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architexts ISSN 1809-6298


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Artigo objetiva resgatar algumas das normativas e práticas urbanísticas que estiverem presentes nas políticas colonizadoras portuguesa e espanhola desenvolvidas ao longo do século XVI nos territórios da América, com destaque para o território brasileiro.


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SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. Paradigmas da urbanística ibérica adotados na colonização do continente americano. Sua aplicação no Brasil ao longo do século XVI. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.06, Vitruvius, set. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4505>.

1. A experiência urbanística seminal de Portugal e Espanha e alguns de seus paradigmas

A partir de fins do século XV, com o início do processo de ocupação do continente americano e com a implementação das delimitações territoriais definidas pelo Tratado de Tordesilhas, Espanha e Portugal passam a desenvolver um projeto colonizador para a América baseado na fundação de núcleos urbanos.

Os modelos urbanos utilizados para a constituição desses núcleos foram distintos e baseados em uma experiência urbanística pregressa que tanto portugueses quanto espanhóis vinham adotando desde o século XIII, com a reconquista de territórios ibéricos aos mouros e com a política de ocupação e feitorização empreendida em África e Ásia.

Espanha e a experiência urbanística advinda com a expulsão dos mouros

A experiência urbanística desenvolvida pelos espanhóis com a expulsão moura, foi referência para o desenvolvimento de um modelo de traçado urbano marcado pela ortogonalidade, modelo esse também conhecido como “quadrícula” ou hipodâmico (associado ao nome de Hipodamus, que na Grécia antiga concebeu cidades com traçado ortogonal, como Mileto e Olinto).

A origem desse modelo na península ibérica é proveniente da época da expansão do Império Romano, quando foram fundadas as cidades de Zaragoza e Léon em território espanhol, em local antes ocupado por acampamentos militares. A estrutura de tais núcleos urbanos era definida a partir de dois eixos ortogonais, o cardo e o decumanus que se encontravam no centro do espaço urbano e serviam de referência para o traçado de todas as ruas restantes, paralelas a esses dois eixos, definindo assim uma retícula (1).

Com a tomada da península ibérica pelos mouros no século VII, a vida urbana entra em decadência, só vindo ressurgir no final da Idade Média, a partir do século XII, nas áreas levantinas e ao longo do caminho de Santiago de Compostela. Por esse caminho, foram implantadas as bastides – cidades criadas para fortalecimento do poderio cristão em território francês no após as guerras albigenses (1209-1229) e que se constituíam em núcleos urbanos murados, de formato geométrico regular, com praça central e traçado viário retangular. Ao longo dessa rota de Santiago, ou caminho jacobeu, foram implantadas, nos séculos XII e XIII, cidades com traça ortogonal como Puente la Reina, Jaca, Estella, Sangüesa e Pamplona.

Cabe salientar também a experiência dos núcleos novos de povoação, ocorridas tanto no governo de Jaime I, de Aragão (1229-1238) na Ilha de Mallorca ( com as vilas reais) quanto aquelas do governo de Afonso X, de Castela (1252-1284) – as normas do Fuero de la Leyes e das Siete Partidas.

As Ordenaciones de Mallorca (1300), promulgadas pelo filho de Jaime I, estabeleciam que as pueblas nuevas deveriam ter

a – uma centena de habitantes

b – uma área de 20 hectares, formando uma quadrícula de 450 mts. de lado

c – ruas retas de 6,32 mts. de largura

d – uma praça central onde se localizava o mercado e outra praça próxima onde se situava a igreja.

e – quarteirões quadrados que se subdividiam em 4 lotes.

f – para cada povoador era concedida área fora do perímetro urbano para atividades agrícolas e de pastoreio (2).

Outro fato relevante a ser mencionado foi a proposta de modelo urbano elaborada pelo frei Eximenis, um pré-humanista levantino apoiado pelo mecenato dos Aragão. Eximenis escreveu em 1385 um tratado urbanístico intitulado El Dotzé del Crestià, o regimen civil dels homens e de les dones, um documento que antecede aos tratados urbanísticos do renascimento italiano, inspirados em Vitruvio.

O Dotzé, é uma obra que sintetiza estudos anteriores realizados por Eximenis sobre temas como o Estado e a gestão pública. Nela, é apresentado um modelo de cidade ideal, onde são discutidas questões como a de escolha de sítio adequado para a fundação de cidades (em áreas planas, visando sua futura expansão e próximas a fontes de água), traçados ideais (perímetro quadrado, com ruas axiais definindo os bairros e praça cívica central com catedral), usos e funções urbanas, onde se destaca o papel militar exercido pela localização do palácio junto às muralhas defensivas. É um trabalho pouco conhecido e que precede aos tratados dos utopistas, escritos posteriormente pelos italianos da época do renascimento.

Nessa época também ocorre o redescobrimento da cultura greco-romana. Os princípios do ordenamento urbano passam a ser definidos a partir de obras clássicas que são retomadas, como o tratado romano De Architectura, de Marco Vitruvio Polião (século I A.C.) e o Instituta Rei Militaris, de Flávio Renato Vagecio (século IV), onde são preconizados o traçado urbano retangular, com proporção ótima de 2:3 (3).

Estes princípios servirão como referencia para as normativas urbanísticas aplicadas pelos espanhóis na colonização da América a partir de 1500: as normas de Pedrarias D´Avila, de 1514 e as Ordenanzas de Descubrimiento, Nueva Población y Pacificación de las Indias, de 1572, promulgadas no período da União Ibérica por Felipe II e que passaria a ser conhecida como Leyes de las Indias.

Das 148 ordenanzas presentes nestas Leyes, cerca de 25 referem-se à escolha de sítios para a fundação de cidades e sua posterior organização, abordando aspectos como proximidade de indígenas pacificados, condições de salubridade e boa saúde dos nativos, terrenos férteis e abundância de água, acessibilidade, posição favorável aos ventos e á insolação, dimensões da plaza mayor, posicionamento dos edifícios públicos e religiosos etc.

Boa parte dessas recomendações constituíam-se em princípios vitruvianos. A obra de Vitruvio fora redescoberta no século anterior e seus princípios foram difundidos entre os humanistas e arquitetos (como Alberti), sendo por esta razão incorporadas no corpo normativo da época e depois consolidado sob o texto das Leyes (4).

Outras prescrições vitruvianas e também presentes na concepção urbana dos renascentistas italianos, não foram consideradas, como o traçado radial, talvez pela dificuldade de execução nas condições técnicas disponíveis na América.

Portugal e a experiência urbanística desenvolvida com a expansão marítima

Portugal também desenvolvera uma certa prática urbanística a partir da reconquista das terras aos mouros. Mas esta experiência não foi tão marcante quanto a dos andaluzes, que replanejaram cidades inteiras como Santa Fé de Granada, definindo plazas mayores, traçados viários hierarquizados e regras para localização de edifícios administrativos e religiosos.

Registra-se como relevante no processo de reconquista portuguesa a instituição do sistema de sesmarias (lei de 1375), ou de doação das terras àqueles portugueses que se comprometessem a explorá-las. Foram aplicadas nas regiões do Alentejo e Algarve e serviram de modelo para a ocupação das ilhas da Madeira e do território brasileiro.

Portugal, por sua localização geográfica, já desenvolvera uma experiência náutica e um saber técnico, que possibilitou que se lançasse à frente de outros países na corrida pela expansão de mercados e domínio da rota comercial com o oriente. As tentativas de descobrir o caminho para as Índias a partir do início dos quatrocentos, costeando o litoral africano, tinha propiciado o desenvolvimento de conhecimentos associados não somente à astronomia, cartografia e instrumentos de navegação, como sobretudo ao desenvolvimento de embarcações adequadas para o enfrentamento do mar aberto. – a caravela e o galeão, que possuíam maior calado, maior velame e um timão para manobras localizado na popa, o que lhe dava enorme agilidade para o enfrentamento das tempestades em alto mar, assim como permitia a navegação a contra-vento.

Foi com esta embarcação que os portugueses se lançaram para o Atlântico, costeando a África e estabelecendo núcleos de povoação, como Ceuta (1415), as Ilhas de Madeira (1418), as Canárias (1424), para finalmente em 1434 ultrapassarem o ponto mais extremo do mundo então conhecido – o Cabo Bojador, no oeste da África.

Ao longo deste primeiro percurso, fundam a cidade de Mazagão, um dos melhores exemplares de cidades com planta de inspiração renascentista, que permitia rapidez na implantação e eficiência para cumprir o seu principal papel funcional: o de demonstrar a presença militar, política e cultural portuguesa.

Em circunstâncias diversas, onde o critério militar não se fazia dominante, os portugueses podiam implantar núcleos de povoação com matriz medieval. Iniciava-se a ocupação pelos pontos elevados, definindo-se uma cidade alta e uma cidade baixa, com características e funções bem distintas: a cidade alta, sede do poder civil e religioso, e a cidade baixa, abrigo das atividades marítimas e comerciais” (5).

A descoberta do caminho marítimo para as Índias, fez com que Portugal temporariamente se desinteressasse da busca do caminho pelo ocidente, uma vez que já tinha atingido o principal objetivo: a conquista do monopólio do comércio de especiarias, sedas e pedras preciosas. Este fato contribuiu decisivamente para a priorização da política colonial portuguesa para os lados do oriente, fazendo com que o projeto de colonização do Brasil, descoberto pouco tempo depois, ficasse adiado por cerca de cinqüenta anos.

No continente asiático, os portugueses construiriam a sua segunda capital: Goa, principal ponto de parada da rota marítima ao chegar à Índia. Fundariam também Diu, Damão, Baçam, Chaul e Cochin. Eram em geral feitorias fortificadas e localizadas em alguns pontos da faixa ocidental indiana, pois na região a oposição à presença portuguesa era marcante.

Destas, Damão (1559) se destaca por apresentar uma estrutura medievo-renascentista – pré-geometrizada, racional, envolvida por muralhas e fazendo face à antiga cidade muçulmana preexistente.

Desta forma, a práxis urbanística portuguesa ao longo do século XV e XVI, marcada por seu caráter fortemente ligado à conquista territorial e de demarcação da uma presença política dominante nos territórios africanos e asiáticos, utilizou-se também de planejamento para a concepção e implantação de núcleos urbanos. A diferença, em relação à práxis espanhola é que esse agir planejado não implicava necessariamente na adoção de modelos racionais e geometrizados, de inspiração renascentista. A cidade medieval, com seu aspecto fortificado e autônomo possuía também virtudes que tornavam-na perfeitamente aplicáveis ao modelo de expansão colonial português ao longo do caminho para as Índias.

2. A política colonizadora portuguesa no Brasil e seus incipientes dispositivos urbanísticos

Até 1532, a costa brasileira era ainda despovoada e muito vulnerável, pois Portugal não havia definido um projeto de colonização, pois os interesses estavam direcionados para as lucrativas atividades do comércio de especiarias e com o tráfico de escravos africanos.

Por esse motivo, o litoral foi sendo ocupado por degredados e corsários. Era freqüentado pelos franceses, que contrabandeavam inúmeros produtos e gêneros naturais do Brasil. A apreensão da nau francesa Peregrina, em 1532, abarrotada de pau-brasil e animais exóticos, obriga Portugal a adotar uma efetiva política de colonização para o território brasileiro. É o momento em que se implanta o sistema das Capitanias Hereditárias.

As Capitanias Hereditárias e o regime de concessão de sesmarias

Com este sistema, a costa brasileira foi dividida em 15 lotes, com cerca de 350 km. de largura cada, prolongando-se do litoral até a linha de Tordesilhas. Esses 15 lotes constituíram 12 capitanias que foram entregues a donatários, que não eram da nobreza lusa, mas sim funcionários de alto escalão ou militares que tinham se destacado na empresa colonial e feito fortuna na África e nas Índias (6).

As Capitanias eram regulamentadas pelas Cartas de Doação e Forais. As Cartas de Doação estabeleciam o direito que o donatário tinha de administrar e os Forais, os direitos e deveres dos donatários.

Eram dispositivos já existentes em Portugal e aplicados na época de redistribuição das terras portuguesas conquistadas aos mouros Foram também utilizados de forma bem sucedida na colonização da Ilha da Madeira, alguns anos antes.

Nas Cartas de Doação, havia indicações claras da política de colonização adotada pela Coroa portuguesa: promover o povoamento da costa para garantir a sua defesa. Assim foram estabelecidas prescrições como a de que os donatários poderiam edificar junto do mar e dos rios navegáveis quantas vilas quisessem, mas para a fundação de vilas no interior, necessitariam de uma licença expedida pela Coroa.

Eram direitos do donatário: fundar vilas/cidades; cobrar impostos; fazer concessão de sesmarias. Eram seus deveres: atender aos pedidos da metrópole, administrar e povoar.

O sistema das Capitanias possuía também como política complementar o regime das Sesmarias, que eram grandes porções de terra concedidas aos colonos de origem fidalga, para que estes a ocupassem com atividades agrícolas, pecuária e povoação. As sesmarias acabaram por dar origem, mais tarde, aos grandes latifúndios do Brasil.

Em pouco tempo, as Capitanias Hereditárias se revelaram uma política inviável e acabaram se constituindo em grande fracasso. A imensa extensão territorial de cada capitania associada ao fato de que os seus donatários dispunham somente de recursos próprios para o processo de colonização e defesa do território, sem apoio da Coroa, foram a causa da falência do sistema. A única que deu certo foi a de Pernambuco, do donatário Duarte Coelho, devido ao bom desempenho da produção açucareira. A de São Vicente, de Martin Afonso, tentou, sem grande êxito, implantar projeto semelhante.

Além disso, este momento inicial de colonização coincidiu com a época de descoberta das minas de ouro e prata e a conquista do Peru por Pizarro (1537), causando desinteresse por parte de Portugal nos projetos na costa brasileira.

Apesar destes fatos, registra-se, no período, a fundação de algumas vilas: São Vicente (1532), Olinda (1537) e Santos (1545).

As Capitanias Hereditárias coexistiram com o Governo Geral (1548-1549) (Capitanias da Coroa) e perduraram até 1759, no governo do Marques de Pombal.

O Regimento Geral de Tomé de Souza

Com o fracasso do sistema descentralizado das Capitanias Hereditárias, Portugal decide criar no Brasil um Governo-Geral, em 1549 (ou Governo Geral do Estado do Brasil Unido ao Reino de Portugal e Algarve), centralizando a administração na coordenação de um Governador-Geral, sediado em Salvador.

Tomé de Souza é nomeado Governador-Geral do Brasil e estabelece-se um Regimento-Geral. Muitos administradores públicos são trazidos de Portugal para dar apoio ao projeto, dentre eles o mestre Luis Dias, que seria o responsável pela elaboração da traça, ou projeto urbano da cidade.

Este regimento pode ser considerado uma das primeiras normativas com dispositivos de caráter urbanístico aplicadas no Brasil. Suas recomendações foram seguidas à risca por Luis Dias para a escolha do sítio fundacional de Salvador (lugar sadio, saudável, com abastança de água e com porto seguro), para a construção da fortaleza de defesa da cidade (localização estratégica de maneira a promover a segurança contra ataques marítimos e terrestres, construção com uso de pedra e cal.

As instruções contidas no Regimento de Tomé de Souza contém certa semelhança com a legislação espanhola que seria alguns anos mais tarde (1573) organizadas sob a forma das Ordenanzas de Felipe II, especialmente no livro IV, título 5 (De las Poblaciones) e no título 7 (De la población, de las ciudades, villas y pueblos).

Seguindo a tradição portuguesa, a cidade foi criada com um Termo (delimitação da área da cidade) e um Rossio (área de pastoreio e extração vegetal), definidos também pelo Regimento de 1549. Quanto ao projeto urbano, Luis Dias desenvolveu-o a partir de traças e amostras que trouxera consigo de Lisboa, com uma parte baixa (destinada ao porto e comércio) e uma parte alta (destinada à moradia, á sede do governo e das ordens religiosas). mas “não com a rigidez dos planos espanhóis para as cidades da América do Sul, mas com certa liberdade” (7).

Junto com os cerca de mil homens que acompanhavam Tomé de Souza, o Governo-Geral contava com o apoio de missões religiosas para o projeto colonizador. Os padres jesuítas se destacaram nesta empreitada, pois eram os principais responsáveis pela política de construção uma retaguarda ideológica, catequizando os povos nativos e difundindo os ideais da contra-reforma, sobretudo no combate a invasores reformistas, como franceses e holandeses. Essa contribuição se revelaria fundamental, quando alguns anos mais tarde, Villegagnon seria expulso do Rio de Janeiro e Daniel de La Touche de São Luis.

Logo após o estabelecimento de Salvador, são fundados São Paulo (1554), primeiro núcleo de povoação longe do litoral, Vitória (1561) e Rio de Janeiro (1565). No período da unificação ibérica, sob o governo espanhol, algumas vilas são fundadas com plano ordenador, como Filipéia (1585), São Luis (1612) e Belém (1616), revelando, pela geometria do traçado, uma certa influência das Ordenanzas de Descubrimiento, Nueva Población y Pacificación de las Indias, de 1573.

A influência dessa legislação ocorreu também nos aldeamentos e reduções jesuíticos, nas regiões do Paranapanema / Paraná e no Rio Grande do Sul, onde se destacam as reduções guaranis de Santo Inácio (1610), Arcángeles (1627), Jesús y Maria (1628), San Cristobal / San Joaquin, Caaró / Caaguá, e San Francisco Javier.

As Ordenações do Reino de Portugal

O arcabouço jurídico vigente ao longo das primeiras décadas de colonização, nos períodos de dominância portuguesa, era estabelecido pelas “Ordenações do Reino de Portugal”, coletâneas de leis que foram assumindo diversas designações ao longo do tempo, como as “Ordenações Alfonsinas” (1480), as “Ordenações Manuelinas” (1520) e as “Ordenações Filipinas” (de 1603, e que vigorou em parte até a promulgação do Código Civil, em 1916).

 Tais Ordenações serviram como referência para muitas normativas relacionadas à organização municipal, à distribuição das terras, ao seu domínio e transmissão. No que se refere à estruturação intra-urbana, as ordenações não apresentavam recomendações explicitas, mencionando somente aspectos relativos à vizinhança e à relação entre as construções. Dentre esses aspectos, cabe salientar aqueles constantes no livro I, títulos 58,66, 68 e 69 (que dispõem sobre os corregedores, vereadores, almotacés e procuradores) e livro IV, título 43 (sobre concessão de sesmarias), da edição de 1870, organizada por Candido Mendes de Almeida (8).

As Ordenações Filipinas, com este conteúdo urbanístico incipiente, diferenciava-se assim bastante da Lei das Índias, ambas compiladas no governo de Filipe II, sob a União das Coroas Ibéricas.

Ao longo dos dois primeiros séculos da e colonização, as principais cidades funcionavam como retaguarda para atividades econômicas rurais, especialmente aquelas relacionadas com a produção de açúcar. Por esse motivo, não foram objeto de muitas normativas e controles por parte do Estado.

As normativas da Igreja

A falta de instrumentos normativos e a frouxa administração dos espaços públicos, criaram condições para que a Igreja assumisse a organização do espaço urbano, a partir dos critérios de localização de suas ordens religiosas.

Essa organização era regulada pelas normas do Concílio de Trento (1545-1563, na época da Contra-Reforma, quando se fortalece a união da Igreja com os Estados Nacionais) e que só mais tarde foram consolidadas sob a forma das “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”.

Esse aparato normativo, vigente ao longo dos séculos XVI e XVII, foi organizado e consolidado em 1707 por Sebastião Monteiro da Vide e publicado sob o título acima. Cabe destacar neste documento as constituições de números 687 e 688, que estabelecem critérios para a localização de igrejas (em sítio alto e livre de umidade e imundícies), e para a sua implantação (reservando um espaço livre ao redor das igrejas para procissões e festas e para o adro e o cemitério, e posicionando a capela-mor de tal forma que o sacerdote, ao celebrar os cultos, ficasse olhando para o oriente).

Contribuindo para essa lógica de organização do espaço público a partir da presença da Igreja, Marx (9) constata que o sistema de concessão de sesmarias possuía uma brecha que permitia que particulares concedessem à Igreja porções de terra para a ereção de uma capela. Ao redor dessa capela, lotes eram doados a interessados e um povoado ia se constituindo. O progressivo crescimento desse povoado, acabaria levando a localidade a adquirir autonomia municipal, ocasião em se instalaria uma casa de câmara, uma cadeia e o pelourinho. Muitas das cidades brasileiras foram originadas a partir desse fato inicial.

3. Considerações finais

Ao longo do século XVI, as políticas colonizadoras empreendidas por espanhóis e portugueses em território americano diferenciaram-se fundamentalmente em função dos interesses econômicos que o território colonial representada para cada uma dessas nações.

Se nos primeiros cinqüenta anos, Portugal praticamente não definiu uma política oficial de ocupação e exploração das terras conquistadas – pelo fato de todo o interesse mercantil estar voltado para o comércio de especiarias com as Índias – a Espanha, ao contrário, já percebera, desde o início a grande riqueza em metais preciosos existente nos territórios ocupados por astecas e incas. Daí o seu projeto muito mais voltado á conquista dos povos nativos e ao planejamento da ocupação dos territórios, com e uso do poderio militar.

Para os espanhóis, a implantação de uma política de dominação espacial a partir do arrasamento dos núcleos de povoação dos nativos e com a fundação de novos núcleos organizados racionalmente, fazia parte de um projeto de dominação política e ideológica.

O repertório urbanístico que portugueses e espanhóis traziam de experiências anteriores á chegada à América, possuía paradigmas razoavelmente semelhantes de fundo militar e medievo-renascentista – com acentuada preferência dos espanhóis pelo modelo renascentista e dos portugueses pelo medieval. Esse repertório foi importante para explicar as políticas colonizadoras aqui empreendidas, em função das distintas possibilidades mercantis que esses territórios ofereciam.

Importante destacar também que a fraca presença do governo português no Brasil ao longo deste primeiro século levou a Igreja a desempenhar um papel relevante na ordenação dos espaços urbanos seminais, uma vez que muitos dos primeiros arruamentos originaram-se de caminhos que uniam os edifícios das distintas ordens religiosas (jesuítas, beneditinos, carmelitas, franciscanos, etc). Tal fato é plenamente constatável hoje em dia ao se analisar os sítios históricos de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda e até mesmo Salvador, onde se observa um ordenamento espacial marcado muito mais pela organicidade do que pelo espírito disciplinador e racional.

notas

NE – Sob coordenação editorial de Paula André (Instituto Universitário de Lisboa IUL) e Abilio Guerra (editor Arquitextos), número traz sete artigos em comemoração do “Ano de Portugal no Brasil e do Ano do Brasil em Portugal”, conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 7/2012, que menciona que “Portugal e o Brasil acordaram, por ocasião da X Cimeira, na realização, em 2012, em conjunto e simultâneo, do Ano de Portugal no Brasil e do Ano do Brasil em Portugal, iniciativas concebidas como oportunidades para actualizar as imagens recíprocas, promover as culturas e as economias de ambos os países e estreitar os vínculos entre as sociedades civis” [Diário da República, 1ª série, nº 10, 13 jan. 2012, p. 133 <http://dre.pt/pdf1sdip/2012/01/01000/0013300135.pdf>]. Os artigos do número especial Brasil/Portugal são os seguintes:

ANDRÉ, Paula. Arquitecturas e cidades devoradas entre Portugal e o Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.00, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4501>.

ALMEIDA, Ana. O azulejo em Portugal nas décadas de 1950 e 1960. Influência brasileira e especificidades locais. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.01, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4490>.

JORGE, Luís Antônio. Língua portuguesa, literatura brasileira e os lugares do modernismo no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.02, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4503>.

MACEDO, Helder. As rédeas do Reino e os muros de Marrocos. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.03, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4494>.

PAIS, Alexandre Nobre. Um tema de fachada. A escultura cerâmica portuguesa no exterior de arquitecturas luso-brasileiras. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.04, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4484>.

BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. A arquitetura das fronteiras do Brasil. Duas faces de um mesmo problema. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.05, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4506>.

SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. Paradigmas da urbanística ibérica adotados na colonização do continente americano. Sua aplicação no Brasil ao longo do século XVI. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 148.06, Vitruvius, set. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4505>.

1
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2
PAULA, Alberto de. La escala comarcal en el planeamiento indiano: estructura territorial y evolución de la compaña bonaerense 1580-1780. Actas del Seminário “La Ciudad Iberoamericana” – Buenos Aires 1985. .Madrid, CEHOPU, 1987, p. 197.

3
PAULA, Alberto de. La escala comarcal en el planeamiento indiano: estructura territorial y evolución de la compaña bonaerense 1580-1780. Actas del Seminário “La Ciudad Iberoamericana” – Buenos Aires 1985. Madrid, CEHOPU, 1987, p. 194-195.

4
STANISLAWSKI, Dan. Early Town Planning in the New World. Geographical Review, Nova York, jan. 1947.

5
TEIXEIRA, Manuel C. A influência dos modelos urbanos portugueses na origem da cidade brasileira. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro, 1997, p. 216.

6
BUENO, Beatriz Picolloto Siqueira. Particularidades do processo de colonização da América espanhola e portuguesa. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro, 1997, p. 505-514.

7
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Faculdade de Arquitetura. Centro de Estudos de Arquitetura na Bahia. Fundação Gregório de Matos. Evolução Física de Salvador (1549-1800). Salvador, Pallotti, 1998, p. 31-37.

8
MARX, Murilo. Cidade no Brasil: em que termos? São Paulo, Nobel, 1999, p. 35.

9
MARX, Murilo. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo, Edusp, 1989, p. 36.

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sobre o autor

José Geraldo Simões Junior, arquiteto e doutor em arquitetura, professor da FAU – Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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