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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Aborda-se a arquitetura popular goianiense, compreendida como Kitsch, e a sua relação com o gosto, atentando para sua posição como transgressora dos padrões convencionais, bem como para os aspectos que a individualizam e diferenciam.

english
It presents popular architecture in Goiânia as kitsch, as well as its relation with taste, examining its status as transgressor of conventional standards and the aspects which both individualize and distinguish.

español
Se ocupa de la arquitectura goianiense popular, entendida como kitsch, y su relación con el sabor, señalando su posición como transgresora de las normas convencionales, así como para los aspectos que la individualizan y la diferencian.


how to quote

OLIVEIRA, Adriana Mara Vaz de; MONIOS, Mathias Joseph. Transgressão na arquitetura popular. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 189.04, Vitruvius, fev. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.189/5954>.

Os motivos

Os estudos da arquitetura brasileira concentram-se, majoritariamente, nas manifestações eruditas, porque essas seduzem pela autoria e rigorosidade do desenho, riqueza dos materiais e meios de construção, assim como pelo significado assumido diante da sociedade e da historiografia. Por outro lado, as expressões vernáculas e populares, presas ao campo da práxis, pouco se constituíram em interesse de estudo, pois, para muitos, não eram consideradas arquitetura e não se sustentavam como objeto de pesquisa. Essa constatação particulariza-se em Goiás, onde se reconhecem os estudos descritivos da arquitetura oficial e religiosa do século 18, da arquitetura art déco goianiense e da arquitetura moderna das décadas posteriores a 1960, e pouco se investiga acerca das construções dos homens comuns.

Na contramão dos estudos hegemônicos, interessei-me pelas manifestações arquitetônicas da práxis durante a década de 1990, por meio do conteúdo de uma disciplina que ministrava. Posteriormente, este interesse estendeu-se para o mestrado e doutorado, cujos temas circunscreviam à vernaculidade da arquitetura goiana. A vernaculidade é compreendida como o que é próprio do lugar, identificado no âmbito do agenciamento dos espaços, dos materiais e técnicas construtivas, da forma arquitetônica gerada e, em especial, do modo de morar, revelando o que é tradicional. Nesse sentido, interessava em minhas pesquisas a casa do homem comum – compreendido aqui como aquele que tem uma participação direta e efetiva na concepção e construção de sua morada –, visto que a indissolubilidade entre ambos no processo de realização e apropriação desta casa lhe conferia maior legibilidade. Essas pesquisas resultaram em dois livros (1), artigos e participações em eventos científicos.

Posteriormente, ampliei as abordagens sobre a arquitetura sem arquitetos, acrescentando à analise aspectos ligados à contemporaneidade – tais como as transformações decorrentes de diversos fatores, que vão desde a industrialização dos materiais de construção até a interferência da globalização nas ações de morar. Deste modo, no âmbito desta arquitetura nomeada popular, identificam-se aspectos tradicionais que se imbricam com outros advindos da modernidade, especialmente voltados ao desejo de personalização ou individualização da morada, afastando-se da tradição.

No mundo cada vez mais globalizado e tecido por um emaranhado de redes que transformam o cotidiano de todos, constata-se a fragilidade da arquitetura vernácula em detrimento daquela popular. Contudo, isso não significa a desqualificação da arquitetura vernácula, visto que aquela popular coloca-se como uma manifestação híbrida com o vernáculo, perceptível no mundo da casa, do bairro, da cidade, em permanente diálogo com o homem que vivencia tais espaços. Dessa forma, compartilha-se da posição de Nestor Canclini (2) e sua discussão sobre culturas híbridas, ao tratar das junções ou sobreposições entre a tradição e a modernidade.

Nesse âmbito, iniciei a pesquisa intitulada “Arquitetura dos sentidos: entre o vernáculo e o popular”, voltada para o conhecimento e registro dessas expressões arquitetônicas em Goiânia. Esta cidade projetada no século 20 coloca-se como recorte espacial porque foi locada em um território anteriormente ocupado, com pré-existências que indicam a vernaculidade da sua arquitetura, mas, simultaneamente, como capital do estado e pólo de atração regional, posiciona-se como interlocutora entre as tradições e as novidades, tornando-se lugar privilegiado das manifestações híbridas.

A referida pesquisa ainda está em andamento, mas já possibilita algumas constatações, como a quase inexistência de casas vernáculas, a preponderância de certas tipologias formais, a diversidade das iniciativas de individualização, a autonomia no uso das cores e revestimentos, entre outros (3). Não interessa aqui fazer um relato de toda pesquisa, mas abordar alguns aspectos, principalmente no que se refere à arquitetura popular goianiense e a sua relação com o gosto. Nesse sentido, tal arquitetura é analisada mediante a sua compreensão como objeto kitsch e sua posição como transgressora dos padrões convencionais, atentando para os aspectos que a individualizam e diferenciam.

Popular, kitsch e transgressão

O livro Arquitetura kitsch suburbana e rural de Dinah Guimaraens e Lauro Cavalcanti serviu de referencia para a problematização aqui proposta. Publicado pela primeira vez em 1982, o texto visava romper com os cânones do ensino acadêmico ao direcionar seus olhares para uma produção arquitetônica sem arquitetos, de subúrbio, mas muito rica e original. Diferentemente da arquitetura com autoria, essas manifestações arquitetônicas de classes sociais menos favorecidas – exemplos de arquitetura popular – apresentavam elementos estéticos considerados de mau gosto, o que os levou a adotar a denominação arquitetura kitsch para tal produção.

Conforme Abraham Moles (4), a palavra kitsch surgiu na Alemanha no final do século 19, derivada de kitschen que significava atravancar, amontoar detritos ou barro nas ruas e, em particular, fazer móveis novos a partir de velhos, ou poderia ser oriunda de verkitschen, que tem o sentido de trapacear, vender uma coisa no lugar de outra. De uma forma ou de outra, havia uma negação do autêntico. O autor afirma que o termo surge em decorrência da produção industrial, do desenvolvimento tecnológico, da urbanização, do enfraquecimento das culturas tradicionais e do surgimento da chamada cultura de massa. Dessa forma, esse termo é empregado para designar uma categoria de objetos vulgares e de mau gosto, cópias imperfeitas dos modelos artísticos da elite, e que se destinam ao consumo de massa. E completa:

O fenômeno kitsch baseia-se em uma civilização consumidora que produz para consumir e cria para produzir, em um ciclo cultural onde a noção fundamental é a de aceleração. Digamos que o homem consumidor está ligado aos elementos materiais de seu ambiente e que o valor de todas as coisas altera-se em virtude dessa sujeição (5).

Como avaliou Eco (6), a categoria kitsch é compatível com a definição de mau gosto, em arte, como pré-fabricação e imposição do efeito. Pré-fabricação porque parte-se de uma elaboração artística, imitando-a e dotando-a de características próprias. Imposição do efeito porque induz à fruição equivocada, reforçando o estímulo sentimental.

Apesar da opção do adjetivo kitsch para a arquitetura, Guimaraens e Cavalcanti (7) perceberam de antemão que as casas pesquisadas não eram simples repositórios de objetos industrializados, como pressuporia a sua nomeação, e mereciam uma discussão mais apurada sobre o gosto. Assim, compreenderam que o conceito de kitsch poderia ser desmembrado em passivo e criativo, tornando-o mais adequado ao objeto. O kitsch passivo seria aquele “inerente apenas ao consumo [e] próprio de uma classe média em ascensão [...] em [...] busca de um status sociocultural, ocorrendo daí a necessidade de um consumo desenfreado de produtos industrializados, geralmente em imitação aos elementos típicos da elite” (8). O kitsch criativo, ao contrário, seria aquele em que há a “intervenção efetiva na concepção/feitura dos espaços/objetos que o circundam [...], ficando sempre assinalada a ‘marca’, a inventividade do autor” (9).

A partir dessa posição, os autores estabelecem parâmetros para pensar essa arquitetura kitsch e popular como vanguarda. A discussão prende-se na dialética entre arte de consumo e vanguarda, em que se percebe que a primeira alimenta-se continuamente das descobertas da segunda e vice-versa. Suas verificações apoiam-se em Clement Greenberg que, em um texto de 1939, já havia discutido a relação entre Kitsch e vanguarda, abordando questões políticas. Esse autor aponta o uso do kitsch como forma de dominação dos governos totalitários na Europa do início do século 20, na proporção em que a arte oficial torna-se aquela advinda da cultura de massa, marginalizando a arte crítica e vanguardista. Os autores ainda utilizam Umberto Eco para comentar que

‘enquanto a vanguarda (entendida como a arte na sua função de descoberta e invenção) imita o ato de imitar, o kitsch (entendido como cultura de massa) imita o efeito da imitação’. Logo, a vanguarda, ao fazer arte, ‘põe em evidência os processos que levam à obra e os elege para objeto do próprio discurso’, enquanto o kitsch ‘põe em evidência as reações que a obra deve provocar e elege, para finalidade de própria operação, a reação emotiva do fruidor’. [...] a relação dialética existente entre vanguarda e kitsch tenderia a subsistir, pela pretensão da indústria da cultura em impingir uma série de mensagens, emitidas com o fim de satisfazer certas exigências, e entendidas como arte. Tanto a vanguarda surgiria, então, ‘como reação à difusão do kitsch’, como o próprio kitsch se renovaria ‘justamente tirando um contínuo proveito das descobertas da vanguarda’ (10).

Em conclusão, os autores destacam que as relações entre kitsch e vanguarda se estabelecem em torno da novidade, em que a vanguarda seria o novo ao nível da produção e o kitsch ao nível do consumo. Essa oposição entre produção e consumo indica também uma oposição entre duas classes de mercado – um restrito das camadas superiores e outro amplo das camadas populares. Dessa forma, ambos – vanguarda e kitsch – seriam tentativas de ruptura com padrões da cultura de elite ou oficial, seja como contraposição ou reinterpretação.

Se a arquitetura popular/kitsch torna-se novidade ao nível do consumo, podemos pensá-la ainda como transgressora. A palavra transgressão, segundo Houaiss (11), etimologicamente quer dizer “ação de passar de uma parte a outra, de atravessar; violação, infração.” O verbo transgredir significa, num primeiro sentido, “ir além de, atravessar” e em outro sentido “não cumprir, não observar (ordem, lei, regulamento etc.), infringir, violar”, sendo que a etimologia da palavra, do latim transgredere, indica “passar além, passar do outro lado, atravessar, ou figurativamente, “passar de uma coisa a outra; percorrer de uma extremidade a outra; expor completamente”.

A arquitetura popular/kitsch transgride porque assume padrões que não são seus, modificando-os, indo além do que é esperado, inovando. Essa transgressão é perceptível no que Guimaraens e Cavalcanti nomeiam de kitsch criativo, pois a inventividade do morador/construtor se apresenta. Em grande parte dessa arquitetura inventiva, utiliza-se a bricolagem. O bricoleur, de acordo com Levi-Strauss (12) é

o que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a ausência de um plano preconcebido e se afastam dos processos e normas adotados pela técnica. Caracteriza-o especialmente o fato de operar com materiais fragmentários já elaborados [...]. [...] [esses] elementos são recolhidos ou conservados em função do princípio de que “isso sempre pode servir”.

Mas não é somente na bricolagem que a transgressão se manifesta. A utilização inesperada de algum elemento, o uso surpreendente das cores, entre outros. A transgressão torna-se invenção porque se cria algo, de caráter original e individual, ainda que, para muitos, seja kitsch, de mau gosto.

A pesquisa...

Goiânia é uma cidade planejada, nascida no início dos anos de 1930, que trás consigo a marca da modernidade. O planejamento urbano e a vida moderna se justapuseram ao jeito tradicional de morar goiano, mas não impediram as suas manifestações. Em decorrência das pré-existências do local – especialmente a cidade de Campinas e as fazendas da região – e dos homens que construíram a nova capital, considera-se que a arquitetura popular goianiense traz consigo elementos da tradição vernácula goiana. Essa tradição foi transferida à capital e hibridizou-se com novos estilos de vida, modos construtivos e comportamentos dos seus moradores oriundos de diferentes regiões. Com o passar do tempo e a aceleração das transformações conjunturais, em que se acentuam os valores modernos em detrimento dos tradicionais, verifica-se a diversidade da arquitetura popular goianiense. Desse modo, nos interessa perscrutar as suas diversas faces.

O primeiro passo da pesquisa concentrou-se na identificação das casas populares mais antigas averiguando as permanências e as alterações. Para encontrá-las, esquadrinharam-se os bairros que surgiram com a cidade ou mesmo a antecederam. Assim, foram percorridos os bairros Setor Central, Setor Campinas, Vila Isaura, Vila Irany, Setor dos Funcionários, Setor Criméia Leste, Setor Centro Oeste, e outros nas imediações. Nesses bairros, encontram-se exemplares com significativa influência da arquitetura tradicional e os modelos de moradia introduzidos pelo Estado, afeitos às propostas modernas de morar.

Após esse reconhecimento das moradas ancestrais, nos encaminhamos para outros bairros, de ocupação mais recente, onde mora a população construtora de suas casas. Foram registradas aquelas moradias que se sobressaem por seu apego às tradições construtivas – aproximando-se da arquitetura vernácula goiana –, pela representatividade dentro do conjunto – constituindo-se numa tipologia – e por sua originalidade. Nesse artigo, a originalidade remete à inventividade do kitsch, anteriormente discutido.

No que se refere aos aspectos externos das casas, a originalidade é reconhecida nos fechamentos frontais dos lotes urbanos (tipos, materiais, cores, detalhes), nos estilemas (traços de linguagens arquitetônicas) da forma, nos revestimentos das fachadas (materiais, formas de uso e cores) e nos objetos decorativos.

A originalidade transgressora, arquitetura popular de Goiânia
Foto divulgação [acervo do autor]

Nos fechamentos dos lotes encontram-se muros, muretas com grades e grades altas. Na maioria das vezes, esses fechamentos frontais tornam-se as fachadas das casas, porque os moradores também vivem sob a égide da insegurança. Os materiais de construção utilizados são pouco variados, entre os quais aparecem tijolo, perfis metálicos, ferro fundido e laminado, pedra, cerâmica e argamassa de cimento. A originalidade transgressora aparece na utilização inusitada de algum material – um muro feito de recortes de mármore e granito, como exercício de bricolagem –, no desenho – um sol desenhado na massa de cimento, flores estrategicamente colocadas nas grades –, ou na utilização de cores – um morador flamenguista colore o muro de sua casa de vermelho e preto e reforça com a pintura do emblema do time no portão. O gosto pelas cores fortes aparece na combinação do roxo com verde, no amarelo com vermelho, no rosa com verde, e todas as paletas sem pretensão de austeridade, pelo contrário, presidem a alegria e a verdade.

O morador flamenguista, arquitetura popular de Goiânia [Acervo do autor]

A transgressão também se manifesta na “cópia” despretensiosa da arquitetura de autoria que se vê nos bairros de moradas de luxo ou mesmo nas novelas da televisão. Percebem-se referências ao art déco nas casas mais antigas, em decorrência da eleição desse estilo na construção de edifícios oficiais da cidade, gerando admiração ao morador que na casa o coloca. Os estilemas oriundos da arquitetura moderna são muito frequentes e surgem em forma de revestimentos, de artefatos cimentícios e de azulejos, platibandas que escondem as coberturas, formas prismáticas regulares, pilaretes metálicos e rampas sinuosas.

Os revestimentos das fachadas quase sempre reproduzem aqueles já utilizados no fechamento frontal. Aliás, nas casas pesquisadas, reconhece-se a preocupação com a fachada frontal em detrimento das demais. Capricha-se nos revestimentos e desenhos, diferenciando-as das outras, seguindo uma tradição brasileira. São listras em materiais diferentes, são cerâmicas imitando pedra ou madeira, cascalhos ou britas somados a massa do reboco dos muros, entre outros. A forma da casa reproduz-se indistintamente, diferenciando-se nesses aspectos, gerando individualidade e personalização.

O gosto pelas cores fortes, arquitetura popular de Goiânia
Foto divulgação [acervo do autor]

Nos fechamentos, nas fachadas e mesmo nas calçadas aparecem detalhes singulares: jarros de cimento ladeando o portão, vasos e manilhas com plantas, recortes circulares ou retangulares nos muros para colocação de grades. As calçadas são feitas de cacos de cerâmica que se organizam em desenhos figurativos ou não, restos de bancadas de granito e mármore, cimento desenhado, enfim, alternativas aos revestimentos convencionais.

Na arquitetura popular goianiense existem objetos utilitários e decorativos. Os objetos utilitários cumprem o papel de decoração, ou melhor, individualização do morador. Um exemplo disso são as lixeiras, ou apoio para o lixo, colocadas nas calçadas. Os delicados desenhos demonstram a intenção de individualização.

O edifício de serviços adornado, arquitetura popular de Goiânia
Foto divulgação [acervo do autor]

Os objetos de adorno de jardim são comuns: anões, garças, sapos, entre outros, apontando para o caráter lúdico da morada. Em meio às casas, encontra-se um edifício de serviços que apresenta tais objetos de adorno, tornando-se surpreendente e reforçando o desejo de personalização, indiferente à questão do gosto convencional. Além desses objetos que já se tornaram recorrentes, existem outros, como aqueles encontrados em uma casa e que chamou a atenção. Na sua fachada tem uma placa dizendo “Rua Goiás” e é acompanhada de inúmeros objetos da cultura tradicional goiana – como panelas de ferro, canga de carro de boi – e outros nem tanto – como pedaços de instrumentos musicais e um poste de ferro. Em outra casa, nas faces internas dos muros de fechamento do lote, surge um painel pintado, retratando uma paisagem de lagos, montanhas, palmeiras e ipês amarelos, em que surgem araras e garças, convivendo nesse lugar idílico. O painel, na frente da casa, soma-se ao colorido das paredes – em verde, lilás e amarelo – manifestando sonhos do proprietário, que não se importa em dividi-los com os transeuntes que o observam por entre as grades.

O painel kitsch, arquitetura popular de Goiânia
Foto divulgação [acervo do autor]

A casa: transgressora?

A arquitetura popular abarca o bar da esquina, a igrejinha do povoado, a loja do chaveiro, enfim, todos os abrigos feitos pelo homem comum. De todos os abrigos, a casa tem um significado maior, porque representa quem a faz. O homem do povo tem tradição, mas também gosta de novidades, sugerindo criação e invenção. A inventividade transforma-se em ação transgressora porque expõe o que deveria estar escondido. A casa extravasa o desejo de inclusão, ainda que se manifeste contrária aos padrões comportamentais da sociedade hegemônica.

O bege, o branco, o preto e o cinza transformam-se no roxo, no rosa, no verde e no vermelho em combinações espontâneas e extraordinárias. Na verdade, ambas as paletas de cores das casas expressam o cabedal de produtos culturais de uma sociedade. Afinal,

fazer teatro, música poesia ou qualquer outra modalidade de arte [arquitetura não é arte?] é construir, com cacos e fragmentos, um espelho onde transparece, com suas roupagens identificadoras particulares, e concretas, o que é mais abstrato e geral num grupo humano, ou seja, a sua organização, que é condição e modo de participação na produção da sociedade. Esse é, a meu ver, o sentido mais profundo da cultura “popular” ou outra (13).

Ainda que o kitsch seja inerente à cultura de massa e o desejo de individualização decorrente da sociedade de consumo, a criatividade implícita na arquitetura que assim se rotula se converte em transgressão. A transgressão se exemplifica na singularidade, que

consiste en un sentimiento o percepción que puede ser provocado por um número considerable de experiencias diversas, las quais incluyen, aunque no exclusivamente, la experiencia de la autenticidad. [...] la singularidad sugiere uma distinción supuestamente valiosa. [...] no es algo intrínseco a un objeto, sino que tiene lugar más bien en la interacción histórica entre le sujeto y la experiencia (14).

notas

NA – Artigo publicado em MONTEIRO, R. H. e ROCHA, C. (Orgs.). Anais do VI Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Goiânia, UFG/Núcleo Editorial FAV, 2013, p. 344-355.

1
OLIVEIRA, Adriana Mara Vaz de. Uma ponte para o mundo goiano do século XIX: um estudo da casa meia-pontense. Goiânia, Agepel, 2001.

OLIVEIRA, Adriana Mara Vaz de. Fazendas goianas: a casa como um universo de fronteira. Goiânia, Editora UFG, 2010.

2
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo, Edusp, 2006.

3
MONIOS, Mathias Joseph, OLIVEIRA, Adriana Mara Vaz de Oliveira. Registros da arquitetura vernácula e popular em Goiânia. 2012. Relatório final de Iniciação científica 2011/2012.

4
MOLES, Abraham. O kitsch: a arte da felicidade. 5ª edição. Tradução Sérgio Miceli. São Paulo, Perspectiva, 2001.

5
Idem, Ibidem, p.2 0-21.

6
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 7ª edição. Tradução Pérola de Carvalho. São Paulo, Perspectiva, 2011.

7
GUIMARÃES, Dinah; CAVALCANTI, Lauro (1982). Arquitetura kitsch: suburbana e rural. 3ª ediçãoRio de Janeiro, Paz e Terra, 2006.

8
Idem, Ibidem, p. 41.

9
Idem, Ibidem, p. 42.

10
Idem, Ibidem, p. 38.

11
Dicionário Houaiss. Disponível em: <www.uol.com.br>. Acesso em: mar. 2013, s/p.

12
LEVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. 5ª edição. Tradução Tânia Pellegrini. São Paulo, Papirus, 2005, p. 32-33.

13
ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. 13ª edição. São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 78.

14
OLALQUIAGA, Celeste. El reino artificial: sobre la experiência kitsch. Barcelona, Gustavo Gili, 2007, p. 17.

sobre os autores

Adriana Mara Vaz de Oliveira é arquiteta e doutora em história pela Unicamp, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e do programa de pós-graduação Projeto e Cidade da Faculdade de Artes Visuais (UFG).

Mathias Joseph Monios é arquiteto, professor substituto da Escola de Agronomia (UFG) e aluno do programa de pós-graduação Projeto e Cidade da Faculdade de Artes Visuais (UFG).

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