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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O uso do ornamento como ofício e arte na arquitetura moderna da segunda metade do século XX : o caminho para uma “humanização” da arquitetura e para o preenchimento da lacuna entre cultura e sociedade.

english
The use of ornament as craft and art in the modern architecture of the second half of the twentieth century: the way to a "humanization" of architecture and to fill the gap between culture and society.

español
El uso del ornamento como oficio y arte en la arquitectura moderna de la segunda mitad del siglo XX: el camino para una “humanización” de la arquitectura y para la reducción de la brecha entre cultura y sociedad.


how to quote

GONSALES, Célia Helena Castro. Ofício, arte e ornamento na arquitetura moderna. Ari Marangon, arquiteto artesão. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 172.01, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.172/5300>.

Dilema. Ofício, arte ou indústria

Na virada do século XIX para o XX,a busca de uma arquitetura que representasse o espírito da nova épocase dava com base em vários dilemas: o papel da tradiçãoem uma arquitetura que olhava para a ordem social emergente, o problema do ornamento, a relação entre artesanato e indústria.

Esses impassessurgiam a partir das questões fundamentaispropostaspor pensadores do século XIX que buscavam uma resposta à necessidade crescente de uma arquitetura que representasseos novos tempos: a bandeira levantada por William Morris pela necessidade de uma reintegração entre arte e utilidade e contra a banalização dos objetos industrializados; a proposição do Abade Laugier de uma volta às origens – o mais simples significava o melhor e quanto mais se voltasse às origens mais simplicidade se encontraria; a ideia de Viollet Le Duc de que a resposta estaria na criação de formas autênticas a partir da resposta ao programa e aos métodos de construção; a indicação de Quatremère de Quincy do “tipo”como resposta – a arte de construir nasceria de um germe preexistente; a proposta de Gottfried Semper de uma arquitetura que buscasse suasorigens na manufatura. Todos eles coincidiam em um ponto: a arquitetura deveria rejeitar as imitações superficiais de formas do passado e buscar uma representação direta e honesta do mundo contemporâneo (1).

Diante dessa indagação – de como “des-cobrir” o genuíno estilo moderno – e da crise dos objetos industrializados, vozes se elevam na virada do século XIX para o XX caminhando para um consenso:proporções claras, paredes planas, expressão direta de materiais e primazia do espaço (Henrik Petrus Berlage); a síntese de arquitetura com artes decorativas, fusão de ornamento e plano (Victor Horta); a distinção entre ornamentação (aplicada) e ornamento (expressão da essência da forma) (Henri Van de Velde) (2);a expressão direta dos (novos) meios construtivos e resposta às aspirações dinâmicas da sociedade (Otto Wagner).

Nesse panorama de desenvolvimento de uma cultura artística e arquitetônica diante da industrialização e da produção em série, a posição frente ao ornamento – esse investimento humano nas formas, segundo Gottfried Semper, o definidor da arquitetura como arte dito por John Ruskin – é uma questão chave. Nesse contexto, o tema da função e da estrutura vai adquirindo um papel crescente e o do ornamento agregado/aplicado, um protagonismo decrescente.

Charles Rennie Machintosh, Escola de Arte de Glasgow, 1897
Foto Dalbera [Wikimedia Commons]

Por outro lado, – a partir do Art Nouveau – o ornamento vai se fundindo/confundindo com o plano a partir de painéis que dinamizam a parede como um todo ou por meio de madeira oufinas placas de materiais diversos. O ornamento – a “ornamentação” de Van de Velde – vai se transformando em revestimento. Ver, por exemplo, a decoração mural de Gustav Klimt no interior do Palácio Stoclet de Joseph Hoffmann, os revestimentos internos das residências de Adolf Loos e o revestimento em placas de pedra da Caixa Econômica dos Correios de Viena, de Otto Wagner.

Otto Wagner, Caixa Econômica dos Correios de Viena, 1904
Foto Rory Hyde [Wikimedia Commons]

E finalmente – e externamente – os arquitetos Joseph Hoffmann e Adolf Loos – lançando mão da primazia do plano e sua expressão: as molduras que dão acabamento às finas placas de revestimento acentuam as superfícies planas no primeiro e, com uma ainda mais drástica simplificação retilínea e volumétrica no segundo – vão apontar para a posição que se tornará consenso na década seguinte: a busca da beleza apenas na forma.

Joseph Hoffmann, Palacio Stoclet, 1905
Foto Belgianchocolate [Wikimedia Commons]

Adolf Loos, Casa Steiner, 1910
Foto Jean-Pierre Dalbéra [Wikimedia Commons]

Consenso e norma: arte

Na década devinte ocorre uma consonância de expressões – Le Corbusier, Walter Gropius, Mies van der Rohe – em direção à Nova Objetividade. As propostas conceituais da geração anterior aliadas à estética da engenharia e a influência do cubismo e da arte abstrata levam a uma comunhão de ideias formativas. A partir daí a arquitetura é direta e imediatamente percebida a partir da combinação de volumes, linhas e planos.

Mies Van der Rohe, Casa Tugendhat, Brno, 1930 [Wikimedia Commons]

A representação do mundo contemporâneo se dá por meio de formas abstratas passíveis de reprodução em série. A arte se afirma como fundamental para a arquitetura. Mas uma arte moderna, “desumanizada”.

Em 1924, na obra La deshumanización del arte (3),o filósofo espanhol Ortega y Gasset apresenta as diretrizes para o entendimento da arte moderna. Através da ideia de “arte artística”, explica que, ao se abandonar a ideia de representação o que passa a dominar em uma obra de arte são os elementos puramente estéticos.

No século XX o diálogo entre arquitetura, por meio de sua dimensão estética, e arte aparece de maneira especialmente forte e se da através de modelos e ideais em comum – a lógica da máquina, o espaço-tempo, a rejeição do artesanato em favor de um antinaturalismo geométrico, o pensamento lógico como suporte absoluto da forma.Esse fato é o que abre possibilidades sem precedentes de aproximação integral entre os diversos campos artísticos – que dialogam sob esse único tema da arte, a estrutura formal (4).

A arte moderna, desumanizada, é um resultado de transformações já propostas por volta de 1870 com o impressionismo. As três dimensões ilusórias da geometria euclidiana cedem lugar à expressão colorida do espaço e ao espaço bidimensional. A matriz renascentista, caracterizada pela perspectiva, dá lugar a uma nova possibilidade estética não mais apoiada na morfologia naturalista e cada vez mais autorreferenciada. Tal redução da obra à arte pura, liberada de qualquer componente cotidiano que dificulte a experiência estética, supõe o abandono da mimese como procedimento habitual e a adoção da concepção como momento essencial da construção de uma forma livre da aparência natural e, em troca, consistente, dotada de finalidade interna.

Mas essa arte, que se afasta de temas cotidianos para ser usufruída em toda a sua dimensão, como o próprio Gasset explica, tem como consequências sociológicas o estabelecimento de uma distância muito grande entre o campo artístico e as “pessoas comuns”. A arte passa a ser assimilada apenas por uns poucos iniciados. A união de arte e vida, como ambicionavam as vanguardas – são impossíveis de se concretizar por sua contradição original.“Essa ocupação com o humano da obra é, em princípio, incompatível com a estrita fruição estética”, deixa claro Gasset; “o objeto artístico só é artístico na medida em que não é real”, insiste o autor (5).

A inclusão de elementos “não artísticos” no “fenômeno artístico” vai se configurar como uma tentativa de resgate, por parte dos arquitetos, da conexão entre arte e vida em períodos posteriores da arquitetura moderna.

Licença: arte e oficio

A inclusão de elementos não artísticos se dá através de um contato concreto com a realidade. A partir da década de trinta o dilema dos primeiros anos do século XX vai se tornando “licença consensual”. A arquitetura moderna se expande e recupera a questão do oficio/artesanato – em “estado de espera” na década anterior – como uma estratégia de resolução do problema arquitetônico. A arte se “humaniza” na recuperação do diálogo com o artesão. A fusão de ornamento e superfície implantada pelo Art Nouveau reaparece. A pedra, o barro, a madeira, são materiais fundamentais da superfície valorizada: superfície expressiva, “ornamentada”.

Esses “novos” materiais alcançam sua expressão a partir da textura – do material bruto – e da fatura – resultado da modificação do material pelo trabalho do homem (6). A fatura põe em evidencia o trabalho – o sacrifício no sentido Ruskiniano (7): os homens trabalham por amor ao próprio trabalho e dotam de valor esse trabalho, agora novamente visível na arquitetura.

A arquitetura que se reveste estabelece um diálogo com o lugar, representa questões programáticas, se adequa aos aspectos contingentes. E essa licença se manifesta de maneira variada: na defesa de um funcionalismo mais subjetivo, psicológico e no uso do tijolo como material expressivo em Alvar Aalto; na proposta de síntese das artes e no uso da pedra em Le Corbusier; no uso da pedra e de obras de arte na arquitetura carioca; na influência Wrightiana e no tijolo de Vilanova Artigas; na influência cisplatina, no emprego da pedra e do barro, na parede e na cobertura, em Ari Marangon, no sul do país.

Alvar Aalto, Prefeitura de Säynätsalo, 1949
Jonathan Rieke

Ari Marangon, Residência Hugo Poetsch, 1962 [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

A arquitetura se manifesta como um objeto decorado. O objeto decorado, além de contribuir para muitos dos anseios da arquitetura moderna – a textura enfatiza o jogo de planos, o concreto aparente reforça a idéia de verdade arquitetônica, e, por outro lado, os materiais naturais dotam as construções de um caráter doméstico, aspecto tão importante para uma arquitetura que se propunha romper com a monumentalidade do passado –, proporciona flexibilidade na adaptação de uma arquitetura universal a uma realidade local.

Na arquitetura da década de vinte, a expressão se revelava no debate vedação e estrutura. Mas esse debate como todo diálogo não estabelecia uma relação hierárquica entre seus componentes. Estrutura e vedação estavam em pé de igualdade e a vedação apenas dividia e organizava o espaço, não carregava uma dimensão significativa, estava muito desmaterializada. Ela começa a se materializar outra vez a partir dos anos trinta nos desdobramentos da arquitetura moderna. Se em períodos anteriores – com Otto Wagner ou Auguste Perret – a essência da arquitetura se revelava principalmente na estrutura, agora o conteúdo vai se revelar em grande parte na vedação. Uma vedação mais tectônica, que se faz estrutura.

A questão que vai surgindo nesse momento é a que aborda em que medida o diálogo da arquitetura com realidades mais específicas poderia preencher a lacuna existente entre cultura e sociedade. E está por trás dessa discussão a tentativa de humanização de uma arte concebida e nascida sob pressupostos de cisão entre arte e realidade. É a dimensão abstrata e desumanizada da arte/arquitetura – que por sua vez permitiu a integração de princípios artísticos e assim a própria gênese da arquitetura moderna – que se tenta desradicalizar, combater, fazer retroceder. Esse retroceder no sentido de uma humanização que pretende unir arte e vida, está presente na gênese e devir da arquitetura moderna brasileira através das várias estratégias de representação do lugar e do programa e, na arquitetura de Ari Marangon, no uso expressivo dos planos compositivos, no cuidado com o detalhe construtivo e no tratamento “artesanal” do material.

Ari Marangon, arquiteto artesão

Ari Marangon, nascido em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, formou-se em arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1960. Recebe sua formação em um ambiente de consolidação da arquitetura moderna no estado com mestres fundamentais como Demétrio Ribeiro e Carlos Maximiliano Fayet.

O ensino ainda com marcante influência das Belas Artes despertou seu interesse pela arte e o levou a desenvolver, paralelamente à arquitetura, trabalhos de pintura, escultura e desenhos a bico de pena.

A obra de Marangon tem um reconhecimento importante dentro do quadro geral da modernidade arquitetônica de Pelotas e da região. A numerosa e diversificada produção arquitetônica deste arquiteto traduz o trabalho típico de um concorrido escritório de arquitetura e demonstra as demandas que os profissionais liberais da época atendiam, tanto de uma clientela privada como pública.

Recém-formado aceita a proposta de trabalho da Secretaria do Estado dos Negócios das Obras Públicas, junto ao Departamento de Urbanismo, onde se torna o arquiteto residente passando a morar na cidade de Pelotas. Seu trabalho consiste em acompanhar as obras desenvolvidas pelo governo na região sul, fato que, segundo o arquiteto (8), fez com que tivesse uma maior aproximação a essa parte do estado e à sua cultura.

Logo, soma à sua atividade original a ocupação de professor, ministrando a disciplina de Desenho Técnico na Escola de Engenharia Industrial na cidade de Rio Grande, permanecendo até 1973. Também foi professor de Desenho à Mão Livre no Curso de Engenharia Civil, na Universidade Católica de Pelotas a partir de 1968 e, em 1973, passa a fazer parte do quadro de professores do então recém-criado Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas onde ministra disciplinas de Desenho e de Projeto, permanecendo nessa instituição até aposentar-se em 2002.

Paralelamente ao seu trabalho no setor público, sempre desenvolveu uma ampla produção como arquiteto autônomo, mantendo um escritório que chegou a ser um dos maiores da cidade da década de sessenta ao final da década de noventa.

Iniciou seu trabalho em uma cidade que refletia a prosperidade vivida no apogeu da era do charque, no século XIX, com exemplares típicos de construções ecléticas distribuídos ao longo da sua área central. O traçado urbano tradicional, totalmente ortogonal, com lotes estreitos e profundos, com edificações implantadas no alinhamento predial, não favorecia o modelo com o qual o arquiteto pretendia trabalhar. A possibilidade de trabalhar em novas áreas da cidade, onde pôde implantar sua ideia de arquitetura teve como resultado uma produção distinta da que era conhecida na cidade até então. Aprimeira obra importante foi a residência Hugo Poetsch, em 1962. Essa edificação configura uma primeira demonstração de domínio da composição moderna por parte do arquiteto.

Ari Marangon, Residência Hugo Poetsch, 1962 [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Marangon – de formação funcionalista, segundo suas próprias palavras (9) – torna-se um arquiteto do oficio que conjuga de maneira exemplar a “norma” do moderno, universal, e a “licença” do trabalho de “artesão”. A falta de profissionais qualificados – mestres de obra, pedreiros, carpinteiros – na época em que começou a trabalhar acabou por fazer com que ficasse ainda mais exigente com o acabamento de suas obras, fazendo ele mesmo um treinamento com seus colaboradores. O arquiteto acompanhava o preparo do terreno e a marcação da obra, a execução geralmente era de sua responsabilidade e os projetos eram munidos de um detalhamento completo (10).

O arquiteto, desse modo, vai conseguindo aliar as questões da modernidade às licenças próprias de sua geração (11). Junto à abstração, ao jogo de planos, à horizontalidade, aos pilotis nos edifícios em altura, à transparência, trabalha – com as residências como principal foco – com as contingências, com uma aproximação à realidade. O suporte do “trabalho” é a superfície; os materiais são o barro/tijolo, a pedra e a madeira; as técnicas são a cerâmica, a estereotomia/alvenaria e a carpintaria.

Na composição dinâmica e rica de planos geométricos, verticais e horizontais, construídos/revestidos com diferentes materiais, funde ornamento e plano em uma coisa só. Esse obrar da arte e do oficio transforma tal arquitetura renovadora em algo mais próximo dos habitantes da cidade. Os temas ornamentais – que na verdade são revestimentos – estão imbuídos de materialidade. Esse é questão fundamental do ornamento na arquitetura moderna. Não faz parte de um repertório icônico independe, mas adquire seu significado através da visibilidade e da expressão do “trabalho”. Mas um trabalho que não tem a ver com a eficiência, se situa em outro sistema, um sistema que se autorreferência e ao mesmo tempo conduz a outro universo, o da cultura.

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

A arquitetura de Ari Marangon – e de sua geração – e o problema do ornamento

Gottfried Semper, arquiteto, teórico, que abordou no século XIX o tema da materialidade e do ornamento na arquitetura, cedo foi deixado de lado pela historiografia do Movimento Moderno. A declaração de Otto Wagner em seu livro Moderne Architektur mostra já em 1896 os caminhos que seguiriam a arquitetura moderna e seus propagadores. Nessa obra, o arquiteto austríaco declara que é mérito de Semper a defesa de que “o novo estilo deve sair dos novos métodos de construção”, mas o acusa de se ter desviado ao buscar apoio no “caráter simbólico da construção ao invés de considerar a própria construção como a célula primitiva da arquitetura” (12).

A teoria do ornamento de Semper foi recusada em um momento em que se desejava despir a parede,como declara Giedion,“de todas as erupções decorativas do século XIX para torná-la elemento conformador do volume” (13). No entanto o próprio Giedion faz referência à revitalização do muro em uma segunda fase da arquitetura moderna como elemento não só constituinte de um volume, mas também expressivo. Desde esse ponto de vista, a revisão dos aspectos conceituais semperianos pode elucidar alguns aspectos dos desdobramentos da arquitetura moderna.

Semper indicava a arquitetura como a convergência de quatro elementos – lar/espaço, podium/terrapleno, telhado e fechamento – e quatro técnicas ou ofícios – cerâmica, estereotomia/cantaria, tectônica/carpintaria e têxtil. No entanto, atribuía ao fechamento a essência da arte de edificar, ou, o princípio sobre o qual a arquitetura se organiza a si própria, conformando espaço e sendo suporte da expressão e do ornamento. O arquiteto distinguia dois tipos de roupagem/ornamento: o “estrutural-simbólico”, que estava relacionado diretamente à construção e comprometido com as partes estruturais do edifício (14), e as “incrustações”, os ornamentos nas áreas de enchimento.

Na arquitetura moderna de fases posteriores, a valorização da superfície expressiva é evidência da emergência dos princípios semperianos. Ornamentado, o fechamento deixa o “trabalho” visível ao retomar materiais originais em diferentes situações que aproximam a arquitetura de realidades locais e assim adquirem significados. O ornato sempre se dá na superfície – por isso é fundamental ao decoro, à caracterização, e por isso sua relação íntima com a visibilidade.

Para Gottfried Semper, a superfície visível, a pátina final é a que permitirá entender os processos de construção através da transferência de materialidade. Para entender a arquitetura basta estudar essa superfície. O ornamento é um acessório localizado nessa superfície e é algoatravés do qual se acede, se chega a algo. É chamativo, atrai nossa visão e nos conduz a outra coisa.

Na arquitetura moderna, junto a essa desmaterialização – no sentido de conduzir a outra coisa, está sempre presente a ideia de autorreferência. O muro se desfaz como signo que aponta para algo que não está ali, mas ao mesmo tempo retém o olhar em si mesmo, no escrutínio de sua fatura, de suas incrustações.

Na obra de Ari Marangon há uma exaustiva superposição de capas que remetem a outras,de modo literal/construtivo, pelo contraste de texturas, pela intuição do suporte que está atrás, e metafórico/sígnico, no sentido que nos remete ao lugar, ao clima. Nenhuma capa pode falar sozinha sobre o muro – que muro é esse? É de pedra? É de tijolo? É vazado? É opaco? Cada capa remete á próxima, remete a outro estado da matéria. Em um processo de construção sucessiva, parece que arquiteto sempre deseja agregar outra pátina, outro acabamento.

Essas capas falam de si, se autorreferenciam – mostram a indústria, a maneira de fazer – e ao mesmo tempo falam do que cobre – metaforicamente, de uma realidade muito específica.A superfície cobre e incita nosso desejo de ver o que está por trás. Mas como um véu: quase não se vê, vê-se algo.

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

Ari Marangon, obra [Arquivo Rosa Rolin de Moura]

notas

NA – Este artigo foi publicado no IV Seminário Docomomo Sul, 2013, Porto Alegre. Anais do IV Seminário Docomomo Sul. Pedra, barro e metal: norma e licença na arquitetura moderna no cone sul americano, 1930/1970. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2013.

1

Para uma apreciação da ideia de modernidade no século XIX verCURTIS, William. Arquitetura moderna desde 1900. Porto Alegre,Bookman, 2008.

2

Van de Velde fazia uma distinção entre ornamentação e ornamento, o primeiro sendo adicionado, o segundo sendo um meio de revelar com sinceridade as forças estruturais internas ou a identidade funcional da forma.

3

ORTEGA Y GASSET, Jose. A desumanização da arte. São Paulo, Cortez, 2008.

4

Sobre uma reflexão a respeito da síntese das artes e a arquiteturaver artigo da autora, GONSALES, Celia, “Síntese das artes sentidos e implicações na obra arquitetônica”, São Paulo, Vitruvius, dezembro 29, 2012. Disponível em www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.144/4351, acesso em 25/10/13.

5

ORTEGA Y GASSET, Jose. A desumanização da arte. São Paulo, Cortez, 2008, p. 27.

6

Conceitos utilizados por Moholy-Nagy no curso da Workurs da Bauhaus. Ver WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

7

RUSKIN, John. Las siete lâmparas de la arquitectura. Barcelona, Alta Fulla, 2000.

8

Entrevista do arquiteto à acadêmica Daniele Pestano em 2009.

9

Entrevista do arquiteto à acadêmica Daniele Pestano em 2009.

10

O arquiteto fazia os desenhos á mão, cotava, desenhava a lápis, fazia sombras e texturas. Quando o desenho ia para o desenhista passar á nanquim no papel vegetal, os detalhes já estavam todos definidos relata o arquiteto. Entrevista do arquiteto à acadêmica Daniele Pestano em 2009.

11

Esse diálogo mais direto com o lugar já se tornava evidente a partir dos anos trinta, em um segundo momento do Movimento Moderno Europeu, quando, às regras básicas da arquitetura dos anos vinte, somava-se um uso recorrente de materiais locais e elementos construtivos tomados da arquitetura vernácula, constituindo uma manifestação que representava então, junto ao “espírito da época”, o “espírito do lugar”.  Quando a arquitetura moderna chega ao Rio Grande do Sul, já vem incorporada desses novos princípios.

12

WAGNER, Otto, La arquitectura de nuestro tempo. Barcelona, El Croquis,1993, p. 80.

13

GIEDION, Sigfried. Espaço tempo e arquitetura. O desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 21.

14

SEMPER, Gottfried. Style in the Technical and Tectonic Arts; or Practical Aesthetics. Los Angeles,GettyResearchInstitute, 2004. Semper subordinava a trama estrutural ao revestimento, mas este deveria manter a expressão simbólica daquela estrutura. Esses motivos decorativos retinham seus padrões originais quando transladados a outros materiais.

sobre a autora

Célia Castro Gonsales fez graduação pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas e doutorado em arquitetura pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona da Universidad Politécnica de Cataluña. Professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU-UFPel).

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