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O Masp de Lina – segundo André Joanilho – é capaz de inspirar até aqueles que não se encontram no círculo de especialidades de arquitetos e historiadores da arquitetura.

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JOANILHO, André Luiz. Masp. Arquitetura feita de hidrogênio e chumbo. Drops, São Paulo, ano 15, n. 082.05, Vitruvius, jul. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.082/5240>.


Museu de Arte de São Paulo - Masp, arquiteta Lina Bo Bardi
Foto Abilio Guerra


Diante de uma foto tirada do Museu de Arte de São Paulo – Masp, percebi que queria dizer mais algumas coisas aos meus alunos que, por descuido ou excesso de admiração, deixei escapar na ocasião que visitamos o local. Porém, antes, terei de pedir licença aos meus amigos arquitetos e historiadores da arquitetura para poder falar, já que não sou especialista na área (desculpem-me se uso termos simples, mas não consigo expressões adequadas para as “atmosferas” que vocês criaram em torno de si mesmos com longos anos de estudos e especializações – eu mesmo tenho a minha, mas estou tentando “respirar” um pouco dos seus ares para falar ainda de outra atmosfera, a da Lina Bo Bardi).

Sempre olho o Museu e o admiro. Porém, desta vez, veio uma imagem um pouco diferente (e novamente peço desculpas): Led Zeppelin. A lenda diz que Keith Moon, ouvindo os primeiros ensaios da banda organizada por Jimmy Page, soltou a expressão “lead Zeppelin”, uma metáfora para o som da nova banda nos idos de 1968, posteriormente Jimmy Page mudou para Led Zeppelin. Pesado como chumbo e leve como um Zeppelin. Olho para o Museu e me vem esta imagem: parece uma arquitetura feita de hidrogênio e chumbo. Ele flutua pesadamente nas névoas de poluição da capital paulista.

Não sou especialista no trabalho da Lina Bo Bardi, mas tento sentir a atmosfera da sua criação. Fazer a história do Museu, já está feita. Historiadores podem optar pelo bas fond da alma humana ao tratar das vaidades, falcatruas e aventuras um tanto ilícitas para constituir o Masp – bom não é desconhecida a trajetória de Assis Chateaubriand. Mas, podem também optar pelo ar rarefeito que circunda a sua criação.

Fico imaginando São Paulo dos anos 1960, principalmente a Avenida Paulista e arredores, local escolhido como um hangar para suportar o Museu. De um lado, um parque criado em fins do século 19 para deleite da elite paulistana. De outro, uma queda em direção ao Vale do Anhangabaú, abrigando a Avenida 9 de julho, mais adiante, os poucos prédios, na época, e as casas populares da Bela Vista. Perfeito!

Um edifício poderia reinar ali, local mais alto da capital (exceção ao Pico do Jaraguá). Ele seria visível da avenida e edifícios arredores. Criou-se então uma atmosfera nova: um Museu nas nuvens. Milhares de toneladas de concreto flutuam sobre a Paulista.

Motoristas e passageiros de ônibus ergueriam a cabeça antes de entrar no túnel 9 de julho e veriam o Zeppelin de concreto pairando na Paulista (agora não dá mais, viadutos e edifícios ocuparam todo o espaço que existia), mas dá para imaginar.

É interessante compará-lo com o Museu do “Olho” em Curitiba. Pode-se dizer que tanto Niemayer quanto Lina são arquitetos que têm raízes em Gropius e Corbusier, mas a diferença é muito grande. No “Olho” concentra-se o olhar no interior do próprio museu. O objetivo está traçado, não há outra distração que o próprio museu. Obriga-se o visitante a ficar no seu interior. Nada além do que a arte no seu estado bruto: concentrada.

O Masp é uma janela dispersando a vista no seu em torno. A arte flutua na Paulista e se evanesce na paisagem, quer dizer, era assim, agora não mais. Era uma caixa de vidro ressoando arte à sua volta, mas hoje há cortinas nas janelas... há divisórias... há paredes como se a arte fosse apenas arte e não mais a vida (não dá para evitar o lamento). Creio que se pudesse Lina não teria planejado parede alguma, só uma cobertura para proteger as obras das intempéries. As pessoas iriam para casa ou trabalho no meio de Van Goghs, Rembrandts... Flanariam entre iconografias medievais e Rodins.

Ela organizou a exposição das obras em painéis de vidro, então, não era difícil visitar o Museu e flanar pelas obras. Podia-se escolher a trajetória aleatoriamente, e o olhar do visitante também flanaria entre as obras, a natureza do Trianon e a vista da cidade. Era possível projetar Cézanne em direção ao centro, fazendo o contraste entre a paisagem bucólica do quadro com o concreto de São Paulo. Também era possível ver atrás do olhar melancólico de Rembrandt uma natureza exuberante do parque Trianon. De forma alguma se poderia dizer que isso foi aleatório. Lina produziu uma combinatória e criou uma atmosfera que ainda é possível respirar hoje, apesar das cortinas, paredes, salas que asfixiam.

Por isso ninguém fica inerte diante dele. Há uma atmosfera e esse ar rarefeito é muito difícil de conseguir. Podemos passar em frente e senti-lo no espaço deixado em branco do chão ao primeiro piso: o vão do Masp.

Ele é capaz de abrigar drogados, manifestantes, feira de antiguidades, visitantes, poetas e artistas em geral. As pessoas que procuram este lugar podem até não saber, mas estão respirando outro ar, outra atmosfera.

É possível passar debaixo do Museu e sentir uma segurança total. Milhares de toneladas flutuando sobre as cabeças e, mesmo assim, parece que dá para erguer os braços e tocar o teto.

Paulistanos, brasileiros, estrangeiros formam filas para passarem pela revista da segurança mal-ajambrada do Museu. Não há guias eletrônicos, não há uma estrutura condizente com a leveza do prédio, mas há a sensação de uma atmosfera insólita que poucos museus podem oferecer (a maior parte deles está em prédios reais ou de poder – Prado, Louvre, Hermitage, Vaticano, Uffizi etc.), por isso o Masp tem esse ar.

É difícil imaginar que temos de passar por crises violentas para cuidarmos com carinho dos nossos parcos bens culturais (quero dizer oficiais ou semi-oficiais, portanto não falo das manifestações culturais). Por que esse descaso para, depois, na última hora, tomarmos alguma atitude? É estranho.

Observa-se o museu flutuando apesar da incúria dos nossos poderes laicos. Ele eleva a arte à liberdade e à rarefação a despeito das amarras orçamentárias e desprezo de autoridades, mesmo aquelas encarregadas de zelar por esses bens.

De qualquer maneira, o prédio está nas nuvens e nos mostra a racionalidade da arquitetura da Lina que toca os sentimentos. Podemos expressar palavras para explicar, mas muito mais do que isso, podemos sentir. Isso é arquitetura. O Masp é a pura expressão da arte nas nuvens.

sobre o autor

André Luiz Joanilho é Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.

 

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