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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo tem como objetivo discutir o papel do Departamento da Administração Municipal (DAM) de Minas Gerais, criado em 1934, no processo de modernização e controle político-administrativo dos municípios mineiros, no primeiro Governo Vargas

english
This paper aims to discuss the role of Municipal Administration Department (MAD) of Minas Gerais State, created in 1934, in the modernization process and political-administrative control of the municipalities of Minas Gerais, in the first Vargas goverment

español
Este artículo pretende analizar el papel del Departamento de Administración Municipal (DMA) de Minas Gerais, creado en 1934, en el proceso de modernización y de control político y administrativo de los municipios mineros en el primer gobierno de Vargas


how to quote

RIBEIRO FILHO, Geraldo Browne; SILVA, Paloma Fabíula Rodrigues; DORNELLAS, Wagner de Azevedo. Modernização e Controle Político-administrativo dos Municípios Mineiros no Primeiro Governo Vargas. A “intervenção saneadora” do Departamento da Administração Municipal. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 147.04, Vitruvius, ago. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.147/4448>.

Circular DAM 123 [Circular DAM 123. Fundo SI - Secretaria do Interior. Arquivo Público Mineiro]

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir o papel do Departamento da Administração Municipal (DAM) de Minas Gerais no processo de modernização (1) e controle político-administrativo dos municípios mineiros, no primeiro Governo Vargas. Com a Revolução de 30, instaura-se um Estado forte, autoritário e centralizador, que coloca fim ao “arranjo oligárquico” que vigorou no período 1889-1930 (2). Vargas assume provisoriamente o Governo, dotado de amplos poderes. A Constituição Federal de 1891 é revogada, e a forma de governo passa a ser por decretos. Interventores da confiança de Vargas são nomeados para quase todos os estados, passando, com isso, a controlar de forma quase absoluta as esferas subnacionais de governo – estados e municípios. Iniciava-se uma nova ordem político-jurídica-institucional em substituição àquela conhecida como Primeira República.

O Estado-nacional passa a intervir em todas as esferas da sociedade. Para isso, se reconfigura e expande nos diferentes setores da administração. Várias agências ou órgãos públicos (ministérios, institutos, departamentos, grupos técnicos etc.) são criados em todas escalas territoriais, abrindo espaço para ascensão de uma nova burocracia com comportamento centralizador e intervencionista. Formava-se um sistema de controle hierarquicamente rígido e centralizado na esfera federal, que se estendia aos estados e municípios através das interventorias e dos DAMs (3). Promovia-se uma nova geo-política nacional com a interrupção da autonomia de estados e municípios.

A intervenção do Estado na área econômica pós-Revolução de 30 foi sem precedentes. A crise capitalista de 1929 refletia drasticamente sobre a economia do país e seu controle era necessário. De acordo com Abreu (4), “o choque externo sobre a economia brasileira afetou o balanço de pagamentos principalmente através de brutal queda dos preços de exportação, não compensada por aumento do quantum exportado, e da interrupção do influxo de capitais estrangeiros.”

No entanto, as medidas adotadas não foram suficientes para amenizar a crise. O país foi obrigado a interromper os pagamentos relativos à dívida externa e, com isso, foram cortados os créditos de empréstimos externos. Logo surgiram pressões dos países credores para a volta à normalidade dos pagamentos interrompidos. Novos créditos passaram a ser condicionados não só à retomada do pagamento das dívidas, mas também à adoção de medidas de austeridade fiscal que envolvessem as três esferas governamentais.

A partir da década de 1930, diversas medidas foram tomadas no sentido de se buscar o equilíbrio das contas públicas. Dava-se início à “intervenção saneadora” estatal, expressão esta utilizada por Menelick de Carvalho, ex-prefeito de Juiz de Fora e Uberaba e ex-Diretor da Secretaria do Interior do Estado de Minas Gerais, para justificar a necessidade de intervenção do Estado nos municípios, tendo em vista, segundo sua perspectiva, o “mal da incapacidade” a que estavam submetidos.

De acordo com Carvalho,

O mal era geral, e a sua profilaxia só podia ser feita com a instituição de um sistema político calcado na realidade da nossa condição de país novo, em formação ainda, num território imenso e virgem, que precisa da ação constante e realizadora do estatismo moderno e não pode manter barreiras internas, em que se destruam os ideais do progresso e da civilização. (5)

Exemplo da intervenção estatal é o Decreto-Federal 20.348, de 29 de agosto de 1931, conhecido como Código dos Interventores, que impunha aos estados e municípios severa rigidez orçamentária. Esse Decreto estabelecia, entre outras medidas de controle, que as despesas autorizadas nas leis orçamentárias dos estados e municípios não deveriam exceder à receita orçada para o exercício, e os créditos extraordinários, suplementares ou especiais, também não deveriam exceder ao saldo da receita arrecadada sobre a receita orçada. Proibia também que estados e municípios contraíssem empréstimos externos. (6)

Os desequilíbrios entre receitas e despesas eram constantes e, muitas vezes, os governos recorriam a empréstimos externos para sanar o problema. A exigência de prestação de contas por parte dos municípios contribuiu para evidenciar a situação de descontrole das contas públicas municipais. Os governos estaduais não tinham a noção exata do grau de endividamento dos municípios e nem mesmo o total de empréstimo feito pelo próprio estado aos municípios. Os municípios não tinham pessoal qualificado na área das finanças, o que refletia na elaboração dos balancetes. Resumindo: os governos municipais não tinham controle sobre suas próprias contas e os estaduais não tinham controle sobre as finanças municipais. (7)

Esta realidade não era exclusiva de um estado específico, mas de todos. São Paulo, por exemplo, - estado que se industrializava rapidamente – não fugia à regra. Em 1930, seus municípios tinham elevado grau de endividamento e estavam ficando inadimplentes, conforme constatado pela Bolsa dos Fundos Públicos. (8)

Frente a esta situação de descrédito em que se achavam os municípios, a Câmara Sindical de Corretores de Fundos Públicos solicitou ao governo do estado que implementasse medidas visando o equilíbrio das contas públicas municipais. A pressão dos corretores e a dificuldade para equacionar as contas públicas fizeram com que o governo do estado, por intermédio do decreto 4.918, de 03 de março de 1931, criasse um órgão público com o objetivo de “racionalizar a sua organização e funcionamento, regularizar as respectivas finanças, melhorar o pessoal administrativo e resguardar o crédito municipal abalado” (9). Este órgão recebeu o nome de Departamento da Administração Municipal (DAM).

Os resultados alcançados pelo DAM em São Paulo, tanto por ter conseguido implementar medidas que levaram ao rápido equilíbrio das contas municipais (10), quanto por seu papel “de controle político sobre as prefeituras” (11) despertaram atenção dos dirigentes do regime, nas esferas federal e estadual, que logo buscaram replicar a ideia de criação de órgão semelhante em outros estados da federação.

Circular DAM 142 [Circular DAM 142. Fundo SI - Secretaria do Interior. Arquivo Público Mineiro]

Com esse objetivo, a bancada paulista propôs emenda na Assembléia Nacional Constituinte de 1933, facultando aos estados a criação de órgão semelhante ao DAM/SP. Esta emenda foi aprovada, mas após acirrado debate entre deputados favoráveis e contrários à causa. Dois foram os principais pontos de discórdias: a autonomia municipal e o uso do órgão como instrumento político pelo governo. Esta emenda tornou-se o parág. 3º do art. 13 da Constituição Federal de 1934, com a seguinte redação: “É facultado ao Estado a criação de um órgão de assistência técnica à administração municipal e fiscalização de suas finanças.”

A criação do DAM de São Paulo e a inclusão do art. 13 da CF de 1934, ações que eram parte da reorganização político-administrativa do Estado nacional e das esferas subnacionais, tudo indica, contavam com o apoio da nova elite dirigente que tomava o poder no país. A Revolução de 30 agregou novos atores à cena política, como os “grupos técnicos da burocracia”, que buscavam atuar não no sistema político propriamente dito, mas no novo aparelho do Estado (12) que emergia da Revolução (13).

A inclusão de novos atores na cena política, mudando a composição da elite dirigente, mas sem ocorrer rupturas com a elite que deixava o poder, só reforçou o espaço requerido pela nascente elite urbana, que buscava ampliá-los na cidade, da mesma forma que a elite agrária usufruía no campo.

Na verdade, o que reivindica as novas elites urbanas, em suas vertentes civil ou militar, era apenas uma coisa: que se abrisse o espaço necessário à representação de seus interesses a nível do sistema político, de modo a que pudessem – é isso que é importante – estruturar seu esquema de dominação nas cidades. Em outras palavras, o processo de expansão e diversificação das populações urbanas, inclusive por efeito da industrialização, colocava o problema de como assegurar ao nível da cidade aquilo que o coronelismo assegurava ao nível do campo; problema esse de resolução indispensável à manutenção do sistema de dominação como um todo e que, por isso mesmo, congrega para sua resolução tanto as elites urbanas quanto as agrárias (grifos do autor). (14)

Esta nova elite dirigente tinha segmentos fortemente arraigados ao ideário municipalista. Pereira (15) associa os “germes da Revolução de 30” ao movimento municipalista do período 1925-1930. De acordo com a autora, instaura-se um “movimento reformador que toma forma nos primeiros anos da década e coloca o município no primeiro plano da vida política nacional.”

Melo (16), na mesma direção, afirma que “após a Revolução de 30 e particularmente durante o Estado novo, o municipalismo foi elevado à condição de princípio programático das elites governamentais e de peça importante da estratégia de nation-building perseguida.” O autor cita como exemplo desta estratégia a proposta de Juarez Távora – ex-tenente, ex-ministro e presidente da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres – na Constituinte de 1934, de reorganização do país em uma federação municipalista.

Assim, vários órgãos públicos foram criados com o apoio do movimento municipalista, destacando-se o Instituto Nacional de Estatística (INE), fundado em 1934 e o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938. Foi no interior do DASP que, segundo Melo (17), “se gestou a elite burocrática que formulou o municipalismo pragmático da década de 1940”. O autor destaca também o papel do IBGE no fortalecimento do movimento municipalista.

Na mesma linha, a criação do DAM teria tido também como propósito o fortalecimento do movimento municipalista, na medida em que seria o órgão responsável por fornecer orientação técnica às administrações municipais. A capacitação das administrações locais contribuiria para o fortalecimento dos municípios colocando-os na linha de frente da construção da nação.

Assim, com a Revolução de 30, instaurava-se um processo de reorganização e “modernização” do Estado, liderado pelas novas elites dirigentes, sendo expressão evidente a criação de órgãos públicos, tendo, alguns deles, a função clara de “modernizar” e controlar o Estado por dentro, como foi o caso do DASP (esfera nacional) e do DAM (esfera estadual).

Departamentos semelhantes foram criados em vários estados da federação, também como proposição da Constituição Federal de 1934. Eram popularmente conhecidos como “Daspinhos” em uma referência ao DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público. (18)

Os DAMs teriam então um papel que iria além de buscar estabelecer uma nova lógica de atuação para as administrações municipais, instituindo novos procedimentos que romperiam com práticas antigas de administração pública, típicas do antigo regime da República Velha.

2. O Departamento da Administração Municipal em Minas Gerais

2.1. Criação e atuação

Em Minas Gerais, o governo provisório estadual, tão logo foi instituído, deu início à reorganização do governo provisório dos municípios, visando, na mesma linha do governo federal, mudar radicalmente a ordem política vigente estabelecida no período da Primeira República.

Primeiramente, por intermédio do decreto estadual 9.768, de 24 de novembro de 1930, que foi regulamentado pelo decreto 9.776, de 26 de novembro de 1930 e, posteriormente pelo decreto 9.847, de 02 de janeiro de 1931. Este último instituiu as prefeituras e o cargo de prefeito, dissolvendo as assembléias legislativas municipais.

A Secretaria do Interior do Estado de Minas Gerais era o órgão do governo responsável pela interlocução com os municípios. Em maio de 1932, Gustavo Capanema, seu Secretário, deu início a estudos no sentido de se criar um órgão com o objetivo de promover um maior controle administrativo dos municípios. Delegou tal tarefa a Washington de Azevedo, que recém havia terminado estudos na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, na área de administração pública. Em janeiro de 1933, Azevedo entregou os estudos a Capanema e, em março do mesmo ano, foi convidado para organizar e dirigir o referido órgão, que recebeu o nome de “Divisão dos Negócios Municipaes”. (19)

Em 1934, a Divisão dos Negócios Municipais foi extinta e seu espólio foi aproveitado para montagem do Departamento da Administração Municipal (DAM/MG), criado em 28 de março de 1934, pelo Decreto 11.280 do Governo do Estado. Cabe lembrar que a criação do DAM/MG precedeu, em cerca de três meses, a promulgação da Constituição Federal de 1934, aprovada em 16 de julho de 1934, uma vez que essa questão já havia sido debatida e aprovada na Assembléia Constituinte de 1934.

O Decreto de criação do DAM é explícito quanto ao seu principal objetivo: orientar a vida administrativa e financeira.

Considerando que a melhor licção dos publicistas, bem como a experiência de todos os paizes, tem demonstrado conveniencia para o progresso dos municípios a creação de órgão especializado em assumptos municipaes, para o fim de lhes orientar a vida administrativa e financeira, de accordo com os principios geralmente aceitos pelo Estado, decreta: Art. 1° Fica creado, (...), o Departamento da Administração Municipal (Grifos nossos). (20)

A responsabilidade pela manutenção do DAM era dos municípios, através de contribuição obrigatória de uma cota-parte de suas receitas (Decreto 11.281, de 28 de março de 1934). De acordo com esse Decreto, “as municipalidades do Estado contribuirão anualmente para a manutenção do Departamento da Administração Municipal com as quotas constantes da tabela que com este baixa” (Art. 1°). Esse Decreto também estabelece as datas para arrecadação das cotas, podendo ser divididas em duas prestações semestrais.

Circular DAM 149 [Circular DAM 149. Fundo SI - Secretaria do Interior. Arquivo Público Mineiro]

O primeiro diretor foi Firmino Salles Botelho e, tão logo tomou posse, se apressou a enviar comunicado aos prefeitos (21) cientificando-os da criação do DAM, informando-os sobre as atribuições do órgão e solicitando “cooperação” dos prefeitos. O documento já dava sinais claros de que o DAM seria um órgão centralizador e, portanto, de controle das prefeituras, uma vez que passaria a intermediar todas as ações e reivindicações das prefeituras junto às Secretarias estaduais, como pode ser observado no item 4.

Senhores Prefeitos,

Tenho o prazer de comunicar-lhes que tomei posse, nesta data, do cargo de Diretor do Departamento de Administração Municipal, criado em virtude do decreto estadual número 11.280, publicado no órgão oficial no dia 29 de março último.

2- Como podeis bem verificar, as atribuições que competem ao Departamento, por força daquele decreto, mantém as suas altas finalidades, em benefício das municipalidades mineiras.

3- Espero contar com a vossa valiosa cooperação, a fim de que este Departamento consiga desincumbir-se com acerto a oportunidade da delicada missão de que fui investido pelo Governo do Estado.

4- Informo-vos que todas as relações dessa Prefeitura com as demais Secretarias, poderão se fazer por intermédio desta Secretaria, através do Departamento de Administração Municipal.

Atenciosas saudações.

O Diretor do Departamento de Administração Municipal,

Firmino Salles Botelho. (22)

Interessado em organizar as contas públicas municipais, mas sem sucesso, uma das primeiras medidas do DAM foi a padronização do orçamento municipal. Isto foi feito através do Decreto 11.358, de 25 de maio de 1934, intitulado Regulamento de Padronização dos Orçamentos de Receitas e Despesas dos Municípios. Este Regulamento é uma espécie de manual que tem como objetivo uniformizar as regras gerais utilizadas na elaboração dos orçamentos. Cada município tinha uma prática diferenciada e, muitas vezes, sem rigor técnico-científico, onde o improviso era ação constante, de elaboração do orçamento e isso dificultava o controle por porte dos órgãos estatais. Além disso, deve-se destacar que a burocracia e a política que prevaleciam na época eram pautadas pelo coronelismo, clientelismo e mandonismo. Todos esses fatores contribuíam para que qualquer tentativa de regramento sofresse rejeição.

A instituição das novas normas favoreceu o afloramento de problemas institucionais crônicos das prefeituras. Vários são os documentos que mostram as freqüentes dúvidas de seus técnicos e suas dificuldades para atender aos preceitos das novas normas. O radiograma enviado pelo Diretor do DAM Firmino Salles Botelho aos prefeitos dos municípios é um exemplo. Neste documento, o Diretor tenta esclarecer dúvidas sobre o “regulamento de padronização dos orçamentos municipais”, bem como as ações que estavam sendo tomadas pelo DAM visando a “uniformização da escrita” dos municípios.

Em resposta ao ofício de 4 deste, informo-vos que o decreto 11.358 apenas padronizou a confecção dos orçamentos municipais, podendo, portanto, a prefeitura continuar a fazer sua escrituração nos livros existentes; entretanto, devem-se alterar às rubricas da receita e verbas da despesa, de acordo com a nomenclatura instituída pelo regulamento de padronização dos orçamentos municipais.

Quanto ao fornecimento de modelos e livros, cabe-me, ainda, informar-vos que está se confeccionando o código de contabilidade, para uniformização da escrita das municipalidades. (23)

A correspondência do Diretor do DAM em resposta ao prefeito de Juiz de Fora, Menelick Carvalho, mostra alguns conflitos e mesmo resistências às mudanças que as reformas propostas estavam ocasionando às prefeituras. Nessa correspondência o Diretor do DAM considera natural a resistência às mudanças por parte da prefeitura, mas diz que é para o “bem geral”.

(...) É natural que as reformas que este Departamento pretende levar a efeito, por constituírem renovação nos processos, em geral adotados, possam produzir choques nos organismos municipais, até que seja conseguido o desejável equilíbrio, mesmo em prefeituras como a que, com brilhantismo e eficiência dirigis.

Não devemos, porém, poupar sacrifícios para que os nossos objetivos sejam plenamente alcançados, desde que tenham por alvo a realização do bem geral. (24)

Para atuar de maneira mais efetiva na promoção de sua proposta de “modernização”, o Departamento operou com a qualificação do corpo técnico das prefeituras, oferecendo Curso de Contabilidade presencial e por correspondência. Além disso, frequentemente um técnico em contabilidade do DAM visitava os municípios para fiscalizá-los e, ao mesmo tempo, orientar os técnicos locais em relação aos novos procedimentos.

As dificuldades eram evidentes também na assimilação de uma nova linguagem embasada em novos conceitos, ideias e procedimentos nas áreas da administração pública e do urbanismo, que estavam sendo introduzidos pelo DAM. A fonte de inspiração para suas operações foram, principalmente, as reformas administrativas municipais que haviam sido realizadas nas municipalidades estadunidenses. Exemplo é a correspondência enviada por Carlos Luz, Secretário do Interior, em 1934, a George N. Thompson, em Washington, D. C., solicitando os anais da Conference on Home Building and Home Ownership, realizada em 1931, naquele país.

Tendo (25) esta Secretaria criado o Departamento da Administração Municipal, encarregado de controlar as atividades municipais, em todos os campos, das cidades, neste estado de Minas Gerais (Brasil), serei muito grato se você puder me enviar os “Tentative reports of the committee on legislation and administration”, da Conference on Home Building and Home Ownership, publicado pelo Bureau of Standards, e outras publicações que possam ser úteis para o nosso departamento. (26)

Carlos Luz, ao dirigir-se a George N. Thompson, não deixa dúvidas sobre o papel político do DAM ao descrevê-lo como órgão de “controle das atividades municipais, em todos os campos”. Ele não deixa dúvidas também sobre a principal fonte das ideias que orientaram as propostas do DAM: as reformas realizadas nos Estados Unidos (Progressive Era), discutidas na Conference on Home Building and Home Ownership e publicada em anais pelo Bureau of Standards.

A influência estadunidense pode ser observada também nos trabalhos de Washington Azevedo, que organizou o dirigiu a Divisão dos Negócios Municipais. Azevedo estudou na Universidade de Harvard - principal centro de pesquisa e de difusão nessa área do conhecimento – e considerava que a Universidade, “nesta questão, depassou os demais centros acadêmicos”. Foi aluno de destacados professores da área da administração municipal e teve acesso, como ele mesmo afirmou: “a excellente material que nos foi possível encontrar nas bibliothecas especialisadas da Universidade de Harvard”. (27)

Se, por um lado, algumas prefeituras tiveram dificuldades para implementar as reformas propostas pelo DAM, por outro lado, para outras prefeituras esta tarefa não foi tão problemática, conforme pode-se depreender da resposta dada pelo Diretor do DAM à correspondência enviada pelo prefeito Dario de Campos Barros, de Tombos.

Senhor Prefeito, acuso o recebimento do vosso ofício de 19 de abril, cujos dizeres agradeço. Folgo em saber que a organização interna dessa Prefeitura, de acordo com as instruções oriundas desta Secretaria, produziu os bons resultados a que aludis, pelo que vos felicito e elogio, incitando-vos a que continueis a usar os métodos que tendam a conduzir os serviços de maneira mais racional (...). (28)

O controle dos municípios era realizado também pela utilização e aplicação dos mais modernos métodos e técnicas de administração pública utilizadas no país. O destaque era para os métodos estatísticos, frequentemente utilizados para os controles administrativos e financeiros. O domínio da técnica contribuía para que o DAM fosse mais respeitado pelos municípios e suas proposições fossem menos questionadas. Ele buscava orientação no Instituto Nacional de Estatística, conforme pode ser apreendido da correspondência enviada por seu Diretor a Mario A. Teixeira de Freitas, Diretor do Instituto.

Pelo presente, solicito a Vossa Excelência a fineza de remeter a êste Departamento as normas dêsse Instituto para a organização de estatísticas, as quais, segundo estou informado, acabam de ser publicadas por essa importante repartição.

2. Êste Departamento possue, entre as suas atribuições, a de organizar a estatística financeira dos municípios de Minas-Gerais, trabalho que já iniciou.

3. É pensamento do Departamento organizar os seus trabalhos, sob as formas padronizadas dêsse Instituto, caso existam para o assunto referido. (29)

A difusão de modelos, práticas, ideias sobre administração pública, urbanismo era um dos principais focos de interesse. Para isso, criou uma revista e patrocinou a divulgação de artigos no jornal oficial do estado “O Minas Gerais”. A produção de publicações referentes a assuntos municipais era intensa e chamou a atenção de outros órgãos que se interessaram por essa matéria. A resposta do Diretor do DAM a um pedido feito por Domicio Pacheco e Silva, então Diretor do Departamento das Municipalidades do Estado de São Paulo, exemplifica esse interesse.

Em atenção ao vosso pedido, feito em telegrama de 2 do mês corrente, tenho o prazer de remeter-vos a atual legislação referente a êste Departamento e às prefeituras do Estado, constante do seguinte:

   -3 exemplares do orgam oficial, contendo “Instruções para a elaboração dos orçamentos municipais padronizados”, “Circular sobre a nova discriminação de rendas, de acordo com a Constituição Federal” e o “Código de Contabilidade das Prefeituras”;

    -1 coleção de leis de 1934, contendo, alem de outros, o decreto que criou o Departamento da Administração Municipal;

    -decreto número 8.791, sobre empréstimos municipais;

    -exemplar de Código Tributário, padrão, relativo aos municípios.

2. Encontra-se em elaboração na Assembléia Legislativa do Estado a nova lei orgânica dos municípios e, logo seja votada, remeter-vos-ei um exemplar da mesma.

3. Terei grande prazer em poder manter com essa notável organização que visitei em 1934, um intercâmbio de publicações sobre legislação e assuntos referentes aos municípios. (30)

Ao longo dos anos, o DAM teve seu nome e atribuições alterados diversas vezes. Em 1936, passou a ser denominado Departamento de Assistência aos Municípios (Art. 84 da Lei 183/36) e suas atribuições foram mais detalhadas, inclusive seu caráter de assistência aos municípios. Em 1937, através do Decreto-Lei 11/1937, dispôs sobre a organização municipal e em seu Art. 7° estabeleceu que “Os prefeitos, anualmente ou quando forem exonerados, prestarão contas de sua gestão ao Governador do Estado, por intermédio do Departamento de Assistência aos Municípios”, atribuindo assim, mais uma função ao Departamento.

Desde a sua criação, como visto, o DAM se estruturou para atender mais as questões administrativas e financeiras dos municípios. Para realização de outros serviços demandados pelas prefeituras, como projetos e execução de obras, o DAM recorria às outras Secretarias especializadas do Estado, como é o caso da solicitação feita pelo Diretor do DAM ao Secretário da Viação e Obras Públicas para elaboração de projeto de matadouro.

Em atenção ao pedido feito pelo Senhor Prefeito do município de Campos Gerais, solicito de Vossa Excelência a fineza de mandar elaborar, nessa Secretaria, projeto para a construção de um matadouro, com capacidade para 1 bovino e 12 suínos, diariamente. (31)

Em 22 de dezembro de 1945, por intermédio da Lei 1.563, o Departamento teve seu nome alterado novamente, passando a denominar-se Departamento das Municipalidades. A referida Lei não dispõe sobre suas atribuições, informando que essas seriam definidas em Regulamento que seria baixado posteriormente pelo Secretário do Interior. No Art. 2° foram identificados os órgãos que constituiriam o Departamento (32): (a) Consultoria Jurídica; (b) Serviço de Contabilidade, dividido por 6 Sub-Serviços; (c) Serviços de Legislação; (d) Sub-Serviço de Expediente; (e) Sub-Serviço de Redação e Doutrina; (f) Sub-Serviço do Patrimônio Municipal.

A partir de 1946, com a volta da normalidade democrática ao país, expressa pela eleição de Eurico Gaspar Dutra, o Departamento das Municipalidades passa a ter o seu papel questionado pelos defensores da plena autonomia municipal, visto que atuou principalmente como um órgão de controle político do Governo Vargas. A Constituição Federal de 1946 devolveu ao município, pelo menos no papel, a autonomia política, administrativa e financeira, retirada na Ditadura Vargas (33). Assim, as funções do Departamento foram cada vez mais se conflitando com o exercício da autonomia municipal, sendo extinto em 1947. SILVA e DELGADO descrevem este momento de ocaso do DAM.

(...) Em face dos dispositivos da autonomia municipal levada a trâmite na Constituição de 47, esse Departamento tinha uma atuação muito cerceada, não podendo interferir sequer na orientação e na fiscalização de diretrizes para as administrações municipais. (34)

3. Considerações finais

Este artigo buscou discutir o papel do Departamento da Administração Municipal (DAM) de Minas Gerais – importante agente do Governo no processo de modernização e controle político-administrativo dos municípios mineiros no primeiro Governo Vargas. A centralização do poder tanto na esfera federal como na estadual contribuíram para o exercício quase total desse controle político sobre os municípios. A criação do DAM fez parte de um processo de “intervenção saneadora”, iniciado ainda em 1930, motivado pelos ideais da Revolução de 30, em que o Governo Provisório de Vargas buscou implantar uma nova ordem político-jurídica institucional para substituir a que prevaleceu durante o período da Primeira República.

Criado em 1934, sucedendo a Divisão dos Negócios Municipais, operou principalmente nas questões de cerceamento da atuação política dos municípios bem como no controle das contas públicas. Praticamente todas as ações municipais tinham que passar pela avaliação do DAM, que também intermediava a interlocução dos municípios com os demais órgãos do estado, como as Secretarias de Governo.

Apesar de o discurso do Governo enfatizar seu papel como um órgão técnico de assistência aos municípios, sua atuação política ocorreu em todas as áreas, inclusive na indicação de membros para os Conselhos Municipais de alguns municípios.

As reformas realizadas nos municípios estadunidenses no início do século XX foram as principais fontes de inspiração para as reformas propostas para os municípios mineiros. Nesse sentido, buscou implementar processo de modernização e racionalização das ações da prefeitura principalmente no setor financeiro ao exigir padronização de orçamentos, de procedimentos de compras, de contratação de pessoal etc.

notas

NE
Artigo publicado nos Anais do XIV Encontro Nacional da Anpur, realizado no Rio de Janeiro, no período de 23 a 27 de maio de 2011 (ISSN 1984-8781).

1
O termo modernização foi utilizado neste texto para expressar a forma contemporânea de utilização, que está ligada à ideia de racionalização, de análise de custo/benefício, da eficácia e da produtividade, do controle dos processos naturais e sociais.

2
FAUSTO, B. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 22.

3
A partir de 1935, foram criados Departamentos da Administração Municipal nos estados da federação.

4
ABREU, M. de P. “Crise, crescimento e modernização autoritária, 1930-1945”. ABREU, M. de P. A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1992. cap. 3, p. 74.

5
CARVALHO, M. de. “O atual regime dos municípios”. In: Revista Cultura Política. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, mar. 1941, p. 27. (Revista Mensal de Estudos Brasileiros).

6
DINIZ, E. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 63. (Coleção Estudos brasileiros: v. 27).

7
Uberaba, por exemplo, o terceiro município em Minas Gerais em receitas, em 1936, tinha uma dívida correspondente ao dobro de sua receita de um ano. Ver: CARVALHO, O. M. de. Política do município. Rio de Janeiro: Agir, 1946, p. 108.

8
CARVALHO, O. M. de. Op. Cit., p. 108.

9
CARVALHO, O. M. de. Op. Cit., p. 110.

10
O Jornal, de 28 de abril de 1935, informava que “No ano de 1934, apenas pouco mais de 10% das municipalidades paulistas se encontravam em dificuldades econômico-financeiras, sendo então, objeto de especial atenção do DAM, o restabelecimento de seus créditos e conseqüente restauração de suas finanças”. Ver: CARVALHO, O. M. de. Op. Cit., p. 111).

11
CARVALHO, O. M. de. Op. Cit., p. 110.

12
A reforma do aparelho de Estado, segundo Martins, iniciada no Governo Provisório, “ganha dimensão importante através da instituição da ‘carreira’ burocrática e da admissão por concurso (1936) e se completa com a criação do DASP e dos inúmeros ‘conselhos técnicos’ instituídos durante o Estado Novo.” Ver: MARTINS, L. A Revolução de 1930 e seu significado político. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 688. (Coleção Temas Brasileiros).

13
MARTINS, L. Op. Cit., p. 680.

14
MARTINS, L. Op. Cit., p. 676.

15
PEREIRA, M. da S. “A construção histórica dos sentidos das palavras: município e municipalismo – dois séculos de lutas políticas e lingüísticas”. In: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. 9, 2006, São Paulo. Anais... São Paulo, 2006, p. 8.

16
MELO, M. A. B. C. de. “Municipalismo, nation-building e a modernização do estado no Brasil”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n. 23, ano 8, 1993, p.88.

17
Idem. Ibidem.

18
AMORA, A. A. O nacional e o moderno, arquitetura e saúde nas cidades catarinenses no Estado Novo. Tese de Doutorado em Planejamento Urbano e Regional - Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Rio de Janeiro: IPPUR, UFRJ, 2006.

19
AZEVEDO, W. A organização technica dos municípios. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1935, p. vii.

20
MINAS GERAIS. Decreto, n. 11.280, 28/03/1934. Cria o Departamento da Administração Municipal. Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

21
Na época, existiam no estado cerca de 200 municípios.

22
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. Documento m/131/7/4/34/250, Circular 123, 07/04/1934. Comunicação de posse dos diretores, Arquivo Público Mineiro.

23
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Documento n. IEC/27.593, 21/06/1934. Resposta a um ofício. Pasta SI 4234, Arquivo Público Mineiro.

24
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. Documento n. DAM/25.166, 14/04/1934. Resposta a um radiograma. Pasta SI 4245, Arquivo Público Mineiro.

25
Tradução livre de: Having this secretary created the Head Department of Municipal Administration, charged to control the municipal activities, on all fields, of Cities and towns, in this State of Minas Gerais (Brasil), I will be very glad if you could kindly send me the “Tentative reports of the committee on legislation and administration”, of the Conference on Home Building and Home Ownership, published by Bureau of Standards, and others publications that could be useful to our department (Documento s/n, 18/04/1934).

26
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Documento s/n, 18/04/1934. Correspondência de Carlos Luz. Pasta SI 4245, Arquivo Público Mineiro.

27
AZEVEDO, W. Op. Cit., p. ix.

28
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Documento n. DAM/25.969, 04/05/1934. Organização interior da Prefeitura. Pasta SI 4252, Arquivo Público Mineiro.

29
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Documento n. ICE/58.201, 18/09/1936. Organização de Estatísticas. Pasta SI 4286, Arquivo Público Mineiro.

30
DEPARTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Documento n. DAM/58.776, 08/10/1936. Remete Publicações. Pasta SI 4286, Arquivo Público Mineiro.

31
DEPARTAMENTO DE ASSISTÊNCIA AOS MUNICÍPIOS. Documento DAM/246, 08/01/1938. Projeto de construção de matadouro. Pasta SI 4260, Arquivo Público Mineiro.

32
Manteve-se a mesma grafia da referida legislação.

33
MEIRELLES, H. L. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 39.

34
SILVA, V. A. C; DELGADO, L. de A. N. Tancredo Neves: a trajetória de um liberal. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 152.

sobre os autores

Geraldo Browne Ribeiro Filho é Mestre em Urbanismo (PROURB/UFRJ), Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Professor Adjunto III do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.

Paloma Fabíula Rodrigues Silva é Estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, bolsista PIBIC/CNPq.

Wagner de Azevedo Dornellas é Estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, bolsista PROBIC/FAPEMIG.

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