Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Todo professor deveria se transformar em alguém que em seu cotidiano na sala de aula procura equilibrar razão e coração; e, para ter a capacidade de saborear a alegria da descoberta dos alunos, precisa dialogar ao invés de discursar.


how to quote

RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Sobre ciência, conhecimento e arquitetura. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 175.02, Vitruvius, dez. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.175/5377>.

Canal do Mangue na Avenida Presidente Vargas
Foto Halley Pacheco de Oliveira [wikimedia commons]

“Busco discípulos para neles plantar minhas esperanças”
Rubem Alves (1)

Aos 86 anos de idade, perguntaram a Frank Lloyd Wright qual seria sua obra mais importante. Ele respondeu de pronto:

“Oh, amigo, a próxima, naturalmente!” (2).

Ao ingressar no Colégio de França, Roland Barthes observou:

Se quero viver, devo esquecer que meu corpo é histórico, devo lançar-me na ilusão de que sou contemporâneo dos jovens corpos presentes, e não de meu próprio corpo, passado. [...] periodicamente devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou [...] deixar-me levar pela força da vida viva: o esquecimento” (3).

Inspirado nestes dois manifestos à vida e confortado pela possibilidade do esquecimento, repentinamente me senti embalado pela doce ilusão de que “não tenho a idade de meu corpo” (4). Nesta perspectiva e sendo professor de arquitetura, vou tentar explicar minha visão de mundo, de conhecimento e de ser arquiteto; vou falar de algumas inquietações do presente e da esperança de um horizonte de futuro.

Esperança significa desejo, fé, confiança... e está associada a sonho, a desejo e horizonte.

Horizonte, por sua vez, é

“parte inseparável da paisagem. Não pode haver uma paisagem sem um horizonte, nem um horizonte sem uma paisagem. Mas o horizonte não é a paisagem. O horizonte recua à medida que você caminha em direção a ele e ele continua sendo o horizonte; à medida que você se move, o horizonte muda, e portanto ele não é, na realidade, alguma coisa absoluta. É um conceito que muda” (5).

Esta perspectiva me fascina porque desestabiliza nosso estar no presente, que muda conforme mudam os interesses que dão formas ao passado e ao futuro; assim que é especificado nosso estar no presente se converte em passado.

Se o interesse configura o presente, a noção de transição linear de passado, presente e futuro perde o sentido. O presente deixa de ser um momento particular no tempo para se transformar em um contínuo processo de estar presente que não tem atributo ou localização. Seu posicionamento é móvel e resulta da interação entre passado e futuro. Nessa perspectiva também é ilusório falar de um passado objetivo.

Meu estar presente flutua entre no fluxo dos tempos das lembranças e das esperancas. Ele me reporta a experiências já vivenciadas que configuram um estar presente feito de lembranças que também influencia meu entendimento de conhecimento, conhecimento científico, sabedoria e suas relações com a arquitetura e seu ensino.

Sendo um processo que envolve “um conjunto de ações ou explicações que permitam que alguém com elas se familiarize” (6), nosso entendimento de conhecimento depende do que consideramos como aquisição de conhecimento. Alinhado com a proposição “viver é conhecer”, de Francisco Varela e Humberto Maturana (7), diferentemente do que afirmam muitos professores de arquitetura, conhecimento não é algo que se adquire: é algo que se vive; é algo que resulta de nossa experiência!

Nessa perspectiva, todo professor deveria se transformar em alguém que em seu dia-a-dia na sala de aula procura equilibrar razão e coração; que deveria utilizar a linguagem do coração para lidar com os problemas da razão. Mas equilibrar razão e coração não é tarefa simples. Implica saber abrir mão de convicções. Um professor com muitas convicções não dialoga: discursa. Esta não foi uma descoberta simples. Ela foi amadurecendo com o tempo.

Esse processo de amadurecimento pela experiência é confirmado por Roland Barthes:

“Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome, que ousarei tomar aqui sem complexo, na propria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível” (8).

Um professor experiente deve ser capaz de saborear a alegria da descoberta dos alunos.

Fiz esta volta para explicar que não vejo o conhecimento como um saber abstrato e insípido. Como estamos “imersos” no ambiente em que vivemos, não temos como conhecer ou descrever “objetivamente” os ambientes ou eventos nos quais estamos envolvidos. Não conseguimos diferenciar o que é próprio do ambiente ou do evento do modo como experienciamos ou percebemos esses ambientes ou eventos.

Precisamos aprender a lidar com uma relação instável e dinâmica de interdependência entre as pessoas e o meio. Nossa relação com o ambiente e com os outros é uma relação de duplo sentido que depende daquilo que acontece na comunicação entre ambos. Produzimos um mundo ao mesmo tempo em que somos por ele produzidos. Aquilo que costumamos chamar de “realidade” é apenas uma construção de realidade.

Isto explica a impropriedade do termo transmissão de conhecimento ou informação. Como toda relação de troca, os envolvidos se apropriam daquilo que é do seu interesse ou necessidade. Mas aos olhos da ciência, a realidade só pode ser vista por meio de teorias, hipóteses ou números.

Crítico das verdades triunfantes, Boaventura de Souza Santos (9) observa que a ciência é uma das tantas formas que nós humanos utilizamos para explicar nosso estar no mundo. Segundo ele, a Ciência não é, necessariamente, a melhor ou a mais certa.

Na mesma linha de raciocínio, Manoel de Barros esclarece que “a ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos” (10).

Também crítico, Rubem Alves observa que a ciência “nasceu da desconfiança dos sentidos. Ela acredita que a realidade é como uma mulher pudica; que aquilo que a gente vê não é a verdade. Ela fica envergonhada quando é vista por meio dos sentidos. Esconde-se deles. Dissimula. Engana” (11).

Como ele, tenho uma relação de dependência e fascínio com a ciência e com a tecnologia. Mas também sou fascinado pela beleza de um poema ou de um quadro; com a melodia de uma canção, o aroma de pão fresco (e, também, o “aroma” do Canal do Mangue), ou o sabor de uma feijoada. Preciso (e dependendo) do conhecimento cientifico, dos artefatos tecnológicos e, também, das qualidades percebidas. Mas as qualidades percebidas não são científicas: são qualidades relacionais ou conhecimentos produzidos durante a experiência do nosso viver-no-mundo (12).

A arquitetura também lida com ambas. Segundo Vilanova Artigas, arquitetura tem seus métodos próprios que não podem ser confundidos com os métodos da ciência ou da tecnologia (13). Diferentemente do discurso que vem progressivamente ganhando corpo no discurso acadêmico, a arquitetura combina a materialidade dos edifícios e lugares com os elementos humanos de quem os habita. Conhecimento em arquitetura combina ciência, tecnologia e subjetividade; comporta dois ângulos distintos: materialidade e qualidades.

Com relação à sua materialidade, os edifícios e lugares podem ser conhecidos e tratados como entidade científica ou tecnológica. A lógica construtiva dos materiais, seus princípios e elementos constitutivos são, por assim dizer, universais e podem ser analisados a partir de teorias ou hipóteses.

Com relação às qualidades, existem edificios e lugares que emocionam e provocam a imaginação de muitas pessoas. Outros são ambíguos: agradam alguns, desagradam outros. Mas estas qualidades não podem ser fielmente interpretadas a partir de conceitos, nem representadas ou resumidas por teorias, que “podem ser rígidos ou limitados demais para expressar a natureza dinâmica dos sentidos do corpo e da mente” (14). Não existem edifícios ou lugares belos em si. Suas qualidades são produzidas nas interações entre as entidades com eles implicadas.

A beleza do Palácio Gustavo Capanema é resultado de um processo envolvendo as características físicas do edifício, as cores e texturas de seus materiais, suas dimensões; seu diálogo dinâmico com a paisagem natural e construída, com os fluxos das pessoas, veículos ou animais; com a temperarura ambiente, as sonoridades e aromas; com os artigos e reportagenss.

Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro
Foto Paulo Afonso Rheingantz, 2009

Outro bom exemplo é o High Line Park, em Nova York, projetado e construído sobre o viaduto de uma antiga linha férrea conhecida como West Side Line, que atravessa alguns edifícios do Lower West Side de Manhattan e foi desativada na década de 1950. Projetado pela empresa de paisagismo de James Corner Field Operations e pelos arquitetos Diller Scofidio + Renfro, o setor sul foi aberto em junho de 2009; o setor intermediário, em junho de 2011 e o setor norte em 2014.

High Line Park, Nova York
Foto Paulo Afonso Rheingantz, 2011

A abertura do parque induziu mais de 30 projetos nas imediações. O projeto recuperou um equipamento em desuso, de qualidade estética questionável, que revitalizou o bairro. A qualidade dos elementos e equipamentos tem sido plenamente assimilada, apropriada e usufruída. Quando o visitei, presenciei até um casamento.

Casamento no High Line Park, Nova York
Foto Paulo Afonso Rheingantz, 2011

Mas a plenitude do Palácio Gustavo Capanema e do High Line Park só pode ser reconhecida e usufruída quando interagimos com eles. Como a doçura do açúcar, ela se produz durante a experiência. Depois ela fica armazenada em nossa memória. A qualquer momento podemos senti-la, revivê-la. Mas quem nunca provou as suas qualidades não tem possibilidade de reviver a experiência do outro.

Segundo Laing,

“Qualquer experiência da realidade é indescritível! Olhe ao seu redor por um instante e veja, ouça, cheire e sinta onde você está. [...] Sua consciência pode partilhar de tudo isso num único instante, mas você jamais conseguirá descrever tal experiência” (15).

Estas peculiaridades são importantes para nós arquitetos. Nossos projetos somente podem ser plenamente usufruídos depois de construídos e em uso. Antes da construção, a experiência e a comunicação serão incompletas. Mas sua explicação pode ser mais ou menos clara. Este é o papel dos desenhos, maquetes físicas ou virtuais, animações, analogias e metáforas. Quando adequadamente utilizados, contribuem para reduzir as diferenças e aproximar os tomadores de decisão de uma situação em contexto real. Para nos comunicarmos, utilizamos todos os sentidos e recursos disponíveis (16).

Por exemplo, durante a elaboração do projeto, “imaginamos” o edifício em uso, mas não temos a capacidade de usufrui-lo em toda sua plenitude. Também precisamos nos comunicar com os construtores, usuários e clientes de modo que eles também possam imaginá-lo e “visualizá-lo” em suas mentes antes de estar construído. Neste caso, os desenhos e modelos devem ser capazes de despertar o interesse e o conhecimento de todas as pessoas envolvidas no processo.

As pessoas desenvolvem elos afetivos – de afeto ou de repulsa – com os lugares e edifício. Estas relações também não são contempladas pela objetividade da ciência. Elas se relacionam com as qualidades ou subjetividades.

Minha relação com o Canal do Mangue ilustra a dificuldade de operar com estas subjetividades: quando criança, minha família costumava passar as férias de julho no Rio de Janeiro. Minha mãe é carioca e vínhamos de carro visitar avós, tios e primos. Naquele tempo, o acesso mais fácil para a Zona Sul, onde moravam nossos parentes, era pela avenida Francisco Bicalho. Quando entrávamos na avenida Francisco Bicalho, meu pai costumava dizer: “chegamos ao Rio!

Como a frase era acompanhada pelo “aroma” do canal do Mangue, associei ambos: quando sentia aquele cheiro, sabia que tínhamos chegado ao Rio. Ainda hoje o cheiro do Canal desperta em mim boas lembranças. Gosto do seu cheiro pelas lembranças que me traz, não pelas suas qualidades”.

A busca para conciliar a materialidade com as qualidades percebidas me conduziu a um campo de investigação denominado Estudos CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade), que entende o conhecimento científico e tecnológico como:

  • uma construção em permanente transgressão das fronteiras arbitrárias entre o “técnico”e o “social” (17);
  • que explora a noção de redecomoconceito-chave para compreender a instabilidade de referenciais que dificultam o entendimento dos modos pelos quais nos constituímos em sociedade na atualidade;
  • que substitui a linha divisória entre natureza e sociedade pela noção de coletivo, termo que se refere à associação de humanos e não-humanos – seres animados, objetos concretos, saberes e técnicas.

Por exemplo, a experiência que estamos produzindo em uma sala de aula mobiliza e relaciona sala, mobiliário, recursos técnicos e as pessoas presentes; ela deve resultar em tantas traduções quantas são as pessoas presentes. A experiência comum configura um “coletivo” cujo movimento “apaga” as fronteiras entre sujeito e objeto.

Sala de aula da disciplina Projeto de Arquitetura 1
Foto Paulo Afonso Rheingantz, 2002

Neste ponto, meu interesse se volta para refletir sobre as implicações do entendimento de arquitetura, urbanidade, de qualidade do lugar na perspectiva de “coletivos”. Entendendo arquitetura como uma arte utilitária, associo o entendimento de “coletivo” com o de urbanidade – que, por sua vez, se confunde com o entendimento de qualidade do lugar – como o resultado de um conjunto de relações envolvendo diversos atores, tais como edifícios, passeios, praças, mobiliário urbano, moradores, frequentadores, poder público, concessionárias de serviços, veículos e animais, livros, artigos, imagens.

Sendo a “realidade” também é uma “construção em permanente transgressão a fronteiras arbitrárias entre o técnico e o social (que) gera uma legião de híbridos de ciência e cultura” (18), é preciso traduzi-la continuamente. Mas traduzir supõe percepção, interpretação, traição e apropriação; envolve tanto a possibilidade de equivalência quanto a transformação; também envolve a possibilidade dela vir a ser recusada, negociada ou até mesmo de ser novamente traduzida (19).

notas

NE — Adaptado da conferência “Dilemas e Compromissos da Arquitetura e do Ensino de Projeto na Atualidade”, proferida no Concurso Público de Provas e Títulos para Provimento de Vaga de Professor Titular do Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio de Janeiro, agosto de 2011.

1
ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência. 14ª edição. São Paulo, Loyola, 2005.

2
WRIGHT, Frank Lloyd. El futuro de la arquitectura. Buenos Aires, Poseidon, 1978, p. 29.

3
BARTHES, Roland. A aula. 12ª edição. São Paulo, Cultrix, 2004, p. 46-47.

4
Idem, ibidem, p. 47.

5
STEINDL-RAST, David. Apud CAPRA, Fritijof; STEINDL-RAST, David. Pertencendo ao universo. São Paulo, Cultrix, 1991, p. 95.

6
LATOUR. Bruno. Ciência em ação. São Paulo, Editora Unesp, 2000, p. 357.

7
MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore da vida. Lisboa, Psy, 1995.

8
BARTHES, Roland. Op. cit., p. 47.

9
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Lisboa, Afrontamento, 1995.

10
BARROS, Manuel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro, Record, 1996.

11
ALVES, Rubem. Op. cit., p. 101 (grifo meu).

12
Idem, ibidem.

13
ARTIGAS. João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo, LECH, 1981, p. 95-100.

14
TULKU, Tarthang. Conhecimento da liberdade: tempo de mudança. 2ª edição. São Paulo, Instituto Nyingma do Brasil, 1997, p. 229.

15
LAING, Ronald David. Apud CAPRA, Fritijof. Sabedoria incomum. São Paulo, Cultrix, 1991, p. 111.

16
DAMÁSIO, António. O erro de Descartes. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

17
CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro, Relume Dumará/Faperj, 2007.

18
Idem, ibidem.

19
LAW, John. After Method: mess in social science research. Oxon/Nova York, Routledge, 2008.

sobre o autor

Paulo Afonso Rheingantz é arquiteto (1976), doutor em engenharia de produção (UFRJ, 2000), pós-doutorado na California Polytechnic State University, San Luis Obispo (2008). Professor Associado aposentado da Universidade Federal doRio de Janeiro, com atuação no Programa de Pós-graduação em Arquitetura (Teoria e Prática do Ensino de Projeto e Avaliação de Desempenho do Ambiente Construído).

comments

175.02 ensino
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

175

175.00 patrimônio

Maldita memória

Sobre a tirania da memorização e os anacronismos de um patrimônio refém

Cecília Rodrigues dos Santos and Sonia Marques

175.01 patrimônio

A persistência de uma ideia

Sagres e os riscos dos monumentos modernos de Lúcio Costa

José Pessôa

175.03 projeto

Tropical Hotel Santarém, de Arnaldo Furquim Paoliello

Uma “pérola” moderna na Amazônia

Ricardo Alexandre Paiva

175.04 exposição

Brasil, 1914-2014: modernidade como tradição

Pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza 2014

André Corrêa do Lago

175.05 direito

Arquitetura e ciência

Direito, urbanismo e cidadania

Eunice Abascal and Carlos Abascal Bilbao

175.06 exposição

Paisagens justapostas: colagens

Exposição Território de Contato, módulo 3: MMBB Arquitetos e Gisela Motta & Leandro Lima

Marta Bogéa and Abilio Guerra

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided