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architexts ISSN 1809-6298

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português
A implantação de um conselho profissional independente dos arquitetos somada à atual discussão da nova legislação específica de direito autoral para todas áreas de criação, demandam uma atualização conceitual das relações entre autoria e responsabilidade.

english
The establishment of a professional and independent Council of architects due to the current discussion of a new specific legislation of copyrights for all areas related to creation require an update of the relations between authorship and responsibility.


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GALLO, Haroldo. Ensaio sobre autoria no projeto: atualizando o debate. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 160.05, Vitruvius, set. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.160/4881>.

Corte da estação de Príncipe Pío, Madri, Espanha
Desenho Simón Fique

As questões de autoria e responsabilidade no projeto de arquitetura, e por consequência na obra, são centrais para um patamar mais pleno de qualidade, pois determinam um almejado equilíbrio social nas relações de produção do artefato arquitetônico compreendido como produto cultural. A revisão do estatuto profissional dos arquitetos e a implantação do CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo por meio da Lei Federal 12.378/2010, bem como o atual debate nacional em torno de uma nova normatização da autoria, demandam e justificam uma revisão conceitual que fundamente possíveis alterações, sendo essa revisão o objetivo desse ensaio.

De fato, tanto a autoria quanto a responsabilidade demandam unicidade de tratamento por intermédio dos arquitetos. Necessitam atualmente de uma estrutura normativa mais sólida, coesa, coerente e eficiente, de acordo com nossos anseios e expectativas profissionais que melhor atenda às necessidades da sociedade. Tanto o direito de autor quanto a defesa do consumidor caracterizam questões mais amplas de formação e resguardo da cultura e propiciam o exercício da cidadania, desde que promovidos por ações realizadas com consciência, ética e critério por parte dos profissionais e recebidas com respeito e equidade pelos clientes, consumidores ou usuários e pela sociedade de forma mais abrangente.

O que se quer dizer é que para que essas relações, as de autoria e as de responsabilidade, ocorram da forma desejada, é preciso que tenhamos, primeiramente, um corpo normativo eficiente, claro e abrangente que possa balizar e mediar de forma adequada as relações sociais das quais os arquitetos e urbanistas participam na organização do espaço construído para uso humano. No momento da implantação de um órgão regulamentador, fiscalizador e promotor da arquitetura em território nacional, devemos necessariamente tratar das estruturas legais e normativas. Precisamos, então, avaliar essas estruturas legais vigentes sobre a matéria para dar-lhes atualidade e legitimidade, objetivando a unicidade.

Ambas as questões, a autoria e a responsabilidade, existem e são estruturadas por meios independentes da ação ou vontade dos arquitetos. Elas têm, além do tratamento local, uma forte referência internacional, pois dizem respeito às relações que se estendem além das fronteiras dos países.

Especialmente nesse momento civilizatório em que as barreiras nacionais vêm sendo sistematicamente rompidas e que os espaços e tempos tornam-se cada vez menores e mais próximos, torna-se necessário atualizar os conceitos e mecanismos que mediam as relações de trabalho e que inserem os arquitetos e urbanistas, dentre a produção de cultura nacional e mundial. Não é possível ignorar as novas demandas de um mercado mundial globalizado que interfere e condiciona também a produção local da arquitetura e do urbanismo. Frente a essa nova realidade, somos cotidianamente impactados por novas demandas e por novos desafios a enfrentar. Muitas vezes os textos legais que tinham objetivo de oferecer referência normativa para a ação, bem como serem patamares seguros para o equilíbrio entre produtores e consumidores do espaço construído e organizado para o uso humano, mostram-se ineficazes e obsoletos.

Os meios tecnológicos de produção da arquitetura e do projeto também interferem e agravam essa questão. A realidade virtual e dos meios informatizados introduzem na produção da arquitetura questões não imaginadas anteriormente, tanto no plano conceitual, quanto no operativo e no técnico. Estabelece-se nova divisão social do trabalho no plano internacional, reagrupando países e fixando outras formas e esferas de relação e de dominação.

No âmbito nacional os profissionais arquitetos têm as responsabilidades novas que socialmente lhes foram imputadas em tempo recente pelo código de defesa do consumidor. Essas responsabilidades não são sempre estabelecidas de forma equilibrada nas relações entre o poder de decisão e a capacidade de resposta dos profissionais decorrentes do seu específico trabalho. Só é lícito responder com equidade sobre aquilo que se pôde decidir.

Adquirem hoje especial importância as questões que envolvem o comportamento dos arquitetos tanto como profissionais quanto como cidadãos. Faz-se aqui referência aos valores sociais do bem proceder e à ética de conduta. Especialmente no Brasil essa questão assume uma importância e atualidade ímpar face à emulação e mau exemplo que cotidianamente recebemos dos nossos dirigentes e da classe política por meio de seus desmandos, privilégios e falta de honestidade. A imprensa idônea nos mostra cotidianamente que ainda há muito a transformar para atingir um patamar respeitável e equânime de valores sociais. Essa questão é tão séria que muita gente boa já sente vergonha de ser honesto!

Sem esse pano de fundo não se pode de fato abordar com o necessário aprofundamento as questões de autoria, nem resgatar seus fundamentos. Efetivamente, esse assunto constitui um problema que ainda merece tratamento mais abrangente, mesmo constatando os efetivos avanços efetuados com o novo estatuto profissional que se implanta.

Não há consenso quando tratamos das questões relativas à autoria, porque essas limitam a propriedade material ao mesmo tempo em que também estabelecem uma nova forma de propriedade mais abstrata e difusa. Mas afinal, a contemporaneidade não tem como uma das suas marcas culturais a perda simbólica do peso material das coisas? Na decodificação cultural do mundo em que vivemos a desmaterialização não assume uma dimensão importante? Este ponto de vista não é coerente com a própria transformação do conhecimento científico que desde a teoria da relatividade e da física quântica, em seu universo do infinitamente pequeno e também do infinitamente grande, apontam para quebras radicais dos paradigmas do conhecimento humano? É oportuno, assim, aplicar essas novas posturas conceituais também na visão de propriedade: deve-se ter presente que “tudo que é sólido desmancha no ar”.

O direito de autor tem uma formalização recente na história humana, sendo produto da modernidade que começa a se instaurar por volta do século XV. Mais especificamente, ele decorre da invenção dos tipos móveis, quando os autores de textos escritos que, passam então, a ser publicados, perdem o controle de duplicação de seus originais. Nasceu de forma híbrida, pois misturava exclusividade de direitos entre os proprietários de máquinas de impressão e os criadores das obras. Constituem-se então, à época, privilégios que os príncipes concediam àqueles que se dedicavam à nascente indústria de impressão, associando-se assim ao vulto econômico que a atividade passava a representar. Com o passar do tempo esses privilégios foram sendo deslocados dos impressores para a exclusividade dos autores. É esse o efetivo nascimento da legislação de direito autoral.

Cedo esse direito mostrou sua vocação internacional, e foi consagrado por convenções entre países. Existem duas vertentes conceituais que o fundamentam. Uma delas está assentada sobre a tradição inglesa, que entende a proteção como um direito de reprodução e cópia e não como forma de propriedade: daí o termo “copyright”. A outra é a tradição francesa, vinculada à própria revolução burguesa, que entende esse direito como uma propriedade intelectual, distinta e sobreposta àquela material. É este o direito de autor da chamada União de Berna, do final do século XIX, com a qual o Brasil se associou. Dessas duas origens diversas decorrem importantes diferenciações na prática legislativa, tanto no conceito quanto na forma e dimensão do resguardo das obras. Desde o império o Brasil consagrou esse direito em suas constituições, mas nem sempre a autoria esteve normatizada por lei ordinária. O advento da regulamentação das profissões de engenheiro e arquiteto em 1933 não tocou nessa questão, provavelmente porque ela não representava à época um problema social a ser resolvido. Assim, as questões de autoria relacionadas com a arquitetura, mereciam tratamento por analogia e rebatimento do que era consagrado para outras áreas, fundamentalmente por intermédio do estipulado no Código Civil, coerente com a expressão desse direito como de propriedade.

No estatuto profissional de 1966 promulgou-se um capítulo próprio, pioneiramente à própria legislação autônoma e específica de direito autoral de 1972. Assim, o capítulo segundo da lei 5.194/66, tratou especificamente e de forma integrada das questões de responsabilidade e autoria. A correção deste princípio está no fato de que não se pode exigir responsabilidade de alguém sobre algo se este alguém não teve autoridade ou poder de decisão: o direito de autor é forma de resguardar esse poder de decisão. Isto é coerente com a responsabilidade sobre o ato construtivo centrada no autor e no executor técnico, ou seja, sobre aqueles que detêm por privilégio social o direito exclusivo de uma atividade profissional. Assim, a responsabilidade técnica e suas derivadas não estão imputadas ao proprietário promotor da construção, mas ao profissional que a viabiliza por meio de um saber especializado. Sem a autoridade e controle profissional sobre a decisão e a criação, a responsabilidade não se justifica e nem se legitima. Porém, este capítulo perdeu sua organicidade depois de muitas alterações, sendo promulgado com uma forma desastrosa, como ocorre com o conteúdo do caput do artigo 17 que outorga ao autor o direito de manter sua obra íntegra, mas cujo parágrafo seguinte contradiz esse direito. A confusão de caber ou não a um autor o direito de contrapor-se a modificações em sua obra só foi resolvida em 1972 com a promulgação da lei 5.988, específica de direito autoral.

Porém, outros direitos, como o resguardo ao autor do acesso para verificar se a obra executada corresponde ao projetado, o direito do autor de manter seu nome vinculado à obra, e outros, como a regulamentação da coautoria e autoria de parte, caracterizavam importantes conquistas, das quais não poderíamos abrir mão. Hoje o direito de autor origina-se na constituição de 1988, integrando os direitos do indivíduo, sendo regulamentado especificamente pela lei 9.610 de 1998. Os preceitos fundamentais de autoria foram, assim, consagrados para diversas áreas de criação. Cabe agora esclarecer e desenvolver pontos dúbios, além de regulamentar o que a lei não contemplou e que é específico para a arquitetura.

Mas vejamos quais são os fundamentos conceituais desse direito de propriedade intelectual, os quais dizem respeito aos arquitetos porque estes criam construções novas e tomam decisões que as materializam. O primeiro fundamento é o que estabelece um vínculo indissociável entre a coisa criada e seu criador, pois se entende que a materialização de formas é criação do “espírito humano”. Essas formas são individualizadas e só são da maneira como são em decorrência da personalidade que as criou. Sendo assim, fica estabelecida uma ligação perpétua entre autor e obra. Essa vinculação se expressa, por exemplo, no direito que o autor tem de manter seu nome vinculado à obra a qualquer tempo ou circunstância, bem como de repudiá-la como sua criação se esta for descaracterizada e transformada em outra coisa, com o que ficariam comprometidas a imagem e reputação do autor.

É também importante o fundamento de que o direito de autor não protege ideias. Se as ideias fossem protegidas e não fosse permitida sua apropriação ou transformação, a não ser pelo autor que as criou, o progresso humano estaria paralisado. O que o direito de autor protege é a conformação de uma ideia, sua dimensão material tornada realidade por um processo determinado: as formas são protegidas, mas as ideias e os conceitos não. Exemplificando, eu posso me apropriar dos cinco pontos de arquitetura moderna de Le Corbusier e com eles criar minha obra, mas não posso copiar servilmente a forma de uma e suas obras.

A obra de arquitetura também merece proteção por sua dimensão artística. Contudo, é interessante observar que a relação de produção dos arquitetos difere das demais áreas de criação nas artes, nas quais as obras são concebidas e nascem por demandas e anseios internos dos próprios criadores. Já a obra de arquitetura sempre ocorre como resposta a uma demanda externa. O arquiteto sempre trabalha por encomenda. Tem sido assim ao longo de toda a história e este é um dos traços distintivos da atividade profissional da arquitetura que tem fortes consequências nas relações de autoria. Contudo, a demanda  externa – a encomenda, não  anulam as peculiares relações de autoria, como também não o faz o assalariamento. Outra questão é que o direito de autor não estabelece juízo de valor sobre a qualidade estética ou a beleza de uma obra, mesmo ao considerarmos que as obras de arquitetura são protegidas porque são criações individualizadas que decodificam culturalmente o mundo em que vivemos, sendo um produto cultural de grande dimensão estética: fica igualmente protegido aquilo que julga-se boa obra e o que julga-se má obra de arquitetura. Aquilo que se pretende proteger é a integridade formal e constitutiva do produto cultural e sua relação indissolúvel com o seu criador. Contudo, a qualidade e os atributos de uma obra de arquitetura reforçam os direitos do seu autor. O maior patrimônio de um criador intelectual é o acervo que ele produziu. A partir desse acervo tem ele, por decorrência da sua imagem ou pela própria exemplificação das obras, acesso a novas demandas e oportunidades de trabalho. Uma obra descaracterizada ou mutilada, além dos prejuízos ao campo da cultura, dilapida o patrimônio do autor, bem como lhe causa danos morais.

Nesse ponto cabe observar outro fundamento. Trata-se da subdivisão dos direitos de autor em dois grupos distintos pela sua natureza jurídica. São os chamados direitos patrimoniais e direitos morais. Os primeiros, os patrimoniais, se esgotam nas relações econômicas e no valor monetário das coisas: tratam do uso e da cessão dessas coisas. Podem ser eles objeto de todo tipo de negociação e cessão, desde que essas sejam explícitas e formalizadas. Eles se aproximam conceitualmente com o preceituado pelo “copyright”. Já os direitos morais são personalíssimos, individualizados e vinculados à pessoa do criador. Nesse sentido, não possuem dimensão monetária específica, a não ser por reparação de infração, não se esgotando no tempo, razão pela qual são vitalícios e se estendem e transmitem por herança. É esta a aplicação do princípio de indissolubilidade dos vínculos entre a criação e o criador. Uma de suas expressões é o chamado direito de paternidade, direito personalíssimo, que é aquele que vincula a obra a seu criador, não sendo renunciável ou transmissível por qualquer forma ou tempo.

Não é possível, então, ceder autoria de um trabalho, ou assumir autoria de trabalho alheio em nenhuma circunstância. Isso seria tão falso quanto alguém assinar um quadro pintado por Picasso. É possível, porém, autorizar a outrem a ação de alteração de projeto criado, ou de obra realizada. Nesse sentido, convém destacar que o texto da lei 5.194 de 1966 explicita um direito importante: aquele que gera a obrigação de consulta formal ao autor sobre possíveis alterações, e que lhe dá a primazia de realizá-las, assim como o direito de negar que as alterações se procedam, mantendo, por seu juízo e critério, a obra íntegra. Consta de forma equivocada no texto desta lei que o autor pode ser substituído constatado seu impedimento, sem conceituar em que circunstância um autor deveria ser considerado impedido. Isso contradiz os preceitos constitucionais desse direito e o determinado pela lei específica de autoria 9.610, que dá ao autor a tutela do resguardo da obra, mantendo-a íntegra.

O autor também pode renunciar à paternidade de obra violada, preservando com isso seu nome, sua imagem e seu acervo intelectual. Essa renúncia, contudo, não substitui ou extingue a obrigação por parte do infrator de indenizar o autor lesado material e moralmente. Porém, esta medida é frágil uma vez que quando o autor renuncia a uma obra mutilada o seu patrimônio intelectual se empobrece.

Alguém pode pensar, ... “mas, se o cliente pagou pela minha ideia ele não se torna proprietário dela, podendo fazer assim o que bem entender”? Essa é a compreensão daqueles que só atribuem valor às coisas materiais e que colocam os direitos individuais acima de qualquer coisa, sem considerar que eles naturalmente devem ter limites. Na verdade, o projeto não é uma ideia, mas a materialização desta, e as formas materiais são protegidas. O projeto é uma notação que dá materialidade a um conceito e a um significado, com o objetivo de realizá-lo. Eu não vendo minha criação intelectual, porque o ordenamento jurídico nacional não me permite fazê-lo. Sou, contudo, remunerado pela cessão do direito de uso e aplicação desta. Constitui direito do proprietário ou do contratante não fazer mais uso da minha ideia, ou de sua conformação pelo meu projeto. Ora, esse trabalho intelectual de criação constitui um especial agenciamento dos meios materiais que concretizam uma construção. Desses meios materiais o proprietário pode dispor a seu “bel-prazer”. Mas não pode dispor da particular forma de agenciamento criada pelo autor. Embora qualquer alteração em obra de nossa autoria dependa de autorização, o proprietário pode demolir integralmente uma obra. Com isto ele não a estará modificando (ainda que este radicalismo possa constituir sério dano à cultura), mas retornando seus meios materiais e o território de sua propriedade à forma original. Embora possa parecer estranho, isso é perfeitamente coerente com toda a fundamentação da proteção de autoria: demolir é possível, modificar não! Em casos especiais, quando há em jogo valores culturais formadores de memória e identidade no interesse de determinada comunidade, comparece a preservação patrimonial, outra forma social de proteção.

Existem questões em aberto das quais a legislação não tratou até agora. Vejamos uma delas que é a conceituação de partido arquitetônico. É esse elemento que formaliza um projeto, ou que caracteriza sua especial materialidade. Podemos dizer, grosso modo, que o partido de um projeto arquitetônico define-se pelas estratégias adotadas pelo arquiteto que conformam as ideias e os conceitos, constituindo um particular arranjo técnico-espacial e que lhe dão forma, coerência e significado. Provavelmente essa definição, ainda que globalmente caracterize um elemento do projeto, será tachada como um tanto pobre e superficial. Concordamos! Isso serve apenas para demonstrar como será difícil a um juiz de direito, de pouca familiaridade com nossas questões profissionais, interpretar e julgar, por exemplo, questões de plágio porque essas demandam familiaridade com a prática e conceituação da arquitetura e do urbanismo.

Plágio, por sua vez, é um termo de origem latina, sendo que o “plagiarius” na Roma antiga era alguém que se apropriava de um ser livre e o vendia como escravo. Tomava assim para si algo que não era seu, sobre o qual não tinha direitos, tirando proveito econômico ilícito desse ato. Plágio é ainda hoje a apropriação indevida de formas e criações que não nos pertencem: é assim a cópia servil de algo. Não constitui plágio a conformação nova de um princípio ou uma forma nova para uma ideia. Plagiar é reproduzir um partido e a conformação essencial por este estabelecida. Não é possível caracterizar ou julgar plágio sem o domínio racional e sensitivo da conceituação de partido arquitetônico, além de outras questões. Uma interessante característica do plágio é que sempre há modificações quando ele existe. Essas modificações têm a função de disfarçar, de camuflar o plágio. Assim, a obra plagiada não é necessariamente um simples espelhamento de outra. Contudo, incorporar um princípio ou uma parte de uma solução na composição de obra nova não é plágio. Isto pode constituir apenas um princípio estético ou uma estratégia conceitual. Então como identificar o plágio? Essa diferença é sutil, mas os profissionais arquitetos em geral sabem bem como identificá-la. Destaco que no plágio há normalmente uma intenção de falsear.

Convém ainda distinguir o direito de autor da proteção do produto de reprodução industrial, a marca e patente. O direito de autor protege a obra única, de criação individual ou coletiva e o faz por tempo vitalício. A marca e patente protegem um sistema de reprodução industrial, e o faz por tempo determinado e finito, e desde que seu criador declare e disponibilize suas formas de produção para quando cessar o tempo de exclusividade.

O direito de autor tem o objetivo de manter íntegros produtos culturais. Marca e patente têm o objetivo de incentivar a criação por conceder direitos de exploração temporários aos sistemas de reprodução industrial. Para a vigência dos direitos de autor basta a simples existência das coisas, sem nenhuma formalidade ou mediação. Entretanto, direito é prova e normalmente os profissionais não estão suficientemente instrumentados para provar suas relações de trabalho. É nesse sentido que pode atuar uma entidade de regulamentação profissional e é para isso que servem os registros de autoria e demais documentos formais como os contratos e propostas. Já o direito de marca e patente exige uma série de formalidades e mediações. Um de seus princípios fundamentais é que só pode ser patenteado aquilo que é original, inédito e desconhecido. A obra de arquitetura que está sujeita ao direito de autor será tanto mais protegida quanto mais tornada pública. Existem ainda outras formas de proteção do trabalho intelectual, mas não cabe aqui abordá-las porque estão distantes do nosso problema, tais como o segredo de negócio ou a proteção dos processos de informática. Assim, um produto de criação tão caro aos arquitetos como uma cadeira pode ter dupla proteção. Sua forma é protegida pelo direito de autor, enquanto que seu processo de fabricação é protegido pela marca e patente.

É importante fixar também que a lei não distingue suporte para a proteção da criação autoral em arquitetura. Assim, são protegidos os produtos do projeto em qualquer de seus níveis ou fases, estejam fixados em qualquer suporte, dos meios materiais como o papel aos meios digitais, assim como também é protegida a obra construída. Não há qualquer distinção de proteção entre projeto e obra, estando ambas as instâncias do trabalho profissional do arquiteto protegidas. Isso também foi objeto de atenção do novo estatuto profissional.

Fundamentalmente, o direito de autor não protege a pessoa dos criadores, ou dos arquitetos: ele protege as obras criadas e dá aos seus criadores a outorga e tutela dessa proteção. Os arquitetos, nesse contexto, não são protegidos, mas detentores de direitos.

Convém destacar que, embora o direito de autor seja de todo coerente em sua conceituação e resultado, ele é muito duro e inflexível em suas determinações e consequências. Cabe assim aos arquitetos não só medidas de organização e formalização das relações de trabalho mais eficientes e aprimoradas como também a compreensão de que a obra de arquitetura é uma obra utilitária que tem como objetivo o bem estar e a qualidade de vida do ser humano por meio do espaço organizado e construído. Cabe ainda compreender que se atende a programas funcionais, anseios e necessidades que mudam com o desenrolar natural da vida. É preciso assim aplicar uma boa dose de bom senso para ceder a demandas justificadas que incorram em alterações em suas criações. É preciso também bem informar o contratante das dimensões e limites da prestação do exercício profissional, bem como do resguardo dos direitos que por esta prestação se instituem. Daí a se implantar um vale tudo que justifica qualquer ação e desmando, passando por cima das diretrizes de proteção, vai uma enorme distância e contraria os interesses mais amplos de equidade social.

O caso italiano fornece-nos um interessante ponto de vista. Na verdade as questões de proteção patrimonial e as de direito autoral são conceitualmente muito próximas, conquanto as duas tratem da proteção e integridade dos artefatos arquitetônicos de interesse cultural. Os italianos não tombam construções de autores vivos e nem as que têm menos de cinquenta anos de idade. Não o fazem por entender que a tutela dos bens e obras que o direito autoral outorga aos autores é suficiente para a proteção das obras recentes. Eles consideram, assim, tanto o patrimônio quanto o direito de autor como questões de natureza análoga e ações culturais complementares. Cabe ao CAU também a ação precípua da proteção patrimonial, o que nos dá oportunidade de novas conexões culturais.

Procedendo à análise do disposto na Lei 12.378/ 2010 de regulamentação da arquitetura e urbanismo, é preciso destacar que existem efetivos avanços no tocante ao tratamento da questão do resguardo da autoria, que se não esgotam o assunto estabelece maior clareza e consolidam importantes conquistas anteriores. A origem do tratamento das relações de autoria está vinculada ao disposto no artigo segundo, que fixa as atribuições profissionais, especialmente pelo contido no parágrafo único desse artigo, que define os campos de aplicação da atuação profissional. Comparado ao disposto pela lei 5.194/66, ficam identificados vários campos exclusivos para o arquiteto e urbanista, que antes não eram abordados pela lei. Outro avanço significativo é a consideração explícita das diretrizes curriculares das áreas como fonte da habilitação e ainda o explicitamente disposto no parágrafo segundo do artigo terceiro que considera privativas de profissional especializado as áreas de atuação nas quais exista ausência de formação superior.

Menções explícitas à questão de autoria existem nos artigos 12 e 13. No artigo 12, ao outorgar-se ao profissional, pessoa física e naturalmente ser concreto, a propriedade do acervo técnico de obra, resguarda-se a legislação de direito autoral. Assim, uma violação de direito de autor pode anular um acervo técnico, uma vez que a ilicitude não gera direito. O artigo 13 estabelece o registro no CAU de projetos e demais trabalhos técnicos para a formação de acervo técnico ou para a comprovação de autoria. Ainda, ao tratar do registro de responsabilidade técnica – RRT - o parágrafo segundo do artigo 45 autoriza a emissão desse instrumento de registro como meio de comprovação da autoria ou acervo. Destaque-se também que, segundo o disposto pelo parágrafo único do artigo 13 não só o acervo técnico é dos profissionais e não das empresas, como também as empresas não podem declarar-se autoras de projetos: a autoria é pessoal e explícita, e as empresas só realizam projetos por intermédio dos profissionais arquitetos.

O caput do artigo 15 estabelece a obrigatoriedade de fidelidade às especificações estabelecidas em projeto, salvo autorização por escrito: garante-se assim o direito de integridade da obra. Se este dispositivo vier a ser realmente fiscalizado, coibir-se-á um mundo de irregularidades. Este é um dispositivo de efetiva restituição de autoridade ao arquiteto. Igualmente importante é o direito facultativo do profissional autor em acompanhar a execução de suas criações. Facultativo porque a prestação de serviço técnico especializado pressupõe retribuição ou pagamento de honorários. Ninguém pode ser obrigado a trabalhar de graça ou a se responsabilizar por aquilo que não foi chamado a acompanhar.

O artigo 16 é ainda mais eficiente no tocante às relações de autoria. Primeiramente ficam dirimidas as argumentações sobre a natureza do suporte a preservar. São igualmente protegidos projetos e obras. É também e explicitamente garantida, em harmonia com o ordenamento jurídico nacional, a tutela de integridade da obra a autoridade do autor em zelar pela sua manutenção contrapondo-se alterações. Esse direito é também estendido aos coautores. A confusa redação de impedimento de autor disposta na lei 5.194 fica claramente resolvida, uma vez que esse conceito equivocado é substituído por falecimento ou incapacidade física, caso em que não se exige autorização explícita. Importante resguardo foi fixado pelo parágrafo terceiro, que institui o registro no CAU de laudo para que o profissional não participante de alteração fixe os limites de sua responsabilidade. Resguarda-se ainda a autoria de projeto original em obra alterada, quando ambos, o autor original e aquele que realizou a alteração, são considerados coautores.

Merece especial atenção o disposto no artigo 18, que trata das infrações disciplinares. A alínea primeira desse artigo enquadra como infração o registro de falsa criação para fins de direitos autorais. Cria-se com isso uma nova punição administrativa autônoma, além das civis existentes para esse tipo de delito. Fica então caracterizado como infração o que conceituamos como plágio, matéria anteriormente desenvolvida, uma vez que é considerada infração a reprodução de projeto ou de trabalho técnico ou de criação, de autoria de terceiros, sem a devida autorização do detentor dos direitos autorais.

Espera-se ter-se demonstrado que nos termos estritos da legislação ainda existe um descompasso entre as responsabilidades que aos arquitetos são socialmente imputadas e a autoridade que lhes é outorgada e que é hora de alargar e consolidar as conquistas obtidas, dando-lhes mais sólida estrutura e maiores eficácia e eficiência.

Trata-se aqui de ações profissionais. Mediar ações é estabelecer princípios éticos de conduta. A questão ética é sem dúvida prioritária para o CAU. Um colegiado profissional representativo deve ser preponderantemente, um tribunal ético. De fato, a lei 12.378 fixa em seu artigo 17 a necessidade de adoção por parte do CAU/BR de Código de Ética e Disciplina. O código de ética adotado pelo sistema Confea/ CREAs carece da necessária especificidade do exercício da arquitetura, na qual a questão da geração de entidade nova, de um novo artefato cultural, assume um papel relevante ao lado dos meios de realização desse espaço criado. Um código de ética deve ser em essência, um guia do correto procedimento, uma referência de boa conduta, muito mais do que um “maceteiro” de delegado de polícia. Ele precisa tipificar ações para propiciar enquadramento de eventuais infratores, sem o que a falta ética não se qualifica e não haverá punição. Porém sua natureza primordial deve ser orientadora e não punitiva. Ele deve percorrer todo o universo de possíveis atividades que compõem a profissão de arquiteto: seus comandos deverão ser positivos e emuladores na orientação e negativos e cerceadores na proibição.

Contudo, há outras relações, aquelas dos contratantes para com os arquitetos que não seriam abrangidas por esse instrumento ético-profissional. Talvez o melhor caminho, e o mais inovador, seria um código de autoria e responsabilidades específico transformado em lei complementar à lei 12.378/2010. Em suma, acredita-se que está na hora de promover uma revisão e consolidação geral de toda a legislação dispersa que, de alguma maneira,  imputa deveres aos arquitetos ou lhes delega direitos. Defende-se sim uma espécie de CLT da autoria e responsabilidade da arquitetura, uma consolidação e conexão legal de tudo aquilo que já existe e está disperso. Melhor dizer da área da construção ao invés da arquitetura e do urbanismo que naturalmente a integram, porque, embora tenhamos adquirido autonomia de organização legal, os arquitetos são, pela própria natureza intrínseca de seu trabalho, mais vinculados às engenharias do que supõem nossa vã filosofia!

Corte da estação de Chamartín, Madri, Espanha
Desenho Simón Fique

referências

Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Apresentação, organização, referências e remissões por Price Waterhouse- São Paulo: Price Waterhouse, 1988.

Decreto Federal nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933. Regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor.

Lei Federal nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo, e dá outras providências.

Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Regula os direitos autorais, e dá outras providências.

Lei Federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

Lei Federal nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010. Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs; e dá outras providências.

Resolução nº 205, de 30 de setembro de 1970. Adota o Código de Ética Profissional- Brasília: CONFEA/ Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. e Código de Ética Profissional do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro-Agrônomo e Guia do Profissional da Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia para aplicação do Código de Ética.

sobre o autor

Haroldo Gallo é arquiteto, doutor, livre docente, professor e pesquisador há 37 anos. Integrou e dirigiu instituições de classe e de defesa do patrimônio. Arquiteto atuante nas áreas de projeto, patrimônio e restauro, recebeu prêmios e honrarias nacionais e internacionais. É professor associado no IA/ UNICAMP e titular pleno na FAP/ FAAP e integra o “Advisory Board” da Florence University of the Arts.

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