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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo discute a presença da varanda nos edifícios de apartamento da cidade do Rio de Janeiro como uma questão de identidade cultural mais do que de legislação edilícia, dentro da visão de que a cidade, além de espaço físico, é um espaço simbólico

english
This article discusses the presence of the balcony in apartment buildings in the city of Rio de Janeiro as a matter of cultural identity in opposition to building legislation, though within the comprehension of the city not only as a symbolic space


how to quote

BRANDÃO, Helena Câmara Lacé. A varanda na Cidade Maravilhosa. Uma questão de identidade cultural ou de regulamentação. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 147.01, Vitruvius, ago. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.147/4457>.

Introdução

A varanda, espaço comum à casa brasileira de diferentes regiões do país, é comumente considerada como um dos principais atrativos do imóvel na cidade do Rio de Janeiro. A importância da presença da varanda no espaço de moradia do carioca se deve a diferentes significados desse ambiente que são relevantes para o seu modo de vida. Na varanda, o carioca preserva seus hábitos, expressa seu comportamento cultural, se reconhece e revela, pelas mais diversas formas de apropriação desse espaço, seus hábitos de moradia.

A visão da varanda como um “universo de reconhecimento” se torna mais clara ao se olhar para a história da arquitetura doméstica e verificar que sua presença nas moradias do Rio de Janeiro é praticamente constante. Desde sua assimilação pela casa luso-brasileira até a atualidade, a varanda é um ambiente normalmente encontrado nas habitações dessa região que pode ser considerado como parte da tradição sociocultural.

Os aspectos formais variam ao longo do tempo de acordo com as técnicas construtivas, com os estilos arquitetônicos, com os costumes e interesses de cada época, o que vai determinar a existência de diversas tipologias, tipos variados de varanda e, conseqüentemente, uma pluralidade de terminologias.

No período colonial, as varandas resultantes do prolongamento do telhado das moradias rurais eram chamadas de alpendre pela função de sombrear a construção comum à peça da cobertura de mesmo nome, mas também podiam ser denominadas de corredor quando embutidas no corpo da fachada, como nas habitações paulistas dos bandeirantes. Já as varandas que ligavam a cozinha com os demais ambientes da casa eram chamadas de sala de jantar ou de viver.

As varandas que eram cobertas com folhas e não com telhas eram chamadas de latadas e quando surgem os primeiros núcleos urbanos, as varandas situadas nas fachadas externas dos sobrados eram muitas vezes identificadas como galeria: galeria mouresca por serem fechadas com muxarabiês. Estes eram elementos de origem moura que protegiam as mulheres reclusas dentro do espaço doméstico dos olhares alheios de quem passasse na rua.

Após a vinda da família real para o Brasil, no início do século XIX, tais fechamentos foram retirados e as varandas com guarda-corpo de ferro dos sobrados oitocentistas passaram a ser denominadas de sacadas ou de balcões. Quando corridas, ligando mais de um vão da fachada, essas varandas voltadas para o espaço público também eram reconhecidas como galeria, mas, por apresentar pouca profundidade e não sombrear a construção, nunca recebiam o nome de alpendre.

Richard Bate. Por ocasião da proclamação de D. Pedro I como Imperador, 1822

Esse termo só foi empregado no meio urbano para fazer referência às varandas resultantes do prolongamento do telhado que eram voltadas para o quintal ou mais tarde, na segunda metade do século XIX em diante, quando as construções se afastaram das divisas do terreno. Já com a presença do porão alto trazido pelo neoclassicismo, era comum a presença de amplos alpendres que ligavam a casa com os jardins laterais ou que a circundavam. Peças que no ecletismo do final do século XIX vão se tornar exemplos marcantes da arquitetura do ferro e do vidro.

Atualmente, as varandas localizadas nas fachadas dos edifícios de apartamento recebem diversas nomenclaturas: balcão, quando embutida no corpo da fachada, sacada, quando apresentam pouca profundidade e são associadas às varandas dos antigos sobrados, como até mesmo terraço, certamente por se assemelhar ao espaço aberto e arejado localizado na cobertura das construções.

O termo varanda propriamente dito é mais empregado neste tipo de habitação contemporânea quando este local se encontra em balanço e apresenta dimensões razoáveis para o convívio social. Esta função, aliás, é a primordial da varanda na opinião de Carlos Lemos (1) que a define como “um refrescante local de lazer, de estar da família, seja alpendrada ou não”, com base nos registros de Vasco da Gama onde, segundo esse mesmo estudioso da arquitetura, a expressão varanda aparece como uma palavra oriental do sânscrito váraté para designar um local de permanência aprazível.

Essa diversidade de nomenclaturas que, por sinal, não se limita aos termos aqui mencionados, existe para expressar diferenças formais que, provavelmente, remete a usos variados de um espaço da casa comumente chamado em todas as épocas de varanda: nome utilizado por diversos dicionários da língua portuguesa e dicionários específicos da área da arquitetura como sinônimo de todos os demais.

A associação entre esses termos se deve ao fato de todos possuírem uma característica comum e própria que é a de serem ambientes que se situam nas fachadas das edificações, como prolongamento do cômodo adjacente a ele, tendo assim uma função específica de ligar o interior da construção com o exterior.

Essa característica é o que confere a esse ambiente da casa conhecido por vários nomes, mas aqui referido como varanda, três significados básicos: o significado de espaço de transição entre a casa e a rua que permite à varanda operar como filtro e posto de vigília, assim como posto de exposição e lugar iminente do encontro, o significado de espaço de socialização, sendo ela utilizada para o convívio e o lazer da família, para receber visitas e para se ter contato com a rua sem ter que sair de casa e o significado de espaço de integração com o meio ambiente, tendo ela a possibilidade de atuar não só como elemento de adequação climática, mas também como instrumento de ampliação da moradia que favorece a contemplação da paisagem e o contato com a natureza dentro da segurança do lar.

Tais significados são construídos ao longo da história, pela presença aqui relatada praticamente constante da varanda na arquitetura doméstica do Rio de Janeiro, e acabam por expressar os hábitos de moradia do carioca, seu comportamento cultural, seu modo de vida. Essa relação é o que faz com que a varanda seja desejada e se torne não só um “objeto” de uso, mas também, de consumo.

As diferenças formais entre os diversos tipos de varanda podem acentuar ou diminuir esses significados, mas eles sempre estão presentes. Pode haver períodos da história onde eles não são tão relevantes para o modo de vida das pessoas, reduzindo a importância da varanda no espaço de moradia, mas a sua valorização certamente está relacionada com os significados que ela detém. Nos dias de hoje, a presença maciça da varanda em grande parte dos lançamentos imobiliários no Rio de Janeiro demonstra sua relação estreita com o modo de vida atual da população.

Se na época da colônia, quando as residências eram muito isoladas, a varanda era o local de onde se avistava quem se aproximava, o espaço onde o visitante era recebido e até pernoitava na intenção de se preservar a segurança do lar, hoje a varanda resguarda não só as mulheres, mas toda a família dos distúrbios vindos da rua e continua a proteger a privacidade da casa comprometida pela proximidade entre as construções.

Se nas procissões religiosas e nos cortejos dedicadas à família real durante o período oitocentista, a varanda era enfeitada com mantos e ocupada pelos moradores que de seu espaço participavam dos festejos, atualmente, ela ainda é utilizada como camarote em muitas festas públicas.

Se a varanda foi uma das principais tecnologias para se adequar a construção ao clima dos trópicos, ela continua sendo nos dias de hoje um ótimo recurso para se sombrear o edifício. Algo de extrema importância no Rio de Janeiro a ponto de criar no imaginário das pessoas a associação da presença das varandas nas fachadas dos edifícios com uma casa mais fresca, mesmo que ela não desempenhe essa função específica do alpendre.

Através de seus significados, a varanda apresenta diversas formas de relação com o modo de vida do carioca e é essa relação que faz com que ela seja, atualmente, um dos principais atrativos do imóvel e venha a representar, inclusive, status social, tanto no sentido de hierarquia, quanto no de pertencimento.

Por ser importante para os hábitos de moradia das pessoas, ela valoriza o imóvel ao conferir maior qualidade ao espaço arquitetônico. Motivo pelo qual, nos últimos anos, diversos prédios construídos há tempos em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro vêm acrescentando varandas em suas fachadas. Esse acontecimento - intitulado aqui como processo de avarandamento de edifícios residenciais já existentes - pode expressar uma busca pela valorização do imóvel, mas não só por ele se tornar maior e, sim, melhor ao se adequar ao modo de vida do carioca.

carnaval de 2009 no Rio de Janeiro indicando o uso da varanda como camarote
foto Helena Câmara Lace Brandão

No entanto, grande parte das pessoas, principalmente no meio da arquitetura e do urbanismo, justifica a proliferação nas ultimas décadas de seu emprego nos empreendimentos imobiliários apenas sob a ótica da legislação edilícia.

Na opinião de diversos profissionais do ramo da construção civil, a presença atual da varanda “vestindo” as janelas em fita ou os panos de vidro das fachadas “desnudas” dos cariocas, acostumados a conviver com edifícios de apartamento construídos a partir do “novo espírito” da vanguarda modernista que atuava na época da verticalização da maioria dos bairros da cidade do Rio de Janeiro, tem relação com o decreto nº 51 de 1 de julho de 1975 que permiti sua configuração aberta e em balanço sem que sua área seja computada no cálculo da ATE - área total edificada, viabilizando empreendimentos mais lucrativos aos investidores.

Certamente, essa regulamentação possibilitou a proliferação da varanda nas habitações multifamiliares permanentes da cidade do Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XX, mas o motivo principal de sua presença, como de sua ausência, em qualquer época, é a relação que mantém com o modo de vida do carioca, sendo parte da cultura tanto material como imaterial desse povo pelas significados que carrega.

Ao esmiuçar a legislação edilícia do município do Rio de Janeiro que, obviamente, tem participação, como co-autora, do cenário arquitetônico da cidade, o que se percebe é que esse decreto 51/75 só veio a estimular a presença de determinada tipologia de varanda e não a desse ambiente dentro da moradia do carioca, podendo até se questionar se essa regulamentação não veio, na verdade, adequar o território da cidade aos aspectos simbólicos da casa que a população constrói dentro da relação entre o espaço público e o privado.

A varanda sobre o prisma da legislação edilícia

A legislação edilícia é específica para cada município e visa o desenvolvimento urbano da região sob a alçada da Secretaria Municipal de Urbanismo, regulamentando as construções e edificações, entre elas, as habitações multifamiliares permanentes, referentes aos edifícios de apartamento. Em relação a esse tipo de habitação, vigora desde 5 de janeiro de 1988, na cidade do Rio de Janeiro, o decreto n.º 7336 que regulamenta a construção de edifícios residenciais multifamiliares em todos os bairros, independentemente de sua Região Administrativa.

O regulamento que dispões sobre varandas, sacadas e saliências em edifícios residenciais se encontra no item 2.1.4 desse decreto, mantendo, basicamente, os termos do decreto 51/75 que, na opinião de muitos, é o que justifica a presença maciça desse ambiente da casa nos lançamentos imobiliários na cidade do Rio de Janeiro, desde a segunda metade do século XX.

Com o intuito de questionar esse pensamento e enxergar a presença da varanda sob a ótica da identidade cultural do carioca mais do que sob o prisma da legislação edilícia é válido percorrer o histórico das regulamentações relativas às habitações multifamiliares permanentes e avaliar se os termos que fazem referência a ela inibem, de alguma maneira, a sua existência no espaço de moradia.

registro da proximidade entre as construções no Rio de Janeiro
foto Helena Câmara Lace Brandão

De acordo com Lemos (2), no período em que o Brasil ficou vinculado a Portugal, a superintendência da Câmara, interessada nos aspectos estéticos da cidade, se ateve apenas à continuidade dos alinhamentos e à harmonia das fachadas ao legislar sobre as residências, ditando o ritmo entre as cimalhas e as cornijas, como as alturas das cumeeiras que deviam se apresentar niveladas, mas nada mencionava em relação às varandas.

Somente no Brasil republicano, após as prefeituras assumirem autoridade sobre os planos urbanísticos das cidades com a lei orgânica de 1892, é que começa a vigorar regulamentos específicos para esses elementos, como o decreto n.º 762 de 1 de junho de 1900 sobre a construção e/ou reconstrução de prédios que proíbe balanço com mais de 60cm sobre a rua (3).

Essa determinação se manteve em vigor até o surgimento do Código de Obras e Legislação Complementar do Distrito Federal, que na época se tratava do Rio de Janeiro, com o decreto n.º 6000 de 1 de julho de 1937. Nesta lei que começa a vigorar exatamente quando os edifícios residenciais se proliferam nos bairros da zona sul da cidade, construções em balanço ou saliências, como as varandas, só são permitidas até o máximo de 20º de largura do logradouro, como comentado anteriormente, não podendo exceder o limite máximo de 1,2metros (4).

Imposição esta que dita a tipologia da maioria das varandas das habitações multifamiliares permanentes da cidade não apenas durante os 30 anos de vigência do decreto nº 6000/37, mas até 1975, visto que o que tinha sido disposto a esse respeito no código de obras de 1937 não sofre modificação nem com a nova lei nº 1574 de 11 de dezembro de 1967 de Desenvolvimento Urbano do estado da Guanabara, nem com os Regulamentos Complementares a esta, presentes no decreto nº 3800 de 20 de abril de 1970 (5).

Tanto a lei nº 1574/67, quanto o decreto nº 3800/70 vigoram até os dias de hoje, determinando a legislação edilícia da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, os preceitos legais que regulam as varandas em habitações multifamiliares permanentes se modificam com o decreto nº 51 de 1 de julho de 1975 que vem alterar as “disposições relativas às condições das edificações, estabelecidas [...] no Regulamento de Construções e Edificações aprovadas pelo decreto ‘E’ nº 3800 de 20 de abril de 1970” (6), mais especificamente, no caso aqui presente, a seção 6 do capítulo VI desse decreto de 1970 que trata das fachadas.

O texto relativo às varandas nesse decreto nº 51/75 se encontra no seu artigo 3, mais especificamente, do 4º ao 9º parágrafo. Em termo gerais, o 4º parágrafo estipula que, em logradouros cuja a largura for igual ou maior que 12metros, serão permitidas varandas abertas em balanço até 2metros de profundidade, desde que dentro do afastamento mínimo frontal, caso em que não serão computadas no cálculo da ATE – área total edificada -. Varandas laterais ou de fundos, como situações adversas, são abordadas do 5º ao 8º parágrafo e o 9º parágrafo alerta para a proibição do fechamento ou envidraçamento, mesmo que em parte, dessas varandas.

Esse texto que regulamenta as varandas foi mantido na sua integra pelo decreto nº 322 de 3 de março de 1976, que aprova o novo regulamento de zoneamento do município do Rio de Janeiro, no seu artigo 114, sendo acrescentado ao texto do decreto nº 51/75, primeiramente mais 3 parágrafos que dispõem sobre situações adversas e posteriormente mais 2 parágrafos, o 13º e o 14º, respectivamente pelo decreto nº 835 de 1 de fevereiro de 1977 e pelo decreto nº 3044 de 23 de abril de 1981, sem apresentar, no entanto, alterações significativas para este estudo.

Isso só ocorre quando o decreto nº 7336 de 5 de janeiro de 1988 passa a regulamentar, especificamente, a construção de edificações multifamiliares, reservando o item 2.1.4, exclusivamente, para varandas, sacadas e saliências. No que diz respeito ao objeto deste estudo (varandas e sacadas – item 2.1.4.1 desse decreto), o que tinha sido disposto pelo decreto nº 51 de 1975 e mantido pelo decreto 322 de 1976, em geral, continua em vigor, sendo que o texto atual não faz menção alguma à largura do logradouro onde se encontra o edifício residencial para que seja permitido o balanço da varanda com até 2 metros de profundidade, o que deveria, a princípio, ser de 1 metro (7).

Outra alteração é que a área da varanda não computada na ATE – área total edificada – deve corresponder no máximo a 20% da área útil da unidade residencial, devendo a área excedente a esta fazer parte do cálculo, com ressalva ao disposto no Regulamento de Zoneamento, no PEU – projeto de estruturação urbana -, ou em decreto que incida na região.

Esse decreto nº 7336 de 1988 é o que vigora nos dias de hoje com alterações em relação ao processo de licenciamento estipuladas pelo decreto nº 10426 de 6 de setembro de 1991, mas, no que tange à varanda, nada se modificou. A única novidade é a Resolução da Secretaria Municipal de Urbanismo nº 578 de 3 de janeiro de 2005, que não chega a ser uma modificação e, sim, uma ampliação da legislação.

Essa resolução nº 578 de 2005 regulariza o processo de avarandamento em prédios já existentes, permitindo “a aplicação do item 2.1.4 do decreto municipal nº 10426/91 no que se refere à construção de varandas balanceadas em edificações aprovadas anteriormente a vigência do regulamento de zoneamento, aprovado pelo decreto 322/76” (8) (9).

A criação dessa Resolução n.º6, de 2 de fevereiro de 2006 que veio regulamentar a possibilidade de antigas construções desfrutarem também da presença de uma varanda, dando a possibilidade de se ofertar ao morador esse ambiente em seu espaço de moradia, só comprova que ela faz parte, sim, dos hábitos da população, sendo importante para a identidade cultural do carioca.

O próprio texto da Resolução n.º6, de 2 de fevereiro de 2006, redigido pelo então Secretário Alfredo Sirkis, demonstra essa importância não só para a casa como também para o território onde esta se encontra inserida, ressaltando as melhorais para o espaço físico e simbólico da cidade a partir do imaginário urbano de quem vive o espaço público.

O clima da região da baixada da Guanabara que propicia a vida ao ar livre; o tradicional uso das varandas nos edifícios da cidade; as potenciais melhorias ambientais e paisagísticas que o uso de edificações com varandas promoverá no espaço urbano carioca; as possibilidades de requalificar edificações vistas como obsoletas, pela introdução de varandas em suas unidades. (10)

O processo de avarandamento de prédios já existentes pode ser resumidamente explicado pelo título que Luciana Casemiro deu à sua matéria sobre esse assunto, publicada no caderno Morar Bem do jornal O Globo em 9 de janeiro de 2005: “O sonho da varanda própria”.

Essa frase, muito bem colocada, indica que a presença da varanda nos edifícios de apartamento da cidade do Rio de Janeiro é resultado do desejo do morador de sua casa ofertar um espaço condizente com seu comportamento cultural, com seus hábitos de moradia que foram adquiridos ao longo do tempo em que a varanda se fez presente na arquitetura doméstica do carioca quase como uma constante, se tornando elemento de tradição sociocultural e fazendo parte da cultura tanto material como imaterial dessa população.

O decreto 51/75 estimula sim a existência da varanda nos lançamentos imobiliários, sendo, como todas as demais regulamentações que compõem a legislação edilícia do Rio de Janeiro, co-autora do cenário arquitetônico contemporâneo dessa cidade, mas parece que ela veio, na verdade, adequar o território da cidade a seus usuários. Afinal de contas a legislação edilícia atua como um dos imperativos do projeto, influenciando o partido arquitetônico das construções, mas nunca o ditando.

O fato da varanda ser um dos principais atrativos do imóvel se justifica, assim, muito mais por sua relação com o modo de vida do carioca. Motivo pelo qual, numa época em que a arquitetura expressa cada vez mais um modo de vida cosmopolita, sem compromisso com o lugar antropológico, diversos projetos de índole regionalista, preocupados com uma identidade local, preservam a varanda, mantendo, dentro do espaço de moradia, esse ambiente da casa de presença marcante em todas as épocas.

notas

1
LEMOS, Carlos A. C.. A Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1996.

2
LEMOS, Carlos A. C.. A República Ensina a Morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.

3
CARDEMAN, David; CARDEMAN, Rogerio G.. O Rio de Janeiro nas Alturas. Mauad: Rio de Janeiro, 2004.

4
Idem, Ibidem.

5
Código de Obras do Município do Rio de Janeiro. Vol I e II. 12ª ed.. Rio de Janeiro: Auriverde, 1974.

6
Código de Obras do Município do Rio de Janeiro. Vol I e II. 12ª ed.. Rio de Janeiro: Auriverde, 1977.

7
Código de Obras do Município do Rio de Janeiro. Vol I e II. 12ª ed.. Rio de Janeiro: Auriverde, 2000.

8
O texto original se refere ao item 2.4.1 e não 2.1.4, mas isso se deve a um erro de digitação existente em algumas edições do código de obras e identificado por essa autora, pois o item 2.4.1 faz referencia a instalações prediais e o que diz respeito às varandas é o item 2.1.4.

9
CASEMIRO, Luciana. "O sonho da varanda própria". In: O Globo, Rio de janeiro, Caderno Morar Bem, p.1, 09 de janeiro de 2005.

10
Rio de janeiro (Município). Resolução n. 578, de 03 de janeiro de 2005. Regulamenta a aplicação do item 2.4.1 do Decreto Municipal 10.426/91 no que se refere à construção de varandas balanceadas em edificações aprovadas anteriormente à vigência do Regulamento de Zoneamento, aprovado pelo Decreto 322/76. Secretaria Municipal de Urbanismo. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br>. Arquivo consultado em 12/05/2006.

bibliografia complementar

BRANDAO, H. C. L.. Varanda e modo de vida da zona sul carioca. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PROARQ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.

BRANDAO, H. C. L.; MARTINS, A. M. M.. "A varanda como espaço privado e espaço público no ambiente da casa". 2008. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp494.asp >. Acesso em jan/20010.

BRANDAO, H. C. L.; MARTINS, A. M. M.. "O modo de vida oito-novecentista visto da varanda". In: Revista 19&20: a revista eletrônica de arte brasileira do século xix e início do xx. v.03, p.01/12, 2008. Disponível em: < http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_varanda.htm >. Acesso em jan/20010.

BRANDAO, H. C. L.; MARTINS, A. M. M.. "Varandas nas moradias brasileiras: do período de colonização a meados do século XX". In: Revista Tempo de Conquista, v. 01, p. 01/01, 2007. Disponível em: < http://www.revista.tempodeconquista.nom.br/attachments/File/HELENA_LAC__.pdf >. Acesso em jan/20010.

sobre o autor

Helena Lacé é doutora (2009 - bolsa CNPq) e mestre (2003) em Ciências em Arquitetura pelo PROARQ - Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição onde também se graduou em Arquitetura e Urbanismo (1991). Possui diversos artigos publicados em anais de congresso como em periódicos nacionais e internacionais. Na área acadêmica lecionou nos cursos de Arquitetura e Urbanismo da USU - Universidade Santa Úrsula (2004), da UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2004 - 2005), da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005 - 2006), e do Centro Universitário Metodista Bennett, onde atuou como coordenadora do curso de graduação (2010 - 2011). Atualmente, é professora adjunta da EBA - Escola de Belas Artes, fazendo parte do quadro efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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