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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Artigo de Lúcio Costa, texto da proposição urbanística feita por ele durante a administração Negrão de Lima – quando o Rio era Estado da Guanabara, no início da implantação do plano piloto para a urbanização da baixada

english
This Lucio Costa's article is an urban proposal written by him during Negrão Lima's administration - when Rio de Janeiro belonged to the State of Guanabara, in the beggining of the construction of the pilot plan for the urbanization of that area

español
Este es un artículo escrito por Lucio Costa mientras Negrão Lima era gobernador del antiguo estado de Guanabara, en el comienzo de la construcción del plano piloto para esa zona


how to quote

COSTA, Lucio. Plano Piloto para a urbanização da baixada compreendida entre Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 116.00, Vitruvius, jan. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.116/3375>.

O problema do aproveitamento da enorme área que se estende dos Campos e do Pontal de Sernambetiba até à Barra da Tijuca, abrangendo em profundidade a vasta baixada de Jacarepaguá, não é de fácil equacionamento.

Bloqueada pelos maciços da Tijuca e da Pedra Branca, que lhe dificultam o acesso, preservou-se in natura enquanto a cidade derramava-se como um líquido pela zona norte e se comprimia contida entre os vales e praias da zona sul. À medida, porém, em que se tornava acessível, foi pouco a pouco perdendo as características originais e muito do ar agreste que, não obstante, ainda é o seu maior encanto. E agora, a decisiva ação do DER, criando-lhe via livre de acesso graças a um sistema conjugado de túneis e viadutos a meia encosta, expõe a região a uma ocupação imobiliária indiscriminada e predatória.

Vê-se pois o governo do Estado e, portanto, a Sursan e o próprio DER diante de uma série de indagações: Qual o destino dessa imensa área triangular (fig.1) que se estende das montanhas ao mar numa frente de vinte quilômetros de praias e dunas e que, conquanto próxima, a topografia preservou? Em que medida antecipar, intervir? Como proceder? E, conseqüentemente, diante da necessidade de estabelecer determinados critérios de urbanização capazes de motivar e orientar as providências cabíveis no sentido da implantação da infraestrutura indispensável ao desenvolvimento ordenado da região.

Daí a presente consulta e este plano-piloto.

Mas, para perceber devidamente o vulto e alcance do problema, será conveniente, antes de mais nada, encarar o futuro provável dessa área no quadro geral do destino urbanístico da Guanabara.

E como a melhor maneira de prever é olhar para trás, recorde-se aqui, em poucas palavras, como tudo começou.

Primeiro, era só paisagem. Estranha e bela paisagem, marcada por três penhascos inconfundíveis: do mar, a pedra da Gávea, na barra o Pão de Açúcar, o Corcovado na enseada. Foi nesse cenário paradisíaco que surgiram de repente, das ondas, os primeiros cariocas, os huguenotes de Nicolau Durand de Villegagnon. Do outro lado do oceano, longe do mundo, as disputas doutrinárias recomeçaram e, na solidão estrelada, o sonho da França Antártica esvaneceu (fig.2).

O português então tomou pé, e os religiosos, abnegados e atuantes, logo se instalaram nas quatro colinas que vão balizar o primitivo quadrilátero urbano: a do Castelo, com os jesuítas, a de São Bento, a franciscana, de Santo Antonio, e a da Conceição (fig.3). Com o desenvolvimento da colônia a área urbanizada espraia-se na direção dos campos, Rocio, Sant’Ana; do Caju, do Catete; a água da serra da carioca é trazida no lombo dos arcos; galga-se a encosta de Santa Teresa, ergue-se no Outeiro a Glória que lá está. E a expansão prossegue com a vinda da corte e a instalação do Império – São Cristóvão, Botafogo; penetram-se os vales, Laranjeiras, Tijuca e vai-se além, até à Lagoa e aos postos avançados de Jacarepaguá e Santa Cruz. Esse longo período, quando – apesar das mudanças – a cidade evolui como um todo harmônico e organicamente definido, constitui, do ponto de vista urbanístico, a sua primeira fase.

O advento da República acentua a expansão urbana iniciada no Império; o centro se renova com as grandes obras, e a abertura dos túneis provoca ocupação maciça da orla de praias então agrestes e saturadas de maresia como a própria Barra. Rompe-se assim a primitiva unidade e a cidade fica dividida em duas porções desiguais (fig.4): a metade sul, concentrada e densa, e a metade norte espraiada e difusa, mas se adensando em determinados setores: dois pólos principais, até certo ponto autônomos, se constituem – Copacabana e Tijuca. Esta divisão que caracterizou a vida da cidade no transcurso do presente século marca-lhe a segunda fase.

A criação, agora, da via livre de acesso à Barra da Tijuca e à baixada de Jacarepaguá, articulada às vias de comunicação já existentes – Realengo, o importante eixo Madureira-Penha, Grajaú, Tijuca – conduzirá ao início da terceira fase, porque, o processo normal de urbanização tomando corpo, o círculo norte sul se fechará e a perdida unidade será restabelecida. Desta constatação resulta que deverá fatalmente surgir na baixada um novo foco metropolitano norte-sul, beneficiado pelo espaço, pelo acesso às áreas industriais, pelas disponibilidades de mão de obra e por amplas áreas contíguas para residência e recreio, e que não será apenas um novo centro relativamente autônomo à maneira de Copacabana e Tijuca, mas, como se verá adiante, novo pólo estadual de convergência e irradiação (fig.5).

Neste ponto, quando o retrospecto histórico cede o passo à intuição premonitória, convirá examinar o que os planos existentes estabelecem quanto à expansão para oeste.

O plano Agache, primeira abordagem urbanística consistente e de conjunto, depois das obras do extraordinário Pereira Passos, concentrou-se principalmente na ordenação acadêmica das áreas então existentes ou recuperadas. Apenas no estudo esquemático dos transportes rápidos já prevê a ligação com Sepetiba e Santa Cruz através da Baixada de Jacarepaguá.

O plano diretor Doxiadis Associados – valiosa compilação e coordenação de dados visando o estabelecimento de um arcabouço de infraestrutura capaz de permitir o crescimento harmônico da cidade – plano elaborado com a cooperação de técnicos locais –, dá a devida ênfase à dupla penetração no sentido da base industrial e portuária de Sepetiba e reconhece a fatalidade da criação de um novo pólo CBD (Central Business District) para contrabalançar o CBD original, isto é, o atual centro da cidade, mas propõe a sua localização em algum ponto desse eixo, de preferência na altura de Santa Cruz. É que, na ânsia de atapetar o estado de fora a fora para o ano 2000, ou seja, para amanhã, com uma trama esquemática uniformemente urbanizada, talvez subestimassem a carga propulsora representada pela implantação da BR-101, escapando-lhes então que – sem embargo do acerto da previsão de um centro complementar em Santa Cruz, vinculado à área industrial e portuária de Sepetiba – a baixada de Jacarepaguá é o ponto natural de confluência dos dois eixos leste-oeste, o do norte, rodo-ferroviário, e o rodoviário do sul, através das brechas existentes entre as serras do Engenho Velho, dos Pretos Forros e o tampão do Valqueire, e que portanto é ai que o novo CBD deverá surgir.

Verifica-se assim que essa planície central, providencialmente preservada, além de possibilitar novamente a união das metades norte e sul da cidade, separadas quando a unidade urbana original se rompeu, está igualmente em posição de articular-se, por esses dois eixos paralelos, àquela área destinada à indústria pesada, no extremo oeste do Estado, com foco natural em Santa Cruz, o que lhe confere então condições para ser já não apenas o futuro Centro Metropolitano norte-sul, assinalado anteriormente, mas também leste-oeste, ou seja, com o correr do tempo, o verdadeiro coração da Guanabara (fig.6).

O problema, portanto, ultrapassa os limites iniciais em que foi posto, pois o que importa aqui não é tão somente dar solução urbanística adequada a um programa de caráter recreativo, residencial e turístico, como talvez se imagine. O que está concomitantemente e verdadeiramente em jogo é a própria estruturação urbana definitiva da cidade-estado. E constata-se então, paradoxalmente, que a contribuição básica deste plano-piloto é precisamente esta, que aflora antes mesmo de ser abordado o conteúdo específico e limitado do problema proposto.

É que são dois problemas distintos, e de escalas diferentes, que se entrosam.

Estabelecida esta preliminar que decompõe e hierarquiza o problema, considere-se inicialmente a questão posta nos seus termos “menores”, ou seja, a urbanização da área imensa que se limita ao sul numa orla de praia ligeiramente arqueada, contida a leste pelas pedras do Focinho e da Gávea, e a oeste pelos morros do Rangel, do Caeté e Boavista, e dividida pelo Pontal em dois segmentos desiguais, área que se espraia plana até o sopé dos maciços da Pedra Branca e da Tijuca, aconchegando-se a eles no caprichoso contorno e formando dois grandes bolsões retalhados por numerosos canais e extensas lagoas: os campos de Sernambetiba e a baixada propriamente dita, limitada ao norte por Jacarepaguá.

A reserva biológica aspirava à preservação de toda essa área como parque nacional. E, de fato, o que atraia irresistivelmente ali a ainda agora, até certo ponto, atrai, é o ar lavado e agreste; o tamanho, – as praias e dunas parecem não ter fim; e aquela sensação inusitada de se estar num mundo intocado, primevo.

Assim, o primeiro impulso, instintivo, há de ser sempre o de impedir que se faça lá seja o que for. Mas, por outro lado, parece evidente que um espaço de tais proporções e tão acessível não poderia continuar indefinidamente imune, teria mesmo de ser, mais cedo ou mais tarde, urbanizado. A sua intensa ocupação é, já agora, irreversível.

A primeira dificuldade que se apresenta, portanto, ao urbanista, é esta contradição fundamental. A ocupação da área nos moldes usuais, com bairros que constituíssem no seu conjunto praticamente uma nova cidade, implicaria na destruição sem remédio de tudo aquilo que a caracteriza. O problema consiste então em encontrar a fórmula que permita conciliar a urbanização na escala que se impõe, com a salvaguarda, embora parcial, dessas peculiaridades que importa preservar.

O planejamento anteriormente aprovado para a região previa arruamentos paralelos em toda a extensão da baixada, com exclusão de ampla faixa ocupada correspondente à área ocupada pelas lagoas geminadas de Jacarepaguá, ou Camorim, e Tijuca, preservada como parque. Portanto, a tendência natural seria edificar ao longo de todas essas vias a começar pela própria BR-101 (via n° 3). Impőe-se, pois, como primeiro passo, revogar em parte esse Plano de Diretrizes de Vias Arteriais em favor da adoção do partido urbanístico de se criarem, além daquele futuro grande centro metropolitano NS-LO, dois outros centros urbanos principais, um na Barra, além do Jardim Oceânico, outro em Sernambetiba, contíguo ao Recreio, e numerosos núcleos urbanizados ao longo da BR-101, afastados cerca de 1km entre si. Do lado da terra, esses núcleos de urbanização diversa e autônoma, projetados e pormenorizados sob a responsabilidade pessoal de arquitetos independentes de firma construtora ou imobiliária, seriam constituídos por um conjunto de edifícios de oito a dez pavimentos, de profundidade limitada a dois apartamentos apenas, a fim de se evitarem massas edificadas desmedidas, dispondo igualmente cada conjunto de certo número de blocos econômicos de quatro apartamentos por piso, com duplo acesso, três pavimentos e pilotis.

Articulado aos edifícios residenciais, deverá haver um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, com passeio coberto de seguimento contínuo, embora quebrado por sucessivas mudanças de rumo, criando-se assim pátios, pracinhas e áreas de recreio para crianças, tudo com o objetivo de propiciar a convergência em vez da dispersão. Estes núcleos urbanizados serão ligados diagonalmente a uma via paralela à BR, ao longo do canal Cortado, devidamente alargado e com as margens arborizadas, prosseguindo a pista até cerca de 1km da Via 11. Nos pontos de articulação poderão se prever conjuntos baixos de edificações, para fins específicos de utilidade pública ou privada.

Na larga faixa, entrecortada de oblíquas, contida entre essas vias paralelas, haverá uma trama sinuosa de alamedas de parque para acesso aos lotes residenciais de tamanho variado, mas com taxa reduzida de ocupação, que seria da ordem de 10% para dois pavimentos, acrescidos da utilização parcial dos pilotis e de metade da cobertura, admitindo-se ainda livremente os alpendrados abertos ou semi-abertos, taxa que comportaria variações como, por exemplo, nos casos de construção térrea ou de piso único sobre pilotis, quando a área de ocupação seria dobrada, havendo sempre a possibilidade de aproveitamento parcial do térreo e da cobertura, na base de um terço, e do acréscimo de alpendrados e latadas. As casas poderão ter áreas e pátios murados dispostos de forma regular ou livre, mas não devem ter muros nas divisas nem nos alinhamentos, apenas cerca viva com aramado, portões e eventual pavilhão de caseiro, pois assim, apesar da ocupação, o verde prevalecerá. Os moradores terão acesso ao comércio dos núcleos onde também estarão as escolas primárias, ficando as secundárias possivelmente nas articulações contíguas ao canal. Cinemas e outras comodidades serão igualmente localizados de acordo com a conveniência dos interessados e usuários na vizinhança desses núcleos, e se deverá tirar partido das diferenças de nível que possam ocorrer da estrada para o terreno. Quando a BR for desdobrada, travessias em nível inferior deverão ser estabelecidas para comunicação de veículos e pedestres com a banda oposta.

Na faixa de dunas entre a via e a lagoa de Marapendi, os núcleos não estaria uniformemente alinhados em relação à estrada,; o afastamento entre eles seria igualmente da ordem de 1km, e as edificações, em número limitado, seriam exclusivamente torres com a altura correspondente a quatro vezes a maior dimensão em planta baixa, para unidades de 25 a 30 pisos. Estes núcleos disporiam também de comércio térreo, ou em nível inferior, com as demais amenidades e facilidades requeridas e teriam, da mesma forma que os núcleos do lado norte, arquiteto autônomo responsável. Nos largos vazios arenosos circundantes seriam permitidos unicamente agrupamentos espaçados e de afastamento desigual em relação à BR, compostos de um certo número de lotes circulares de 40 a 100 metros de diâmetro, ou mais, destinados a mansões ou casas menores, sempre com uma taxa de ocupação limitada a 10% e nas mesmas condições referidas anteriormente, acrescidas, porém, da restrição do plantio cingir-se à vegetação local ou a espécies nativas de regiões de certo modo equivalentes.

Esses conjuntos estariam ligados à estrada e aos núcleos e torre por meio de simples caminhos entre as dunas. Igual critério seria aplicado na faixa mais estreita compreendida entre a BR e a lagoa da Tijuca, onde, a partir da ponte, seria apenas permitida a construção de casas ou de clubes em grandes áreas e ainda, talvez, um centro de comércio de gabarito baixo.

Esses conjuntos de torres, muito afastados, além de favorecer os moradores com o desafogo e a vista, teriam o dom de balizar e dar ritmo espacial à paisagem, compensando ainda, por outro lado, o uso rarefeito do chão mantido agreste.

Providência importante e urgente, do ponto de vista paisagístico, nesta área é a definição de largo espaço em torno da pedra Itaúna a fim de preservá-la íntegra e devidamente ambientada.

Quanto à faixa propriamente litorânea entre a praia e a lagoa ou o canal de Marapendi- que se reduz, em longos trechos, a uma nesga apenas –, excluídas as áreas maiores, já ocupadas, e aquelas destinadas aos dois centros anteriormente referidos da Barra e de Sernambetiba, e a um núcleo provável de poucas torres no alargamento onde desemboca a Via 11, deverá ser conservada no estado, salvo excepcionalmente, alguma construção de caráter muito especial para a conveniência do público freqüentador da região.

As áreas extremas já definidas e parcialmente arruadas, inclusive aquelas onde se instalaram clubes e condomínios horizontais (as coberturas não devem ser pintadas de vermelho, e sim de branco ou verde escuro) e que muito contribuem para a animação local, embora mantidos, deverão sofrer determinadas restrições. A Lagoinha, no Recreio, terá de ser recuperada; os antigos loteamentos urbanos cerrados precisam abrir clareiras, de área equivalente a 100m x 100m, densamente arborizadas e com característica de bosque, não de praça, na razão de uma para cada 16 hectares, e o gabarito geral será reduzido para dois andares, além dos pilotis e do aproveitamento parcial da cobertura. Apenas na orla litorânea essa disciplina poderá ser quebrada para permitir a eventual construção de hotéis. Quanto às construções existentes nos loteamentos do Tijucamar, Jardim Oceânico, Recreio dos Bandeirantes, etc., já que o terreno é arenoso, deverão ser compulsoriamente envolvidos de amendoeiras com a proibição taxativa de qualquer poda. Com o tempo, todos se beneficiarão porque, enriquecidas com o plantio – por iniciativa própria dos moradores – de cajueiros e coqueiros, essas grandes áreas densamente sombreadas e verdes se converterão em oásis acolhedores e contribuirão para a composição paisagística do conjunto.

A mesma providência deverá ser tomada, e com a maior urgência, na chamada “Cidade de Deus” ao norte da área geral a ser urbanizada.

Quanto á interferência da BR-101 – que passará aos fundos da igreja em construção – com o sistema viário local, bastará elevá-la sobre aterro com arrimo e duas passagens para manter a mão e contramão existentes sobre o canal, criando-se, em seguida, nova pista em direção à ponte, ficando a pista externa atual para receber o tráfego de bairro.

Estabelecido assim o critério geral de urbanização a prevalecer, de uma banda e de outra, ao longo da BR-101, trata-se agora de precisar a delimitação e o conteúdo dos centros previstos para os extremos desse extenso eixo de cerca de 18 km.

Para o centro da Barra já existe um projeto de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer, concepção que contribuiu decisivamente para a adoção aqui, na faixa das dunas, do partido que transformará a praia da Barra na futura praia das Torres. Contudo, esse projeto não poderá ser executado integralmente da forma proposta, porquanto iria criar uma barreira edificada bloqueando ostensivamente o acesso á baixada. Impõe-se a decomposição dele em dois conjuntos, com largo espaço de permeio, um de cada lado do canal.

Da mesma forma com o centro de Sernambetiba, que se deverá compor de duas partes, a primeira entre o canal das Taxas e a praia, apesar da turfa, a segunda constituída, possivelmente, não mais de torres, mas de edifícios de gabarito equivalente ao dos demais núcleos, entre o mesmo canal e a BR-101.

Estes centros não serão integrados apenas por apartamentos, mas por escritórios, comércio, atividades culturais e diversões, recomendando-se de um modo geral, para as torres, paramentos de fachada estriados verticalmente, ou seja, dentados em planta, a fim de permitir a abertura de vãos em várias direções e assim dosar os cheios e vazios conforme as conveniências de orientação, inclusive possibilitando, no caso de apartamentos, a criação de varandas privativas entaladas, ou parcialmente sacadas.

Resta agora considerar o problema do isolamento da praia, cujo acesso é barrado pelos 10km da lagoa de Marapendi e pelo canal na parte restante, repetindo-se portanto , como numa segunda linha defensiva, o bloqueio imposto pela BR-101. Tal como ali, onde as passagens de nível inferior se impõem para interligação dos núcleos urbanizados,, também aqui, apesar das restrições da reserva biológica, que em boa hora chamou a si a proteção de grande parte da lagoa e de um segmento da praia, torna-se indispensável a criação de, pelo menos, duas pontes-passarelas nos seus trechos mais estreitos e em três pontos do canal, a fim de garantir-se um mínimo de articulação viária.

Esse problema das lagoas e dos canais é fundamental para a valorização da faixa central da baixada, mas é tarefa para ser considerada em conjunto com os especialistas, tanto no que diz respeito à dragagem parcial, como às eventuais ligações com o mar e a navegabilidade. Entre a preservação no estado, preconizada pela reserva biológica, e a medida extrema de transformá-las em rios rebaixados, importa encontrar os meios de torná-las acessíveis à vista e ao recreio graças à abertura de caminhos carroçáveis e discretos, ora afastados – para manter a orla da lagoa ao natural – ora beirando-lhe as margens.

Indicada essa larga faixa como parque no plano inicial do antigo departamento de urbanismo, e assim mantida nos planos subseqüentes, não cabe aqui nenhuma restrição a tão louvável critério. Parcialmente ocupada pela aeronáutica e, numa área restrita, pelo próprio distrito local do DER, seria de toda conveniência tratar o amplo espaço livre restante como bosque rústico, não só por se tratar de área muito grande para ser mantida como “parque”, como porque assim se integrará melhor ao ambiente e servirá de benfazejo contraste para recreio e distensão da população adensada no futuro grande Centro Metropolitano NS-LO que lhe ficará contíguo. Tanto mais que há o propósito de se localizar na parte fronteira, ao longo da Via 11, a Exposição 72, planejada com a previsão do aproveitamento parcial das estruturas e do equipamento, condicionalmente doados, para a instalação ali de Universidade vinculada ao novo secretariado de Ciência e Tecnologia. Este setor, aliás, por suas dimensões, comportará ainda outras instituições de caráter científico-cultural.

O destino das extensas áreas laterais à várzea onde se localizará o futuro Centro Metropolitano só poderá ser conscientemente definido na segunda etapa prevista para a elaboração do presente plano-piloto. É que, se ao longo do eixo longitudinal da BR-101, o partido urbanístico adotado comportava o estabelecimento de critérios de ocupação capazes de permitir, a priori, uma definição esquemática das áreas, numa técnica, por assim dizer, de “meia confecção”, – os espaços que se estendem à esquerda e à direita do eixo transversal da baixada, de um lado até à baixada de Jacarepaguá, e do outro à estrada dos Bandeirantes, estão a exigir implantação urbanística capaz de um perfeito ajustamento às peculiaridades locais, ou seja, “sob medida”. As belas várzeas contidas entre a Pedra da Panela e os morros da Muzema e do Pinheiro, ou entre os Dois Irmãos e a Pedra Negra, assim como a ampla área que vai do Rio Marinho ao rio Caçambe e aquela compreendida entre os morros Portela e Amorim, embora comportem ocupação residencial, deveriam se, de preferência, consideradas para finalidades que requeiram espaços abertos e ambientação. Além do autódromo, que já criou raízes, é preciso, por exemplo, reservar lugar para a localização futura de um novo estádio, de novo prado, de nova hípica, de novos campos de golfe, e para instalação dos clubes que fatalmente surgirão. E, nesse sentido recreativo, deve-se igualmente prever a possibilidade de dois ancoradouros, um na própria Barra, protegido pelo morro da Joatinga, outro no extremo oposto, na embocadura do canal de Sernambetiba, quebra-mar que servirá também para resguardá-lo do assoreamento, reservando-se ainda, ali, o recôncavo do Rangel para os adeptos desse novo devaneio que consiste em acampar.

Quanto às áreas situadas ao norte do futuro Centro Metropolitano, acima do caminho chamado da Caieira e contíguas a Jacarepaguá – que deverá ser mantida com sua personalidade própria –, áreas compreendidas entre a Colônia Juliano Moreira e as estradas do Capão e do Engenho d’Água, poderão ser consideradas zona industrial, não só porque acessíveis aos subúrbios e à trama rodoviária do bojo de estado, como porque já comportam sólido lastro proletário. Ao passo que as vargens Grande e Pequena e os belos campos de Sernambetiba devem ser incentivados como áreas de cultura, com sítios, granjas e chácaras.

Antes das considerações finais relacionadas com a implantação do Centro Metropolitano norte-sul / leste-oeste e do Centro Cívico, que farão desta baixada, de certo modo, a futura capital do estado, e daquelas referentes à esquematização viária, importa abordar as implicações de ordem turística que a urbanização trará. Acertadamente a CEPE 4 considera que, com os grandes hotéis já planejados para a praia da Gávea, o turismo da Barra, pelo menos nessa primeira fase de “colonização”, deverá ser principalmente interno. Seja como for, adotado o critério “nuclear” de urbanização e uma vez fixadas as áreas onde é possível construir e o respectivo gabarito, a atividade turística terá livre o campo de escolha e poderá instalar-se onde lhe aprouver para atender aos caprichos mutáveis da clientela. Ao plano-piloto cabe apenas dizer onde não o poderá fazer, ou seja, em toda a extensão litorânea fronteira, ou vizinha, à lagoa de Sernambetiba, salvo no seu entroncamento com a Via 11. Os hotéis deverão pois concentrar-se nos dois extremos, isto é, nos terrenos à beira mar dos bairros já definidos e dos centros previstos, e dispor de área de estacionamento. Aliás, a Litorânea não se deve transformar em avenida de mão dupla, com canteiro central e retorno; deve, pelo contrário, ser mantida rústica para integrar-se no ambiente agreste que importa preservar, e o estacionamento precisa continuar livre na forma atual, com áreas complementares em cota inferior onde o desnível o permitir sem maior dano. Outro ponto de capital importância é proibir – não só aqui, mas em toda a área urbanizada – posteamento para redes aéreas, mesmo a título precário. Todas as instalações devem ser subterrâneas como em qualquer cidade que se preze.

Atendendo a essa feição interna do turismo inicial, prevê ainda a CEPE 4 a criação de uma Feira Permanente dos Estados que se poderia talvez localizar, com vantagem, na parte não ocupada da península do autódromo, e compor-se de uma seqüência de hemiciclos murados de diâmetro e altura variáveis, caiados de branco e dispostos de acordo com a posição relativa que os estados ocupam no país. O âmbito desses recintos poderá ser aberto, com alpendrados e pavilhões, ou integralmente coberto, garantindo-se assim a unidade do conjunto sem prejuízo da variedade que, no caso, se impõe.

Com esse mesmo propósito de harmonia, será conveniente que, na área a ser urbanizada, os projetos sejam submetidos a uma comissão especial de aferição arquitetônica, com possibilidade de recurso ao IAB. Por outro lado, como são muitos os loteamentos aprovados, o desenvolvimento deste plano-piloto acarretará outros tantos reloteamentos de acordo com os novos critérios urbanísticos adotados. Considerando-se, porém, que na maioria dos casos tais áreas forma adquiridas por ínfimo preço, os alegados prejuízos serão relativos, pois não corresponderão ao valor efetivo do investimento senão à limitação dos lucros pretendidos nas futuras transações.

Nesta mesma ordem de idéias, impõe-se a desapropriação da área de cerca de 4 km² onde se prevê a implantação do novo Centro Metropolitano, de cuja fixação, como foco de convergência e irradiação no conjunto de núcleos autônomos, adotado como partido geral para a urbanização da baixada, resulta num sistema viário aberto e esgarçado que deverá ser considerado, juntamente com os demais problemas fundamentais (serviços públicos, abastecimento, saúde, educação, etc.) na segunda etapa prevista para a elaboração deste plano, j´á então a cargo de um grupo de trabalho constituído por elementos dos vários departamentos interessados, sob a chefia de um arquiteto do estado, assessorado pelo autor.

Como que a se antecipar à tarefa, o DER, numa feliz intuição de sentido urbanístico, fez desviar a Via 11 ao longo do canal, evitando desse modo que, no encontro, de topo com a bela planície abraçada pelos arroios Fundo e Pavuna, no coração da baixada, o prosseguimento do seu eixo a cortasse.

Preservou-se assim esta área predestinada à urbanização.

É evidente que a ocupação dela não será para tão cedo. Na vida das cidades as dezenas são frações, a unidade é a centena, ou a sua metade. Durante muito tempo ainda, deixe-se a várzea tal como está, com o gado solto pastando. E só quando a urbanização da parte restante, da Barra a Sernambetiba, se adensar; quando a infraestrutura, organizada nas bases civilizadas e generosas que se impõem, existir, e a força viva da expansão o impuser, – ai então sim, terá chegado o momento de implantar o novo centro que, parceladamente embora, já deverá nascer na sua escala definitiva.

E como a função do urbanista é ver com antecipação, veja-se então o que esta campina comporta. Nela se inscreve um octógono alongado que se articula às Vias 5 e 11. Estas duas articulações comandam dois eixos ortogonais. O maior, leste-oeste, paralelo à praia, e o menor na direção de Jacarepaguá e das zonas norte e sul, dividindo-se assim a área em quatro partes, ou quadrantes, que, por sua vez, se podem subdividir em quarteirões compostos de 4 lóbulos cada um.

Desse esquema geométrico resulta a necessidade de uma ampla via de contorno da qual se desprenderiam sucessivamente vias de acesso aos quadrantes, que, por sua vez, os contornariam em sentido único, articuladas aos eixos de mão dupla, repetindo-se o movimento em escala menor nos quarteirões e finalmente nos lóbulos, para o acesso direto aos núcleos de edificação, comportando, comportando o sistema, em princípio, três níveis: o nível do terreno para o tráfego, os acessos e estacionamento parcial; o do primeiro subsolo para parqueamento e serviços; e o das plataformas interligadas por passarelas, para uso exclusivo dos pedestres, com terraços de estar e cafés, latadas, canteiros, etc. Os segundos e terceiros subsolos, na eventualidade de os haver, seria privativos das edificações, excluída a parte reservada à estação final do futuro ramal do metropolitano, com parada em Jacarepaguá (Pechincha) e articulação com o Méier pelo túnel da Covanca, e entroncamento em Mangueira e, daí, ao Maracanã, à Central, ao Largo da Carioca e à Glória.

Aos quarteirões centrais teriam gabarito mais alto, cerca de duzentos metros, correspondendo assim a 70 andares e à cota da Pedra da Panela (196m); os demais, de 40 e 50 pisos, e o conjunto, além do “metrô”, estaria igualmente ligado por monotrilho com a Cidade Universitária e o Galeão, através da Cândido Benício e do eixo Madureira-Penha; enquanto a BR-101, integrada ao anel rodoviário que o DER executa, levará à Lagoa e, sempre em via livre, através do túnel Rebouças, à Presidente Vargas, ao Cais do Porto e à Ponta do Caju.

Mas, como já se acentuou, é preciso dar tempo ao tempo, e não antecipar a ocupação da área. A princípio poderia parecer conveniente a implantação prévia do sistema viário preconizado para o local, a fim de assim garantir-lhe o futuro já nos moldes concebidos. Este método teria o risco de provocar uma primeira e segunda fases de construções certamente impróprias e numa escala indevida, o que só serviria para aviltar a área, dificultando-lhe a ocupação quando a maturidade urbana a impusesse. Ao passo que a manutenção da campina verde com o seu ar bucólico atual infunde respeito e dignidade à paisagem.

O prolongamento do eixo maior na direção oeste definiria um setor considerado próprio à expansão urbana, e para leste alcançaria a área destinada ao futuro Centro Cívico, que o estado ainda reclama. Trata-se da planície marcada pela presença insólita desse monumento natural que o Patrimônio Estadual, numa antecipação simbólica, recentemente tombou, – a “Pedra da Panela”.

Para melhor delimitação da área, seria desde já criado ao longo desse eixo, na divisa do bairro Gardênia Azul, uma densa cortina verde de árvores de porte e crescimento livre, de preferência “fícus-benjamina”, e as construções, de partido arquitetônico horizontal, seriam dispostas sobre plataformas e espelhos d’água ligeiramente escalonados, conjunto dominado por um edifício-torre da altura da pedra monumental. Deve ser previsto acesso independente a esse “Paço da Panela” – como seria chamado noutros tempos – ao longo do canal do Anil, e todo o ângulo visual compreendido entre esse canal, a Via 11 e a Pedra, deverá ser preservado no seu estado agreste natural, sem qualquer “benefício”, a fim de garantir ambientação autêntica ao monumento tombado, e de fazer contraste ao apuro arquitetônico do Centro Cívico.

Este problema paisagístico da baixada é fundamental, devendo a tarefa caber, por todos os títulos, a Roberto Burle Marx, senhor de Guaratiba. E a primeira impugnação que ele certamente fará, há de ser a esta sugestão, um tanto contraditória, referente à arborização da Via 11 no trecho reto compreendido entre a BR-101 e o futuro Centro: a importância dessa via nobre, cujas margens deverão levar aterro apropriado, só comporta uma espécie de vegetação – a palmeira imperial. Dirão que ela não vingará, que destoa das dunas e contradiz o que anteriormente se estipula. Pouco importa, deve-se preparar o terreno e plantar. Elas estarão em harmonia com a futura ambientação arquitetônica. E como a extensão é grande, o plantio deverá obedecer a um critério de marcada diferenciação quanto à densidade e à cadência. Inicialmente, vários renques simultâneos deverão ser dispostos, em profundidade, de ambos os lados da estrada; no trecho seguinte, depois de um intervalo vazio, duas filas apenas em cada margem; novo intervalo e haveria de cada lado um renque só; em seguida far-se-ia como na baixada do Ródano, no Valais, com os peupliers: fileiras solitárias beirando a estrada, ora de um lado, ora do outro e, depois de algum tempo desse jogo alternado, o ritmo ascendente das filas marginais conjugadas seria retomado, primeiro repetidamente singelas e, finalmente, duplas no último tramo antes do canal de Camorim, onde começa a área propriamente urbana.

De volta, assim no chão do futuro Centro da cidade, encerra-se esta randonée urbanística imaginária. Tal como no primeiro século, quando nasceu, com Villegagnon, na Guanabara, também agora, ao renascer na Barra, a presença da França se faz sentir, pois foi provavelmente na praia de Sernambetiba, protegida pelo Pontal, que Du Clerc desembarcou a sua tropa, e não em Guaratiba, onde ancorou, porque, dispondo de uma praia acessível e resguardada, não teria o menor cabimento, já que o propósito era alcançar a cidade, desembarcar do outro lado da serra.

Seja como for, é comovente a lembrança, nesta oportunidade, quando se cogita de urbanizar a região, daquelas centenas de soldados de Luis XIV, de botas e tricórnio, a embrenhar-se terra adentro em busca dos vales, ou a bordejar as faldas da montanha, para evitar as lagoas e os canais, seguindo então a trilha que seria depois a estrada de Guaratiba, atual Bandeirantes, e passando ao largo deste descampado onde um dia afinal surgirá, definitiva, a metrópole (2).

notas

1
Proposição urbanística feita durante a administração Negrão de Lima – quando o Rio era Estado da Guanabara – de iniciativa do então diretor do DER, Geraldo Segadas Vianna, e do secretário de obras, Paula Soares, e levado avante por um grupo de trabalho – GTBJ – composto por dedicados e competentes profissionais que introduziram novo estilo, de portas abertas, no trato com as partes interessadas, muito proveitoso então, até que de repente, não mais que de repente, veio o mau destino e fez – da Barra – o que quis. Sobrou apenas este texto que revela a intenção original do urbanista quando deu início à implantação do plano. Publicação original: COSTA, Lucio. Plano Piloto para urbanização da baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá. Rio de Janeiro, Agência Jornalística Image, 1969, p. 8. Republicado in COSTA, Lúcio (1969). “Barra”. In: Lucio Costa, registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 344-354. Agradecimento a Maria Elisa Costa pela autorização de republicação do presente texto.

2
Abaixo seguem três pequenos textos de Lúcio Costa sobre a região da baixada de Jacarepaguá e que foram publicados junto ao texto acima no livro Lúcio Costa, registro de uma vivência.

anexo 1. Registro pessoal

Na memória descritiva do plano-piloto que deu origem à ocupação da baixada de Jacarepaguá, digo o seguinte: “O que atrai na região é o ar lavado e agreste, o tamanho – as praias e dunas parecem não ter fim –, e aquela sensação inusitada de se estar num mundo intocado, primevo. Assim, o primeiro impulso, instintivo, há de ser sempre o de impedir que se faça lá seja o que for.” Em seguida, acrescento: “Mas, por outro lado, parece evidente que um espaço de tais proporções e tão acessível não poderia continuar indefinidamente imune, teria mesmo de ser, mais cedo ou mais tarde, urbanizado. A sua intensa ocupação é, já agora, irreversível.”

É pois natural que se encare os aterros, os andaimes, as estruturas, o casario que se vai adensando, e toda essa prevista poluição paisagística gradativa e crescente, com certa dose de constrangimento e pesar – para não dizer com sentimento de culpa –, na esperança de que a futura definição dos núcleos devidamente espaçados, as áreas livres e o denso envolvimento arbóreo confiram ao conjunto coerência urbano-ambiental capaz de compensar, numa certa medida, pelo agreste perdido.

Cabe à SUDEBAR a complexa e por vezes ingrata tarefa de, conscientemente, violentar a ecologia a fim de criar facilidades de acesso, de providenciar infraestrutura e de estimular as empresas, no louvável propósito de acelerar a ocupação dessa área da cidade que é o elo da sua zona norte com a sul, e de oferecer aos futuros usuários uma vida comunitária melhor e maior desafogo, marcado pela presença constante, próxima ou distante, do mar e da montanha.

Mas uma coisa puxa a outra: a região é, no geral, baixa, há que aterrá-la para garantir o necessário escoamento; em consequência, as dunas e certos morros se aplainam em benefício das depressões; as glebas, bem ou mal, têm dono; os empreendimentos avultam e o lucro se impõe, como é natural, já que é a mola propulsora do sistema; apesar da imensidão, todos se apegam a um artificioso valor do metro quadrado de chão; oneram-se assim os projetos, e a qualidade arquitetônica se abstém.

É porém de presumir-se que, com o correr do tempo, a oferta premendo sobre a demanda, a economia fará valer a sua lei, mantendo os preços da terra sem que a correção neles incida.

E é igualmente de esperar-se que a arquitetura, ainda esquiva, dê um ar de sua graça na proporção adequada dos edifícios e na serena naturalidade, resguardada ou acolhedora, das casas entremeadas pelo arvoredo.

Só que, então, já não estarei mais aqui.

COSTA, Lúcio (1974). “Registro pessoal”. In: Lucio Costa, registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 356

anexo 2. Postura

Na qualidade de autor do Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá e de Consultor Especial da Superintendência criada para desenvolver a sua concepção geral e dar corpo às ideias nele contidas, solicito sejam encaminhadas à Secretaria de Planejamento estas considerações:

1 – O objetivo do plano-piloto, e consequentemente da SUDEBAR, é propiciar o desenvolvimento, tanto quanto possível harmônico, da Baixada de Jacarepaguá, e os projetos e proposições apresentados pelas partes interessadas são analisados levando em conta esse propósito fundamental.

2 – Tratando-se de uma região de extraordinária amplitude, com grandes áreas de difícil conceituação urbanística, a previsão a priori dos requisitos de ocupação deve ser cautelosa a fim de não tolher a futura manifestação da sua legítima vocação, não passando assim as “instruções normativas”, em muitos casos, de simples balizamento suscetível de certa margem de tolerância na sua aplicação, senão mesmo de reajuste de critério e consequente reformulação, tendo em vista o referido objetivo primordial.

3 – Cabe pois à Superintendência sopesar a importância de tais restrições, por vezes mínimas, no seu confronto com as vantagens da proposição em causa para o desenvolvimento global e acelerado do plano, a fim de evitar que exigências secundárias cheguem a ponto de invalidar numa penada empreendimentos merecedores de aprovação.

4 – A região abrangida pelo plano deve continuar a ser considerada como área experimental, uma espécie de “laboratório urbano” – razão de ser, aliás, da criação da SUDEBAR – para que, com o assessoramento do autor do PP, ela se mantenha urbanisticamente viva e capaz de absorver – sob rigoroso controle – as sucessivas inovações propostas pelo espírito empreendedor das partes interessadas.

COSTA, Lúcio. “Postura”. In: Lucio Costa, registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 356.

anexo 3. Parecer

A Pedra da Panela, bem como o entorno dos chamados “Saco Grande” e “Saquinho”, formados pelas penínsulas inseridas na lagoa, constituem, por sua inusitada beleza, parte essencial da paisagem da Baixada de Jacarepaguá, razão por que estarão sempre a exigir, da parte dos responsáveis pela urbanização da área, maior zelo e cuidado na legislação a seu respeito.

No meu entender, a região deve continuar aberta à proposição de empreendimentos – não industriais – da mais variada natureza, uma vez que o gabarito das edificações seja baixo e o partido de implantação horizontal. Aliás, ao comprar essas glebas, o empreendedor imobiliário já sabia das restrições impostas.

Não se compreende, portanto, que, ao apagar das luzes da administração, uma  “tríade” composta do próprio secretário de Planejamento – a pretexto da necessidade de estimular habitação para a classe média de baixa renda –, do empresário interessado no seu jogo de valorizar ao máximo a área para obtenção de empréstimos no exterior, e da representante do Departamento de Edificações, empenhada em servir, resolvesse, mancomunada, considerar essa belíssima área como apropriada para uma ocupação maciça de três centenas de prédios de 18 pavimentos, além do térreo, e isto graças a uma ardilosa manipulação pseudolegal elaborada a toque de caixa – com despachos favoráveis ocorrendo na mesma data das solicitações – de tal forma urdida que já propiciasse à “justiça”, na sua simbólica e conveniente cegueira, dar ganho de causa a tão escandalosa e evidente concessão de favores.

À vista do que me dispenso de discutir, nas suas minúcias, o cabimento ou não do alegado neste processo que, juridicamente, no meu entender, peca pela base: a tramoia, digamos assim, foi tramada às escondidas do Consultor legalmente nomeado para acompanhar a implantação do plano, diariamente no seu posto na SUDEBAR.

COSTA, Lúcio. “Parecer”. In: Lucio Costa, registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p. 357.

sobre o autor

Lúcio Costa (1902 – 1998), arquiteto e urbanista brasileiro formado em 1924 na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Autor do projeto urbano de Brasília e de obras como o Museu das Missões, o Park Hotel Friburgo, o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, associado a Oscar Niemeyer, entre outros. Foi membro da equipe responsável pela criação do Ministério da Educação e Saúde. Autor do livro “Lucio Costa – Registro de uma Vivência”.

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