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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Rovenir Duarte faz uma retrospectiva analítica e crítica sobre as origens do diagrama em arquitetura e seu uso tanto na concepção quanto divulgação do projeto

español
Rovenir Duarte analiza con una retrospectiva analítica y crítica los orígenes del diagrama en arquitectura, investigando su uso en la concepción y difusión del proyecto arquitectónico


how to quote

DUARTE, Rovenir Bertola. Radicalizando por diagramas. Por favor, devagar no mar agitado das novidades. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 143.06, Vitruvius, abr. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.143/4275>.

A época atual parece sempre ansiosa para estar diante de algo fantástico com o poder de revolucionar todas as coisas. Guiada pelo aroma inebriante do novo, do devir, resta apenas a constante sensação, dificultando discernir o que pode, ou não, realmente ser revolucionário. Nesse mar turbulento da novidade, como alguém pode se orientar quando os pontos de referência, ao qual um possível mapa se apoiaria, aparentam estar mudando o tempo todo? Com o mar tão revolto, muito se leva a crer que a arquitetura contemporânea tem elegido um personagem para protagonizar este enredo: o diagrama.

Protagonista?

Definitivamente o diagrama não é um assunto novo na história da arquitetura (1) (2) (3), mas parece estar assumindo um papel protagonista no cenário da representação e geração do conhecimento arquitetônico, superando o desenho tradicional (4) (5). Este parece estar infestado pelo tal aroma da novidade: uma verdadeira ‘diagramania’ (6). Afinal, desde 1996, quando Toyo Ito sugere a existência de uma arquitetura-diagrama (7), têm surgido diversas publicações no campo da arquitetura que vêm corroborando esta suposição.

Publicações que abordam diagrama diretamente ou indiretamente desde 1996 [Rovenir Duarte]

Este foi o assunto editorial de quatro importantes revistas de arquitetura entre 1998 e 2002 (8). O maior destaque ocorreu no final do século XX (9), mas o ano de 2006 reforçou a pertinência da discussão, sendo novamente o tema editorial de duas importantes revistas (10). Atualmente, o livro editado por Mark Garcia, em 2010, The Diagrams of Architecture, mostra que muito longe de querer encerrar o assunto, prossegue um caminho que não parece ter, tão facilmente, um fim a vista (11).

Então por que o diagrama que, não sendo exatamente uma novidade na arquitetura, tem recebido tanto destaque? A partir de uma leitura teórica, este artigo pretende refletir sobre tal questão, este novo aroma desde 1996 (12), suas possíveis transformações e papel no processo projetivo. Mas, antes se buscará tatear uma definição ou diferenciá-lo temporalmente.

Quem é realmente este protagonista?

‘Afinal, o que é um diagrama?’ (13). O problema parece começar neste ponto (14): buscar precisão em sua definição, pelo menos no momento, tem parecido distanciar-se desta definição. Como observa Ednie-Brown (15) está se testemunhando a transformação da noção de diagrama, como também descobrindo a transformação da prática arquitetônica pela diagramação.

Afinal, quando se iniciou este processo de transformação? Pode-se dizer que o discurso do diagrama do século XX foi forjado na ideologia moderna, uma concepção racionalista cujo principal critério seria a instrumentalidade. Um código discursivo que organiza a realidade para sua utilização, seu entendimento mais básico é para o controle, do layout da planta para o controle do usuário, cujo princípio operacional foi funcionalizar o espaço e ‘espacializar’ a função (16). Assim, a crítica pós-moderna à ideologia controladora moderna também atingiu esse discurso do diagrama. Um nome chave para entender esta transformação é Peter Eisenman, que desde 1963 com sua tese ‘The formal basis of modern architecture’ (17), utiliza o diagrama para tratar de forma e linguagem, construindo um caminho para a superação do dilema da arquitetura moderna através de um novo tipo de diagrama não mais determinístico e nem linear, em oposição à leitura funcionalista.

Aureli e Mastrigli (18) comentam que esta mudança do diagrama foi quando os precursores digitais abandonaram o papel tradicional do diagrama por uma forma de Deus ex machina do devir. Kwinter (19) também observa que agora este não funcionaria mais simplesmente como um blueprint, para depois traduzi-lo e reproduzi-lo, o diagrama seria o mecanismo da novidade, para o bem e para o mal. Contudo foi Vidler, em seu ensaio ‘What is a Diagram anyway?’ (20), quem buscou de modo mais claro, as diferenças entre o diagrama geral e o novo. Comenta que seria Foucault quem introduziu esta distinção, pois em ‘Vigiar e Punir’, em 1975, com o ‘emblemático exemplo’ (21) do Panóptico de Bentham, o diagrama teria demonstrado uma nova forma de instituição (22).

Desenho de Jeremy Bentham de 1791, Panoptico [Wikicommons]

Esta mudança também encontra explicação na referência teórica do filósofo G. Deleuze, em seu entendimento sobre diagrama, citação quase onipresente nos textos de arquitetura (23). Este pensamento foi construído basicamente em três livros entre 1980 e 1986, sendo que o primeiro junto com F. Guattari (24). Seu conceito de ‘máquina abstrata’, dentro da disciplina arquitetônica, tornou-se constante quando se trata de diagramas. A maneira como Deleuze se expressa torna mais instigante a discussão, mas não mais fácil, um conceito hermético, que poucos parecem entendê-lo claramente e, como uma bomba de ‘timer’, vem explodindo pouco a pouco, assim na poeira do já demolido não é fácil perceber o que realmente é importante se resgatar.

Se no momento não parece fácil dizer o que é um diagrama, não dá para esboçar algumas de suas características?

Mesmo que dentro da disciplina arquitetônica o conceito deste diagrama contemporâneo esteja em construção, pode-se aproveitar de algumas definições para reflexão. Entretanto as divergências em sua definição são mais presentes do que as aproximações, mas, ainda que não pareça interessante precisar seu conceito, deve-se pensar sobre seu papel e significado.

O diagrama é geralmente entendido como um ícone gráfico para representar um conceito, ou seja, um ideograma (25). Uma de suas características mais observadas está na sua capacidade de cumprir um papel duplo. De um lado é meio analítico e de notação, do outro é síntese e gerador (26). Mapa e trajetória (27). Ele opera como um ‘veículo de transmissão e produção de raciocínios’ (28).

O diagrama não é um modelo e sim um fluxo, não deve ser visto como uma simples redução da pluralidade, mas ao contrário, uma complicação da realidade dentro da própria capacidade de explicá-la e de desdobrá-la constantemente, uma ferramenta conceitual de natureza algorítmica (29). Spuybroek comenta que ele é basicamente um motor, uma máquina que não quer impor-se sobre a matéria, mas se ocupa com um processo de formação contínua (30). Segundo Kwinter, um diagrama busca estruturas de organização: comunicação, controle e formação de padrões. Esta entidade corresponde a um micro-regime de forças, “todo objeto é uma composição de forças, e o evento composicional é o trabalho ou expressão de uma máquina abstrata” (31).

Yokohama Masterplan, Japan, 1992 [OMA]

O diagrama representa e entende um conceito, em uma rede complexa de relações e possibilidades. Eisenman recorre à imagem do Mystic Writing Pad (32) de Freud, para explicar que o diagrama arquitetônico pode ser concebido por uma série de camadas que são constantemente regeneradas e, ao mesmo tempo, capazes de reter múltiplos vestígios: multiplicidade e sobreposição (33). Havendo infinitas possibilidades para escrever e reescrever (na folha superior) e de recordar os traços já escritos (na folha inferior), uma dimensão temporal. Esta riqueza de possibilidades resulta em sua imprecisão formal, como afirma Spuybroek, suas relações são claras, mas completamente vagas em sua expressão formal.

Assim, duas características ajudam a explicar o protagonismo do diagrama: multiplicidade e imprecisão formal. Contudo o que torna este diferente do entendimento tipológico arquitetônico?

A radicalização de uma cultura?

A diferenciação entre tipo e diagrama é uma questão bastante importante, pois se partisse das considerações de Argan sobre o tipo, derivadas da definição de Quatremère de Quincy, as semelhanças com os termos multiplicidade e imprecisão formal são evidentes (34), o próprio Argan comenta que este tipo não teria uma determinação formal em si, surge como ‘uma imagem vazia’ (35), imagens de vários sem ser algum. Esta procurará ser preenchida por uma hipótese, mas como muitas hipóteses são possíveis, busca-se a mais realizável, somente assim torna-se algo.

Para entender melhor essa idéia de tipo e suas possíveis diferenças para o diagrama será necessário recorrer a dois conceitos definidos por Argan: a cultura do modelo e do projeto (36).

Na primeira cultura, a concepção parte de um modelo que apenas pode ser imitado, arte como mímesis, onde a reflexão acontece em uma atividade de reprodução. Mas na cultura do projeto, o início da cultura moderna, a concepção se reinventa, ‘é a transgressão de si mesma’. O projeto partiria da análise e da crítica do existente, de um tipo que existe, para Argan a crítica realizar-se-ia através da análise das características análogas, assim este vê o embrião do problema da tipologia: tipos com características estruturais semelhantes e que admitem variantes dentro de certos limites. Uma redução às características comuns e constantes, destruindo a característica específica de cada um.

Pelas explicações de Argan pode-se dizer que o diagrama, aos moldes do tipo, corresponde à chamada Cultura do Projeto, afinal como lembra Braham, o debate sobre o diagrama trouxe à tona a velha discussão da tipologia, mas em condições novas, mais ‘fashion’, apoiando-se nas noções Deleuzianas, nos modelos paramétricos e nas novas formas dos meios digitais (37). Poder-se-ia dizer que o diagrama faz parte de uma radicalização desta Cultura do Projeto, pautado não só na invenção, mas principalmente na transgressão do anterior. Radicalização no sentido que esta transgressão procura ir além dos correlatos proporcionados pela história, apoiando-se em instrumentos abstratos: uma importante diferença entre o diagrama e o tipo sugerido por Argan. Como observa Braham, Argan determina uma forte relação do projeto com a história, o projeto ‘é sempre um procedimento de reutilização’ (38), assim, seu foco histórico o limita ao exame de tipos estáveis e bem definidos em contextos históricos específicos, excluindo algo mais neutro ou abstrato como, por exemplo, um malha estrutural (39).

O princípio dessa radicalização da cultura do projeto encontrou na abstração diagramática um caminho para o controle, o domínio, como diz Hyungmin Pai (40), uma perseguição utópica da arquitetura buscando controlar o comportamento humano, tais como movimentos, rotas e atividades: desta idéia nasce este discurso do diagrama arquitetônico. Um modo essencialmente moderno de representação que não trata do objeto em si, mas do mecanismo que o concebe, bastante distante da cultura do modelo. Para Pai, o diagrama arquitetônico proveu o arquiteto com um meio para representar espaço sem desenhar paredes ou colunas, assim, o gráfico funcional torna-se uma parte codificada deste discurso arquitetônico, provendo maior informação através de forma e espaço.

Justamente essa herança moderna, revelada no diagrama funcionalista e baseada em necessidades fixas, que parece estar sendo repensada. Essa compreensão mecanicista (41) do ato do projeto, e idealista, que está se tentando transformar com um diagrama dinâmico, e em algumas vezes pragmático, que não mais acredita em uma relação determinista entre o espaço arquitetônico e o comportamento do usuário, ao contrário, como lembra Braham, busca adaptar-se às velozes condições de mudanças da cidade contemporânea. Tudo isso ajuda a explicar a alta repercussão do diagrama atualmente. O próprio Argan alertava sobre o perigo da decisão mecânica de uma cultura estabelecida (42), mas seria neste sentido? Por trás desta idéia de invenção, tão presente no tal mar revolto da novidade, que não se regula ou controla, está uma sensação específica: a de liberdade.

Do controle para liberdade? (atualmente facilidades podem gerar dificuldades)

Então, ao contrário do que o diagrama de Foucault ofereceu, o diagrama contemporâneo parece soar um tipo de sensação de liberdade. Contudo o que poderia significar esta liberdade? Como criticam Aureli e Mastrigli, o diagrama parece um instrumento que pode reduzir e aumentar todas as complexidades e contradições do mundo em nome de uma liberdade (43). Para Loostma essa liberdade pode ser apenas fictícia, porque os espaços arquitetônicos são por definição uma parte do sistema social, comenta: “…estamos enlouquecendo se imaginamos que um certo tipo de arquitetura cujas formas estejam em movimento possa oferecer maior liberdade” (44). Aureli e Mastrigli engrossam a crítica, diagrama em arquitetura tornou-se pura representação da idéia do próprio movimento, dando aos arquitetos a ilusão que é possível liberar eles próprios da firmeza (fixity) e da ‘finitude’ (finiteness) da forma arquitetônica.

Esse registro do movimento pode trazer outra direção para ajudar a imaginar o porquê do protagonismo presente. A aproximação às tecnologias digitais, a linguagem por dígitos sempre em atualização (45), permite sonhar com o registro das efemeridades do mundo diário percebido. Este registro tem ocorrido por um processo de mapeamento, ‘cartografia’ (46), que os arquitetos contemporâneos têm aplicado de forma literal, como descreve Vidler, “rastreiam o movimento e os eventos no espaço como coreógrafos” (47). O que anteriormente era considerado ‘influência’, para os projetistas gerarem uma solução para um problema, agora são mapeados sinteticamente como informação topográfica direta (48). Na tentativa de captar este movimento, elegem parâmetros e registram suas alterações, sejam estes mudanças do vento, do ruído local, do tráfego de carros ou tendências demográficas.

A formação de modelos parametrizáveis tem sido o passo seguinte, um objeto que se transforma segundo os valores dos parâmetros. Mas a tal liberdade presente na possibilidade de ter ‘todas’ as variações programadas torna-se ao final o desenho e seu controle, em algum momento o diagramático se atualiza e deixa de ser o diagrama potencial. O que não pode ser um problema. Como Vidler não permite esquecer, os desenhos de arquitetura produzem a arquitetura (49), seguindo servilmente as convenções de sua representação. O problema então está na tradução fácil, da ‘abstração da abstração’ para o diagrama do diagrama (50), assim o grande perigo é a forma arquitetônica tornar-se a imagem construída do diagrama (51), pois o segundo traz a matriz para geração de muitas outras. Assim, é a facilidade atual de gerar e representar formas que acompanha o problema.

É necessário buscar ‘o lado cego’ da imagem (52), onde o diagrama não seja meramente uma ilustração, a ordem invisível que torna outras visíveis, pois este diagrama é uma máquina, que somente é capaz gerar algo porque tem engendrado em si uma ordem. Não se pode tomar o efeito pela causa. O diagrama não pode ser confundido com os fatos concretos que diagramatiza, como também a arquitetura não pode ser confundida com os movimentos que ocorre junto a ela, a representação do progresso destes movimentos é o rastro de uma força, mas não é suficiente para controlar sua realidade mesmo considerando que ‘o mundo real é sempre um mundo dos efeitos’ (53).

Procurar entender estes mecanismos provavelmente seja um desafio para uma arquitetura futura, que encontrará menos dificuldade para gerar e executar suas formas, e mais para justificá-las e atribuí-las valor.

Reflexões sobre os porquês de seu protagonismo

Evidentemente que para uma cultura baseada na tradição, e assim na repetição, uma representação figurativa parecia uma boa resposta. Da mesma maneira, no momento em que se aproximava de uma cultura do projeto, onde se parte da análise do existente, um desenho instrumental, que pudesse separar partes, fazer projeções e rebatimentos, também se mostrou muito valioso. Mas esse caminho por representações tão abstratas ajudou na busca de uma racionalização cada vez maior do processo projetual, chegando até na busca do controle dos fenômenos que o rodeiam ou que, pretensamente, determinam. O diagrama foi empregado com esse objetivo, uma representação sintética que permitisse entender o fenômeno para controlá-lo.

Mesmo que o projeto nunca decrete o futuro, como diz Argan (54), pois as coisas podem acontecer de modo totalmente diferente. A cultura do projeto se vê em um processo de radicalização, porque precisa entender como pode acontecer em mundo que cultua as multiplicidades, transformações e relatividades. Seus procedimentos precisam se adaptar a este novo cenário, até uma nova cultura se instaurar. Os projetistas atualmente parecem aceitar a impossibilidade do controle total, tentam agora métodos mais flexíveis e sensíveis, que permitam lidar com as diversas transformações, o que Braham chama de situações não-lineares. Esta não-linearidade se encontra em situações que não podem ser previstas ou caracterizadas, mas somente experimentadas, porque a situação é suficientemente dinâmica ou as influencias são tão numerosas e complexas (55).

Seria o fim da concepção mecânica? O emprego das tecnologias digitais coloca essa questão em mais destaque, pois com o caminho da parametrização digital e de sistemas generativos, incorporou-se o movimento e as múltiplas possibilidades em uma só representação, tal como o tipo pretendera. Constrói-se um objeto que permite muitas soluções, onde se elabora o problema e uma resposta múltipla, que aceita transformações a partir de mudanças de valores, entendendo a situação específica do momento como cambiante. Mas ainda não é suficiente para saber se são métodos não mecânicos. Braham parece tocar no ponto fundamental quando diz que a real contribuição dos modelos computacionais não é a mecanização de procedimentos já bem estabelecidos, mas mostrar os resultados sob influências dinâmicas não-lineares (56). Para o arquiteto lidar com o não determinado, ‘não programado’, dependerá fundamentalmente da ‘programação’, que poderá determinar suas variações, ou seja, de sua abertura. Um desafio para o caminho escolhido pela Cultura do Projeto.

Assim a questão está aí, diagramar o problema dentro de suas possibilidades, mesmo que para isso se precise transformar a idéia de diagrama. Entender os possíveis mecanismos internos, ordens, e construir uma máquina abstrata, um algoritmo, um diagrama que seja sensível a múltiplas forças, as variáveis, que conformam uma possível resposta. Definitivamente a empreitada não é fácil considerando o excesso de informações com que esta Cultura está, aparentemente, desejando enfrentar.

Conclusões e alertas

O processo de projeto nunca foi um mar muito calmo, pois transita entre a idéia e o edifício, ou como disse Argan, uma atividade ‘puramente intelectual’ e outra ‘manual’ (57). Quanto mais próxima da idéia, mais manifesta toda a incerteza e imprecisão do momento inicial de qualquer criação e descoberta, pois o processo de projeto é a redução de possibilidades infindáveis a uma eleita, processo que caminha junto com angústia e prazer. Os anteparos gráficos nos momentos iniciais, muitas vezes são um acalanto diante desta angústia do desconhecimento. Isso porque em algum momento do processo da criação artística, o arquiteto manipula a matéria prima do sonho, o inefável, aquilo que não se acaba (58), pois por mais que o fim seja desejado é no processo que mora a origem do prazer, na ‘incubação’ (59): em uma sensação.

O protagonismo do diagrama atualmente parece estar exatamente nessa necessidade de lidar com o caminho das múltiplas possibilidades e da imprecisão (60), um ‘q’ da sensação inefável da criação, mas com um ferramental marcado pelo processamento de dados precisos. Essa necessidade é fruto do desafio que o dinamismo social atual sugere e que a radicalização da Cultura do Projeto quer responder. Como lembram Aureli e Mastrigli, é menos valioso tentar expor todas as ordens, deixar tudo claro, representar aquilo que é inexprimível. A manutenção dessa sensação imprecisa é um importante ponto para o mundo digital (61), onde estar consciente das incertezas parece ser um caminho bem mais seguro. O emprego de modelos de simulação virtual e as tecnologias referenciadas com modelos ‘informacionados’, direcionam para a segurança do controle dos equívocos, mas e quando os equívocos podem ser surpresas interessantes? No excesso informacional tudo se registra nas densas camadas magnéticas, mas pouco se apreende, a insegurança faz procurar o porto seguro da precisão, mas o perigo não cessa, pois a essência de alguns momentos projetuais da arquitetura está na imprecisão.

Claro que o projeto envolve tomada de decisão, diretamente relacionada com a capacidade crítica e valores, sendo que este valor vai muito além do ‘value’ de atributos em objetos paramétricos. O diagrama parece cumprir na disciplina e na prática arquitetônica um papel mais amplo, talvez o que Vidler chamou de reavaliação do papel da representação abstrata (62), onde este busca uma ordem engendrada e não a simples forma resultante, até mesmo porque a geração de formar parece fácil demais na época atual. Faz-se necessário entender as ordens que permitam tatear a parte da vida invisível, mas como alerta Braham, o método diagramático não pode ignorar o sujeito, com seus desejos e sofrimentos, este não deve colocar o arquiteto como apenas mais uma variável desta diagramação (63), e ainda como diz Montaner (63), considerar a vitalidade da experiência das atividades humanas.

O diagrama parece revelar a radicalização da cultura do projeto, reconstruindo suas bases de tal forma que as formas análogas e estruturas semelhantes tipológicas não são suficientes. Nesse mar revolto da novidade, a orientação pode demandar novos instrumentos de leitura, e também, novas leituras dos limites de sua percepção, afinal quando o homem amplia estes limites se reinventa. O mar parece animado, e parafraseando um quase antigo samba, eu aceito o argumento, mas não me altere a arquitetura tanto assim, faça como um velho marinheiro que durante um nevoeiro leva o seu barco devagar.

Notas

1
Garcia, M. (ed.). The Diagrams of Architecture. Chichester: AD Reader, 2010.

2
Vidler, A. Diagrams of Diagrams. In Representations (Berkeley), No. 72, Autumn, 2000, p. 1-20.

3
Pai, H. The portfolio and the Diagram. London, Cambridge. The MIT Press, 2002.

4
Somol, R. "Dummy Text, or The Diagammatic Basis of Contemporary Architecture". In EISENMAN , P. Peter Eisenman: Diagram Diaries. Londres: Thames and Hudson, 1999.

5
Pai, H. op. Cit.

6
Menção ao nome da edição n.74 da revista Daidalos, editorial de G. Confurius.

7
Na revista El Croquis N.77 de 1996 sobre Kazuo Sejima, Toyo Ito escreve um texto intitulado ‘Arquitectura Diagrama’, onde apresenta a arquitetura de Sejima unida ao diagrama, um edifício seria no fundo o equivalente ao diagrama do espaço que se usa para descrever de forma abstrata das atividades cotidianas deste.

8
ANY: Diagram Work (New York), n.23, 1998; OASE: Diagrams (Rotterdam), n.48, 1998/1999; Daidalos: Diagrammania (Berlim), n.74, 1999; e Fissuras: Diagramas (Madri), vol.12.5, 2002.

9
Podendo acrescentar os livros ‘Peter Eisenman: Diagram Diaries’ (1999) de Eisenman, ‘Move: imagination, techniques and effects’ (1998/1999) de Van Berkel e Bos, ‘Folds, Bodies and Blobs’ (1998) de G. Lynn e ‘Metacity/Datatown’ (1999) do MVRDV, além do artigo de B. Lootsma na revista A+U, N.342 em 1999, ‘Diagrams in costumes’. No ano de 2002, o livro de Pai, ‘ The portfolio and the Diagram’.

10
As duas revistas foram: Lotus Internacional: Diagrams (Milan), n. 127, 2006; e a Architectural Review: The Diagram, January, 2006. Podendo acrescer, entre outros, os livros ‘Peter Eisenman Feints’ (2006) de S. Cassarà (ed.); ‘Atlas of Novel Tectonics’ (2006) de REISER + UMEMOTO e Sistemas Arquitectónicos Contemporáneos (2008) de Montaner. Além dos diversos artigos e trabalhos de pós-graduação.

11
Outros livros têm surgido, tais como: ‘Program Diagrams’ (2011); ‘Conceptual Diagrams’ (2011) (dois volumes) e 'Architectural Diagrams: construction and design manual' (2011) (dois volumes).

12
Apesar do texto de Toyo Ito não ter uma reflexão teórica profunda, o termo teve uma grande repercussão que justifica sua relevância.

13
O título de Vidler, A. "What is a Diagram anyway?" In CASSARÀ, S. (ed.). Peter Eisenman Feints. Milano: Skira, 2006, p. 19-27.

14
Um problema sobre diagrama é sua própria definição, o seu conceito e palavra envolvem uma variedade de diferentes disciplinas (...) O problema desta ampla definição é que dilui o significado do termo, pois começa a decompor e dar colapso em conceitos mais gerais e vagos’ Garcia, op.cit., p.22-23.

15
Ednie-Brown, P. "The texture of Diagrams". In Daidalos: Diagrammania (Berlim), n. 74, January 2000, p.72-79.

16
Pai,H. op.cit.

17
Somol, R. op.cit.

18
Aureli, P. e Mastrigli, G. "Architecture after the diagram". In Lotus Internacional: Diagrams (Milan), n. 127, 2006, p. 101-104.

19
Kwinter, S. "The Hammer and the Song". In Oase: diagrams (Rotterdam), n.48, 1998, p.34.

20
Vidler, op.cit.

21
Montaner, J. M. "Arqueología de los Diagramas". In CPA (Madri), n. 1, 2010, p. 16-22

22
A própria presença do diagrama demonstra a existência de uma nova ordem dos poderes, uma nova forma de instituição, uma ‘figura da tecnologia política’ (Vidler, 2006).

23
Porém parece mais importante em arquitetura do que outras áreas, por exemplo, em 2000, na primeira conferencia internacional sobre Teoria e Aplicação de Diagramas em Edimburgo, um evento interdisciplinar, em 38 artigos publicados não houve nenhuma referência aos livros de Deleuze.

24
Deleuze constrói seu entendimento do conceito de diagrama em Mil Platôs (1980), Francis Bacon: Lógica da sensação (1981) e Foucault (1986). Outro livro, Pintura: El concepto de diagrama, que apesar de ter sido publicado em 2007, trata-se de uma transcrição de um curso de 1981.

25
Como diz a definição de Tschumi: ‘...o diagrama para mim é uma representação gráfica de um conceito e a Arquitetura é a materialização de um conceito’ (Entrevista com Tschumi por Garcia, 2010, p.196), uma definição de um ideograma, o que é corroborado por Eisenman (1999), contudo Martinez López (2009) em sua tese de doutorado ‘El diagrama en arquitectura’  na UPC,  discorda.

26
Eisenman, P. "Diagram: an Original Scene of Writing".In Any: Diagram Work (New York), n.23, 1999, p. 27-29.

27
Gausa, M. (et. al.). Diccionario Metápolis Arquitectura Avanzada. Barcelona: Actar, 2001.

28
A compreensão de Pierce sobre diagrama segundo Viedler (2006).

29
Kwinter, op.cit.

30
Spuybroek, L. op. cit.

31
Kwinter, op.cit., p. 124.

32
No artigo ‘A note upon the mystic writing-pad’ (1925), Freud fala de um bloco mágico, brinquedo formado por uma prancha coberta com resina e uma folha transparente. Sendo que uma das laterais da folha é presa a prancha. Quando se risca sobre a folha o papel é marcado pela cera, mas ao levantá-la o desenho desaparece desta folha.

33
Eisenman (1999) diz que o diagrama é como mapas sobrepostos, mas há uma distinção entre a idéia de sobreposição de Deleuze e Eisenman. Para Deleuze refere-se a uma camada vertical diferenciando entre o fundo e a figura, já para Eisenman se refere a uma coexistência, camadas horizontais onde não há solo estável ou origem, onde figura e fundo oscilam.

34
“...um modelo é uma forma que devemos reproduzir tal qual ela é. Um tipo é uma estrutura que dá a possibilidade, não apenas a possibilidade, mas a necessidade de variantes, pois o tipo não tem uma determinação formal” Quincy Apud ARGAN, G. "A História na Metodologia do Projeto". In Caramelo, n.6, SP, FAU/USP, 1992 (1983), pp.157-170, p. 158.

35
Argan observa que no momento da formação tipológica, ou seja, no momento em que muitos correlatos transformam-se nesta ‘imagem vazia’, a experiência histórica termina, pois se constrói uma forma. Exemplifica com o templo circular, existem vários templos em forma de círculo na história, mas pode-se gerar uma imagem tipológica de um templo circular, ninguém sabe a forma final desse templo, mas sabe que é circular, uma ‘imagem vazia’ (Argan, 1983).

36
Ibidem

37
Braham, W. "After Typology: The Suffering of Diagrams". In Architectural Design, 70.3 (2000): 9-11.

38
Argan, op.cit. p.163.

39
Quando um tipo é determinado já tem uma existência como resposta a uma demanda de uma dada condição histórica (Braham, 2000).

40
Pai (op.cit.) investigou o discurso do diagrama na América, sob a influência da administração científica. O diagrama muda o seu foco, da máquina para o corpo humano. A fábrica tinha que ser regulada com um conjunto de padrões repetitivos e previsíveis.

41
O termo mecanicista no sentido filosófico e administrativo científico, no primeiro explica os fenômenos através de uma causalidade linear, determinista, o segundo procura máxima eficiência através de uma avaliação pormenorizada do seu funcionamento, ignorando emoções humanas (fonte Wikipédia).

42
Argan, op.cit.

43
Aureli e Mastrigli, op. cit.

44
Lootsma, B. "El debate sobre el diagrama o el arquitecto esquizofrénico". In Revista Fissuras: Diagramas (Madri),  vol.12.5, 2002, p.146-179. (p.156)

45
Os arquivos binários do dia-a-dia, carregam bits para se transformar concretamente em documentos, filmes, fotos, e também, emoções, decisões, e dinheiro: o movimento está evidente.

46
Deleuze agradece a Foucault o emprego da expressão ‘cartografar’ para seu entendimento de diagramas (Vidler, 2006).

47
Vidler 2000, op.cit., p. 54

48
Ibidem.

49
Vidler (2000) comenta que os desenhos arquitetônicos precedem a construção do que é, sem referência ao objeto já constituído no mundo.

50
Ibidem.

51
Aureli e Mastrigli, op. cit.

52
Lootsma, op. cit.

53
Kwinter, op. cit. p.126

54
Argan comenta que há a necessidade de ‘dar a existência de hoje uma dimensão a respeito do futuro’, através de um projetar contínuo, uma contínua crítica sobre a existência. Argan, op. cit.

55
Braham, op. cit.

56
Ibidem

57
Argan, op. cit.

58
Esta frase refere-se à sensação presente nos sonhos de manipulação do tempo, onde um pesadelo pode parecer eterno.

59
G. Broadbent, em ‘Diseño arquitectónico’ (1976), cita as cinco fases do processo de descoberta de Wallas (1926): informação, incubação, iluminação, verificação e formulação.

60
Os objetos paramétricos geram objetos múltiplos, mas não necessariamente imprecisos, pois não é fácil desgarrar-se da origem de desenhos de traços orientados numericamente por coordenadas. Os croquis digitais precisam evoluir para guiar os processos de concepção dentro de uma época de tanto controle informacional.

61
Com a evolução das tecnologias BIM, o edifício é, digamos, construído em mundo virtual. Este talvez seja um grande problema, no excesso informacional de modelos, tudo parece registrado.

62
Vidler, 2000, op.cit.

63
Braham, op.cit.

64
Montaner, op.cit.

sobre o autor

Rovenir Bertola Duarte é mestre pela FAU-USP (2000) e professor do curso de arquitetura da Universidade Estadual de Londrina desde 1996, foi coordenador do grupo de estudos Contemporar e diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Engenharia e Arquitetura. Atualmente se encontra em licença cursando doutorado na Univesitat Politècnica de Catalunya (UPC-Barcelona).

Este artigo faz parte de uma investigação de doutorado que conta com o auxílio da CAPES através de bolsa Doutorado Pleno, processo BEX 0883107.

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