Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Esse artigo mostra o grau de urbanidade existente nas margens do ribeirão Jacaré em Itatiba (SP). O estudo, referente à água no meio urbano, leva em conta aspectos de proteção ambiental, mas também aspectos simbólicos, paisagísticos e geográficos

english
This article shows to the degree of existing urbanity in the edges of the Jacaré stream in Itatiba. The study concerns water in the urban environment, relating environmental protection to landscape and symbolic and geographical aspects

español
Este artículo muestra el grado de urbanización en las orillas del arroyo Jacaré en Itatiba. El estudio referente al agua en el medio urbano, tiene en cuenta los aspectos medio ambientales, pero también simbólicos, paisagísticos y geográficos


how to quote

BUENO, Laura Machado de Mello; FRANCO, Gustavo Cosenza de Almeida. A Questão da Urbanidade nas Margens do Ribeirão Jacaré na Cidade de Itatiba (SP). Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 121.04, Vitruvius, jun. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.121/3446>.

Introdução

O presente artigo busca apresentar as diferentes ocupações à beira de corpos d’água ao longo do tempo. O estudo de caso foi o ribeirão Jacaré na cidade de Itatiba (SP).

O município de Itatiba, localizado na Região Metropolitana de Campinas, tem 325 km² e 91.479 habitantes (1).

O ribeirão Jacaré é considerado um rio urbano, pois sua maior extensão corta a área urbana central e corresponde ao médio e baixo Itatiba. As águas do ribeirão Jacaré, no entanto, são formadas por diversas nascentes à montante, em área rural. Sua extensão é de aproximadamente 7,5 km sendo 3,5 km em área rural e 4 km em área urbana. Esse ribeirão nasce e deságua nos perímetros do município, sendo, portanto, um rio integralmente itatibense.

Ao longo da história percebe-se que o ribeirão Jacaré sempre foi importante para Itatiba. Primeiramente era utilizado como fonte de abastecimento público e para irrigação de lavouras (milho, arroz, feijão, etc.) Há ainda resquícios das instalações para sua utilização em moinho, na área central. Posteriormente, na fase de industrialização, a água do ribeirão servia para a produção industrial (tecido, refrescos) e concomitantemente, foi utilizado como fonte de abastecimento público. As inundações constantes a partir dos anos 1970 levaram o poder público municipal e estadual a retificar e canalizar (2) o ribeirão a céu aberto, com gabiões permeáveis, implantando avenidas às suas margens. O crescimento populacional sem a implantação regular de programas e projetos de saneamento, fez com que, o esgoto doméstico encaminhado diretamente aos córregos sem tratamento, se tornasse o principal fator poluente das águas dos rios e seus afluentes. Nos anos 80 o problema se agrava regionalmente, o que desperta a necessidade de investir em saneamento básico e numa Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Por último, vivemos agora num período em que surgem movimentos sociais que defendem a qualidade ambiental do município.

Para fim de contextualização, os movimentos sociais podem ser entendidos como ações realizadas por diferentes classes e categorias sociais em luta pela conquista de seus direitos e assumem, também, diversas formas de expressão, mobilização, organização e luta dos setores populares urbanos. A sociologia oferece um conjunto de abordagens, a partir de orientações teóricas diversas, que permite chegar a uma conceituação coerente do que seja movimento social. A primeira ideia é que o conflito é um elemento constitutivo de todo movimento social. Assim, a sociedade civil se organiza e passa a ocupar os espaços públicos para enaltecer suas causas reivindicando o direito à cidade. Dentre esses movimentos, os dos ambientalistas organizam campanhas em defesa de novas formas de planejamento urbano e regional, medidas de saúde pública e controle sobre o desenvolvimento desenfreado. Além de reivindicar leis não cumpridas e as diferentes irregularidades referentes ao meio ambiente dentro e fora dos âmbitos urbanos, a identidade desses grupos está voltada para a melhor qualidade de vida nas cidades. Espaços ambientais urbanos sofrem com frequência degradações diversas e os movimentos sociais ambientalistas buscam defender e resgatar a história desses lugares e o convívio social nesses espaços.

Um aspecto interessante sobre o ribeirão é que no início do século XX era o principal espaço de lazer na cidade. Atividades como nado, pesca, batizados e brincadeiras eram cotidianas. Esses fatores de usufruto, aliados à qualidade dos espaços nos trechos do ribeirão são os que proporcionam a urbanidade do lugar.

Segundo Jacobs, o grau de urbanidade de uma cidade, metrópole, ou de um bairro está relacionado ao grau de vitalidade urbana ali presente (3). Dessa forma, conforme apontado por Frederico de Holanda, a urbanidade transcende a realidade física da cidade, ao incluir a “qualidade do cortês, do afável, relativo à negociação continuada entre interesses” (4). Sandra Mello define urbanidade “como aquilo que qualifica a vida urbana, no sentido da interação entre os cidadãos no espaço coletivo, da promoção do encontro e do convívio social” (5).

Para Mello, o conceito de urbanidade transcende os padrões espaciais característicos da dimensão urbana, incluindo atributos espaciais e psicossociais que qualificam a vida urbana e seus padrões sociais. A autora refere-se à urbanidade quanto aos aspectos de acessibilidade e destinação do espaço.

A urbanidade nas margens do ribeirão Jacaré se dava então (quando limpo) pela apropriação das pessoas e das diversas atividades ocorridas nesses espaços. Além de identificar o grau de urbanidade desses lugares, é preciso reconhecer que diversos outros aspectos dotados de grande complexidade também compõem a dinâmica das relações entre a sociedade e os espaços naturais no meio urbano. Trata-se do âmbito subjetivo, que incorpora aspectos simbólicos, sentimentais, afetivos e até de gênero psíquico. Nessas esferas o campo dos valores é modificado, a identidade do ser social sofre alterações e o indivíduo precisa associar espaços que eram importantes em sua vida e que hoje não existem mais, ou que não são mais como antes.

No caso de Itatiba, o fator responsável pela ruptura das relações entre a população e o ribeirão Jacaré, no que diz respeito ao aspecto físico, foi a poluição das águas desse rio. O cenário atual se faz numa relação visual com o ribeirão, com poucos trechos acessíveis e devido à consequente falta de interesse da população em se aproximar e conviver próximo a esse corpo d’água.

História

Segundo historiadores (6) Itatiba teria sido fundada no início do século XIX por foragidos da justiça de Santo Antonio da Cachoeira (atual Piracaia - SP), que desceram o rio Atibaia e teriam fundado um pequeno povoado, mais tarde conhecido por Bairro dos Lopes (nome dado devido ao seu fundador: o fugitivo Salvador Lopes). Após a introdução da cultura cafeeira no município, a cidade se desenvolveu recebendo um grande contingente demográfico.

No final do século XIX, a principal fonte de água potável para os moradores de Itatiba (SP) eram os poços perfurados nos quintais de suas próprias casas. Havia também as opções de se retirar água da “biquinha”, ou de comprar água retirada do ribeirão Jacaré, que era transportada em carroças. O esgoto era depositado em fossas, quando não escorria pelas ruas a céu aberto, no entanto, a quantidade de esgoto produzido pela cidade não chegava a causar grandes impactos e contaminação ao ribeirão Jacaré, de forma que a água era limpa e podia ser consumida sem nenhum tipo de tratamento.

O ribeirão Jacaré, que abasteceu a cidade desde a década de 1950, também foi o principal rio utilizado para a agricultura. Porém, com o aumento da poluição industrial e do crescimento demográfico, a partir da década de 1970, a captação de água da cidade passa a ser realizada no rio Atibaia.

Após a crise cafeeira (7), a industrialização ocorreu em todo país, houve a instalação de diversas indústrias, principalmente têxteis, às margens do ribeirão Jacaré, dando início então à coloração desse rio.

O esgoto industrial e doméstico em Itatiba era lançado in natura em corpos d’água até recentemente. A Estação de Tratamento de Esgotos Domésticos (ETE) só foi implantada em 2007.

Fig. 1 – Empresa têxtil despejando efluente no ribeirão Jacaré na área central da cidade
Foto Gustavo Franco


Fig. 2 – Empresa têxtil despejando efluente no ribeirão Jacaré em área rural
Foto Gustavo Franco


Outro fator histórico da relação entre a população e este rio urbano eram as inundações. Em Itatiba esse fenômeno era constante em épocas de chuva, pois no ribeirão Jacaré existiam muitos meandros e grandes pedras que evitavam o rápido escoamento da água. Até o início da década de 1970 o ribeirão Jacaré possuía seu curso natural. Devido às inundações, em 1976 a administração pública iniciou as obras de retificação do ribeirão Jacaré e a dinamitação de algumas pedras grandes que se encontravam no leito do rio e impediam um fluxo mais rápido da água.

Fig. 3 – Alagamento na Av. Expedicionários Brasileiros em 1970 [Acervo Museu Municipal Padre Lima]


As inundações talvez sejam as principais responsáveis por conflitos entre as cidades e os rios urbanos, pois o não respeito às Áreas de Proteção Permanente (APP) faz com que os esses rios, na maioria das vezes, percam sua função principal de abastecimento de água e firme-se cada vez mais como escoadores do esgoto, tornando-se mal quisto no contexto urbano. Além do transtorno advindo desse fenômeno, aliado ao déficit na coleta dos esgotos, outro fator que se destacou como marco na história da relação entre a população urbana e os corpos d’água foram as epidemias.

Esses fatores foram responsáveis pelas primeiras obras de intervenção em cursos d’água. Estas intervenções foram principalmente a retificação de trechos de rios e córregos situados em áreas urbanas e o aterramento de suas várzeas. Dessa forma visava-se evitar as inundações e consequentemente as epidemias, já que a água escoaria mais rapidamente para fora do perímetro urbano. Em Itatiba, o ribeirão Jacaré não é o único corpo d’água existente no centro da cidade, há também pequenos córregos, afluentes do ribeirão Jacaré que também sofreram intervenções.

Como se evidenciou, o ribeirão Jacaré sempre foi funcional para a cidade. Primeiro através de sua utilização na agricultura, depois no fornecimento de água para o abastecimento público e para o processo de produção industrial, o ribeirão é por fim utilizado para escoamento dos efluentes da cidade. Durante esses processos, ocorrem dinâmicas relações entre as pessoas nos espaços públicos. Essas relações, quando realizadas cotidianamente e harmoniosamente, tendem a criar vínculos sentimentais que influenciam na índole social do indivíduo, fazendo com que este se identifique com esses espaços, sendo então uma relação benéfica do ponto de vista do sentimento de pertencimento e, portanto, de preservação.

A Relação com o Corpo d’água

Uma cidade é formada por inúmeros objetos visuais que são estruturados e conectados para garantir a vitalidade e funcionalidade da mesma. São vias, ruas, avenidas, bairros, marcos, edifícios e tantos outros componentes que possuem uma finalidade e um significado dentro da cidade. São elementos do ambiente construído ou natural que, cada qual com suas particularidades interligadas, adquirem funções específicas no todo da cidade.

Segundo Kevin Lynch (8), é importante visualizar a clareza ou o que ele chama de “legibilidade” aparente da paisagem das cidades, para que se possa indicar a facilidade com que suas partes podem ser reconhecidas e organizadas num modelo coerente. Mais do que reconhecer essas partes é importante saber interpretá-las. A imagem, estampada no ambiente, recebe diversos significados que variam de acordo com a percepção dos diferentes observadores que a interpretam. Ainda de acordo com Lynch, cada indivíduo cria e assume sua própria imagem, mas o autor diz parecer existir um consenso substancial entre membros do mesmo grupo (de idade, sexo, cultura, profissão, temperamento). Essas imagens de grupos, consensuais a um número significativo de observadores, é que interessam aos planejadores urbanos dedicados à criação de um ambiente que venha a ser usado por muitas pessoas. A legibilidade é crucial para o cenário urbano.

Com o espaço construído, seja ele um ambiente naturalizado ou não, e sua dada função reconhecida, o indivíduo, através da vivência cotidiana com o espaço, cria uma identificação com o mesmo. O indivíduo, inserido em um espaço geográfico, se identifica com esse espaço desde a sua infância. Segundo David Harvey (1980), o espaço social é tomado por um complexo de sentimentos e imagens individuais sobre ele, e de reações dirigidas ao simbolismo espacial que cerca esses indivíduos. Usamos tudo aquilo que nos cerca, nos envolve, como as relações sociais, relações espaciais, relações com tudo que vemos e agimos, interpretamos e, de alguma forma, incorporamos e construímos nosso subjetivo, nossa índole, nosso ser social; e ainda mais, construímos nossa identidade. Filtrando, selecionando, rejeitando ou incorporando sensações e cognições, o sujeito organiza um conjunto coerente, e de algum modo estável, que é o seu eu. Assim, o cotidiano é o construtor da identidade e o seu legitimador.

Se pensarmos no ribeirão Jacaré, mais do que simplesmente um rio aos olhos de quem o vê, ele também foi, e ainda é, um importante estruturador da vida social da cidade de Itatiba, sendo, portanto, um espaço onde as dimensões abstratas se manifestam no mundo real. Essas dimensões abstratas como, por exemplo, identidade, sentimento e afeto, se manifestam de diferentes formas de acordo com o espaço (construído ou não) em que os indivíduos estão inseridos. O rio, como um espaço natural, proporciona diferentes interpretações, relações espaciais (pois o rio como um todo interliga diversos outros espaços), relações abstratas e relações sociais.

Durante muito tempo, as margens de cursos d’água foram suporte de múltiplas funções e intensa atividade. Porém, fatores humanos comandados por fatores econômicos fizeram com que ao longo da história, a relação entre a sociedade urbana e os corpos d’água fosse algo não-harmonioso, espaços ausentes de urbanidade. Para Allaman

“Os motivos que levaram à ruptura entre as cidades e seus cursos d’água são conhecidos: o desaparecimento ou diminuição das funções fluviais, especialmente de transporte e meio de comunicação; a preponderância do transporte automotivo (transformando as bordas dos rios em vias rápidas e estacionamento de veículos); a poluição das águas e a abordagem higienista, que provocaram o desaparecimento de vocações como o lazer e banho.” (9)

Dessa forma, os espaços ribeirinhos urbanos possuem duas conotações. Uma negativa, ligada à degradação e ao abandono, e a outra positiva, ligada às atividades tradicionalmente localizadas nas margens dos rios (no âmbito do lazer, como a pesca, por exemplo).

As intervenções feitas nos espaços à beira de rios, dificilmente levam em conta os sentimentos, as emoções e a afinidade contidas nesse elemento natural na sua relação com as complexas dinâmicas entre sociedade e natureza. O rio urbano hoje é um espaço construído pela engenharia que o moldou de acordo com as estruturas do sistema econômico vigente. Atribuiu-se a esse bem natural funções repulsivas e que impossibilitaram a permanência de suas funções naturais condicionantes à diversas formas de vidas (fauna e flora).

Nesse sentido, Holanda defende a proposição de uma taxonomia (10) para o enfoque multidimensional do espaço arquitetônico – incluído o espaço urbano e natural – que relaciona atributos mórficos do espaço a expectativas humanas diante dele. O autor identifica oito aspectos de desempenho do espaço e os classifica da seguinte maneira:

  • funcionais: relativos às exigências práticas da vida cotidiana, às condições para a realização de atividades humanas;
  • econômicos: relativos aos custos de implementação, manutenção e uso dos lugares;
  • sociológicos: relativos às condições de permanência e movimento de pessoas, de encontros e esquivanças interpessoais;
  • topoceptivos: relativos à legibilidade e visibilidade do lugar, conferindo-lhe propriedades de identificação e orientabilidade para as pessoas;
  • bioclimáticos: relativos ao conforto ambiental, às condições de iluminação, acústica, temperatura, umidade, velocidade do vento, qualidade do ar;
  • simbólicos: relativos ao conteúdo semântico do lugar, a capacidade de remeter a outros elementos significados, valores, memória;
  • estéticos: relativos à beleza cênica, as características de um modo estruturado, à “estimulação autônoma dos sentidos para além das questões práticas”;
  • afetivos (11): relativos ao modo como o lugar afeta o estado emocional das pessoas.

Esses oito aspectos apresentados por Holanda são importantes para a interpretação dos espaços na beira dos rios. Nota-se a complexidade que está contida nesses espaços. Uma análise sobre o ribeirão Jacaré sob os aspectos apresentados por Holanda mostra que o mesmo possui e desempenha (ou já possuiu e desempenhou) todas essas características.

As entrevistas realizadas com os diferentes segmentos da sociedade civil – ONG Jappa, moradores, prefeito municipal, presidentes do Comitê e Consórcio de Bacias Hidrográficas – mostram alguns aspectos da relação entre o indivíduo e o espaço público urbano. Nas entrevistas buscou-se classificar duas etapas da subjetividade das pessoas em relação à água no âmbito urbano. A primeira, envolve a memória, a infância, a identidade, a saudade. A segunda é o sentimento em relação a atual situação dos corpos d’água, a percepção, a mudança, a perspectiva.

A percepção das pessoas que viveram suas infâncias junto às águas de rios, lagos, córregos e ribeirões tende a que elas se identifiquem mais com os recursos naturais hídricos. Saber reconhecer que essas memórias são importantes para o campo da ciência, para estudo e compreensão do passado são fundamentais para o resgate da história. Bobbio dizia que “(...) somos aquilo que lembramos (...), a nossa riqueza são as lembranças que conservamos e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião” (12).

Possuir uma identidade, de acordo com Silvia Leser de Mello (13) significa a possibilidade não só de saber o que eu sou, mas de situar esse “eu” no espaço e no tempo sociais: saber portanto quem eu sou. Nessa dimensão, a identidade é uma experiência cultural. E é no cotidiano que o sujeito detém sua identidade. O cotidiano é a dimensão do sujeito. Culturas diferentes têm diferentes concepções da identidade e da sua importância quer pessoal, quer social. É a consciência de si do sujeito que dá ordem à complexa matéria do cotidiano.

A memória, portanto, é parte importante do sentimento de identidade, tanto individual quanto coletivo, na medida em que ela também é parte essencial dos sentimentos de pertencimento e de continuidade de um indivíduo ou de um grupo em relação a seu espaço e a sua história (14).

Em Itatiba, o ribeirão Jacaré fazia parte do cotidiano das pessoas. Foi através das relações diárias com esse bem natural que muitos criaram suas identidades. Segundo Tiago a não percepção de referências culturais diferentes daquelas que embasam a administração e a participação no poder estatal possibilita a exclusão de certas culturas sociais (tradicionais ou não) do processo de organização da sociedade (15). Ainda segundo Tiago, esse tipo de alienação cultural acaba prejudicando a legitimação e cumprimento das regras gerais de organização da sociedade. Pois culturas que detenham a maior parcela de poder na sociedade podem gerar regras sociais sem o menor significado, umas em relação às outras.

Foi nessa linha de pensamento que as mudanças ocorreram no ambiente das cidades. A poluição das águas se deu pela mudança de paradigma adotado pela economia. Paradigma esse em que o uso dos bens naturais fosse visto como recursos financeiros e isso fez com que a poluição se tornasse justificável, pois com ela também viria o desenvolvimento econômico. E no peso das duas (preservação ambiental e sustentabilidade versus degradação ambiental e desenvolvimento econômico) sobressai a cultura econômica dominante.

No caso de Itatiba, a sociedade itatibense na qual se refere nesse estudo, é aquela que simpatiza com o ribeirão Jacaré e se identifica com ele. É aquela que conhece esse ribeirão e que o percebe no contexto da cidade. Todas as entrevistas realizadas mostraram unanimidade em relação ao sentimento de saudade, de recordações e lembranças das pessoas quando falavam sobre o ribeirão Jacaré. Como mostraram as entrevistas o ribeirão Jacaré era o espaço social no qual as pessoas se identificavam. Era, e ainda é, um espaço simbólico que desperta sentimento nas pessoas.

Lineu Castello afirma que a água constitui-se num dos mais poderosos recursos do mundo da simbologia (16). Existem poderosos significantes inseridos nas culturas humanas através da transmissão histórica religiosa e cultural dos variados mitos da água. A água é considerada sagrada por diversas culturas: ela purifica, ela limpa, ela lava. Sendo assim, é comum a prática de rituais utilizando-se a água.

Fig. 4 - Evangélicos realizando batizado coletivo no ribeirão Jacaré em 1962 [Jornal de Itatiba]


De acordo com os depoimentos, a vida dos moradores de Itatiba estava diretamente ligada ao ribeirão Jacaré quando ele era limpo. Atividades como o nado e a pesca eram diárias, principalmente entre os homens e as crianças.

O convívio com esse rio fez com que as pessoas que o usufruíram criassem profundos laços sentimentais que perduraram através dos anos e das mudanças de características, constituindo um elo entre os indivíduos e o ambiente.

É interessante notar que o sentimento de tristeza das pessoas quando falam sobre o ribeirão Jacaré hoje é unânime. A impressão que dá é a de que o ribeirão é um marco para a cidade, um referencial. E, como diria Lynch (17), esses aspectos são primordiais para a percepção espacial da cidade. A experiência das pessoas continua a aumentar, e pode modificar ou fazer crescer a natureza do mapa mental ou a forma espacial, tal como gravada na imagem. A própria memória pode falhar e partes da imagem espacial que não são reforçadas podem desaparecer rapidamente. O espaço social não é somente uma variável de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo; ela é também, variável no tempo (18). O que se pode perceber é que apesar das inúmeras e crescentes experiências das pessoas em suas vidas, o ribeirão Jacaré ainda perdura em trazer boas lembranças e bons sentimentos, é algo que aparentemente não desaparecerá de suas memórias, pois fez parte da vida cotidiana das pessoas por muito tempo.

A ideia de utilidade do ribeirão Jacaré, das lembranças e sentimentos antigos, a percepção atual e a perspectiva para o futuro foram aspectos identificados quando feitas as entrevistas com os moradores de Itatiba. Percebe-se que a visão individual das pessoas se transforma em memória coletiva do grupo analisado. Logo, a memória, como representação de um grupo social, é fonte legítima de informação e reconstrução dos acontecimentos que repercutem na história da sociedade (19).

No que diz respeito aos sentimentos antigos e atuais em relação ao ribeirão Jacaré percebe-se mudanças até certo ponto óbvias, pois na memória das pessoas que o conheceram limpo ele sempre fora belo e proporcionava funções cotidianas úteis para toda a cidade e, agora sujo, as pessoas se entristecem por não poderem mais manter as antigas relações com esse bem natural. Já no que diz respeito a perspectiva futura desse ribeirão, alguns entrevistados tem a certeza de que ele vai ser recuperado, outros no entanto, não possuem esse otimismo, apenas mantém esperanças de que o seja feito.

Urbanidade

Como apresentado anteriormente, a urbanidade diz respeito ao grau de utilização e convívio de determinado espaço público. Ou seja, até que ponto o lugar permite e oferece condições para a interação e encontros sociais. O ribeirão Jacaré quando limpo apresentava condições para a prática de atividades e convívio social às suas margens. Hoje, no entanto, existem poucos espaços onde a população possa se aproximar desse corpo d’água.

As Áreas de Preservação Permanente (APP) legitimada pela lei 4.771 no Artigo Segundo do Código Florestal Brasileiro (20) de 1965 sofreu algumas alterações, a última em 1989 a descreve assim:

“a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

Essa lei das APPs é dificilmente respeitada, principalmente nas áreas urbanas. A especulação imobiliária, os interesses difusos e a falta de fiscalização são os principais colaboradores para que os espaços à margem dos rios sejam utilizados para fins irregulares perante a lei.

Em Itatiba, apesar de se poder caminhar em calçadas à beira do ribeirão Jacaré, faltam lugares para o encontro social. Apenas a Av. Marechal Deodoro proporciona pontos que permitem o encontro. É o caso dos bancos para as pessoas sentarem e conversarem à beira do rio (21) e a Praça da Barganha onde as relações sociais à beira do rio se destacam mais.

Fig. 5 – Banco na Av. Marechal Deodoro
Foto Gustavo Franco


Fig. 6 – Praça da Barganha as margens do ribeirão Jacaré
Foto Gustavo Franco

A falta de urbanidade pode representar a falência de determinado espaço urbano social, pois impede ou não permite qualquer forma de uso ou ocupação. No caso de Itatiba e do ribeirão Jacaré, o descaso com o mesmo transcende para além de suas margens e também para a vida social ao entorno desse corpo d’água. Assim, o investimento em ações nas margens desse ribeirão, onde se possa criar espaços para caminhadas, descanso, ou aspectos paisagísticos admiráveis, nada vale se não se resgatar a qualidade das suas águas. Pois a urbanidade pode se perder devido ao mau-cheiro, ao lixo, à sujeira e à coloração das águas (escura, turva, por exemplo). Dessa forma, os aspectos paisagísticos podem atrair a urbanidade ao espaço, assim como elementos repulsivos presentes nesse mesmo espaço podem afastar as relações sociais fundamentais para tal urbanidade. Segundo Hannebicque e Michaud os espaços das margens dos cursos d’água desempenham melhor sua função ambiental quando é permitida a sua utilização pela comunidade (22). Além disso, a utilização pública coletiva das margens dos cursos d’água, para o lazer e encontro social, é uma estratégia para evitar processos de ocupação mais danosos.

Os aspectos utilitários de um rio urbano nunca vão se perder, mas sim se transformar. O rio urbano, mesmo poluído proporciona ainda atividades econômicas em suas margens, principalmente para as indústrias. Por esse motivo os aspectos utilitários acabam que por sobressair em comparação aos outros – afetivos, simbólicos, topoceptivos, estéticos, sociológicos, bioclimáticos – restringindo dessa forma a utilidade de um rio urbano apenas à ótica econômica. O reconhecimento e a interação dos outros aspectos que proporcionam a urbanidade para os corpos d’água urbanos e suas margens devem ser incorporados para garantir a vitalidade desses espaços em relação as práticas sociais.

Conclusão

Diante da dinâmica das cidades, a relação com os espaços à beira dos corpos d’águas entre os indivíduos torna-se secundária. Devido a poluição das águas os espaços ribeirinhos causam desconforto ambiental, repelindo a população desses lugares.

A apropriação de espaços à beira dos rios pela população para o desempenho de atividades sociais tende a tornar um diferencial atrativo para as cidades. No caso de Itatiba e do ribeirão Jacaré, nota-se a importância deste no contexto físico e subjetivo quando era possível as relações às suas margens. Hoje, essas relações se perderam e o resgate das mesmas se faz necessário.

A recuperação da qualidade ambiental das cidades passa pela recuperação da qualidade das águas urbanas e pela revalorização das margens de rios, córregos, lagos.

A drenagem urbana tradicional se apoiava em obras, sobretudo com o objetivo afastar o mais rápido possível da cidade as águas pluviais. Para isso, recorria-se à canalização, e todos os donos de propriedades, inclusive as públicas – podiam aterrá-las e impermeabilizá-las quanto quisessem.

As consequências foram as ilhas de calor causadas pela impermeabilização desenfreada, a poluição das águas com esgoto domésticos e fontes difusas, a diminuição das áreas verdes e maior ocorrência das inundações.

Na concepção atual as águas pluviais devem ser manejadas no meio urbano, com legislação, educação, além de obras, sempre para toda a bacia hidrográfica, e não somente nos fundos de vale.

No caso de Itatiba, representativo de muitas outras cidades, em que há cursos d’água alterados e grande impermeabilização, é necessário promover a contenção temporária das águas de chuva a montante da área já urbanizada, nas áreas rurais ou nas quais se prevê urbanização futura, preservando-se os fundos de vale, criando-se estruturas de retenção e infiltração. No meio urbano é preciso garantir que uma parte da águas de chuva infiltre-se no solo, para a recarga do aqüífero subterrâneo. Essas áreas podem ser de qualquer dimensão – praças, quintais, canteiros de avenidas – públicas ou privadas. A legislação urbanística deve incorporar aspectos da recuperação ambiental e controle de enchentes, criando exigências de que cada novo empreendimento contenha seus impactos dentro de seus limites, para não haver aumento das vazões de lançamento antes e depois das obras.

Sobretudo, deve-se evitar a canalização de córregos e a construção de avenidas nos fundos de vale, tratando-os nos novos empreendimentos urbanos como áreas preservadas, parques urbanos, nos quais sejam instalados somente equipamentos que possam ser inundados periodicamente.

No futuro próximo serão incorporadas ao planejamento urbano e disseminadas as práticas de descanalização e mesmo, renaturalização de fundos de vales urbanos e periurbanos, em um contexto de adaptação das cidades às mudanças sociais relacionadas à melhor qualidade de vida, bem como às mudanças climáticas e aumento de ocorrência de eventos extremos.

Recuperar aspectos e funções das margens de rios, considerando as dinâmicas urbanas, assim como as dinâmicas do meio natural, permite a adoção de configurações espaciais diversificadas para cada trecho da margem. Alguns trechos necessitam de maior proteção ambiental, sendo importante a preservação das margens em seu aspecto natural. Outros trechos, mais centrais, permitem a criação de espaços onde a cidade e a população possam se relacionar mais diretamente com o rio.

notas

1
IBGE, 2007

2
A canalização que se refere é aquela à céu aberto, que mantém o corpo d’água visível. Diferente da canalização feita por dutos fechados.

3
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

4
HOLANDA, Frederico de. O espaço de exceção. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 126.

5
MELLO, Sandra S. de. Na Beira do Rio tem uma Cidade: urbanidade e valorização dos corpos d’água. Tese de Doutorado. Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB, 2008, p. 40-41.

6
Historiadores da própria cidade de Itatiba como Lucimara Rasmussen Gabuardi, Diloca Sangiorgi e Luiz Camargo Soares,

7
A crise cafeeira ocorreu em 1929. A industrialização a que se refere é a que teve início na década de 1930.

8
LYNCH, Kevin. A Imagem da cidade. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo, Martins Fontes, 1997.

9
ALLAMAN, M. “L’Odyssée dês villes et de leur fleuve”. In: Diagonal, nº 163, nov.-dez., Paris, p. 22-5, 2003. apud MELLO, Sandra S. de. “A experiência Francesa de Intervenção em Espaços Urbanos de Beira-Rio: Um Paralelo para a Reflexão sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP)”. In: Oculum Ensaios, nº 6, Campinas, 2006, p. 21.

10
Um de seus objetivos é classificar a informação, de uma forma hierárquica, de maneira que seja facilitado o acesso a ela, melhorando a comunicação entre os principais usuários, quer entre especialistas, quer entre um público qualquer (Mendes, 2008). HOLANDA, Frederico de. O espaço de exceção. Op. cit.; HOLANDA, Frederico de. “Arquitetura Sociológica”. In: Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, vol. 9, nº 1, 2007 apud MELLO, Sandra. Op. cit., 2008, p. 50.

11
Holanda define o termo “afeto” como sentimento terno de adesão, estado provocado por estímulos externos, composto por sentimentos particulares, acrescentando que aspectos da fisionomia de uma cidade facultam aos moradores identificar-se afetuosamente com ela. HOLANDA, Frederico de. “A força da imagem”. In: Humanidades, nº 51, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2005, p. 5-25.

12
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo, Editora da UNESP, 1997, p.30.

13
MELLO, Silvia Leser de. Pensando o quotidiano em ciências sociais: identidade e Trabalho. CADERNOS CERU, n. 2, v. 5, 1994.

14
ALMEIDA. Rita de Cássia. “A Memória dos Idosos como Instrumento de Avaliação dos Impactos da Urbanização sobre os Recursos Hídricos”. In: FELICIDADE, Norma & LEME, Alessandro André (orgs). Uso e Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil: Velhos e Novos Desafios para a Cidadania. São Carlos, Editora RIMA, 2003.

15
TIAGO, Glaucio Gonçalves. “Mitos das Águas: a cultura haliêutica e seus poderosos significantes ancestrais”. In: Cadernos de Extensão, nº 2, Puc-Campinas, 2005.

16
CASTELLO, Lineu. “A percepção em análises ambientais: o projeto MAB/Unesco em Porto Alegre”. In: DEL RIO, Vicente, OLIVEIRA, Olívia de (orgs). Percepção Ambiental: a experiência brasileira. São Paulo, Studio Nobel, 1999.

17
LYNCH, Kevin. Op. cit.

18
HARVEY, David. A Justiça Social e a Cidade. São Paulo, Ed. Hucitec, 1980.

19
ALMEIDA. Rita de Cássia. Op. cit.

20
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm. Acessado em 5 de dezembro de 2008.

21
No entanto os bancos estão virados de costa para o rio.

22
HANNEBICQUE, Franck; MICHAUD, François. “L’experience de végétalisation sur L’île Saint-Germain menée para Espaces”. Colloque l’amenagement ecologique des espaces urbains au coeur de l’ile-de-france. Issy-les-Moulineaux, 1999. In: Actes de la journée d'étude. Paris, Association Espaces, 2002, apud MELLO, Sandra. Op. cit., 2008.

referências bibliográficas

DUARTE, Fábio. Rastros de um rio urbano: cidade comunicada, cidade percebida. Ambiente & Sociedade, Dez 2006, vol.9, nº 2, p. 105-122.

GABUARDI, Lucimara Rasmussen. Itatiba na História 1804-1959. Campinas, SP: Pontes; Itatiba, SP: Bobst Group, 2004.

“Relatório da Administração da Prefeitura de Itatiba”. Ed. Itatiba Ltda. 1973-1976.

SANGIORGI, Diloca Ferraz. Conheça sua cidade (um pouco da história de Itatiba). Itatiba: Livraria Vanguarda, p. 118-119, 1969.

sobre os autores

Gustavo Cosenza de Almeida Franco, Sociólogo (2005) e mestre em Urbanismo (2009) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Laura Machado de Mello Bueno, Arquiteta (1976) e doutora em Estruturas Ambientais Urbanas (2000) pela FAU USP. Professora da PUC Campinas

comments

121.04
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

121

121.00

A forma segue o leite ou o leite segue a forma?

Da arquitetura das usinas de pasteurização do Recife (1)

Laura Alecrim and Luiz Amorim

121.01

El abismo de la cita: de Mies a Scharoun

Santiago de Molina

121.02

Álvaro Siza Vieira: outro vazio

Otavio Leonidio

121.03

A ideologia genérica ou a crítica da crítica de Rem Koolhaas

Cláudio Rezende Ribeiro

121.05

Permanência e Renovação da Morfologia Urbana Modernista

um Estudo de Caso sobre Angélica – MS

Renato Tibiriçá de Saboya

121.06

De Europa y Asia

elogio de la trashumancia (1)

Henry Vicente Garrido

121.07

Rui Barbosa e John Ruskin: a política do ensino do desenho

Cláudio Silveira Amaral

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided