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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo pretende registrar a história da Igreja Matriz de Santo Antônio de Itatiaia, distrito de Ouro Branco, Minas Gerais. Há pouco material publicado sobre essa que é uma das primeiras igrejas do estado e que remete ao começo do século 18.

english
This article aims to record the history of the Mother Church of St. Anthony of Itatiaia, Minas Gerais. There is little published on it, considering it is one of the first churches in the state and it takes back to the beginning of the eighteenth century.

español
Este artículo tiene como objetivo registrar la historia de la Iglesia Madre de San Antonio de Itatiaia, Minas Gerais. Hay poco material publicado en este que es una de las primeras iglesias en el estado y que se refiere al principio del siglo 18.


how to quote

GUTVILEN, Alexandre; SILVA, Fernanda dos Santos; PEDROSA, Joicidele; ISENSCHMID, Julia; PAIVA, Tatiana. Matriz de Santo Antônio de Itatiaia MG. História e estado de conservação. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 192.01, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.192/6055>.

“São muitos anos de história. Pedra sobre pedra, lavra e entalhe, prata e douramento. Uma herança a que nossos avós nos legaram. É responsabilidade nossa transmitir esta herança a nossos filhos” (1).

Esta frase, que aparece em uma reportagem de jornal, quando noticiava a restauração da Igreja Matriz de Itatiaia, distrito de Ouro Branco, retrata o desejo de passar a diante a história de uma igreja tão importante para Minas Gerais. Neste artigo, procuraremos tratar dessa herança, que é uma das joias do estado, explorando seus aspectos construtivos e arquitetônicos bem como o histórico das intervenções.

Encontrados no acervo do Iphan de Belo Horizonte, são analisados os seguintes documentos: Inventário de 1814, feito pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. Cartas dos anos de 1949,1951 e 1952 entre o chefe do 3º distrito do Dphan, Sylvio de Vasconcellos, e o Diretor Geral, Rodrigo Melo Franco de Andrade. O levantamento cadastral, realizado pelo Instituto Pró-Memória, junto ao Ministério da Educação e Cultura e Secretaria da Cultura, em 1983, que impulsiona o processo de tombamento e restauração e, faz um levantamento vasto dos documentos da igreja desde 1714, passando pelos livros das irmandades, livro de notas e visitas, termo de visitas canônicas e paroquiais, etc. Além da restauração realizada pelo Iphan, em 1983. O inventário de bens móveis e integrados, do Pró-Memória, de 1989, e outros documentos mais recentes entre 1991 e 2014, que dão um panorama do estado atual da edificação.

Itatiaia: do povoado ao Distrito de Ouro Branco

Itatiaia, que hoje é distrito de Ouro Branco, certamente tem sua origem ainda no final do século 17, uma vez que já, em 1712, há o primeiro registro de batismo na atual igreja de Santo Antônio, matriz do distrito. Sua origem está ligada, portanto, aos primeiros registros de ocupação do território mineiro, embora, os documentos apresentados aqui, digam pouco sobre a vida da comunidade. Para chegar a Vila Rica, uma das principais opções de trajeto de paulistas e cariocas passava por Itatiaia.

A história das intervenções na edificação

As datas apresentadas no texto foram retiradas do levantamento cadastral feito em 1983 pelo Instituto Pró-Memória (2), baseado na documentação do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Foi realizado um levantamento de toda documentação encontrada da Igreja.

A história da edificação tem dois momentos construtivos. O primeiro, da capela primitiva, de pau-a-pique, ainda existente, data de 1714. E o segundo refere-se a construção da nave, em pedra que teve início em 1741 com os pedidos de construção pelos cônegos do Rio de Janeiro, em visita à igreja, mas que se estende até o começo do século 19 com a construção em condições de uso, embora não finalizado (3).

Matriz Santo Antônio, fachada lateral e posterior, Itatiaia
Foto Fernanda Silva, 2014

A capela primitiva, data de 1714 em função do primeiro registro de batismo realizado na igreja. Em 20 de agosto daquele ano. Mas pode ter sua origem no final do século 17, tomando relevância no começo do século seguinte, quando realizava batizados. A presença da pia batismal evidencia um fato: a igreja tinha importância e procura. Do contrário, os batizados poderiam ser realizados em Ouro Branco ou Ouro Preto. Importância que se confirma, por documento de 1733, quando por ocasião da visita canônica do Doutor Manoel da Roza Coutinho, é descrita a capela primitiva com a presença de 5 altares além de quantidade vasta de alfaias e prataria. Em 1752 a Paróquia eleva-se à colativa,(4) reforçando sua importância na região.

A capela primitiva nos remete a arquitetura religiosa do Vale do Piranga, recebendo forte influência no partido, com a presença das tribunas e em que os corredores laterais tornam-se capela do santíssimo e sacristia. Como descreve a arquiteta Delmarí Ângela Ribeiro:

“Como é típico das construções religiosas, desde o setecentos no Vale do Piranga, seu partido é retangular e não apresenta torres. A nave central se articula com a capela-mor pelo arco-cruzeiro e duas naves laterais onde se sobrepõem as tribunas. A capela-mor é ladeada pela Capela do Santíssimo e Sacristia. O frontispício apresenta composição tradicional com portada principal sobreposta por duas janelas rasgadas na altura do coro e duas janelas sineiras nas tribunas” (5).

Certamente os construtores da capela primitiva estão seguindo como parâmetros as capelas da região do Vale do Piranga. Mas, é com os pedidos de uma nova igreja que podemos concluir mais a respeito desse volume da igreja.

Com a visita de Antônio Pereira Cunha em 1741, que “ordena a construção de uma nova igreja” é que indícios são dados sobre a capela primitiva. Os desejos de uma nova igreja na região são estimulados pelo estado de degradação desta capela. Nesta mesma visita o cônego ainda aclama às irmandades da região: “esperamos que as irm.desdesta fregs.aconcorrão com o que poderem p.aque nella com mais decência possão ter colocadas as imagens dos stosque são de sua devoção” (6). Assim, atendendo, coube às Irmandades do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e São Benedito, a encomenda (7).

Em 1742, numa visita pastoral, João da Cruz reforça a necessidade de se construir uma nova igreja, e em 1744, alega que “Itatiaia encontra-se sem igreja capaz”. Já em 1761, D. José dos Santos diz em carta:

“como achey a Capella Mor com as paredes arruínadas e também a da Sachrstia, mando ao R.do.Par.corecorra ao mesmo Sn.r.para que por Sua Real Grandeza queira reedificar adta.Capella Mor e Sacristia de pedra visto ser demadrae barro a que se acha arruínada, ou (ilegível) dar hua ajuda de custo para o mesmo reedificil de que tanto se caresse” (8).

Os documentos mostram que a capela primitiva passava por momento difícil em que o processo de ruína impulsionava o desejo pela reconstrução completa da igreja, colocando essa volume a baixo para dar lugar a construção da igreja toda em pedra, como tornou-se comum na segunda metade do século 18, nessa região de Minas Gerais.

O curioso é que mesmo com tantos pedidos a capela primitiva não foi demolida, mas recuperada e incorporada na nova igreja. Em 1732, por exemplo, a Irmandade do Rosário dos Pretos anota “pello que se dispendêo com a tinta para a capella” (9). Em 22 de abril de 1744, uma visita pastoral registra que:

“Nam com pequeno sentimto., achei esta freg.asem igreja capas pela (ilegível) e pouco zello dos seus fregueses, pois o que esta principiado senão augmentada, caem (ilegível) que se fazem os officios Divinos nam está com a decencia neces.ra, pelo que exhorto, e mando aos fregueses desta freguesia cuidem em acabar a Igreja no terno de quatro meses, ao menos, a Capella Mor, para que nella esteja com mais decência o S.mo.Sacram.to,enão o fazendo no dito tempo o R.doVigrocomsumirá o Sacramento, e em quanto não houver lugar com mais decencia o nam terá no Sacrario, o que o (ilegível) de baixo da pena de Suspensam ipso facto” (10).

A necessidade era urgente e, nesse caso, não poderia esperar a construção da nova igreja, como aponta registro de visita paroquial. O estado de ruínas da capela primitiva trouxe a ordem da proibição de uso do sacrário, e consequentemente da hóstia consagrada.

Detalhe da portada de pedra sabão
Foto Fernanda Silva, 2014

Em 1800, a Irmandade do Santíssimo Sacramento paga por um conserto no telhado da capela-mor. E em 1824 um documento do livro de notas da igreja fala da “capela de madeira, reedificada de novo, toda forrada, e pintada e campada” (11). Mas pela proximidade da data do telhado, recém feito, acreditamos que trata-se, aqui, de obras de reparação, provavelmente na argamassa de cobertura, dando um aspecto novo a porção primitiva da igreja.

A partir de 1785, os documentos das irmandades apontam compras para as obras da nova igreja. As datas alcançam 1800, com a caiação (12) da igreja. A criação do Inventário feito pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 1814 pode apontar para um funcionamento ativo no começo do século 19, uma vez que representavam, (os inventários), uma maneira de se registrar os bens e o acervo material, de 31 objetos de prata, 25 ornamentos e 18 imagens.

Igreja nova, em pedra, compondo a nave, e capela primitiva compondo a capela-mor. É possível ver claramente que Trata-se de dois momentos diferentes, uma vez que os dois volumes pouco conversam arquitetonicamente. Um, mais antigo, de pau-a-pique com estrutura em madeira evidente, influenciado pela arquitetura do Vale do Piranga. Outro mais recente, de fins do século 18 e começo do 19, seguindo os ritmos da Serra de Ouro Preto.

O século 20

Em uma lista enviada por Sylvio de Vasconcellos em 10 de novembro de 1949 à Rodrigo Melo Franco de Andrade, são sugeridos alguns exemplares da arquitetura mineira para o livro de tombo “porque assim ficaremos a salvo de dificuldades futuras frente aos possível danos que venha/s a sofrer” (13).  Nesta lista, destaque para a Matriz de Itatiaia e de Cachoeira do Campo que, “merecem sua inscrição imediatamente”. Oito dias depois vem a resposta, dando início ao processo de tombamento.

Em 1952, contudo, antes que se concretizasse o tombamento, uma tempestade derruba o telhado da nave, como descreve, em carta de Pe. Marcelino Braglia ao presidente Getúlio Vargas.

“Em 5 de janeiro de 1952. [...] Há cinco anos que pedi ao Patrimônio Artístico Histórico Nacional mandar consertar e restaurar a Igreja Matriz de S.Antônio de Itatiaia que atendendo ao meu pedido enviou técnicos para examina-la. [...] Como, porém, demorou-se em atacar o serviço fizeram-se os maiores sacrifícios para ela não cair. Não se pode fazer mais devido a população do lugar ser pequena e paupérrima. [...] Há poucos dias soube, sem sua grande surpresa, porém, que não resistindo a um forte temporal ruiu fragorosamente uma grande parte do telhado da frente e tanto o trono como sua capela mor estão em péssimas condições. É a Igreja mais antiga do município de Ouro Preto. Todos os que conhecem sua história e apreciam seu valor artístico, são unanimes em dizer que ela bem merece os cuidados todos do poder civil como eclesiástico, e, que seria um crime abandona-la a fúria do tempo” (14).

Na carta, o padre deixa claro o seu laço afetivo com a Igreja. E diz que o estado de degradação avança na medida em que os reparos não são ofertados pelo Estado. Também aponta a população como uma comunidade muito pobre que não pode fazer muito para a melhoria da igreja. A carta é encaminhada por Sylvio de Vasconcellos, junto ao levantamento fotográfico da igreja e, em 8 meses as obras de reparo tiveram início.

Curioso notar que os reparos do telhado da nave em 1952 são orçados e aparecem em recibos de compra de material e pagamento dos serviços de execução. Mas, em 1983, na primeira grande restauração da igreja, o telhado já está em ruina novamente, uma vez que é todo refeito. Essa observação é importante porque aponta um problema estrutural grave no telhado, visto que recorrentemente passa por reformas.

Detalhe do forro da sacristia
Foto Joicidele Pedrosa, 2014

Pós tombamento

Aqui, serão analisados os projetos de restauração. Sobretudo, o projeto de 1983, quando a Matriz é tombada e restaurada. Outros projetos mais recentes nos ajudam a compreender o estado de conservação atual da Matriz e nos trazem os diagnósticos, que mostram, por exemplo, as origens dos problemas na cobertura da nave.

O Diretor da 7ª DR – SEC/Pró Memória, no dia 21 de junho de 1983, escreveu ao Exmo. Sr Coordenador do PCH, que teria verificado pessoalmente o lamentável estado de conservação da Igreja e foi entendido a extrema necessidade da intervenção imediata. A partir dessa vistoria são iniciados os trabalhos de restauração e tombamento da igreja.

Destaque para a Capela-Mor, que além da cobertura, teve seu sistema construtivo parcialmente refeito. Dessa vez com tijolo queimado, no lugar do pau-a-pique. O diagnóstico levantado nesse projeto verificou que existia uma sobrecarga do telhado que junto ao desnível do terreno “empurra” a parede da fachada lateral direita da nave, causando danos da vedação e cobertura.

“A parede da nave na lateral direita, apresenta pequeno desaprumo devido talvez à um assentamento do terreno. Mas aparenta estar estabilizada sem nenhum comprometimento quanto a estrutura. Isto, porém, parece ser a causa do rompimento da sambladura da linha do frechal com desmoronamento de parte do telhado e da trinca existente na parede do frontispício. A cobertura está bastante deteriorada principalmente na nave, onde está 30% arruinada. Este fato aconteceu em 22 de janeiro de 1980 devido ao rompimento da sambladura entre a linha e o frechal. Anteriormente este trecho já havia desabado conforme informações dos moradores. Nas tesouras restantes, as linhas estão desarticuladas do frechal devido talvez ao desaprumo da parede lateral direita. A alvenaria da capela-mor e corredores laterais era em pau-a-pique com a estrutura aparente. Mas devido ao estado avançado de deterioração que as paredes externas se encontravam, estas foram substituídas por alvenaria de tijolo mantendo, porém a estrutura aparente. Quando este serviço foi executado, foram entaipados vãos de porta e janela na lateral esquerda e criados chanfros na parede posterior. As paredes internas da capela-mor mantem ainda o pau-a-pique original” (15).

Infelizmente o projeto não descreve detalhadamente a ação de recuperação, mas é possível que não se tenha feito uma amarração do telhado adequadamente, ou tenham acreditado que apesar dos danos, o fato da estrutura não ter sido comprometida pouparia a amarração. Isso porque o problema do telhado volta, logo após a restauração.

Em 1984 o tombamento em nível federal é homologado, como aponta o comunicado oficial de tombamento em 23 de março daquele ano.

“Tenho a satisfação de levar ao conhecimento da Exa. o tombamento definitivo da Igreja de Santo Antônio de Itatiaia, bem como todo o acervo móvel nela existente, situada no município de Ouro Branco – Minas Gerais, ocorrido com a homologação da Exma. Sra. Ministra da Educação e Cultura, Profa. Esther de Figueiredo Ferraz, em 14 de setembro de 1983, em conformidade com o disposto no artigo 1º da Lei 6.292 de 15 de dezembro de 1975” (16).

Dando um salto no tempo, por falta de documentação encontrada, no dia 02 de abril de 1991, mais uma vez, informações sobre o estado de conservação da igreja e da indisponibilidade de recursos e emergência de realizações das obras, são explorados em cartas. Pedidos para que a prefeitura forneça os recursos necessários para a execução de obras de pequena complexidade como reparo do telhado, cobertura da Capela Mor, instalação do sino da torre direita, troca de fechadura da porta lateral e instalação do pináculo da torre esquerda são feitos pelo Dr. Sílvio José Mapa.

Em ofício do gabinete 13º Iphan de 1998 (17), foi encaminhado as Brochuras do Inventário de Bens Móveis e Integrados. Percebe-se no documento uma preocupação quanto à segurança na divulgação das informações contidas neste inventário. Isso deve-se ao fato, de que, em 1996, foram roubadas 19 imagens, das quais apenas a imagem de São João Batista Menino foi recuperada e restaurada, em 2011. Esse roubo que até hoje é lembrado com muita tristeza pelos moradores de Itatiaia ainda causa preocupação pois desde então o acesso à igreja é restrito bem como é restrita a autorização para fotografar seu interior.

Outras restaurações são executadas nos anos de 1996, 1999, 2001 e 2003 em caráter de urgência, por conta da infiltração no interior da igreja, rachaduras nas laterais do monumento, deslocamento de telhas e problemas no telhado da nave.

Retábulo Mor com invocação a Santo Antônio
Foto Joicidele Pedrosa, 2014

Em 2003 o Iphan comunicou a avaliação e acompanhamento dos serviços como: demolição do reboco, reparo do telhado, revisão geral do telhado, tratamento das madeiras, pintura externa com PVA – LATEX e limpeza dos forros (18). O encaminhamento dos projetos complementares de iluminação e instalações elétricas, tubulação para som, sistema de proteção contra descargas atmosféricas foram encaminhados em 2005, para análise e aprovação, tendo os projetos assinados por Luis Fernando Rispolli Alves. Os mesmos projetos foram aprovados no dia 26 de agosto de 2005 e executados em 2007 (19).

Desde de 4 de novembro de 2014 a igreja passa por mais uma restauração, sobretudo dos bens móveis. Estão sendo restaurados os retábulos, arco cruzeiro, imagens e taboado. Esta tem o patrocínio do Governo de Minas e do BNDES, tendo os recursos através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Da iconografia às interpretações e datações

A iconografia da igreja passa por dois momentos de criação. Um no final do século 18, e outro provavelmente do começo do século 20. Apenas o primeiro aparece nos documentos do Iphan, por meio dos registros de pagamento aos artistas pelas irmandades. O segundo, que apresenta um artista popular no frontão, e possivelmente também na feitura dos púlpitos de pedra sabão, são posteriores, provavelmente do começo do século 20.

Muitos elementos não aparecem na documentação quanto a sua criação, como os sinos, cruzeiro, pias de água benta, púlpitos de pedra e as duas fases da portada.

O medalhão central de pedra encimando a porta da igreja apresenta ornamentos em C e rocalhas, características do rococó, provavelmente esculpidas por volta de 1780. No centro, se encontra esculpido um cordão de três nós mostrando que a igreja pertence a uma ordem franciscana, lírios e um livro indicando a devoção a Santo Antônio e o Ostensório por se tratar de uma Igreja matriz. Nas laterais do medalhão foram acrescentadas, na segunda fase iconográfica, mais duas imagens também esculpidas em pedra. Um cajado, duas chaves e uma mitra. Símbolos que fazem alusão a São Pedro, nova invocação, do século 19, nessa região.

Em 1792, começam os trabalhos artísticos da igreja com Serafim Gonçalves do Espírito Santo, na feitura dos púlpitos. Esses em madeira. Ainda neste ano, Manoel Ribeiro Roza inicia a pintura e douramento de toda igreja, e Lourenço Rodrigues Souza talha o altar de N.S. Rosário.

Manoel Ribeiro Roza foi um artista de grande valor na região e sua participação na pintura e douramento de toda a matriz indica o grande destaque que se pretendia dar à igreja naquele momento. A restauração que iniciou em 2014 podem trazer por meio das prospecções algum indício de sua obra, que já não se encontra evidente.

Em 1814 a igreja registra no inventário da Irmandade do Santíssimo Sacramento, 18 imagens talhadas. Dez anos depois, em 1824 os registros apontam para os cinco retábulos prontos, e pia batismal com a pequena grade, que ainda estão lá.

O retábulo do altar mor apresenta características do rococó e a sua devoção é ao Santo Antônio, santo franciscano e junino. Imagem provavelmente do século 19 que veio a substituir a antiga imagem roubada em 1996. Abaixo do trono se encontram as imagens de São Sebastião, no lado evangelho e, no lado epistola, Nossa Senhora da Conceição. Ambas do século 19. Nos nichos laterais, aparece, no lado evangelho São Joaquim e no lado da epístola Santa Barbara, padroeira dos mineiros, também do século 18.

Os retábulos colaterais apresentam características populares do século 19. O retábulo do lado evangelho é dedicado a Nossa Senhora da Piedade, imagem também do século 19 e do lado epistola ao Nosso Senhor dos Passos. Neste altar também se encontra a imagem de São Domingues de Gusmão do século 18.

Os retábulos laterais apresentam características eruditas e estilo rococó. O lado do evangelho é dedicado a Nossa Senhora do Rosário, entalhado por Lourenço Rodrigues Souza entre 1789-1793. A imagem é provavelmente do século 19. O retábulo lateral do lado epistola é atribuído a Francisco Vieira Sevas, entalhado no final do século 18 com características próprias de Servas como a utilização de coroamentos em Arbaleta, sanefas, volutas laterais impulsionando pra frente e rocalhas flamejantes. Este retábulo é dedicado a Sant’Anna Mestra, imagem do século 18. Logo abaixo de Sant’Anna se encontra São João menino, imagem do século 18, com suas vestes em couro de cordeiro e estandarte.

Na pintura, a igreja não possui um acervo aparente. Somente na sacristia há uma pintura no forro com elementos em C e uma flor nas cores ocre e cinza. No centro há uma Tarja oval delimitada por frisos curvos também em cinza ocre e rosa. No centro da tarja há duas figuras de anjos. Trata-se de uma pintura a têmpora - técnica que deixa a pintura com aparência aquarelada - datada do século 19, tosca e de característica bem popular.

Descrição arquitetônica: do traço à obra. Uma leitura do partido da Matriz

Como já mencionado, a Igreja apresenta duas etapas distintas de construção no final do século 18 e princípio do século 19.

A fachada frontal é formada por embasamento de pedra em quartzo, com socos retangulares nas bases das quatro pilastras que delimitam a fachada frontal. Apresenta porta de duas folhas central almofadadas com bandeira fixa sobreposta por arco de pedra e verga curva com moldura do tipo canga de boi encimada por sobrevergas em dois “C”s, terminados em volutas, centrados por uma concha dentro de uma plumagem estilizada com curvas recortadas.

Acima da sobreverga está o medalhão de pedra com duas fases de realização (século 18 e 19). O medalhão é ladeado por duas portas balcão de madeira em duas folhas e peitoril de balaustrada de madeira com sobrevergas trabalhadas em curvas, contracurvas e conchas.

O entablamento é feito pela cimalha em pedra, sendo todos esses elementos de quartzo. Após a cimalha, o frontão ondulado aberto emoldurado em curvas e contracurvas é ornamentado por óculo central em pedra e, acima desse, pequeno nicho, sendo seu coroamento feito por acrotério ornamentado por concha ladeada por curvas e contracurvas, anjos e cruz de pedra. As torres sineiras ladeiam o frontão, sendo sua cobertura em cúpula de pequenas proporções e coruchéu em cada extremidade. A torre da lateral esquerda não possui sino, presente apenas na lateral direita.

Ruína do telhado da nave, foto enviada por Silvio de Vasconcellos ao DPHAN, 1952
Foto divulgação [Acervo IPHAN-BH]

As fachadas laterais são divididas por dois tipos construtivos. Na nave a alvenaria é de pedra e, na capela-mor, a alvenaria é de tijolo maciço com estrutura de madeira aparente. O volume da nave possui altura mais elevada em relação a capela-mor, onde se encontram os corredores laterais no nível térreo e a tribuna e corredores no nível superior. Nessa porção, os pilares possuem soco simples e o entablamento é feito por cimalha.

As fachadas laterais são simétricas em relação à capela-mor e nave, com exceção de um marco de uma porta “cega” existente na fachada lateral direita na nave. As fachadas laterais da capela-mor são pouco recuadas em relação a nave, estando praticamente alinhadas e possuem dois óculos ovais protegidos por gradil de ferro na nave e um óculo circular envidraçado na capela-mor. A porta de acesso aos corredores laterais da capela-mor são de madeira e possui verga reta e uma folhas simples assim como a janela. A fachada posterior apresenta fachada cega, sem nenhuma abertura. A estrutura de madeira é aparente. O embasamento, possivelmente em taipa de pilão, é bem marcado, assim como nas fachadas laterais onde a alvenaria é de tijolos maciços.

A cobertura da igreja é em telhado de duas águas na nave e na capela mor. O volume lateral da capela-mor possui telhado em uma água seguindo a inclinação do telhado da capela-mor. O telhado é em telha cerâmica do tipo calha e bica. Na cobertura da nave há pináculos na extremidade dos fundos. O arremate entre a alvenaria e telhado na parte da nave é feito por cimalha e na parte mais antiga da capela na porção lateral por cachorro e guarda-pó.

A planta da igreja é composta de nave, capela-mor, corredores laterais, coro, torres laterais, galerias laterais superiores, sacristia e tribunas no corpo da capela-mor. Além disso, há o altar-mor, o arco cruzeiro, dois altares colaterais, dois altares laterais, dois púlpitos, pia batismal e pia de água benta.

A grade de separação nave é de balaustrada reta com laterais em duas secções separadas por pilaretes se secção quadrada, montantes e peitoril retos com frisos. Sua parte da frente divide-se em duas partes sem cancela e seus balaústres são torneados.

O arco cruzeiro é revestido de madeira com perda da policromia, apresenta embasamento em molduras com painéis e centro liso sendo seu fuste reto com bordas molduradas e centro almofadado. Seu entablamento é emoldurado e a cimalha é larga e o arco pleno possui bordas molduradas.

O acesso a igreja é feito pela porta central situada na fachada frontal ou pela porta existente nas fachadas laterais que dão acessos aos corredores laterais que ladeiam a capela-mor. As aberturas para ventilação e iluminação da igreja estão situada no nível do coro. Na nave se abrem quatro óculos protegidos por gradil e na capela-mor há também um óculo circular envidraçado em cada lateral. As fachadas laterais possuem porta em madeira assim como janela de uma folha simples. O acesso ao coro e a tribuna são feitos por escada de madeira, já o acesso lateral a cada púlpito é feito por escada de pedra através de portas existentes em cada lado da nave. O acesso as torres sineiras é feito através de alçapões.

A alvenaria da capela-mor e corredores laterais era em pau-a-pique de estrutura aparente. Devido ao estado avançado de deterioração que as paredes externas se encontravam, foram substituídas por alvenaria de tijolos maciços mantendo a estrutura de madeira aparente. Foram entaipados os vãos de porta e janela lateral esquerda e criados chanfros na parede posterior. As paredes internas da capela-mor e as paredes dos fundos mantém ainda o pau-a-pique original. O revestimento é feito em argamassa de terra, areia e cal, bem como a pintura a base de cal.

O piso da nave e capela-mor é em tabuado corrido sobre barrotes de madeira, assim como da sacristia, coro e dos corredores laterais superiores. Os corredores laterais da capela-mor no nível térreo são em piso cerâmico de tijolo de barro. No corredor lateral esquerdo, entre a porta externa entaipada e a porta de acesso à capela-mor, o piso foi cimentado e riscado de forma quadrangular imitando o tijolo de barro do restante do cômodo. O batistério possui piso de pedra.

O forro da nave, assim como o forro da capela-mor e coro é de madeira de tabuado liso abobadado pintado na cor branca. O entablamento do forro é feito por cimalha de madeira também na cor branca. O forro da sacristia é plano de tabuado liso e possui pintura. Os corredores laterais superiores e a tribuna não possuem forro.

Considerações finais

Tendo a Conservação e Restauro como fio condutor, o trabalho propôs registrar um pouco da história da matriz que é certamente uma das igrejas de mais prestigio em Minas Gerais, por ser uma das mais antigas obras da arquitetura religiosa na região. A celebração de batizados desde o começo do século 18 e a participação de artistas importantes na construção da nave são indícios disso. A preocupação com a preservação, conservação e restauro da igreja, sempre que necessário, foram medidas de grande valor para a salvaguarda deste bem.

notas

1
Levantamento cadastral realizado pelo Iphan (Sphan), em 1983. O levantamento, que fez parte do processo de tombamento, em 1984, apresenta vasta documentação sobre o processo de tombamento, incluindo algumas matérias de jornal e revista sobre a repercussão do tombamento, que acabou impulsionando a restauração, naquele ano. In, Acervo Iphan-BH. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

2
Relatório de Vistoria e mapa cronológico de Pesquisa Documental, Fundação Nacional Pró-Memória, 1983. In, Acervo Iphan-BH. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

3
Idem.

4
Era muito comum, no século 18 e 19 que os padres fossem contratados para realização das missas de maneira informal. Quando um padre era nomeado pelo governo, passava então a ser remunerado formalmente. Uma paróquia colativa é aquela que tem um padre nomeado.

5
RIBEIRO, Delmarí Ângela. IEPHA/MG apresenta: uma capela, uma comunidade e muita fé. Belo Horizonte, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG, 27 maio 2011 <http://iepha.mg.gov.br/banco-de-noticias/935-iephamg-apresenta-uma-capela-uma-comunidade-e-muita-fe>. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

7
Livro de Tombo, Itatiaia–1726-1775. Prateleira M. nº36. folha26. In Relatório de Vistoria e mapa cronológico de Pesquisa Documental, Fundação Nacional Pró-Memória, 1983. In Acervo Iphan-BH. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

8
CHUVA, Marcia Regina R. Levantamento documental sobre a Igreja Matriz de Santo Antônio de Itatiaia. Rio de Janeiro, DTC-Sphan/Pró-Memória, 1986. (Anexo 1, porterior). Sphan, 1983. In. Relatório de Vistoria e mapa cronológico de Pesquisa Documental, Fundação Nacional Pró-Memória,1983. In Acervo Iphan-BH. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

9
Livro de Tombo, Itatiaia – 1726-1775. Prateleira M, n. 36, folha86. In. Relatório de Vistoria e mapa cronológico de Pesquisa Documental, Fundação Nacional Pró-Memória, 1983. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

10
Ficha de Identificação do documento: 2-I.R.B. – Irmandade de N. Sra. Do Rosário dos Pretos e São Benedito. 1730/1791. 3fls. dat. transcrição. Folha 16 112 ½ / 8as.In. Inventário de bens e alfaias da Matriz e das Irmandades da freguesia de Itatiaia, 08.11.1814. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

11
Ficha de Identificação do documento: 2-I.R.B. – Irmandade de N. Sra. Do Rosário dos Pretos e São Benedito. 1730/1791. 3fls. dat. transcrição. Folha 33.In. Inventário de bens e alfaias da Matriz e das Irmandades da freguesia de Itatiaia, 08.11.1814. I, Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

12
Primeiro livro de notas e visitas pastorais, 1821-1825. In, Relatório de Vistoria e mapa cronológico de Pesquisa Documental, Fundação Nacional Pró-Memória, 1983. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

13
Revestimento de cobertura a base de cal.

14
Carta enviada ao Dphan-Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 1949, com pedido de tombamento, pelo então, diretor do distrito, Sylvio de Vasconcellos. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

15
Carta do Padre Marcelino Braglia, encaminhada ao presidente Getulio Vargas em 5 de janeiro de 1952. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

16
Diagnostico de danos. In. Projeto de Conservação e restauração da Matriz de Santo Antônio de Itatiaia, 1983. Iphan-BH. In Acervo Iphan-BH. Consulta 20 jan. 2015.

17
Projeto de Conservação e restauração da Matriz de Santo Antônio de Itatiaia, 1983. CDI- IPHAN-BH.

18
Acervo Iphan-BH. Consulta em 20 de janeiro de 2015.

19
Idem.

20
Idem.

sobre os autores

Alexander Gutvilen é formado em Letras pela Unesa e pós graduando em Políticas da Igualdade Racial pela Uniafro-Ufop.

Fernanda dos Santos Silva é historiadora formada pela Unesp Franca.

Tatiana Paiva Xavier é arquiteta e urbanista formada pela UFV.

Julia Isenschmid e Joicidele Pedrosa, assim como os demais autores são graduandos em Tecnologia da Conservação e Restauro de bens imóveis pelo IFMG.

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