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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo analisa a produção do espaço público, buscando identificar a relação entre o projeto de inclusão social da Prefeitura de Santo André (1997-2000) e o “Eixo Tamanduatehy”. Uma leitura do espaço público gerado pelas “operações urbanas”

english
The article analyzes the production of urban space, intending to identify the relation between the policy of social inclusion developed by the Santo André City Hall (1997-2000) and the "Tamanduatehy axis"

español
El artículo analiza la producción del espacio público, y busca indentificar la relación entre el proyecto de inclusión social del Ayuntamiento de Santo André (1997-2000) y el "Eje Tamanduatehy". Una lectura del espacio público generado por "operaciones ur


how to quote

TEIXEIRA, Aparecida Netto. A produção do espaço público no projeto urbano Eixo Tamanduatehy (Santo André, SP). Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 122.04, Vitruvius, jul. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.122/3483>.

Introdução

A consolidação do movimento neoliberal, a partir da década de 90, tem se traduzido, por um lado, no aumento da participação do setor privado via formulação de políticas públicas e implementação de ações (através das parcerias público/privado) e, por outro lado, na exacerbação das desigualdades e da exclusão social (1).

No tocante à produção do espaço urbano, constata-se o avanço das práticas neoliberais de gestão da cidade, quer seja através da associação entre Estado e mercado (capital), com a utilização do “modelo empresarial de planejamento estratégico”, quer seja através da ação direta do setor privado via grandes conglomerados (2). Em ambos os casos, constata-se o predomínio da produção de espaços associados ao consumo visual, traduzindo-se em “espaços estetizantes” e em “cenários” a partir de uma lógica empresarial (3).

No Brasil, essas questões tem resultado na constituição de uma esfera pública baseada na privatização e no enclausuramento, na qual o espaço público vem se materializando, principalmente através de espaços segregados, ou seja, espaços interiores, privados e controlados, como, por exemplo, os condomínios fechados, os shopping centers, e até mesmo os atuais parques temáticos (4). Paralelamente, assiste-se à intensificação do discurso de “retomada” do espaço público, quer seja em relação à sua reconstituição, principalmente a partir da “reconquista” das áreas centrais, quer seja, em relação à produção do “novo” espaço público, através da mais recente ação urbanística – os “projetos urbanos”.

A implantação destes projetos urbanos – grandes obras de apelo simbólico, associadas a arquitetos de renome internacional – veio se intensificando desde a década de 1980, principalmente em países como França, Alemanha, Espanha e EUA, sendo decorrente de três questões principais. Em primeiro lugar, da demanda do capital privado, favorecido pela liberalização econômica e pela expansão do capital financeiro, o qual redirecionou o foco de atuação para o consumo da imagem das cidades, ao invés dos investimentos nas grandes obras de infraestrutura, conforme ocorreu em fases anteriores do desenvolvimento capitalista. Em segundo lugar, da adesão do poder público municipal ao “planejamento estratégico urbano”, o qual, segundo discurso dominante, tratava-se da única forma possível de atuação, face às mudanças políticas e econômicas na cidade contemporânea. Em terceiro lugar, da completa adesão de arquitetos, os quais, após anos de planejamento burocrático e da monotonia funcional do modernismo, foram completamente “seduzidos” por esses investimentos privados.

Partindo-se das questões esboçadas acima, trataremos neste artigo da investigação crítica acerca da produção do “novo” espaço público urbanístico (5) na cidade contemporânea, a partir da mais recente experiência brasileira de implantação de um “projeto urbano” associado ao “planejamento estratégico”, qual seja, o projeto “Eixo Tamanduatehy”, implantado em Santo André (SP), no período compreendido entre 1997 e 2004. Tomando-se por base uma leitura interdisciplinar – urbanística e sociopolítica – propõe-se, dessa forma, discutir a relação entre espaço público, projeto político e projeto urbano.

Santo André e o projeto urbano “Eixo Tamanduatehy”

O município de Santo André (6) é integrante da Região do Grande ABC, na Região Metropolitana de São Paulo, juntamente com mais 06 municípios: Diadema, São Caetano do Sul, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Bernardo do Campo. Os indicadores econômicos e de qualidade de vida (PIB per capita de US$ 9,8 mil e Índice de Desenvolvimento Humano/IDH de 0,8739) permitem classificar a cidade de Santo André entre as melhores cidades da Região Metropolitana de São Paulo, reproduzindo, entretanto, os contrastes marcantes característicos do país. Deve-se considerar que o município possui sérias restrições à expansão urbana, já que mais da metade de sua área total (61%) pertence à Macrozona de Proteção Ambiental, na qual se inclui a “Área de Proteção aos Mananciais”, regulamentada por legislação estadual, onde está localizado o Reservatório Billings.

O “Eixo Tamanduatehy” é um projeto de “requalificação urbana”, ou seja, investimento implementado pelo poder público, em parceria com o setor privado, sobre área urbanisticamente consolidada, considerada ociosa e estratégica do ponto de vista da competitividade da cidade. Esta área, de uso predominantemente industrial (conforme lei de uso e ocupação do solo de 1976), é conformada por grandes glebas vazias e/ou desocupadas, em processo de redimensionamento das atividades existentes, bem como de alteração de uso, em decorrência do processo de reestruturação produtiva da Região do ABC e do município de Santo André, ocorrido a partir da década de 1990 (7).

A concepção urbanística deste projeto está baseada na existência de um eixo linear, com área de 12,8 km2 e 10,5 km de extensão, conformado pelo rio Tamanduateí (que atravessa o ABC e deságua no rio Tietê) e pelo sistema de transporte, composto pela antiga ferrovia Santos-Jundiaí (8) e pela Avenida dos Estados (9). Tem-se, dessa forma, a utilização do conceito clássico de “eixo urbano”, entendido como modo principal de organização do crescimento da cidade, geralmente representado por uma grande avenida, servindo para desencadear processos de transformação interna.

Este projeto foi gestado em 1998, no governo do PT (Partido dos Trabalhadores) em Santo André, quando da reeleição do ex-prefeito Celso Daniel (1997-2000). Anteriormente (a partir das eleições municipais de 1989), as políticas públicas empreendidas pelos governos municipais do PT estiveram voltadas para a “inversão de prioridades”, ou seja, intervenções em áreas de baixa renda, particularmente com investimentos em infraestrutura social, compreendendo educação, saúde e saneamento básico. A partir daí, tem-se a mudança de rumo das diretrizes do Partido, cujas políticas públicas passaram também a privilegiar ações de revitalização e estética urbana, a partir do binômio novas centralidades/grandes projetos urbanos (10).

Nesse contexto, a despeito das políticas públicas de inclusão social implementadas em Santo André na gestão 1997-2000 (11), tem-se o lançamento do projeto “Eixo Tamanduatehy”, de caráter nitidamente empresarial, conforme será tratado a seguir, revelando a opção política do governo local pelo “planejamento estratégico urbano”, voltado prioritariamente para o atendimento das demandas de mercado.

Tal fato pode ser comprovado nas três fases políticas do projeto identificadas através de entrevistas realizadas (12). A primeira fase – concepção/implantação (1997-2000) – contou com a condução política do ex-prefeito Celso Daniel, sendo o projeto alocado em seu Gabinete, sob a coordenação de ex-vereador pelo PT, em São Paulo, designado pelo ex-prefeito. Nesta fase, o projeto caracterizou-se por uma estrutura centralizada e pela imposição de uma proposta técnica “fechada”, elaborada pela equipe de consultores contratada para o projeto (13), desvinculada da realidade urbana do município. Esta formatação política associada ao intenso marketing de divulgação do “Eixo Tamanduatehy”, se por um lado, foi capaz de alavancar o processo e impor politicamente a importância do projeto junto aos demais setores da administração municipal, por outro lado, resultou em sérios conflitos entre Secretarias Municipais e críticas externas. Mesmo sem dispor de plano geral e/ou normatização jurídica para toda a área, a administração municipal viabilizou, nesta fase, a quase totalidade das operações urbanas e parcerias.

Na segunda fase – conflitos internos e reformulações (2001-2002) – a condução política do “Eixo” passou a ser dividida entre o ex-prefeito Celso Daniel e o Secretário de Desenvolvimento Urbano de Santo André. Neste período, a coordenação do projeto ficou a cargo de profissional arquiteto, ligado à atividade acadêmica, a convite do ex-prefeito. Em meio às diversas críticas, tanto internas, quanto externas, tratou-se de viabilizar o processo de democratização e socialização do projeto, tendo se adotado como conceito-chave o “urbanismo includente e participativo”, o qual teria como objetivo a “captação pública das mais-valias imobiliárias e fundiárias para promoção da requalificação urbana da área com ações integradas de participação popular, desenvolvimento econômico e inclusão social” (14).

Tem-se, desse modo, um momento de “ruptura relativa” com a forma de condução política do projeto, através da criação de alguns mecanismos de participação popular, bem como da democratização das informações relativas ao projeto. Entretanto, a proposta de transformação do Eixo em um “urbanismo includente e participativo” acabou por se restringir ao discurso, tendo sido completamente abandonada posteriormente. Dessa forma, pode-se constatar que, apesar de ter assumido uma versão “mais inclusiva”, o projeto não se distanciou muito do perfil delineado inicialmente, qual seja, a de um projeto adequado às prerrogativas de mercado, voltado prioritariamente para a atração de investimentos privados, sem definição, entretanto, das diretrizes públicas para a área.

A terceira fase – interfaces com o momento político de reformulação do Plano Diretor (2003/2004) – foi marcada, em primeiro lugar, pela alteração da condução política do projeto, que passou a ser assumida pelo Secretário de Desenvolvimento Urbano, em decorrência da morte do ex-prefeito Celso Daniel, em 2002. Investido desta “autoridade política”, o Secretário assumiu o caráter empresarial deste projeto urbano, alegando ser o “Eixo Tamanduatehy” um grande negócio imobiliário, e como tal, teria que acompanhar as tendências de mercado. A coordenação do projeto neste período ficou a cargo de profissional ligado ao setor privado, a convite do Secretário (15). A principal proposta elaborada visava transformar o “Eixo Tamanduatehy” em uma “unidade de negócios” da Prefeitura de Santo André, associando as áreas disponíveis nos limites do projeto a um plano de negócios específico, a partir das características assumidas pelas mesmas em decorrência de investimentos feitos anteriormente, consolidando, dessa forma, a versão mercadológica do projeto (16).

Em segundo lugar, esta fase foi marcada pelo processo de reformulação do Plano Diretor de Santo André, iniciado em 2002, em decorrência da aprovação do Estatuto da Cidade (2001). No que se refere à expectativa de elaboração de um Plano Diretor para o Eixo, bem como de sua formatação jurídica, isto não se concretizou. Entretanto, esse momento político viabilizou uma maior aproximação entre a Secretaria de Inclusão Social e Habitação e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, o que culminou na indicação de áreas passíveis de serem transformadas em Zonas Especiais de Interesse Social (vazias ou subutilizadas, em processo de especulação imobiliária) para projetos de habitação popular, nos limites do projeto do Eixo.

Considerando-se, pois, as três fases políticas do “Eixo Tamanduatehy” podemos concluir pela inexistência da “dimensão pública” neste projeto urbano para o período analisado, haja visto a sua formatação centralizada e autoritária; o caráter dos projetos implementados (voltados prioritariamente para o atendimento das demandas da iniciativa privada); a completa desarticulação com as demais demandas da cidade, principalmente em relação às políticas habitacional e ambiental; e, por último, a ausência de mecanismos de participação popular, tanto na fase de discussão, quanto de implementação das operações urbanas e parcerias.

As operações urbanas e a produção do espaço público no “Eixo Tamanduatehy”

As operações urbanas implantadas em Santo André, e particularmente no Eixo Tamanduatehy, tiveram como respaldo legal as disposições contidas no Plano Diretor do município (1995), bastante restritas se comparadas àquelas previstas no Estatuto da Cidade (2001).

Podem-se destacar duas diferenças fundamentais relativamente a estas legislações, com implicações diretas no projeto “Eixo Tamanduatehy”. Em primeiro lugar, não havia, no caso de Santo André, a definição dos atores que deveriam ser envolvidos no processo de proposição e implantação das operações urbanas, tendo se restringido apenas à participação da administração municipal e da iniciativa privada. Em segundo lugar, conforme exposto acima, as operações urbanas foram implantadas de forma aleatória, sem a institucionalização legal da área específica de atuação, e sem a elaboração de um plano geral para a área.

Dessa forma, o instrumento urbanístico das operações urbanas em Santo André, veio sendo utilizado, em sua maioria, com o objetivo de viabilizar investimentos comerciais em área de uso industrial, principalmente ao longo da Avenida Industrial e da Avenida dos Estados, ou seja, em áreas já “atraentes” para o mercado imobiliário, tendo resultado na implantação de megaempreendimentos comerciais (shopping, hotéis, hipermercados, universidade privada), através, principalmente da flexibilização de índices urbanísticos, da doação/permuta de terrenos públicos (associado à isenção de IPTU) e de contrapartidas viárias.

Essa questão fica bastante clara quando se observa os valores relativos às operações urbanas realizadas no período de setembro de 1999 a janeiro de 2002 (20% da área total do projeto) (17).

Constata-se que, do total de US$ 17 milhões de “ganhos” para a Prefeitura de Santo André, 37% refere-se às obras de infraestrutura viária, ou seja, valor revertido para o próprio empreendedor, já que constaram de melhorias viárias nas proximidades do empreendimento. Este percentual é bastante elevado, se considerarmos o valor relativo às contrapartidas sociais (construção de escolas, praças, urbanização do Parque Celso Daniel), as quais totalizaram apenas US$ 1.631.023,11, ou seja, 9% do total. (Quadro 1). Ou seja, as contrapartidas dos investimentos do setor privado frente aos benefícios obtidos junto ao poder público, principalmente em relação à flexibilização dos índices urbanísticos, não foram, em sua maioria, revertidas em contrapartidas sociais, nas quais poderíamos incluir a implantação de espaços públicos. Ao contrário, reverteram-se na maioria das vezes, em contrapartidas viárias, compreendendo, inclusive, a implantação de acessos aos empreendimentos.

Quanto à produção do “novo” espaço público no Eixo Tamanduatehy esta foi condicionada por duas questões políticas principais: a valorização do “paisagismo” e a opção pela diretriz urbanística de implantação do “espaço privado de uso público”. No primeiro caso, a partir da gestão 1997/2000, o “paisagismo” passou a ser utilizado amplamente como elemento de identificação e de produção de uma linguagem visual de “cidade agradável”, baseada na concepção do embelezamento urbano e da produção de um belo cenário. Buscava-se, dessa forma, diferenciar Santo André das demais cidades da região do ABC, de situação urbana precária e desqualificada, desvinculando-a da imagem de “cidade industrial”, decorrente do auge do período fordista.

Quadro 1: Resumo dos Valores das Operações Urbanas e Parcerias - Eixo Tamanduatehy [SANTO ANDRÉ (PREFEITURA). Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Projeto Eixo Tamanduatehy)]

Essa postura de valorização político-administrativa do paisagismo na administração de Santo André resultou, em primeiro lugar, na limitação da temática do espaço público, restrita principalmente, ao embelezamento dos passeios públicos. Em segundo lugar, sob o aspecto institucional, o tema ficou sob a responsabilidade do Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depav), vinculado à Secretaria de Serviços Municipais, com atuação concentrada na implantação, manutenção e reforma de canteiros, praças, jardins e calçadas, tanto em áreas centrais quanto em áreas periféricas, com ênfase na implantação de espécies vegetais.

Essa questão teve rebatimento direto na produção dos espaços públicos no “Eixo Tamanduatehy”, os quais foram formulados e implementados pelo Depav, sem articulação com a equipe do Eixo, cuja atuação restringiu-se apenas à indicação da porção do território que deveria ser submetido à intervenção. Nesse sentido, não havia “espaço político” para formulação de uma proposta autônoma, desvinculada desse Departamento. Dessa forma, se a intervenção urbanística do Depav resultou, por um lado, em um impacto visual positivo, considerando-se o aumento da área verde na cidade, por outro lado, perdeu-se a oportunidade de promover uma política pública específica relativamente à temática do espaço público, de caráter democrático (através de mecanismos de participação popular) e articulada às demais questões urbanas.

No segundo caso, a questão está diretamente relacionada com a tendência contemporânea do imbricamento entre público e privado, decorrente das transformações políticas e econômicas sob o predomínio do neoliberalismo. O setor privado, através de uma postura pragmática e conceitual, vem se apropriando do discurso relativo à retomada do espaço público, traduzindo-o, principalmente no “espaço privado de uso público”, através do tratamento das áreas abertas de entorno ou externas aos empreendimentos. Obtém-se, desse modo, um melhor tratamento estético-formal destes espaços que passam a funcionar, sob a ótica do lucro e da rentabilidade econômica, como um atrativo potencial nas estratégias de venda. No caso das operações urbanas, esta tendência vem sendo reforçada pelo próprio poder público, ao delegar ao setor privado a implantação destes espaços, mediante a negociação de benefícios e contrapartidas.

A concepção inicial do projeto “Eixo Tamanduatehy” previa a implantação do espaço público como “elemento articulador”, em contraposição ao “urbanismo da fragmentação urbana”, ocasionado, segundo o discurso, pela disparidade de renda, violência urbana e separação das atividades (18). Esta concepção traduziu-se em uma das diretrizes urbanísticas do projeto referente ao “espaço público estruturante”, o qual compreenderia a implantação sequencial de “espaços públicos abertos” (largos, praças e parques) articulados a “espaços privados de uso público”, com ênfase especial à pedestrialização como nova forma de apreensão do espaço urbano, através da valorização da rua, e da qualificação da arquitetura e da paisagem do espaço público. Entretanto, essa diretriz urbanística mais ampla acabou restringindo-se apenas à implantação dos “espaços privados de uso público”, com ênfase no tratamento urbanístico dos espaços adjacentes aos empreendimentos implantados, a qual vem sendo mantida ao longo desses anos de existência do projeto.

Nesse sentido, a produção do espaço público via operações urbanas no “Eixo Tamanduatehy” acabou se concretizando a partir dessa concepção restrita, resultando no “embelezamento” das áreas externas e envoltórias aos megaempreendimentos comerciais implantados, e, consequentemente, na valorização dos mesmos.


São as seguintes as operações urbanas e parcerias implantadas no perímetro do Eixo, no período abordado: Industrial I (shopping ABC Plaza); Industrial II (complexo hoteleiro Íbis/Mercure); Pirelli (centro empresarial Cidade Pirelli, parcialmente implantado); Universidade UniABC; Pão de Açúcar e Carrefour (comércio varejista); Terminal Rodoviário de Santo André e o Global Shopping (19).

Destas operações urbanas/parcerias, apenas três intervenções resultaram na produção de “novos” espaços públicos urbanísticos (20). São elas: a operação urbana Pirelli (miniparque) e as parcerias do Pão de Açúcar (Praça 18 do Forte) e Carrefour (Praça do Carrefour). Todas estas áreas foram implantadas a partir das diretrizes do Depav (Departamento de Parques e Áreas Verdes), o qual forneceu também equipamentos, como bancos e mesas pré-moldados, fabricados em canteiro próprio.

O projeto “Cidade Pirelli” trata-se de megaempreendimento imobiliário, a partir da reconversão de parte de área industrial para comercial, com a oferta de serviços e a implantação de edifícios empresariais, shopping centers, restaurantes e hotel. Com a institucionalização desta operação urbana, a empresa obteve a solução para um dos principais entraves à viabilização do projeto: a aprovação pela Câmara Municipal de mudança de zoneamento da área – de industrial para misto.

Dessa forma, além dos usos previstos na Zona Industrial I, foram autorizados, mediante outorga onerosa, os usos residencial, comercial, prestação de serviço comercial, institucional ou artesanal e estacionamento comercializado.

Esta lei possibilitou, ainda, através da permuta de áreas públicas por áreas privadas, e vice-versa, a disponibilização pela Pirelli de terreno necessário à reurbanização de parte da Avenida Giovanni Battista Pirelli (na parte frontal do terreno), bem como a cessão pela Prefeitura de área pública referente ao trecho da Avenida Alexandre Gusmão (que dividia a área em duas partes), incorporado pela Pirelli. Como benefícios concedidos ao empreendedor pela Prefeitura Municipal de Santo André têm-se a ampliação do gabarito das edificações; a flexibilização nos índices e parâmetros urbanísticos; a isenção de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) para os imóveis localizados no perímetro da operação urbana Pirelli; a execução de obras e serviços e a doação em espécie ao Fundo de Desenvolvimento Urbano.

Sob o aspecto da produção do espaço público, esta operação urbana resultou na implantação, pelo empreendedor, de “praça urbanizada”, com área de 17.000 m2, contígua ao projeto “Cidade Pirelli”. Entretanto, esta praça não é satisfatória do ponto de vista qualitativo, tendo resultado na implantação de algumas quadras de esporte, caminhos cimentados, além de bancos e mesas pré-moldados. Além disso, registra-se um certo descaso com este espaço, posteriormente à sua inauguração, constatando-se, por ocasião de visita ao local, o completo abandono do mesmo, com bancos e mesas quebradas.

“Mini-parque” da Pirelli, contíguo à área do projeto. Implantação de quadras de esporte, mesas e bancos pré-moldados. Observa-se a depredação dos equipamentos [Acervo da autora, 2003]

“Mini-parque” da Pirelli [Acervo da autora, 2003]


A parceria com o Grupo Pão de Açúcar resultou, para o empreendedor, na autorização para ampliação de suas instalações, localizada entre a linha férrea e a Avenida dos Estados. Como contrapartida obteve-se a execução da reestruturação da Praça “18 do Forte”, com área de aproximadamente 15 mil m², próxima ao hipermercado. A localização desta praça, sob o viaduto 18 do Forte (viaduto Adib Chammas), em área de intenso tráfego de veículos, resulta em pouca utilização pela população local. A intervenção, concluída em 2001, constou, de forma semelhante às demais, na implantação de um amplo cimentado com mesas e bancos pré-moldados.

A parceria realizada com o hipermercado Carrefour resultou na autorização para construção em área anteriormente ocupada pelo ADC Rhodia (clube de funcionários da indústria química). Sob o aspecto da produção de espaço público tem-se a implantação de “parque” em área de 10.000 m2 (25% da área total do empreendimento), constando da execução de passeio público arborizado e equipamentos permanentes, como playground, bancos, mesas e pergolado. A implantação deste “parque” se deu em extremidade do terreno, sem qualquer interação com o entorno, e até mesmo com as instalações do Carrefour, do qual o parque é separado por grades. Além disso, a sua destinação para uso infantil, considerando-se os equipamentos implantados, é completamente inadequada, já que está localizado em área próxima a via de intenso tráfego de veículos, na confluência das avenidas dos Estados e Antônio Cardoso.

Praça “18 do Forte”. Vista da praça implantada como resultado da parceria com o Pão de Açúcar. Observa-se o caráter de “espaço anexo”, sem apropriação pela população [Acervo da autora, 2003]

Praça “18 do Forte” [Acervo da autora, 2003]

Parque do Carrefour. Detalhe do pergolado [Acervo da autora, 2003]

Parque do Carrefour. Detalhe do “playground” [Acervo da autora, 2003]

Dessa forma, os “novos” espaços públicos urbanísticos implantados no perímetro do Eixo, resultaram no “emolduramento” dos megaempreendimentos comerciais implantados, sem transformarem-se em elementos de “inclusão social”, por não haverem sido apropriados pela população local, a qual não os utiliza (tendo, inclusive, promovido ação de depredação como no caso da “praça” implantada pela Pirelli), bem como por se tratarem de intervenções de baixa qualidade urbanística (dispersos, desconectados e não significativos) e de dimensões reduzidas, se considerarmos o porte dos empreendimentos.

Em suma, podemos afirmar que o projeto “Eixo Tamanduatehy” acabou por se adequar à lógica do capital privado, sendo incapaz de se traduzir em mecanismo de redistribuição de renda e poder, ou seja, de se materializar em um projeto de construção de uma esfera pública, destoando, dessa forma, da “dimensão pública” instituída em Santo André nas gestões petistas analisadas (1997/2000 e 2001/2004).

Considerando-se a relação entre o projeto urbano “Eixo Tamanduatehy”, o projeto político da administração municipal de Santo André (PT) e a produção do espaço público, podemos concluir acerca de duas questões principais. Em primeiro lugar, em decorrência do predomínio da ideologia neoliberal com rebatimento direto nas políticas urbanas, através do planejamento estratégico, tem-se o “caráter privatista” do espaço público urbanístico resultante, principalmente como parte envoltória dos empreendimentos comerciais de grande porte. Consolida-se, dessa forma, o espaço público como elemento cenarístico da cidade, em detrimento do seu caráter público, ou seja, enquanto elemento de “inclusão social”, capaz de abrigar uma quantidade plural de pessoas e classes sociais.

Em segundo lugar, destaca-se o distanciamento entre discurso e prática deste projeto, o que pode ser constatado em relação à proposição inicial de constituição do espaço público enquanto “elemento articulador em contraposição ao urbanismo da fragmentação urbana”, através da “oportunidade de conquista de espaço aberto e público, com grande qualidade urbana” – e as decisões políticas relativamente à sua implementação, o qual, conforme foi demonstrado ao longo do trabalho, não se concretizou.

Ao final, vale ressaltar que um projeto deste porte deveria atuar, não só no sentido de alavancar atividades econômicas, mas também de possibilitar a apropriação do mesmo por toda a sociedade, particularmente através de projetos habitacionais e de espaço público, a partir da existência de mecanismos públicos visando uma equação mais equilibrada entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Nesse sentido, deveria caber ao poder público, a implementação e o controle das operações urbanas e parcerias, mediante um projeto de desenvolvimento para a região, com a definição prévia de atividades a serem induzidas, contemplando, além dos investimentos imobiliários e infraestruturais (principalmente o transporte), outros aspectos associados ao desenvolvimento social de toda a cidade, como habitação popular, cultura, lazer e educação.

Esse processo poderá ser revertido, caso o governo local, imbuído de caráter essencialmente público, ou seja, associado à universalização de direitos e ao resgate da cidadania, venha a imprimir ao projeto do Eixo um viés social e inclusivo, através da efetiva aplicação dos recursos das operações urbanas em contrapartidas sociais – habitação popular, espaços públicos e equipamentos culturais, bem como através da participação direta na implantação dessas áreas, em parceria com o setor privado, garantindo sua ampla acessibilidade.

Desse modo, a reformulação deste projeto urbano em prol de uma oportunidade comum à sociedade através de uma política de democratização dos novos espaços criados, deve prever um maior controle da valorização imobiliária da área, o que poderia se dar através da institucionalização de mecanismos de participação popular, até então inexistentes no projeto, como por exemplo, a constituição de um conselho gestor com a participação da sociedade civil e do poder público (executivo e legislativo). Este deveria ter atribuições de deliberar, tanto acerca dos novos empreendimentos econômicos para a área, quanto aos projetos de inclusão social, devendo ser contemplado não só no novo Plano Diretor, mas, principalmente em plano específico para o projeto do Eixo.

notas

[O artigo foi publicado originalmente sob o título “Espaço Público e Projeto Urbano: O Eixo Tamanduatehy em Santo André/SP” In: PÓS - Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, n. 21, São Paulo, FAUUSP, junho, 2007, p. 84-97]

1
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, P.; SADER, E. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 9-23.

2
ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. 3ª edição, Rio de Janeiro, Vozes, 2002.

3
LIMA, Zeuler R. M. A. A cidade como espetáculo: O arquiteto no paradoxo da estetização da cultura contemporânea. São Paulo, tese de doutorado, FAUUSP, 2000.

4
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp, 2000.

5
Espaço exterior, aberto e livre de construção.

6
Município de porte médio, com 600.000 habitantes e área de 174 km².

7
Cf. ANAU, Roberto Vital. As transformações econômicas no Grande ABC de 1980 a 1999. São Paulo, dissertação de mestrado, FAUUSP, 2001; CONCEIÇÃO, Jefferson José da. “A globalização da economia e os reflexos no mercado de trabalho na região do ABC” In: SCHIFFER, Sueli Ramos. Globalização e estrutura urbana. São Paulo, Hucitec/Fapesp, 2004, p. 272-282; KLINK, Jeroen Johannes. A cidade-região: regionalismo e reestruturação no Grande ABC paulista. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

8
Atualmente esta ferrovia é de propriedade da MRS Logística S.A, que, após o leilão de privatização em 1996, vem operando a Malha Sudeste da Rede Ferroviária Federal S. A., era composta pelas Superintendências Regionais SR3 (Juiz de Fora), e SR4 (São Paulo). Além do trecho pertencente à Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, esta empresa adquiriu a concessão para exploração do trecho do transporte ferroviário de cargas relativo à Estrada de Ferro Central do Brasil, nas linhas que ligam o Rio de Janeiro a São Paulo e a Belo Horizonte, excluídas, em ambos os casos, as linhas metropolitanas de transporte de passageiros.

9
A Avenida dos Estados é uma das principais ligações viárias do município de Santo André, constituindo-se, juntamente com as rodovias Anchieta e Imigrantes, na principal via de acesso da Região do ABC, ao município de São Paulo e ao interior do Estado.

10
Ver: MAGALHÃES, Inês; BARRETO, Luiz; TREVAS, Vicente. (orgs.). Governo e cidadania: balanço e reflexões sobre o modo petista de governar. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999; especialmente o artigo “O Partido dos Trabalhadores e suas experiências de governo”, de Vicente Trevas.

11
Pode-se citar o Programa Integrado de Inclusão Social (1998); o Projeto Cidade Futuro (1999); o Programa Santo André Mais Igual (2000); e a institucionalização do processo de Orçamento Participativo.

12
Foram realizadas as seguintes entrevistas com os respectivos técnicos do projeto Eixo Tamanduatehy e Secretários Municipais da Prefeitura Municipal de Santo André, no período de maio a julho de 2003: Ênio Moro – coordenador do Projeto Eixo Tamanduatehy no período 2001/2002; Irineu Bagnarioli – Secretário de Desenvolvimento Urbano; Jayme Marques – coordenador do Projeto Eixo Tamanduatehy em 2003; Jeroen Klink – Secretário de Relações Internacionais; João Alberto Zochio – assistente de Diretor do Departamento de Projetos Urbanos; Joel Pereira Felipe – coordenador do Programa APD (Apoio às Populações Desfavorecidas) da Secretaria de Inclusão Social e Habitação; Maurício Faria – coordenador do Projeto Eixo Tamanduatehy, no período 1998/2000; Nadia Somekh – ex-Secretária de Desenvolvimento Econômico e Trabalho; Rosana Denaldi – Secretária de Inclusão Social e Habitação; Solange Aparecida Massari – coordenadora de Programa do Projeto Eixo Tamanduatehy.

13
Foram contratados os seguintes arquitetos estrangeiros como coordenadores de equipes mistas (estrangeiros e brasileiros): Christian de Portzamparc (francês); Eduardo Leira (espanhol) e Joan Busquets (espanhol), Cândido Malta (brasileiro). As propostas elaboradas por estes consultores foram, posteriormente, abandonadas nas fases seguintes do projeto.

14
SANTO ANDRÉ (Prefeitura). Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Departamento de Projetos Urbanos. Projeto Eixo Tamanduatehy: urbanismo includente e participativo, Santo André, 2001, p. 4.

15
Em novembro de 2003, Jayme Marques deixou o cargo de Diretor de Departamento de Projetos Urbanos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e, concomitantemente, de coordenador do projeto do Eixo Tamanduatehy.

16
SANTO ANDRÉ (PREFEITURA). Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Projeto Eixo Tamanduatehy: áreas potenciais para novos empreendimentos, Santo André, 2003.

17
SANTO ANDRÉ (PREFEITURA). Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Projeto Eixo Tamanduatehy: operações urbanas (1998-2002). Santo André, 2002.

18
In: SANTO ANDRÉ (PREFEITURA). Projeto Eixo Tamanduatehy. Disponível em: <http://www.santoandre.sp.gov.br>. Acesso em: 27 jun. 2002.

19
Além destas intervenções, e de interesse relativamente à temática do espaço público, tem-se a operação urbana “Parque Central” (em processo de implantação), a qual situa-se fora do perímetro original do Eixo Tamanduatehy, demandando a extensão deste projeto ao longo da Avenida Pereira Barreto.

20
As operações urbanas relativas aos shoppings ABC Plaza e Global Shopping (concretizado apenas em parte, através do Auto Shopping Global) traduziram-se apenas no tratamento das calçadas. Já o complexo hoteleiro Íbis/Mercure, utilizou-se da proximidade com o Parque Celso Daniel (existente), o qual foi submetido a obras de melhorias. A operação urbana relativa ao Parque Central, trata-se de obras de recuperação e melhoria do mesmo, até então em situação de abandono, visando a implantação da Escola Parque Arte Ciência (EPAC).

sobre a autora

Aparecida Netto Teixeira, arquiteta e urbanista (Universidade Federal do Espírito Santo – UFES), doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo – FAUUSP. Atualmente é Bolsista de Pós-Doutorado, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), junto ao Laboratório de Habitação (LabHabitar) da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA)

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