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architexts ISSN 1809-6298


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Republicação de artigo clássico de Gérard Monnier, historiador francês recém-falecido, que trata da nova Midiateca para a cidade de Nimes, onde Norman Foster se enfrenta com a questão complexa da preexistência da Maison Carrée, antiga edificação romana.


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MONNIER, Gérard. O olhar do estrangeiro. Mobilidade dos arquitetos e abordagem do contexto: Norman Foster em Nimes. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 209.06, Vitruvius, out. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.209/6788>.

Após sua viagem à Itália em 1799, o grande arquiteto inglês John Soane descreve o projeto do palácio a ser construído no Hyde Park:

“Para compor este plano, eu tentei me apropriar das vantagens que nascem tanto da contemplação dos vestígios da antiguidade como da observação e da prática das realizações modernas. É por isso que eu desejei aliar o magnífico ao útil, o complexo ao variado e ao novo. O célebre palácio de Caprarola de Vignola sugeriu a forma geral do plano. A vila de Adriano em Tívoli, o palácio de Diocleciano em Spoleto, as enormes ruínas dos palácios dos Césares em Roma, os banhos romanos e o interior do Panteão com o soberbo peristilo de Agripa, estes exemplos do magnífico, do complicado, da variedade e do movimento, reunindo entre si todas as delícias intelectuais da arquitetura clássica, inspiraram-me a consagrar toda a minha energia neste projeto”.
As fontes do ecletismo, John Soane (1753-1837)

Desde o século das Luzes, as viagens participam da cultura do arquiteto e são um dos motores de sua transformação. Enquanto Jefferson buscava ainda em Nimes um modelo do antigo, Soane, em Roma, já procurava combinar fontes múltiplas. O motivo estaria na autoridade da visão do pintor sobre a do arquiteto? Ou na pressão do olhar dos românticos? No século 19, os arquitetos que vêem o edifício no seu contexto distinguem-se dos desenhistas copistas, enquanto os paisagistas distanciam-se dos arqueólogos; uns insistem na relação do edifício com a cidade e a paisagem, outros detalham ainda as modenaturas. Nas eloquentes imagens de Tony Garnier ou de Sant'Elia, que alimentaram com uma autêntica visão moderna alguns dos principais capítulos da arquitetura imaginária do início do século 20, há muito o que questionar: ver-se-ia aí o desejo de escapar da estreita tecnicidade do projeto, de sair dos limites da produção, de prolongar o projeto através de uma narrativa lírica. Além da diferença mensurável entre as escalas da representação, estas atitudes do paisagista e do analista, identificam diferenças de cultura, de saberes e de abordagens de profissionais distintos.

Conceito e contexto

"Ronchamp? contato com um sítio, situação num lugar, eloquência do lugar, palavra dirigida ao lugar [...]. Sobre a colina, eu desenhei cuidadosamente os quatro horizontes... estes desenhos estão dispersos ou perdidos; foram eles que desencadearam arquitetonicamente á resposta acústica – acústica no domínio das formas"
Le Corbusier à Ronchamp, 1950

Em relação ao debate sobre o estatuto do projeto, estas diferenças de estratégia tem uma forte atualidade, que opõe, como cada um sabe, os partidários do contexto aos criadores do conceito. Lembremos, resumindo, que em nome da autonomia intelectual, o conceito joga com a reivindicação narcisista do projeto livre das limitações da encomenda e da sua realização – o que permite tirar a arquitetura das contingências da vida social e material para dispô-la num plano superior, no sistema das belas artes, segundo o velho debate. Ao contrário, na abordagem contextual, admite-se a autoridade das determinantes locais e se trabalha sobre a pressão do real (a encomenda, as técnicas), propondo-se a dar uma resposta relativa. O dado contextual é, desta maneira, o avatar atual da questão, deixada em aberto, do realismo na arquitetura (no sentido da relação da arte com a realidade). Mas uma interpretação dissimulada da abordagem contextual insinua-se na critica, quando a relação com o contexto assimilada de maneira redutora, como uma apropriação do contexto edificado, como uma conivência natural com seu conhecimento íntimo, como um respeito fundamental do lugar e de sua identidade; esta interpretação desemboca na ideia de que a qualidade esta na identidade local, cujos corolários são a hierarquia (em proveito do local), e a exclusão daquilo que lhe é consequente: "nada disco entre nós" (o que não deixa de ter relações, salvo erro, com uma atitude política). Esta redução da aproximação do contexto pela preferência dada ao nativo em vez do estrangeiro conduz a atitudes morais e conservadoras sobre a dependência da aprovação pelos porta-vozes da autoridade local, que reconhecerão, com as formulas aceitas, os argutos conhecedores do espírito local, os fiéis intérpretes de um sítio. A perversão da abordagem contextual desemboca no avatar do regionalismo.

Contra esta versão estática e conservadora da arquitetura contextual é tentador apostar na demonstração inversa: a descoberta contextualista bem fundamentada pode surgir da mobilidade do arquiteto, levado a olhar de uma maneira nova o real. O olhar novo, certamente seria um olhar equipado de referências mais amplas, capazes de estimular o trabalho da invenção. Concedamos de início um amplo sentido à noção de mobilidade: a mobilidade não é somente aquela produzida pela viagem, ela não resulta necessariamente do contato com um local ou um contexto novo, ela é antes de tudo o deslocamento para fora do campo da competência estabelecida. Neste sentido, o olhar estrangeiro pode ser o do arquiteto ao qual se pede uma intervenção num programa que não faz parte do seu campo de atuação profissional habitual; confrontando com novos lugares e com programas diferentes dos que habitualmente trabalha. Le Corbusier (em Ronchamp, Capela Notre-Dame du haut), Jean Riboulet (em Paris, Hospital Robert-Debré) deram soluções originais, inteiramente fundamentadas numa percepção seduzida do local. E quando esta experiência torna-se objeto de comentários do próprio arquiteto, que não deixa nenhuma dúvida sobre a percepção ingênua do sítio desconhecido, nós devemos levar a sério esses testemunhos de tomada de consciência essencialmente existencial. Os contatos de Le Corbusier com Ronchamp, em 20 de maio a 4 de junho de 1950, e a sua proposta de uma acústica das formas, o diário de Pierre Riboulet, tomando conhecimento do terreno do boulevard Serrurier, testemunham o estímulo do pensamento para a descoberta dos locais, num processo oposto à familiar visão cotidiana que entrava a compreensão das relações.

Norman Foster e a questão da inserção

“Bela tarde ensolarada. As motos sobem as rampas, roncam, voam. O trem de subúrbio faz um barulho horroroso. Literalmente insustentável quando se está no mesmo nível. Um pouco menos forte quando se está na parte alta. As pessoas deitam-se na relva [...] Percorrendo o terreno, imagem mental de uma grande forma, curvilínea que se acenta sobre o relevo, prolongando-a e ampliando-a, partindo do boulevard, atrás da igreja, encurvando-se e se expan-dindo no lugar mais largo. Espécie de uma grande cocha escalonada cujo o centro estaria no sul e sudoeste, dando as costas para o trem, fazendo deste lado uma muralha abrupta e plena”.
Pierre Riboulet, Boulevard Sérurier, 1980

A conclusão recente da intervenção de Norman Foster em Nimes permite um balanço: a primeira realização deste importante arquiteto inglês na França justifica esta primazia atribuída à mobilidade? A questão é ainda mais interessante posto que a mobilidade adquire aqui uma dimensão notável: não somente o arquiteto intervém fora do seu território cultural, num sítio não familiar, mas também sobre um programa inusitado, face a um parceiro e diante de circustâncias das quais Foster, pode se dizer, não encontrou até então equivalentes.

A apresentação para a crítica da biblioteca e do museu de arte contemporânea (le Carré d'Art) estudados por Foster deu lugar a apreciações bastante contraditórias. A crítica mais atenta manifestou sua decepção frente ao edifício que lhe pareceu inferior a espectativa que se espera de uma estrela da arquitetura tecnológica. E é verdade que o edifício não dá aqui muita possibilidade de debate. Mas, se alguns criticaram a banalidade do concreto e das luminárias, todos viram e proclamaram num consenso a qualidade excepcional da inserção do edifício no sítio urbano extremamente determinado. Não nos enganemos: o êxito da realização aqui apreciado não o é em termos de compromisso, no sentido dessas estéticas mornas que a noção fastidiosa de arquitetura de acompanhamento sugeria até então; a maior parte, e, penso-o, com razão, viram a beleza de um classicismo moderno, que liga a capacidade da arquitetura do Carré d'Art de informar o local com novas realidades materiais e programáticas, graças a uma mistura consistente de usos determinados pelo projeto e por tecno-imagens colocadas no sítio; todos viram o equilíbrio das soluções, que sublimam esta mistura incongruente de estranheza e familiaridade, trazida pelo edifício ao mesmo tempo recente e novo, que integra a partir de agora o arranjo costumeiro dos lugares. Mas não nos detenhamos sobremaneira nesta abordagem crítica. Partamos de uma sorte de desafio disciplinar: pode uma abordagem histórica estabelecer em que condições o arquiteto estrangeiro ao contexto teve condições de informar o lugar? Se eu concedo que os argumentos de que se dispõem não estabelecerão outra coisa senão a presunção da relação causa e efeito, resta-lhes uma apreciável coerência. Que se avalie.

No percurso profissional do arquiteto, a novidade do programa de Nimes está assegurada: a partir do começo de sua carreira até o início dos anos 1980, Norman Foster foi um especialista de edifícios industriais e comerciais, construídos à parte dos embaraços de todo contexto urbano, em sítios onde não existia nenhuma determinação contextual. Nesta fase inicial, marcada pelo estudo da fábrica Reliance Controle (em Swindon, projeto de 1967), os dois projetos orientados dentro do espaço urbano, não colocam o verdadeiro problema da inserção; nem o estudo da sede social de Willis, Faber and Dumas em lpswich (em 1975), nem a famosa torre de Hong Kong (estudada a partir de 1979), não colocam em primeiro plano a questão da inserção urbana do projeto. Por outro lado o único programa cultural tratado antes pelo arquiteto foi o Centro Sainsbury para as artes visuais, construido aplicando uma tipologia de edifício industrial, em um só nível, no sítio livre do Campus da Universidade de East Anglia, em Norwich (estudo de 1978). Assim a quase totalidade da experiência projetual de Foster é ainda, no início dos anos 1980, conceitual, na medida em que seu esforço se faz sobre a definição da construção de um hangar equipado (eu utilizo esta expressão para evocar ao mesmo tempo a relação e a diferença com o hangar decorado de Venturi).

Em 1983 e em 1984, as coisas mudam. Dois projetos importantes vêm neste momento transformar os objetivos e a abordagem de Normam Foster: em 1983 ele estuda o projeto de um novo centro para a BBC, na Langham Place, em Londres, e em 1984 ele participa do concurso para o que na época era a Médiathèque de Nimes.

Os dois projetos têm em comum o fato de estarem inseridos num denso tecido urbano, de estarem em contato com edifícios históricos (a igreja de Toutes-les-âmes/All Souls, 1822-1824, do arquiteto Nash, em Londres; a Maison Carrée, em Nimes), e de implicar numa concepção específica e nova para o arquiteto. Foster dirá, a propósito do projeto da BBC, que se tratava “da abordagem a mais complexa, tanto em termos técnicos como urbanos” (1). Concebidos praticamente ao mesmo tempo, os dois projetos têm também em comum o emprego de processos idênticos: os dois são objetos de levantamentos, que colocam igualmente em evidência as ligações do sítio a construir com o seu ambiente urbano e os dois são estudados sob a forma de numerosas maquetes, que produzem uma importante série de variantes: nos dois casos estas maquetes acentuam a volumetria, e dão lugar a registros fotográficos destinados a controlar sua aparência dentro das condições de sua inserção no espaço construído. Nos dois casos, os projetos mostram a apreensão do meio ambiente monumental e dos espaços vazios formalizados, presentes nos dois sítios, diante e atrás do edifício projetado, a ponto de fazer aparecer, num certo momento, a uma só vez nos dois projetos, um espaço de circulação atravessando em diagonal o edifício, em direção à Rua Gaston-Boissier em Nimes e em direção à Cavendish Square em Londres. Está portanto claro que nesses anos de 1983 e 1984, Foster desloca o ponto de apoio de seu trabalho. Sem abandonar o campo de concepção do espaço a construir, a necessidade de colocar o problema da relação urbana do projeto constitue para ele uma nova via. E a primeira característica desta mobilidade é bem o enfrentamento da problemática urbana; deste ponto de vista é secundário que os sítios estejam em Londres ou em Nimes: não há distância real entre eles, mas entre eles e o entorno do sítio urbano onde Foster vai operar.

A interpretação de um sítio por um arquiteto

O segundo grupo de argumentos está nos remanescentes que são conservados dos interesses de Foster, quando da fase de preparação do concurso, ele descobre em Nimes o local da futura Médiathéque (utiliza-se aqui os documentos apresentados, em maio de 1993, no saguão do Carré d'Art). Uma primeira série de croquis anotados, datados de julho de 1984, mostra uma descoberta refletida sobre o local. O arquiteto observa a intensidade da luz, vê os contrastes da sombra acolhedora que reina sob as árvores do boulevard Victor Hugo, que ele chama de dark tunnel; ele nota estupefato que os carros estacionam obliquamente entre a Maison Carreé e a colunata do antigo teatro. Ele conserva o ponto de vista livre, views over traffic, que o pódio da colunata oferece sobre a Maison Carreé. Dentro desta visão seletiva, encontra-se um duplo inventário; o inventário dos elementos físicos: o espaço disponível, seja ele amplo (a praça), ou fechado (o boulevard); a luz brilhante e o seu contrário, a sombra; e o inventário das fontes culturais, que informa sobre a capacidade do local de montar espetáculo. Os pontos de vista, os obstáculos são registrados com hierarquia; a percepção do monumento antigo, com os carros estacionados, mostrando-se indignos do local, dão lugar a uma proposta de um espaço público, associando o edifício a ser construído com os volumes existentes.

Médiathèque de Nimes, vazio da escada interior
Foto divulgação [Universitée de Paris / CIRHAC]

Na primeira versão do projeto para o concurso de outubro de 1984, afirma-se a tomada do conjunto urbano, cujo sítio do concurso seria um elemento; a visão oblíqua do boulevard Victor Hugo sobre a fachada do futuro edifício está comentada: “o sítio marca o fim da perspectiva”. E neste local, a partir dos esboços preliminares do verão, executados entre julho e setembro, a problemática do dispositivo da recepção torna-se objeto de escolha. O arquiteto enfatiza, não a entrada propriamente dita, mas a hospitalidade de um local abrigado sob uma cobertura apoiada em mão francesa, que prolonga com fluidez o espaco acolhedor e sombreado do boulevard. Lugar público, abrigado, identificado com o espaço de encontro, isolado da calçada, provido de degraus acolhedores, este espaco intermediário pertence à cultura anglo-saxônica pela sua sociabilidade: comamos um sanduiche sentados nos degraus, como diante da catedral de São Paulo. É a escolha de um espaço prosaico e verdadeiro, cuja prática pelos habitantes de Nimes e pelos turistas, desde os últimos dias de maio de 1993, permitiu verificar a legitimidade, e selecionar a intuição do arquiteto. Este interpreta portanto, já nos esboços do verso de 1984, um local capaz de utilizações tempórarias variadas, que acolhe tanto os espetáculos de rua como as exposições comerciais: “a setting to promote trade shows, industrial design” (“um cenário para promover exposições comerciais e desenho industrial”), explica a legenda de um croqui que mostra a apresentação de barcos a vela... É notável que esta escolha do valor de uso da zona frontal escamoteia o tratamento arquitetural do acesso ao edifício, banalizado numa entrada evidente, mas sem ostentação. Retendo do pórtico neoclássico seu valor de abrigo, mas descartando sua exaltação monumental da entrada, Foster interpreta com finura o que as formas existentes podem lhe sugerir: menos uma referência formal do que uma indicação sobre o valor do uso da parte frontal do sitio. E todas as tentativas que o arquiteto conduz, no dia seguinte do concurso, a partir de 19 de outubro, para integrar o pórtico neoclássico a seu projeto, esbarram na incapacidade formal destas formas minerais com a delicadeza grafica da nova construção, com o desejo de manter a hospitalidade sedutora deste espaço disponível. Aliás, não é antes dos estudos de maio de 1985, bem depois do concurso, que a cobertura deixa de ser suspensa por uma mão francesa, para se apoiar sobre suportes, tão delgados, tão pouco determinantes de um espaço particular que eles não restituem na mesma proporção a figura e a capacidade monumental do pórtico classico.

Informar sem desfigurar

Em 17 de outubro de 1984, dia do concurso, Norman Foster apresenta seu projeto ao júri, e os traços conservados de sua intervenção são significativos: ele acentua fortemente o tratamento do edifício como parte do ambiente. Tendo desaparecidos os desenhos originais em que o arquiteto acompanhava sua exposição de esboços, tragados pelas testemunhos do concurso, dispõe-se de dois esboços preparatórios da prova, desenhados em feltro sobre uma placa de papel. Segundo esses desenhos, os argumentos do arquiteto diante do júri não falam da disposição interna do edifício, nem de sua construção; e aliás, toda a concepção do edifício propriamente dito será profundamente remanejado a partir do ano seguinte, não deixando quase nada do dispositivo apresentado para o concurso. Os argumentos principais são indicados em dois grupos, todos se referem ao ambiente: contexto urbano: pedra, vidro, metal, e estrada, vistas, espaços, luz, piso, degraus, pórtico. Nenhum destes argumentos contextuais trata do dispositivo espacial propriamente dito e de sua construção, talvez porque o comentário direto das representações gráficas fôssem suficientes. Nenhum destes argumentos não escapa da única questão vital: como o edifício deve informar sem desnaturalizar o local, “este vazio (que) aterroriza dois prefeitos e 40 anos de vida municipal” (Christian Liger).

Médiathèque de Nimes, interior com vista para a Maison Carrée
Foto divulgação [Universitée de Paris / CIRHAC]

Daí esta escolha de uma articulação através dos vazios e das paisagens, do novo local com o antigo, do volume simples com a extensão contínua do adro deslocado. Daí esta escolha pragmática do edifício discreto, sombrio a sua maneira, um edifício introvertido, que coloca em cena não a fachada ou a entrada, mas o vazio da escada interior, onde os níveis dos pisos que se desenvolvem abaixo do solo são mais numerosos que de cima. É a escolha de uma tipologia urbana fundamental, a que acolhe e reune as funções sociais em volumes interiores amplos, abertos atrás de paredes sóbrias, uma parede de vidro como em lpswitch, as tramas leves de pára-sois em Nimes, mas transparentes de dentro para fora. Esta escolha, já em uso no saguão central do edifício Willis, Faber ans Dumas, em lpswitch, se afirma num amplo átrio público, no centro do projeto para o centro de radiodifusão estudado para a BBC; é a escolha de uma cultura, a do pedestre da grande cidade contemporânea, do familiarizado com os antigos átrios (as grandes magazines), e os novos, que trazem a tipologia de vários edifícios recentes (2). Para Foster, este adro é o local do espetáculo. Não se duvida mais com efeito, agora que o acesso ao edifício é possível, da insistência da visão de referência que o arquiteto organiza tirando partido da proximidade dos dois edifícios; exatamente como ele fez no projeto da BBC, onde o átrio, plante d'un arbre, se abriu para um vasto pano de vidro sobre o espetáculo da igreja neoclássica de Toutes-les-âmes, em Nimes, Norman Foster associa, na mesma utilização da transparência, a imagem da Maison Carrée e um pé de primavera.

A força da abordagem de Foster em Nimes procede da articulação de duas atitudes, que se enriquecem mutuamente: de um lado, a clareza das soluções para tratar a justaposição do novo e do antigo, face a um problema inédito, o da inserção do edifício num sítio urbano determinado pela arquitetura histórica, um problema que a encomenda impõe ao arquiteto por duas vezes, em Londres e em Nimes, com um certo intervalo de tempo; por outro lado, a precisão na apropriação dos elementos que constituem o sítio, através de esboços que informam sem ambiguidade a invenção do projeto. Pode-se apreciar o paradoxo que conduziu o arquiteto, após ter enfrentado uma problemática tão nova para ele no contexto do projeto de Londres, a buscar em Nimes, no quadro de uma operação ao mesmo tempo menor mas certamente mais penosa: há nesta capacidade de responder à conjuntura uma bela lição de disponibilidade intelectual.

Médiathèque de Nimes, adro
Foto divulgação [Universitée de Paris / CIRHAC]

notas

NE – O presente texto, foi originalmente publicado na revista francesa Techniques Et Architecture, n. 409, ago./set. 1993. Posteriormente foi republicado em: MONNIER, Gerard. O olhar do estrangeiro. Óculum, FAU PUC-Campinas, Campinas, n. 4, nov. 1993, p. 6-15. Tradução para o português de Áurea Pereira da Silva.

1
Mencionada na New architecture: Foster, Rogers, Stirling, obra publicada por ocasião da exposição da Royal Academy of Arts, Londres, 3 out. a 21 out. 1986, Thames and Hudson, Londres, 1986, p. 119.

2
Escritório de Ia Colline Nord, Paris, La Défense, arquiteto J-P Buffi; escritório Bull, bd Gambeta, Paris, arquitetos Valode e Pistre; centro ZDF de Villeurbanne, arquiteto Parent; hotel da região Midi-Pirinneus, arquiteto J-P. Estrampes.

sobre o autor

Gérard Monnier é professor da Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne), Institut d'Art, e diretor do Centre Interuniversitaire de Recherche en Histoire de L'Art Contemporain – CIRHAC. É autor de L'Architecture Moderne en France – 1918-1950, publicado em 1990.

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