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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O Museu de Arte Contemporânea de Ouro Preto, projeto desconhecido de Paulo Mendes da Rocha, insere-se em um antigo espaço fabril e ferroviário. Projetado em 2014, embora não construído, apresenta-nos como importante documento de leitura inovadora.

english
Unknown project, the Museum of Contemporary Art of Ouro Preto is inserted in an old factory and railway area. Designed by architect Paulo Mendes da Rocha in 2014, though not built, booking us an important document and a new reading.

español
Proyecto desconocido, el Museo de Arte Contemporáneo de Ouro Preto se inserta en una antigua área de la fábrica y de ferrocarril. Diseñado por Paulo Mendes da Rocha en 2014, aunque no construido, nos reserva un documento importante y una nueva lectura.


how to quote

CALDAS, Bruno Tropia. Preexistência industrial-ferroviária à margem de Ouro Preto. Da fábrica de tecidos ao museu de Paulo Mendes da Rocha. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 196.06, Vitruvius, set. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.196/6225>.

Circunscrito no Perímetro de Tombamento de Ouro Preto (1), o bairro Victorino Dias estreita-se entre dois outros: Padre Faria, íntimo dos primeiros arraiais que amalgamaram o Caminho Tronco e Santa Cruz, descontrolada ocupação urbana do século 20. O topônimo homenageia o Comendador Victorino Antônio Dias, falecido em 1930, português que emigrara com a família para a então capital mineira, onde fora comerciante, banqueiro e industrial na remanescente Fábrica de Tecidos de Ouro Preto (2). Este equipamento  localiza-se no sítio que o homenageia, arqueado em profundo espigão que se perde num dorso com aspecto de canyon entrecortado pelo Rio Funil e a Estrada de Ferro ambos voltados para a cidade de Mariana.

Vista parcial da Estação Ferrociária Itacolomy (Victorino Dias), Ouro Preto MG, c.1910
Autor desconhecido [Acervo pessoal Marcelo Lordeiro]

A fábrica,  estudo de caso deste artigo soma-se a um conjunto arquitetônico, urbanístico e natural de grande relevância à Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade – tal conjunto delimita-se por três principais edifícios: a fábrica (origem de todo o núcleo), a Estação Ferroviária Victorino Dias e uma reunião de casas geminadas. Quanto aos aspectos urbanísticos, estes vinculam-se à linha do trem Ouro Preto-Mariana, atual da R.F.F.S.A., salientando um arrimo de pedras com drenos e canaletas, um pontilhão e dois túneis. Por fim, as condições naturais são exaltadas pelas cachoeiras do Tombadouro e Bigode Chinês.

Vista parcial da antiga Fábrica de Tecidos, Ouro Preto MG, c.1930/1940
Foto Luiz Fontana [Acervo pessoal autor]

Em 2014 surgira nesta ambiência, o projeto do Museu de Arte Contemporânea de Ouro Preto, idealizado pelos arquitetos Paulo Mendes da Rocha em companhia de seu filho Pedro. Para compreendermos tal proposta é de bom-tom elucidarmos, ainda que suscintamente, as preexistências arquitetônicas por meio de seus relevantes aspectos históricos e morfológicos somados as tentativas de requalificação.

A fábrica

A estrutura arquitetônica que ainda se encontra nas proximidades da Cachoeira do Tombadouro – força motriz intrínseca à origem da fábrica – apresenta-se atualmente com interrompida requalificação do começo do século 21, flertando a um absoluto estado de ruínas.

Conquanto, a então denominada Fábrica de Tecidos São José do Tombadouro, originada em 8 de fevereiro de 1887 quando seu proprietário, José Maria de Mello Freitas, solicitara à Câmara Municipal de Ouro Preto a concessão de “45 braças de terreno para implantação de uma fábrica de fiação e tecelagem de algodão” (3) – possuía então, uma eclética configuração arquitetônica, modificada no decorrer do tempo.

Interior da Sala de Pano da Companhia Industrial Ouropretana (Fábrica de Tecidos), Ouro Preto MG, s/d
Autor desconhecido [Acervo pessoal Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos]

Já em 1889, a mesma fábrica – atravessando sua primeira crise financeira por intermédio de seus gestores – fora adquirida por um grupo de acionários do Banco do Brasil (4) que ali instalaram a Companhia Industrial Ouropretana de Força, Luz e Telefones –  assim permancendo até 1892, momento em que transferiram a administração para o Bispo da Arquidiocese de Mariana, Dom Silvério.

Vista parcial da Cia. Industrial Ouropretana (antiga Fábrica de Tecidos), Ouro Preto MG, início século 21
Autor desconhecido [Acervo Secretaria de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto / Prefeitura Munici]

Em 12 de dezembro de 1897 fora inaugurada Belo Horizonte, a nova capital mineira, e em consequencia, Ouro Preto atenuara substancialmente o seu poderio em diversos setores  entrando em uma profunda crise econômica, o que refletiu-se no próprio encerramento das atividades fabris. O desolado cenário reverteu-se apenas no século seguinte quando o conjunto em destaque fora adquirido por Victorino Antônio Dias, alterando sua nomenclatura para Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy, em homenagem ao lendário pico existente nas proximidades.

Vista parcial da antiga Fábrica de Tecidos, Ouro Preto MG, c.19430/1940
Foto Luiz Fontana [Acervo pessoal autor]

Acerca do período que se estende dos primeiros anos do novo século até meados da década de 1930, os registros de autoria do fotógrafo Luiz Fontana são, até onde se sabe, as únicas informações iconográficas do edifício que ali se instalara. Através de parcas fotografias vê-se o conjunto arquitetônico com eclética tipologia, típica do começo do século, implantada linearmente e debruçada sobre arrimos de pedras e colunas de ferro, nas proximidades da Cachoeira do Tombadouro.

A partir da década de 1940 a Fábrica de Tecidos atravessou um turbulento período tendo várias diretorias até ascender o ano de 1947 com a gerência assumida por Theódulo Pereira, diamantinense de vigor empresarial que juntamente com o grupo diretor da fábrica articulou uma radical mudança física do conjunto: a demolição dos edifícios remanescentes do século 19 e a construção de uma sede moderna; conquistando já na década de 1960 a configuração arquitetônica que se extendeu até as bordas do século 21, quando fora adquirida em 1980 pela Companhia Industrial Itaunense (5) até a oficial falência, em 29 de dezembro de 1999.

A estação

Originada pela importância adquirida da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy no cenário econômico de Ouro Preto, o edifício então denominado Estação Ferroviária do Tombadouro fora inaugurado em 12 de outubro de 1914 com o fomento de melhorias e comodidades para a atividade industrial circunvizinha. A nova construção daria suporte a linha férrea que se prolongara até a cidade de Mariana – extendendo assim, o Ramal de Ponte Nova (6), iniciado no século 19 para interligar as Províncias de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Ainda na década de 1910, o nome da nova estação fora alterado para Itacolomy (7) conforme atesta rara fotografia – sendo possível identificar seus principais aspectos arquitetônicos, que através de acanhadas modificações atravessaram o século até ser restaurada (8) em 2006, pelo Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale.

O edifício centenário apresenta-se sobre plataforma de pedra com planta em “L” modulada, volumetria diminuta, tectônica em alvenaria portante e tipologia romântica – próxima a um chalet.

As casas

Por fim, mas não menos importantes no complexo arquitetônico em estudo, vêem-se três pares de casas geminadas, localizadas sobre um platô arrimado por grandes blocos de pedra. Apresenta dois acessos: do lado esquerdo, uma pequena escadaria e na margem oposta, uma rampa. As casas assentam-se no sopé de uma encosta serpenteada pelo principal acesso ao bairro, a rua Desidério de Matos.

De acordo com o Inventário da Secretaria Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto – SMPDU, vemos a seguinte descrição do conjunto:

“As seis casas-tipo têm planta retangular estreita e profunda com corredor lateral comprido, ao longo do qual se dispõem três cômodos de dimensões semelhantes, e que liga a frente – o acesso único – a um cômodo grande aos fundos, que ocupa toda largura da casa e onde estão as instalações de serviço e sanitárias (áreas molhadas). A casa da ponta direita está sem divisões internas, existentes apenas no fundo na parte das instalações sanitárias. O acréscimo é um grande galpão estreito sem divisão alguma internamente com acesso pela lateral esquerda e que se comunica com a edificação vizinha por dois vãos, outrora janelas laterais” (9).

As demais considerações apontadas no Inventário de Bens Imóveis supracitado apresentam pormenores de implantação, acabamentos das fachadas e o atual estado de conservação – com destaque para os interiores dos edifícios – em que “não se pode dizer muita coisa, dado o avançado estágio de degradação” (10).

Vista parcial do conjunto de casas geminadas, Ouro Preto MG, julho 2009
Foto Anderson Agostinho [Acervo Secretaria de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto / Prefeitura Munici]

Requalificações desconexas

Muito embora se saiba que o conjunto arquitetônico em estudo (abrangendo fábrica, estação ferroviária e casas geminadas) esteja inscrito no Perímetro de Tombamento de Ouro Preto, de 1989, é de se espantar que tal grupo ainda não possua tombamento individual pelo município e, quiçá, homologação para a inscrição de Bem do Patrimônio Cultural Ferroviário através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan cuja atribuição é palpitante (11).

Correlacionado ao patrimônio ferroviário os bens industriais também foram despertados recentemente – de acordo com a arquiteta e pesquisadora Beatriz Mugayar Kühl, sublinha-se: “O interesse pela preservação do patrimônio industrial é relativamente recente, se comparado com a preocupação por outros tipos de manifestação cultural” (12). Visto o atraso internacional nas áreas de discussão, preservação e também intervenção diante do patrimônio arquitetônico da industrialização é de sensibilizar que o Brasil esteja em semelhante patamar.

Vista parcial da Estação Ferroviária Victorino Dias e conjunto de casas geminadas ao fundo, Ouro Preto MG, início século 21
Autor desconhecido [Acervo Secretaria de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto / Prefeitura Munici]

Acerca das questões que envolvem as intervenções diante da espécie de patrimônio em recorte, Kühl ainda destaca: “a grande variedade de tipos, a exemplo de fábricas ou complexos destinados ao transporte ferroviário, e é comum que se trate de imensas superfícies em áreas hoje centrais de numerosas cidades” (13) – são de grande interesse e urgência.

Segundo a autora vemos ainda as seguintes preocupações:

“A pressão econômica que incide sobre esses complexos faz com que, às vezes, apareçam projetos autodenominados de requalificação dessas áreas que, na verdade, desqualificam os espaços industriais. Devem ser feitos estudos acurados para apontar sua importância e especificidade, para que não sejam tratados apenas como uma projeção em planta, um livre parque de diversões para a especulação imobiliária, em que o contorno das edificações ali presentes é apenas um estorvo a ser removido” (14).

E alarmante, complementa: “Em relação as áreas industriais, incluíndo-se as áreas ocupadas por galpões ferroviários, ainda aparecem sugestões de empreendimento que fazem a tábula rasa de todas as construções que se relacionam com a indústria” (15).

Enfatizando por fim:

“Não se trata de conservar tudo, nem, tampouco, de demolir ou transformar indistivamente tudo. Claro está que o crescente alargamento daquilo que é considerado bem cultural pode levar, como mencionado, a extremos indesejaveis – como tombamentos indistintos e demolições impiedosas – por falta de clareza no que se refere à caracterização dos monumentos históricos e de seu papel memorial” (16).

Concentrando-nos diante dos casos de intervenções realizadas em objetos arquitetônicos preexistentes no Brasil, especialmente no último quartel do século 20, logo se apreendem as constantes reciclagens e também a criação acrítica de espaços para cultura sobre estruturas fabris e ferroviárias.

De acordo com a narrativa das arquitetas e pesquisadoras Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein, vemos, que de fato: “o acervo construído tem sido, em tese, valorizado como importante legado cultural, algo a ser mantido, restaurado ou reutilizado” (17).

Complementando:

“À sensibilidade plástica que valoriza o diverso, são bem-vindas as recuperações e reciclagens; o uso de espaços concebidos para outras épocas e outros usos adaptados para programas contemporâneos; a inserção de materiais e soluções contemporâneas subvertendo a antiguidade dos arcabouços arquitetônicos; espaços conformados por discursos múltiplos; a permanência do espaço antigo fornecendo certa estabilidade à volatilidade que parece reger os tempos” (18).

Assim, são diversas as exemplificações de sucesso e fracasso que podem ser recolhidas através dos restauros, intervenções ou “reciclagens” ocorridos em solo nacional.

Sem juízo de valor, pode-se destacar uma das pioneiras atitudes deste tipo surgidas no campo do patrimônio industrial: o Sesc Pompeia (1977-1986), concebido (19) por Lina Bo Bardi sobre a antiga Fábrica de Tambores da Pompéia, zona oeste de São Paulo, a arquiteta que “preserva a imagem da fábrica apenas para subvertê-la” (20), segundo a pesquisadora Olívia de Oliveira. Arrematando “Retira do trabalho aquele caráter desagradável, repressivo, violento e penoso, para relacioná-lo à sensibilidade, liberdade, imaginação e libido” (21). E que, nas palavras de Bastos e Zein: “segue como um marco na arquitetura contemporânea brasileira. [...] As lições são muitas, sendo, talvez, a principal, a proposta do convívio com o existente, ou seja, com a cidade e sua dose de caos” (22).

Lina transformou-se em escola quando interpretada por meio das práticas intervencionistas, especialmente pela “Pós-Mineiridade Antropofágica e Experimental” – celebrado título definido por Bastos e Zein ao tratarem do período de 1975-1985 – com propostas arquitetônicas inovadoras destacadamente em Minas Gerais.

A geração de arquitetos e arquitetas do chamado pós-modernismo trabalhou tal e qual poucos – em qualidade e quantidade – em diferentes matizes do patrimônio cultural, histórico e arquitetônico de Minas Gerais. Já distantes da primeira geração dos modernistas e seus clássicos exemplos de intervenções no patrimônio mineiro (23), os profissionais da geração 1970/1980, nada deveram diante primorosas soluções por meio de inserções ou intervenções em áreas preservadas.

Exemplos construídos destas propostas podem ser verificados através de emblemáticos casos em áreas de ruínas (24); histórico-urbanas (25) além de industriais (26) e ferroviárias (27). Reaproximando-nos do conjunto urbano-arquitetônico do bairro Victorino Dias, vemos já no século 21 três propostas de requalificação às questões antes abordadas.

A primeira, realizada através do Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale que além de reativar o ramal Ouro Preto-Mariana – interrompido desde o final do século 20 – trouxe vultosos alvitres de educação patrimonial além das restaurações de quatro estações ferroviárias: Ouro Preto e Victorino Dias (28), bem também, Passagem de Mariana e Mariana (29). Destacam-se nestas os lúdicos espaços museográficos das estações-sede, agenciados pela dupla de arquitetos Samy Lansky e Isabela Vecci.

A segunda orientação deu-se através da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, durante a transição de gestão do prefeito Angelo Oswaldo de Araújo Santos (30), quando o município encaminhou uma carta-convite para três escritórios de arquitetura e urbanismo; tendo a dupla Humberto Hermeto e Francisco Albano Andrade vitoriosa concorrêcia.

De acordo com reportagem presente na revista Projeto Design nº 348 de fevereiro de 2009 vemos que o partido surgira do restauro (31) do edifício principal da fábrica:

“uma sólida construção com paredes perimetrais em alvenaria de pedra que beiram 60 centímetros de espessura – e da implantação de um pavilhão perpendicular, onde o palco será instalado. A demolição de diversas edificações posteriores, todas sem valor arquitetônico, abre espaço para grandes aglomerações humanas e evita interferências entre a fábrica e o pavilhão. Além disso, resgata a praça em frente da fábrica e libera a vista tanto para os dois edifícios como para o rio e a cachoeira existentes [...] Com cerca de 3,6 mil metros quadrados e 17 metros de pé-direito livre, o pavilhão de modulação ortogonal terá a capacidade de 7 mil pessoas e criar condições espaciais para diferentes distribuições de públicos, numa clara referência à Praça Tiradentes” (32).

Cachoeira do Tombadouro, Ouro Preto MG, c.1930/1940
Foto Luiz Fontana [Acervo pessoal autor]

Com obras iniciadas em 2008 e previsão de término (não concluído) ainda em 2011, a concepção de Hermeto e Andrade apresenta-se através dos volumes ditos restaurados. O acesso principal dá-se por meio de uma expressiva marquise apoiada na palavra fábrica, em concreto e com evidente conotação pop. Continuamente, em dois blocos distintos separados por uma praça, vemos: de um lado a cozinha-escola e administração; opostamente, galerias, oficinas, varanda e sanitários.

Trespassando o conjunto inicial com volumetria remanescente vamos de encontro, através da marquise de acesso, para o generoso pavilhão. Tal espaço é reservado com marcação de quadras poliesportivas no piso para apresentações generalizadas, possuíndo ainda, balcões, palco, camarins, sanitários e estacionamento externo.

A proposta apresenta graça na marquise que conecta os antigos volumes, porém impõe-se de tal maneira com a volumetria pavilhonar e sem grandes ajustes com a analogia inicial – a Praça Tiradentes – donde agora, não mais o céu de Minas seria observado, mas um conjunto de treliças e sheds. Segue sem poesia alguma e com volumetria agressiva à diminuta escala do entorno imediato.

O MAC-OP, por Paulo Mendes da Rocha

Com a transição do governo municipal, José Leandro Rodrigues Filho (33) assumira sua terceira gestão. A então Secretaria de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto passaria a ser denominada Secretaria de Patrimônio e Cultura, com inicial gerenciamento do Secretário José Alberto Alves de Brito Pinheiro (34). De acordo com o ex-secretário são desconhecidos os motivos para o engavetamento da então proposta dos arquitetos Hermeto e Andrade para a área em estudo, entretanto sabe-se do desejo em dar ao sítio um destino “mais nobre” (35).

Por intermédio da publicitária e produtora cultural Bel Gurgel e a produtora executiva Ana Helena Curti (36), novos diálogos acerca do conjunto remanescente foram reacendidos diretamente com o escritório do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Logo, tal contato se desdobrara em um convite de reunião em São Paulo com o próprio ex-secretário ouropretano. Mendes da Rocha fora interceptado pelo seu filho Pedro, também arquiteto, apresentando à Prefeitura Municipal o anteprojeto do Museu de Arte Contemporânea de Ouro Preto – MAC-OP, sendo, de acordo com o ex-secretário, uma “complementação do Museu de Arte Contemporânea do Inhotim” (37), localizado em Brumadinho a 107Km de Ouro Preto.

Apoiando ainda nas palavras do então secretário, o projeto da família Mendes da Rocha, oferecido graciosamente ao município, desejava (38) “resgatar o bairro deteriorado [especialmente do Padre Faria], com apropriação da ideia de um museu pela população” (39).

Destacando ainda:

“Tratava-se de criar um Museu de Arte Contemporânea no local da antiga Fábrica de Tecidos que, por situar-se ao lado da ferrovia e entre dois túneis, teria sua ambientação englobando estes túneis, com iluminação adequada e programação visual referindo ao museu. A Estação de Victorino Dias seria transformada em loja de lembranças e as três casinhas [pares geminados] em seis apartamentos de suporte do museu” (40).

Conhecido além dos projetos de grande repercussão, tais: Museu Brasileiro da Escultura (1987-1992) na capital paulista e Capela São Pedro (1988-1990) em Campos do Jordão, permanece Paulo Mendes da Rocha “fiel a si mesmo” (41), e presente também, no campo de intervenções patrimoniais, realizando (especialmente a partir da década de 1990), intervenções mínimas, com um grau de inteligência máximo” (42).

Desde viés, verificam-se os seguintes projetos na capital paulista: a renovação urbana na Praça do Patriarca e Viaduto do Chá (1992); a Pinacoteca do Estado de São Paulo (1993), o Centro Cultural Sesi no Ed. Fiesp (1996), a requalificação da OCA (2000); o Museu da Língua Portuguesa (2000); além das intervenções dos espaços cariocas do Museu Nacional de Belas Artes (2005) e o Museu Casa Daros (2006) e, já na capital mineira, o Museu das Minas e do Metal (2006).

O aval do arquiteto (43) entre os melhores em atividade no país e com merecido reconhecimento internacional” (44) diante das apontadas intervenções em objetos arquitetônicos preexistentes, era suporte para a tarefa originada do conjunto em Ouro Preto, além de uma oportunidade ímpar para a cidade tombada em apresentar-se contemporaneamente.

Através (45) das informações iconográficas e o relato obtido, o referido projeto exibi-se com elegância: vê-se que o agrupamento arquitetônico da linha férrea é tratado como suporte ao edifício fabril,  então imaginado Museu de Arte Contemporânea de Ouro Preto.

Por um lado, a apropriação da já restaurada Estação Ferroviária Victorino Dias, transmutando-a em planta livre para loja do Museu; no mesmo alinhamento, as casas geminadas, com a defesa da manutenção externa e a transfiguração destas para residências de visitantes. Tais edificações, agora redefinidas com estruturas autônomas, permitiriam plantas livres interligadas e não mais autoportantes, inserindo-se ao centro as instalações sanitárias que dividem os espaços sociais – cozinha, jantar e estar – das áreas íntimas voltadas para a verde encosta da fachada posterior.

Ainda para este conjunto, vê-se a recomendação de demolição de um anexo posterior existente na extremidade esquerda, incorporando no lugar um apoio de rouparia, lavanderia e depósito,  atendendo coletivamente os seis apartamentos.

O MAC-OP surge atravessando a linha férrea através de uma contínua pavimentação, denominada pelos arquitetos de Praça do Acolhimento, que concatena todo o conjunto e proporciona assim uma grande plataforma que se extende em novos níveis. Esta tática permitiria ainda a valorização do vazio, o percurso e a contemplação em um espaço antes segregado pela linha férrea. Tal vazio dá-se através de três níveis apresentados indevassadamente por meio da fachada frontal voltada para sul, entre os trilhos e o rio que se tangeciam na perspectiva.

O primeiro nível, além de interligar as estruturas existentes, permite por intermédio de releituras de novos acessos a separação da carga e descarga (doca) e a entrada principal do museu. O segundo nível se alcança por uma rampa em diagonal, dando maior valorização à praça ali configurada e prolongando-se na principal fachada do edifício; vê-se mais adiante o  próprio estacionamento (46). O terceiro nível, por fim, reserva-se ao restaurante, através de um muro que resguarda-o a plataforma de convívio.

A nova implantação delineia um caminho já percorrido pelo arquiteto: rebaixamentos e plataformas, rampas e miradouros, níveis diferenciados – tal e qual o já destacado Museu Brasileiro da Escultura. Quanto a grande praça vê-se um conhecido artifício, dado o plano horizontal do Cais das Artes (2011) defronte ao Porto de Vitória, no Espírito Santo.

Internamente, na sequencia de quatro principais volumes, o arquiteto transparece sua ideia de museu em dois pavimentos. O primeiro pavimento, continuidade da Praça de Acolhimento, expõe no inicial pavilhão readaptado o galpão de oficinas, a recepção de obras e o mezanino administrativo. Logo, vai de encontro à área social com acesso independente que transita entre o exterior e interior através de uma generosa rampa e escadaria, ambas direcionadas à uma varanda com marquise que se desemboca em um espaço receptivo com balcão de informações, loja (reforçando a contemporânea ideia do museu como shopping center cultural (47), instalações sanitárias e por fim, uma área expositiva.

O cuore do museu dá-se através dos seguintes espaços: pátio, foyer e auditório com capacidade para 300 pessoas, este último abri-se magistralmente à praça. Tal conjunto recebe o amparo de áreas menores destinadas a sala de imprensa, sala de traduções, depósitos e sanitários. Caldeando todo este espaço, descobre-se o belveder que rompe a área de exposições, tateando uma branca parede até alcançar, em poético balanço, a Cachoeira do Tombadouro.

Tal ato projetual relembra com certa magia a infância de Mendes da Rocha na casa dos avós maternos, na capital do Espírito Santo, donde com os primos “da varanda [...] numa rua perpendicular que fazia uma fenestra para o mar você via as bandeiras dos navios...muitas vezes nós brincávamos na varanda desta casa, como se estivéssemos num navio” (48).

O eixo, a passarela, o mirante, o belveder sempre estiveram em sua linguagem arquitetônica, conforme se nota no balanço existente no interior da Capela de São Pedro Apóstolo (1987), edifício anexo ao Palácio Boa Vista em Campos do Jordão/SP; na Pinacoteca do Estado de São Paulo onde ele criou um “eixo longitudinal de penetração [...] passarelas metálicas que cruzam no primeiro e segundo pavimentos o vazio sobre esses pátios” (49); ou ainda em Maquetes de Papel,visto nos grandes eixos presentes na Praça dos Museus da Universidade Federal de São Paulo (2000) e no Plano Diretor do Campos da Universidade de Vigo, na Espanha (2004).

Retornando  ao MAC-OP, miramos o auditório com sua área coberta e descoberta, conectado com o extenso pátio além da previsão de depósitos, camarins, cabine de instalações técnicas e sanitários. A cota mais baixa do edifício resguarda-se ao longitudinal restaurante, somando a cozinha e frigorífero, que protegidos pelo pavimento superior e o belveder, direciona sua perspectiva a um pequeno pátio – um novo mirante, donde também se escuta e se avista as águas da cachoeira, reforçando o conceito e partido arquitetônico.

Considerações gerais

Na borda da Cidade-Patrimônio, um antigo espaço fabril anexado à uma estação ferroviária e um conjunto de casas, são envolvidos por expressivas condições naturais – com áreas verdes, cachoeiras e um rio que se perde até cidade vizinha. Tal conjunto alcançara o século 21 com um íntegro potencial de melhorias urbanas, requalificações arquitetônicas e oportunidades sociais. Vilimpediada no final dos novecentos tal área fora alvo de promessas de adaptação e envolvimento com o restante da cidade que surgiram pouco a pouco em anos recentes.

De imediato, a restauração da antiga estação deu-se através do Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale (2006). Sequencialmente, o projeto de transformação das antigas áreas da fábrica e conjunto de casas (2009-2011), através dos arquitetos Humberto Hermeto e Francisco Albano de Andrade, desejando para aquele local a própria transferência das mazelas que sacrificam o hepicentro histórico de Ouro Preto.

Por fim, em 2014, a presença de Paulo Mendes da Rocha e equipe, permitiria um importante encontro entre a cidade e o arquiteto numa poesia de linha só: o Museu de Arte Contemporânea de Ouro Preto.

Apesar dos esforços, a fábrica antes tencionada à uma paródia da Praça Tiradentes e posteriormente a um contemporâneo espaço museográfico, suspende-se agora pelas autoridades locais, retratando-nos uma cidade que ainda dorme, indiferente ao século 21.

notas

1
O Perímetro de Tombamento de Ouro Preto foi definido em 1989, peloIphan; sabe-se ainda que: em 1933 a cidade fora declarada Monumento Nacional; em 1938 fora tombada pelo antigo SPHAN e, finalmente, em 1980, declarada pela Unesco, Patrimônio Cultural da Humanidade.

2
Nome que prevalecerá.

3
FUNDAÇÃO VALE. Fios e tramas: a indústria têxtil em Mariana e Ouro Preto. Belo Horizonte, Fundação Vale, 2013, p. 108 <www.fundacaovale.org/Documents/fios-e-tramas.pdf>.

4
Com Escritório Central localizado no Rio de Janeiro.

5
A Companhia Industrial Itaunense (1911-1999) já possuía três unidades fabris no Estado de Minas Gerais, quando expandiu a quarta unidade através da filial em Ouro Preto.

6
Construído entre 1887 e 1888.

7
A partir da década de 1940 com o nome “Victorino Dias”.

8
Escritório AF & T Associados Ltda.

9
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO DO ACERVO CULTURAL – IPAC, p. 71-72.

10
Idem, ibidem, p. 71-72.

11
Vide Lei 11.483, de 31 de maio de 2007 que atribuiu ao Iphan a responsabilidade de preservar e difundir a memória ferroviária, cosntituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário.

12
KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas técnicos de restauro. Cotia, Ateliê Editorial, 2008, p. 37.

13
Idem, ibidem, p. 145.

14
Idem, ibidem, p. 145.

15
KÜHL, op.cit, p. 146.

16
Idem, ibidem, p. 146.

17
BASTOS, Maria Alice Junqueira. ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950, São Paulo, Perspectiva, 2010, p. 333.

18
Idem, ibidem, p. 333-335.

19
Em colaboração com os arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz.

20
OLIVEIRA, Olívia de. Lina Bo Bardi: obra construída – Buit Work. Barcelona, Gustavo Gili, 2014, p. 112.

21
Idem, ibidem, p. 112.

22
Idem, ibidem, p. 201.

23
Destacando os casos mais emblemáticos ocorridos em Minas Gerais: o Grande Hotel de Ouro Preto (1938), por Oscar Niemeyer. A Igreja Metodista de Ouro Preto (1946), por José de Souza Reis. Cinco projetos elaborados por Oscar Niemeyer para Diamantina na década de 1950. A igreja-abrigo e restaurante na Serra da Piedade em Caeté (1956-1976), por Alcides da Rocha Miranda.

24
Destacando a Capela de Sant´ana do Pé do Morro em Ouro Branco (1980), por Éolo Maia e Jô Vasconcellos e o Colégio do Caraça (1986-1989), por Rodrigo Meniconi e Maria Edwiges S. Leal.

25
Destacando a Casa Arquiepiscopal de Mariana (1982/1983), por Éolo Maia, Jô Vasconcellos e Sylvio de Podestá.

26
Destacando o Centro de Convenções de Ouro Preto (1998/2001), por Alexandre de Souza Martins.

27
Destacando as intervenções nas Estações Ferroviárias de Ouro Preto e Mariana (2006), por Isabela Vecci e Samy Lansky.

28
Ambas pertencentes ao município de Ouro Preto.

29
Ambas pertencentes ao município de Mariana.

30
Respectivamente, os mandados foram: (1993-1996; 2005-2008; 2009-2012).

31
Consultoria através da arquiteta Deise Lustosa.

32
HERMETO Humberto; ANDRADE, Francisco Albano. Requalificação abre lugar para shows e oficinas. Projeto Design, São Paulo, n. 348, fev. 2009, p. 98-101.

33
Vice-refeito de Benedito Gonçalves Xavier (1982) e, após o falecimento do então prefeito, José Leandro assumiu o cargo até 1988. Outros mandados: (1997-2000) e (2013-2016).

34
Ouropretano. Engenheiro de Minas, Metalurgia e Civil formado pela Escola de Minas de Ouro Preto. Secretário de Patrimônio e Cultura entre 2013-2014.

35
PINHEIRO, José Alberto Alves de Brito. Entrevista concedida a Bruno Tropia Caldas. Ouro Preto, dez. 2015.

36
Nora de Paulo Mendes da Rocha.

37
O Instituto Inhotim, surgiu em 2004, através do empresário siderúrgico Bernardo Paz, sendo considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina.

38
O projeto fora amplamente divulgado pela mídia local e através de apresentação no bairro do Padre Faria durante a Câmara Intinerante.

39
PINHEIRO, José Alberto Alves de Brito. Op. cit.

40
Idem, ibidem.

41
OLIVEIRA, Olivia. Op. cit, p. 361.

42
Idem, ibidem, p. 363.

43
Vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura em 2006.

44
KÜHL, Beatriz Mugayar. Op. cit, p. 187.

45
De acordo com o Escritório Paulo Mendes da Rocha não foi realizado Memorial Justificativo para o MAC-OP.

46
Para mais de 150 automóveis.

47
GHIRARDO, Diane Yvonne. Arquitetura Contemporânea: uma história consisa, São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2009.

48
MEMÓRIAS CAPITAIS. A Vitória De Paulo Mendes da Rocha. Disponível em: <http://sites.itaucultural.org.br/memoriascapitais/espirito-santo/vitoria/>  Acesso em: 30 dez. 2015.

49
BASTOS, Maria Alice Junqueira. ZEIN, Ruth Verde. Op. cit.

sobre o autor

Bruno Tropia Caldas é arquiteto, doutorando pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROARQ – FAU/UFRJ) e professor associado da UNESA – Unidade Petrópolis/RJ.

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