mercado imobiliário e às formas de promoção privada da arquitetura através de projetos de qualidade permite enunciar um caminho para futuras investigações. Abre-se uma linha de pesquisa que parte da hipótese de vincular a formação na Escola com a capacidade pragmática desses profissionais, na solução de problemas projetuais complexos, que envolveram transformações programáticas e busca de soluções eficientes e de qualidade construtiva e estética.

Cabe a essa linha de pesquisa, denominada “A consolidação da arquitetura moderna na FAU Mackenzie” perseguir esses objetivos, possibilitando compreender a formação profissional nessa Escola.

notas

1
O grupo de pesquisa “Arquitetura, ensino e profissão” é um dos grupos de pesquisa existentes na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. No presente momento, vem desenvolvendo uma linha de pesquisa denominada “A consolidação da Arquitetura Moderna na FAU Mackenzie”, da qual este texto e um dos produtos. A pesquisa vem sendo desenvolvida pelos professores Doutores Célio Pimenta (líder), Dra. Eunice Helena Sguizzardi Abascal, Dr. Marcel Mendes e Dra. Fanny Grinfeld.

2
O testamento consta do Arquivo da Justiça, situado à Rua dos Sorocabanos, 680 no Bairro do Ipiranga, na Capital de São Paulo e consultado pelos pesquisadores.

3
MARTINS, Antonio Egídio. São Paulo Antigo (1554-1910). São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, s/d, P. 307.

4
Conforme Antonio Egydio Martins (1911), apud MASAROLO, Pedro Domingos. O Bairro de Vila Mariana. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo, Departamento de Cultura, [1971], Pp. 66-7.

5
Informações retiradas de WATANABE, Mario. O Brasil na operação do Chase. São Paulo, revista Balanço Financeiro, 31 de dezembro de 1981, pp. 8-15.

6
BOTELHO, Adriano. O urbano em fragmentos. A produção do espaço de moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo, Ed Anna Blume, 2007.

7Revista Acrópole, junho de 1951, pp.56.

8
A informação foi dada aos Autores pelo Arquiteto Pedalini, em entrevista gentilmente concedida em setembro de 2008.

9
Em Revista Acrópole, jun/51, pp. 56, mencionando uma matéria denominada “Banco Hipotecário Lar Brasileiro – 26 anos servindo o público”., cuja autoria é da Redação da revista, sob responsabilidade de Max Grunewald. É interessante observar que faziam parte do Conselho Técnico da revista em São Paulo, entre outros, o Arquiteto Eduardo Kneese de Mello, que posteriormente viria a projetar uma das versões do projeto em um edifício na última versão do Conjunto. Outro membro do Conselho Técnico é o Engenheiro-Arquiteto Walter Saraiva Kneese, também autor de algumas residências que já compareciam nessa primeira versão e que são existentes ainda hoje.

10Cf. REGINO, Aline Nassarala. Eduardo Kneese de Mello Arquiteto: análise de sua contribuição a habitação coletiva em São Paulo. São Paulo, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006.

11
O Conjunto Residencial Ana Rosa se localiza entre as Ruas José de Queiroz Aranha, Vergueiro e Professor Aristides Macedo, que se prolonga na Rua Alceu Walmosy, no bairro de Vila Mariana, São Paulo.

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sobre os autores

Célio Pimenta é Professor de Estética e História da Arte da FAU Mackenzie.

Eunice Helena Sguizzardi Abascal é Professora de Teoria e História da FAU Mackenzie.

Os Autores são membros do Grupo de Pesquisa “Arquitetura, ensino e profissão”. O presente artigo é uma produção da linha de pesquisa “A consolidação da Arquitetura moderna na FAU Mackenzie”.

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