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drops ISSN 2175-6716

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A curadoria de exposições de arquitetura é capaz de refletir a cultura arquitetônica preparando o envolvimento entre espaço, visitante e obras. Tais relações são objeto da análise de Bruno Schiavo, que compara três mostras no circuito de arte paulistano

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SCHIAVO, Bruno. O ambiente da arquitetura em São Paulo. Sobre três exposições. Drops, São Paulo, ano 12, n. 046.03, Vitruvius, jul. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.046/3953>.



A “Ocupação Flávio Império” (Itaú Cultural) soma a outras exposições de arquitetura montadas em São Paulo atualmente: “Razão e Ambiente”, curada por Lauro Cavalcanti, e “O Coração da Cidade”, por Julio Katinsky (MAM e Instituto Tomie Ohtake, respectivamente). Diferenciando-se quanto às estratégias de trazer o assunto à tona, as três mostras podem ser vistas em conjunto, como é necessária a complementaridade entre arquitetura e ambiente.

O acesso do tema à cidade – arquitetura ou ambiente –, através da arte, lhe dá um sentido de oportunidade, se não amplia a sua urgência. Ao “sairmos” da cidade, entramos no igualmente áspero território de reflexão sobre como ocupar o espaço, como liberá-lo: o tema do acesso à cidade. A mediação entre exposição e público beneficia-se da universalidade do habitar e da curiosidade do “leigo”. A sensibilidade ao ambiente nunca foi exclusividade de arquitetos, o que vem sendo levado em conta por nossas Instituições que dão os primeiros passos pela construção de sentido – arquitetura, propriamente –, a partir do campo mesmo da curadoria, para um objeto que, por sua vez, oscilará entre os caminhos da disciplina e o lugar, a qualidade do experimental no ambiente.

É justamente com a intenção de consolidar uma linha mais ou menos precisa de desenvolvimento da disciplina arquitetônica que Julio Katinsky apresenta o edifício do Ministério da Educação e Saúde (Rio de Janeiro, 1936-1943), a origem da arquitetura brasileira entendida, a partir daí, por “autônoma como proposição estética”. Tomando-se essa linha e suas ramificações pode-se ler, como proposto, a existência de um centro de gravidade (os espaços de convivência) nas obras selecionadas, independente da consideração sobre os programas a que se destinam. Sua leitura é herdeira dos primeiros esforços da historiografia no Brasil em busca de uma matriz arquitetônica que encontrará seu sentido pelas incursões teóricas de Lucio Costa junto à obra de Oscar Niemeyer, enfatizando a correspondência formal entre as elaborações destes por uma síntese de identidade nacional-cosmopolita e o poder do Estado. Bem-intencionada, a linha não consegue justificar a escolha das obras, sendo o próprio percurso pela mostra índice de sua historicidade: a pluralidade de propostas arquitetônicas encontradas pulveriza aquela noção cívica questionando sua localização sob um mesmo teto comum. Assim, o critério de unidade se enfraquece e o caráter alusivo da arquitetura quanto a conter em seus limites a própria cidade chega à exaustão. Torna-se difícil discernir se o tratamento abstrato dado à criação de espaços de convivência vem das próprias obras ou da grande narrativa incorporada pelo curador.

Da mesma forma que a inclusão de obras muito divergentes pode parecer forçada em relação à certeza do argumento, sua organização no espaço obedece a uma necessidade de compensação daquela ortodoxia pela disposição “livre” das fotos e maquetes. As paredes coloridas, o desalinhamento das fotos, o uso de 3Ds e imagens lenticulares dificultam a compreensão da razão hierárquica estabelecida. A atitude “desconstrucionista” de dispor imagens de edifícios tanto na parede quanto no chão, sem referência às implicações que os próprios signos arquitetônicos em questão (chão e parede) trazem a uma montagem de espaço expositivo, indica a incoerência entre o caráter de cânone das obras escolhidas e o modo como figuram no museu. O privilégio dado às poucas fotografias de cada projeto (em geral uma ou duas para cada um) e a ausência de qualquer desenho de aprofundamento técnico, antes de expressarem uma vontade didática, reforçam o distanciamento entre o público e a arquitetura, terminando esta ainda apresentada em fortes traços acadêmicos.

Ao contrário, na exposição “Razão e Ambiente”, a apresentação das obras é feita de maneira favorável: muitos dos projetos contemporâneos também presentes em “Coração da Cidade” podem aqui ser vistos em detalhe, através de croquis e desenhos (plantas, cortes, elevações) ampliáveis. Além destes, são também expostos os desenhos para os bons TFGs de estudantes formados pela Escola da Cidade, que demonstram como a arquitetura pode caminhar partindo da escala da metrópole. A produção contemporânea é exclusivamente mostrada através de dispositivos eletrônicos: projeções, mesa interativa e tela. Os croquis de Lina Bo Bardi e Sergio Bernardes reforçam o aspecto projetual-propositivo, central na arquitetura. Em “O Coração da Cidade”, a opção por fotografias tendo a didática como justificativa questiona a dimensão processual de outros tipos de representação quanto à eficiência para a apreensão do objeto. No entanto, parece ser precisamente pelo aspecto inacabado de croquis ou de desenho técnico que encontramos as entradas para os projetos.

A compreensão de que meio (no sentido de técnica) e ambiente (para além de naturalizado em termos de “sustentabilidade”) foram complementares ou mesmo indissociáveis em momentos específicos da arquitetura moderna brasileira é o mais substancial da demonstração de Cavalcanti. Não é mera coincidência que um desses episódios reconstitua a mesma síntese teórica de Lucio Costa a que nos referimos acima, trazida aqui em sua imediaticidade através de “Riposatevi” (1964). É aqui onde se efetiva a original proposição geral de Costa por sua contundência cultural na arquitetura brasileira, ainda imune à instrumentalização pelo discurso. Deixar que isso se traduza na ocupação do espaço, lado a lado à utilização dos meios digitais, contribui para questionar se os fatores que vêm montando a agenda ecológica podem continuar sendo tomados em si ou naturalizados, ao que a construção devesse responder de maneira exclusivamente heterônoma, reduzida a um agir por semelhança. A arquitetura presente na exposição de Cavalcanti torna-se mais palpável por fornecer o próprio procedimento da construção ao ambiente expositivo. Segundo Costa, o arquiteto não só vive de oposições e adversidades, mas preserva sua atualidade quando não recorre a qualquer tipo de síntese supra-histórica.

“Eu trabalhei como arquiteto principalmente no começo, quando eu me formei. Depois disso, eu fui ficando de tal forma incompatibilizado com a arquitetura produzida normalmente, que eu fui me afastando, preferindo ficar no campo mais do símbolo do que da realidade, onde você tem mais possibilidade de exercer uma função crítica”. A “Ocupação Flavio Império”, no Itaú Cultural, exibe o documentário “Em Tempo”, onde se encontra a citação acima e que trata da relação do artista com a arquitetura como um dos capítulos de suas múltiplas atividades (cenógrafo, figurinista, artista plástico). Se o contexto político e a “arquitetura produzida normalmente” impediam que a crítica tomasse o espaço do que ele chamava “realidade”, também a ficção cultural canônica cuidou que ficasse em suspenso o breve capítulo do Grupo Arquitetura Nova, protagonizado por ele, Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre. A “Ocupação” pretende trazer o caráter experimental de sua obra ao uso do público, através de suportes que permitem analogias com a produção de arquitetura.

Tais são alguns dos dispositivos mobilizados: a contribuição de amigos e familiares para a organização de seu acervo, disponível a consultas por meio de um website; exibições de trechos de filmes de viagem de Flavio em Super-8 pelo Brasil; um seminário dedicado à arquitetura que, contando com as falas de Sérgio Ferro e Carlos Ferreira Martins, buscou inscrever o sentido de sua recusa à disciplina nos termos da prática arquitetônica na atualidade; o deslocamento das telas de serigrafia, que ficam expostas enquanto não são retiradas para manipulação pelos visitantes, e o pendurar dos panos no varal para a secagem das impressões, configurando um ambiente de produção e exposição.

A presença do que é mais comumente entendido como resultado de práticas artísticas permite que estas sejam vivenciadas em semelhança aos procedimentos da crítica ao modo de se produzir arquitetura. Para tanto, é fundamental que o primeiro plano de sua atividade plástica tenha sido colocado em complementaridade ao pano de fundo de seus princípios na arquitetura, revelando as razões de sua “rejeição”, a partir do que a esta se seguiu.

Para além da interpretação que levaria ao elogio da autoconstrução ou mesmo da arquitetura das favelas, pode-se compreender sua obra como um desafio ao isolamento da cultura arquitetônica, traduzida-se aqui em uma busca por maneiras de aproximação entre a arquitetura e o público não-especializado. À curadoria cabem as tarefas de, por um lado, tratar cuidadosamente do conteúdo que consolida a disciplina e, por outro, expor as lacunas históricas a partir das quais novas práticas podem ainda ser experimentadas. Sintomaticamente, a Arquitetura Nova é ausente na seleção de Katinsky, por ampla que esta se pretenda. O “desconhecido” necessário ao experimental é estranho à nostalgia e à austeridade disciplinar cobradas pela aparência de um futuro promissor no setor econômico da construção. Ao se rejeitar a suposta “dissolução” da arquitetura, é dificultado também seu contínuo reconfigurar-se mais pleno de sentidos para a sociedade.

A definição da linha discursiva que concatena os projetos e seu modo de disposição no espaço qualificam a um só tempo a pertinência da discussão arquitetônica sobre e para a cidade. A identidade entre o espaço arquitetônico e o espaço expositivo é um ambiente fecundo de investigação por uma montagem à altura do campo contraditório de seu objeto.

sobre o autor

Bruno Schiavo é estudante de graduação em Arquitetura e Urbanismo na FAU USP. Atualmente realiza pesquisa para o Trabalho Final de Graduação.

 

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